Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:890/09.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:IVA
FATURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Tendo sido enunciados expressamente os fundamentos ou razões jurídicas com que a Fazenda Pública pretende obter o provimento do recurso, indicando-se a norma jurídica violada e o sentido com que, no entender do Recorrente, tal norma devia ter sido interpretada e aplicada, mostram-se cumpridos os ónus processuais consagrados no artigo 639º do CPC.
II - Quando a AT desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
III - Dessa prova indiciária a cargo da Administração fiscal deverá também resultar que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 31/12/2020, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por R......, LDA. contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de tributação de 2003 e 2004 e juros compensatórios associados, no montante global de € 89.262,75, nos seguintes termos:

“a) Anulam-se totalmente as liquidações de IVA e de juros compensatórios impugnadas (identificadas nos factos provados 21 e 22); e

b) Absolve-se a Fazenda Pública do pedido de indemnização pela prestação de garantia.”

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

Conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por R......, NIPC 50....... contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, dos anos de 2004 e 2005, no valor total de €89.262,75, já devidamente identificadas nos autos.

II. Fundamentalmente, invocou a Impugnante a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros moratórios, arguindo, para tanto, a veracidade das transações económicas subjacentes às faturas desconsideradas.

III. Vem a douta sentença decidir que, no caso sub judice, “Devendo entender-se, em conformidade, que as facturas em causa respeitam a operações reais e que a Impugnante podia deduzir o respectivo IVA. Portanto, as liquidações adicionais de IVA (identificadas no facto 21) padecem do vício de violação de lei…”.

IV. Nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA (aprovado pelo DL 394-B/84, de 26/12), “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.”

V. Daqui decorre, que não há direito à dedução quando a operação é simulada ou se o preço constante da fatura ou documento equivalente é simulado, o que o mesmo é dizer que nessas situações não é admitido o direito à dedução do imposto respetivo a fim de não se obter dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo.

VI. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza. A dedução é, assim, um elemento da estrutura de funcionamento do tipo de imposto.

VII. Se a dedução corresponde a um direito do contribuinte, segundo a própria conformação normativa do imposto, é ao contribuinte que caberá demonstrar a existência dos factos em que a suporta. Deste modo, quando esteja em causa uma liquidação fundada no não reconhecimento pela administração de uma dedução que o contribuinte fez caberá a este a prova da verificação dos requisitos estabelecidos na lei para que essa dedução seja substantivamente legítima.

VIII. Vale isto por dizer que, à Administração Tributária cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no n.º 1 do artigo 82.º do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa.

IX. Ora, in casu, os SIT desconsideraram o IVA constante das faturas emitidas pela sociedade A......., Lda, por existirem fortes indícios de que as mesmas não titulavam operações reais e o emitente não ter estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º CIVA.

X. Como resulta do RI (e dado como provado nos presentes autos) foram efetuados vários procedimentos de inspeção relacionados com o comércio de madeiras, tendo-se apurado que determinados operadores compravam a madeira a particulares (silvicultores), aquisição esta que estaria isenta de IVA, nos termos do n.º 36.º do artigo 9.º do CIVA nem recorrem a autofacturação.

XI. Ora, estas aquisições eram efetuadas sem qualquer documento de suporte, recorrendo os operadores a contribuintes que se encontrassem em situação económica deficitária ou irregular para emissão de faturas que mencionam IVA, o que permitiria aos utilizadores dessas faturas a dedução do imposto, sem que os emitentes procedessem a qualquer entrega do imposto constante dessas faturas nos cofres do Estado.

XII. Ora, resulta provado que a impugnante, no anexo P da declaração anual de informação contabilística e fiscal, declarou que a sociedade A......., LDA., lhe terá fornecido nos anos de 2004 e 2005 madeira de pinho e carvão nos montantes de € 152.138,00 e € 329.437,00 (IVA incluído), respetivamente.

XIII. Nessa conformidade e porque a sociedade A......., LDA., não fez constar no anexo O da declaração anual de informação contabilística e fiscal as vendas anteriormente referidas procedeu-se à sua análise (que foi realizada no âmbito das ordens de serviço números OI2….. e OI20…..).

XIV. Desta análise resultou provado que:

“- A empresa não demonstrou ter adquirido qualquer mata ou madeira já cortada e empilhada;

Não apresenta recursos humanos próprios ou subcontratados, mão-de-obra necessária aos trabalhos de corte e rechega da madeira;

- Não possui nem equipamentos nem meios de transporte próprios ou subcontratados, necessários ao transporte da madeira.

A inexistência de meios financeiros inerentes a tais operações, quer da empresa quer dos seus sócios;

As limitações do seu sócio e gerente, Sr. J......., pessoa responsável por todos os negócios segundo os adquirentes, que sofreu um acidente vascular cerebral no decorrer do ano de 2002 que o deixou bastante incapacitado;

A situação económica da empresa e dos seus gerentes, que não revela benefícios inerentes ao volume de vendas que os “pretensos” clientes declararam;

E ainda

O facto do gerente da empresa ter reconhecido que nunca comercializou madeira. Tendo-se concluído que aquela empresa emitiu facturas que não titulam operações reais, configuram operações simuladas, sendo, consequentemente, falsas.” (Ponto 8), paragrafo § 2.2 da factualidade assente).

XV. Mais apuraram os SIT, no que ao transporte das madeiras concerne, que “Nas várias diligências encetadas para aferir da legitimidade das facturas contabilizadas, apurou-se que as entregas de madeira efectuadas na empresa V........ SA que o sujeito passivo identificou como correspondendo às facturas emitidas pela A......., Lda., foram efectuadas por M........ ou por sua conta. M........ foi objecto de procedimento externo de inspecção no qual não foram identificadas vendas à empresa A......., Lda.”

XVI. Pelo que, legítima e legalmente se concluiu “Considerando que as descargas de madeira na empresa V........, SA foram efectuadas por M........ ou por sua conta, que não facturou qualquer madeira à empresa A......., Lda., teria se ser este sujeito passivo a facturar tais vendas ao sujeito passivo, o que não aconteceu, sendo as facturas substituídas por facturas da empresa A........, LDA., o que confirma as conclusões que se extraíram no decorrer do procedimento de inspecção realizado à empresa A......., Lda.”

XVII. Afigura-se-nos, assim, evidente que os indícios recolhidos pela Administração Tributária constituem fundamentos suficientes, claros, sérios e congruentes para concluir que as relações comerciais entre a recorrente e os emitentes das faturas em causa são destituídas de fundamento económico.

XVIII. Não olvidamos que os indícios referentes a cada uma das circunstâncias dos emitentes das faturas, de per si é insuficiente, para suportar a existência de indícios sérios e objetivos que conduzam à inexistência de operações reais subjacentes às faturas em causa nos presentes autos.

XIX. Contudo, analisado em conjunto com os demais, são suficientemente aptos a convencer sobre a adequação do juízo formulado pela Administração Tributária no sentido de que existe uma probabilidade elevada de que as faturas não titulam operações reais.

XX. Efetivamente, os elementos recolhidos em sede inspetiva são de molde a concluir fundadamente e com elevado grau de probabilidade que as operações económicas ocorridas entre as partes não corresponderem (materialmente) à realidade pressuposta nas faturas a que respeita o IVA desconsiderado.

XXI. Desde logo, perante a ausência de prova quanto ao recebimento pelos emitentes das faturas das quantias apostas nos cheques que serviram de base para pagamentos das faturas questionadas e capacidade logística para a realização das operações em causa.

XXII. O facto de a AT ter descrito detalhadamente as operações nos Anexos do RIT não significa que as tenha aceite, porquanto esta descrição corresponde ao circuito documental das mercadorias, o que não quer dizer, de modo algum, que seja o seu circuito real.

XXIII. Mais gritante, ainda, é a total desconsideração pelas declarações da própria entidade que, supostamente emitiu as referidas faturas, onde nega perentoriamente tê-lo feito, bem como, nega ter recebido qualquer valor da ora recorrida.

XXIV. Tudo visto e ponderado, é de concluir que a Administração Tributária logrou demonstrar, como lhe competia, os pressupostos da sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios e objetivos de que as operações constantes das faturas emitidas não titulam reais operações económicas.

XXV. E, nessa conformidade, feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à faturação indiciada. Ora, manifestamente que no caso essa prova não foi feita, como demonstra a matéria de facto assente.

XXVI. Salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação quer dos factos dados como provados quer dos elementos probatórios constantes dos autos, o que conduz ao vício de erro de julgamento.

XXVII. Pelo que, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que não se verificam os pressupostos do n.º 3 do artigo 19.º CIVA e, em consequência, julgando verificada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, nestes autos impugnadas.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA JUSTIÇA!

A Recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

A. Em primeiro lugar, entende a Recorrida que a argumentação expendida pela FP é inepta para produzir as consequências que dela pretende retirar – a revogação da Sentença Recorrida – desde logo porque não formula adequadamente a sua pretensão recursiva, nos termos conjugados dos artigos 639.º e 640.º do CPC aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT, e que por isso devem conduzir à rejeição do recurso apresentado.

B. Em caso de recurso da matéria de facto, o recorrente deve expressamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, quanto à factualidade assente, da que foi efetivamente proferida pelo Tribunal a quo, e ainda a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, motivo pelo qual ao imputar vícios de facto à Sentença Recorrida, impende sobre o recorrente um ónus de alegação e de fundamentação nos termos do artigo 640.º do CPC.

C. Ora, a AT limitou-se a reproduzir segmentos do RFI, invocando os fundamentos na base da emissão das Liquidações Adicionais, sem em momento algum ponderar esses factos ou informação que elenca com a restante prova e factos dados como provados nos autos e sem de tal reprodução extrair quaisquer consequências reais que não fossem a de que esses segmentos que reproduz “constituem indícios sérios” de que as operações em causa não são reais.

D. Quanto a este ponto é a jurisprudência assertiva e unânime no sentido de que os requisitos previstos no artigo 640.º, n.º 1 do CPC são de cumprimento obrigatório, não estando o seu incumprimento sujeito a qualquer análise mas, pelo contrário, devendo acarretar direta e consequentemente a declaração de ineptidão do recurso e, consequentemente, a sua rejeição imediata.

E. O que a Recorrente não pode, sob pena da rejeição do recurso que aqui se invoca, é recorrer com base em factos que não constam do segmento fáctico da Sentença Recorrida e que não pede sequer para serem incluídos no probatório, incumprindo o seu ónus alegatório, o que se invoca e que não pode deixar de conduzir à rejeição do presente recurso.

F. O que no presente recurso se faz é imputar à Sentença Recorrida um erro na apreciação e valoração da prova, que o mesmo recurso faz decorrer de um conjunto de factos não provados ou contraditórios com os factos assentes, sem contudo imputar à mesma decisão um erro de julgamento de facto ao não incluir tais factos na matéria considerada assente.

G. Mais, dos elementos de prova juntos aos autos não resultam inequivocamente tais factos, que resultam apenas de afirmações (desacompanhadas de qualquer elemento probatório) ou mesmo opiniões da AT, que de resto as baseia em outros procedimentos inspetivos ou em depoimentos que não foram produzidos nos presentes autos.

H. Por sua vez, em caso de recurso de direito, o recorrente deve indicar as normas jurídicas violadas e o sentido em que, no seu entender, deveriam ter sido aplicadas, nos termos do artigo 639.º do CPC, o que manifestamente também não aconteceu no presente caso.

I. Sucede que a FP se limitou a articular os fundamentos que no seu entender deveriam resultar na revogação da Sentença Recorrida como uma mera discordância da Sentença Recorrida, quando essa mera discordância não é, por si só, fundamento de recurso, limitando-se a reproduzir os fundamentos das correções por si efetuadas, já alegados em sede de RFI e da ação de impugnação (e que, de resto, não mereceram concordância por parte do Tribunal a quo); reprodução essa que não é suscetível de constituir fundamento recursivo – vide Acórdão do TCAN no processo n.º 00078/15.2BUPRT, de 23/06/2021.

J. Termos em que o Recurso deverá ser rejeitado, por ineptidão, por violação do ónus de alegação que impendia sobre a FP nos termos dos artigos 639.º e 640.º do CPC e por ausência de objeto, já que a Recorrente não submete ao presente Tribunal as razões da sua discordância com o julgado e os fundamentos por que entende que a decisão deve ser anulada, limitando-se a reproduzir a posição da AT vertida no RFI e que fundamentou a emissão das Liquidações Adicionais.

K. Mesmo que assim não se entenda, e não seja o Recurso rejeitado, por inepto, o Recurso interposto pela Recorrente sempre estaria condenado à improcedência, mantendo-se a Sentença Recorrida, que está adequadamente estruturada, devidamente fundamentada e que não merece qualquer censura.

L. Desde logo, no que respeita ao erro de julgamento que a Recorrente imputa à sentença por considerar que não se verificam os pressupostos do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA (cf. Conclusão XXVII. das Alegações), salvo o devido respeito, tal argumento não procede, na medida em que não é de aplicar - como bem entendeu o Tribunal a quo - o artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA à situação concreta em apreço, pois não estão reunidos os pressupostos de que depende a aplicação deste regime legal.

M. Com efeito, a operação de compra de madeira à A....... e venda à V........ não é uma operação simulada como decorre amplamente provado dos presentes autos e como doutamente determinou – fundamentadamente - o douto Tribunal a quo na Sentença Recorrida, ao concluir que as faturas em causa respeitam a operações reais, pois a Recorrida comprou e pagou, com IVA, à A......., a totalidade da madeira descrita nas faturas em causa.

N. É, portanto, inegável o seu direito à dedução, pois não se verifica a ratio que a própria AT elenca como definidora do escopo de aplicação deste regime, a saber, o objetivo “de não se obter dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo” (cf. Conclusão V das Alegações).

O. Resulta de forma clara e evidente de toda a prova produzida, não só a existência não de uma, mas de várias transações comerciais efetuadas entre a A....... e a Recorrida nos anos de 2004 e 2005, mas também que a madeira em causa foi obviamente faturada, com IVA, pela A....... à Recorrida, sendo que a Recorrida pagou à A......., nos exercícios em causa, a totalidade da madeira vendida, incluindo o respetivo IVA, como resulta demonstrado com toda a clareza das cópias dos cheques e dos extratos bancários juntos aos autos.

P. É pois notório, evidente e indiscutível que a madeira em causa foi vendida pela A....... à Recorrida e que foi paga por esta, que por sua vez a vendeu à fábrica, sendo igualmente evidente que as operações realizadas entre a A....... e a Recorrida consubstanciam verdadeiras transações comerciais, comprovadas pelas faturas e pelos cheques e extratos bancários.

Q. Acresce ainda que as eventuais irregularidades a montante (que a FP invoca no seu Recurso) não são, por si só e isoladamente, suficientes para afastar o direito à dedução do IVA no caso presente em que se prova que as operações são reais para a Recorrida (isto é, que a Recorrida não sabia nem tinha como saber que a operação em causa fazia parte de um esquema simulatório e/ou fraudulento).

R. Termos em que o Recurso interposto pela FP deverá ser julgado manifestamente improcedente, sendo mantida a Sentença Recorrida, que não merece qualquer censura, pois está amplamente provado que, no que à Recorrida diz respeito, as operações tituladas pelas faturas em apreço foram operações reais, através das quais a Recorrida adquiriu madeira à A......., que comprovadamente pagou e entregou aos seus clientes aos quais a revendeu, tendo portanto direito a deduzir o IVA efetivamente suportado com tais operações nos termos do artigo 19.º do Código do IVA, independentemente de uma qualquer irregularidade cometida pela A........

S. O Recurso ora interposto pela FP estriba-se, no essencial, na existência de alegados indícios fortes de que as operações em causa são simuladas, indícios que, no entender da AT, deveriam ter sido valorados distintamente pelo Tribunal a quo num juízo crítico da prova e conduzido a uma conclusão de direito distinta da alcançada na Sentença Recorrida, no sentido de manter as Liquidações Adicionais emitidas.

T. Salvo o devido respeito, tal posição é estribada em indícios que não são sérios (contrariamente ao que pretende a AT), pelo menos no que respeita à participação da Recorrida numa qualquer operação simulada – da qual depende, naturalmente, a aplicação do artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA – e que se revelam antes fracos, contraditórios e insuscetíveis de comprovar a pretensão da Recorrente.

U. Mais, tais alegados indícios são todos eles, como expressamente refere a Recorrente (cf. conclusão XVII) relativos ao emitente das faturas ou aos transportadores da madeira, não existindo qualquer indício de que a Recorrida sabia ou tinha como saber de tais factos (não provados nem pedida a alteração do probatórios para serem considerados assentes nesta sede recursiva).

V. Alguns dos indícios que apresenta como fortes – e.g., (i) a falsidade das operações recorrente no contexto do setor madeireiro, (ii) a ausência de prova de que os emitentes das faturas receberem efetivamente as quantias apostas nos cheques, (iii) o facto de a A....... carecer de meios materiais para a operação económica em causa e (iv) a eventual relação fraudulenta existente entre a A....... e o Sr. M........ – são indícios ou não provados nos presentes autos, ou correspondem a generalizações sobre o setor madeireiro e a atividade da A......., todos eles totalmente alheios à Recorrente e, portanto, insuscetíveis de constituírem indícios de que as operações não são reais.

W. Com efeito, a generalização efetuada pela FP e elencada como um sério indício de operação simulada naturalmente não pode proceder, pois tal perceção generalizada da AT sobre o mercado não tem qualquer influência na atividade da Recorrida e decorre de uma experiência da AT, enquanto os factos acima elencados – pagamento e receção da madeira – são factos provados documentalmente nos autos.

X. Por sua vez, está demonstrado o efetivo pagamento por parte da Recorrida dos montantes devidos pela aquisição da madeira nos termos das faturas e, portanto, é irrelevante para efeitos de aplicação do artigo 19.º do Código do IVA e direito à dedução do IVA suportado pela operação se a A....... recebeu, ou não, estes montantes.

Y. Da mesma forma, tal como decidido pelo douto Tribunal a quo na Sentença Recorrida - numa posição que não merece censura - a eventual falta de meios da Recorrida, mesmo que tivesse sido demonstrada - que, ressalve-se, não foi -, não seria, sem mais, oponível à Recorrida.

Z. Estes “indícios” que invoca encontram amparo, em particular, nas declarações prestadas pelo gerente da A....... (acima amplamente reproduzidas), da qual, salvo o devido respeito, não pode a FP retirar as conclusões que pretende, pois tal prova testemunhal não foi produzida nestes autos (nem sequer em juízo), resultando apenas de declarações prestadas à AT no âmbito da inspeção, nem são suficientes para abalar a convicção formada pela prova documental produzida pela Recorrida da qual decorre o efetivo pagamento dos montantes devidos pela Recorrida, tal como de resto entendeu o Tribunal a quo.

AA. Isto é, afirmar que a A....... não tinha uma estrutura adequada à realização da atividade a que se propunha, insinuar que existia algum acordo entre a A....... e o Sr. M........ ou mesmo que a A....... não entregava aos cofres do Estado o IVA que liquidava à Recorrida, não equivale a dizer que tais factos são oponíveis à Recorrida, que não tinha – nem tinha obrigação de ter - conhecimento desses factos, ou mesmo como deles desconfiar, pois se comprava e a mercadoria era entregue, as faturas emitidas e pagas - tudo factos que resultam provados da Factualidade Assente -, é evidente que não suspeitava, nem tinha porque suspeitar, dessa alegada ausência de estrutura ou da existência de uma qualquer simulação ou irregularidade a montante da A........

BB. A existência de uma qualquer irregularidade a montante da Recorrida é-lhe totalmente alheia, não contendo, portanto, com o direito da Recorrida à dedução do IVA efetivamente suportado por esta com as operações com a A......., ou seja, a veracidade ou não de tais factos revelase manifestamente irrelevante no caso em apreço no que à Recorrida e à dedução do IVA que suportou e pagou diz respeito, pois em qualquer caso estes factos são manifestamente insuscetíveis de configurar ou de demonstrar a existência de simulação de que a ora Recorrida tivesse conhecimento ou em que tivesse participado e, como tal, de sustentar o propósito de desconsiderar a dedução do IVA efetuada pela Recorrida do IVA suportado.

CC. A Recorrida não exclui que a demonstrar-se a veracidade dos factos que a AT invoca – e cuja veracidade a Recorrida desconhece e não teria de conhecer, sublinhando-se que se tratam de factos não provados em juízo -, poderá verificar-se a existência de um conluio entre a A....... e o Sr. M........, mas tal circunstância é, em qualquer cenário, alheia à ora Recorrida e não é suscetível de sustentar a pretensão da AT de imputar a existência de simulação à Recorrida.

DD. É que para que possamos encontrar-nos perante uma simulação, é necessário, desde logo, nos termos conjugados dos artigos 39.º da LGT e 240.º do CC que tenhamos uma divergência entre a vontade negocial e a vontade real do declarante, um acordo entre declarante e declaratário e a intenção de enganar terceiros, inexistindo, in casu, na esfera da Recorrida, qualquer destes elementos, pois a Recorrida queria adquirir madeira e efetivamente adquiriu madeira, pelo valor por que foi acordada a aquisição, não acordou nem uniu a sua vontade com a A....... sobre uma qualquer simulação, i.e., não existe qualquer pacto simulatório, o que fica em evidência com o pagamento integral das faturas e do IVA correspondente pela Recorrida, nem se verifica qualquer intenção por parte da Recorrida de enganar ninguém, nem adesão a uma proposta da qual resulte essa lesão a terceiro.

EE. A Recorrida limitou-se a exercer a sua atividade económica, adquirindo madeira, que pagou e revendeu a clientes, declarando e pagando os impostos aplicáveis (IRC e IVA). Aliás, se alguém sai prejudicada da alegada simulação invocada pela Recorrente sempre será a Recorrida, que demonstradamente pagou este IVA à A....... e que agora se vê privada de o deduzir, suportando o seu custo financeiro.

FF. Face a tudo quanto se expôs, não pode obviamente proceder o argumento invocado pela AT de que existem indícios sérios de que as operações em apreço não são reais, pois todos os indícios invocados pela Recorrente são diretamente contrariados pelos factos efetivamente provados pela Recorrida, termos em que também com este fundamento é o Recurso interposto manifestamente improcedente.

GG. É que não basta que a Recorrente reafirme nesta sede recursiva que as operações não são reais, cabendo-lhe antes demonstrar, com base em elementos de prova e com base nas regras da experiência, que assim é, o que notoriamente não fez, limitando-se a afirmar a existência de tais “indícios sérios” e querendo retirar dessa mera afirmação a consequência da inversão do ónus da prova, escudando-se no argumento de que é à Recorrida que cabe provar que o seu direito à dedução do IVA se mantém, quando o direito à dedução do IVA é a regra basilar do funcionamento deste imposto sendo a sua negação o que constitui a exceção, devendo, por isso, nos casos em que se pretende negá-lo, ser esta intenção bem justificada e fortemente indiciada, o que resulta claro não ter acontecido no processo em apreço.

HH. Termos em que não pode a Recorrida aceitar a inversão do ónus da prova pretendido pela Recorrente, porquanto não demonstrou esta a existência de indícios suficientes para que o ónus da prova se invertesse e pendesse sobre a Recorrida, mantendo-se assim a presunção de veracidade das declarações do contribuinte nos termos do artigo 75.º da LGT e não operando qualquer inversão do ónus da prova, devendo ser a AT a continuar vinculada à prova dos factos dos quais extrai que as operações não foram reais e fundamentadores das Liquidações Adicionais.

II. Deste modo, a FP estava inevitavelmente obrigada, nos termos da jurisprudência que a própria FP cita nos presentes autos, a demonstrar que existiam indícios fortes e suficientes não só capazes de suscitar a dúvida à AT sobre a veracidade das operações em causa, mas capazes de justificar ainda a negação de um direito base do contribuinte em sede de IVA como é o direito à dedução do imposto incorrido, o que não foi capaz de fazer.

JJ. Não o tendo feito, incumpriu a AT o seu ónus probatório e não existem fundamentos suscetíveis de justificar as correções de IVA aplicadas pela AT e, por conseguinte, sempre estaria votado à improcedência o Recurso apresentado da Sentença Recorrida neste segmento.

KK. Acresce que mesmo que a AT tivesse logrado provar – que não foi o caso – a existência de simulação a montante pela A....... e tivesse cumprido o seu ónus probatório, mesmo assim não seria comprometido o direito à dedução do IVA pela Recorrida, continuando as Liquidações Adicionais a ser manifestamente ilegais.

LL. E assim é, porquanto, tal como demonstrado amplamente supra, a Recorrida não tem conhecimento, nem participou, dando o seu acordo, em qualquer negócio simulatório com o intuito de enganar terceiro, não estando portanto reunidos os pressupostos para que possa considerar-se que a Recorrida tenha participado de um negócio simulatório. Logo, não tendo participado da simulação, é terceiro de boa-fé no negócio simulatório devendo, por esse motivo, continuar a beneficiar do direito à dedução do IVA, que efetivamente suportou e pagou.

MM. Ora, não tendo a Recorrida (i) cometido qualquer fraude fiscal, (ii) tido conhecimento de que a A....... cometia fraude fiscal, nem (iii) tido como saber que a A....... cometia fraude fiscal, não se demonstra admissível a negação do direito à dedução, razão pela qual são ilegais as Liquidações Contestadas e é manifestamente improcedente o Recurso da FP.

NN. Resulta assim por demais claro, evidente, notório e incontestável que qualquer outro contribuinte, com os mesmos conhecimentos e colocado na mesma posição da Recorrida, não teria motivos para suspeitar do que quer que fosse (como a Recorrida não suspeitava, nem tinha como suspeitar, até ter conhecimento do procedimento de inspeção na origem das Liquidações Adicionais), pelo que, nos termos da melhor interpretação do artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA e da jurisprudência comunitária, não pode ser comprometido o direito da Recorrida à dedução do IVA efetivamente suportado.

OO. Sobretudo quando a Recorrida, como admitido pela própria AT no RFI, sempre cumpriu escrupulosamente todas as suas obrigações declarativas em sede de IVA encontrando-se correta e adequadamente refletido na sua contabilidade o IVA suportado e o IVA deduzido relativo à aquisição da madeira à A........

PP. A manutenção das Liquidações Adicionais na ordem jurídica conduziria a uma solução em que a Recorrida ficaria vinculada a pagar o IVA que suportou em aquisições no exercício da sua atividade e que, por isso, deveria ter direito a deduzir ao abrigo do princípio da neutralidade que impera em sede de IVA, o que é manifestamente injusto e inadmissível mas, mais que tudo, ilegal.

QQ. Assim, resultando provado que a Recorrida, no caso em apreço suportou o IVA devido pela aquisição da madeira à A....... (o que aconteceu), dúvidas não restam - sendo a própria FP a admiti-lo - que deve a Recorrida poder deduzir o imposto, de forma a recuperar o IVA suportado com a aquisição da madeira, sendo qualquer outra solução violadora do princípio da neutralidade, princípio basilar do IVA.

RR. Termos em que deverá ser mantida a Sentença Recorrida, nomeadamente no que respeita à conclusão pela anulação das Liquidações Adicionais, por ilegais, devendo o Recurso interposto pela AT ser julgado manifestamente improcedente, com todos os fundamentos supra.

VII. PEDIDO

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverão as presentes Alegações ser rejeitadas, por incumprimento do ónus de alegação nos termos dos artigos 639.º e 640.º do CPC e por ausência de objeto, pois a Recorrente não submete ao presente Tribunal as razões da sua discordância com o julgado e os fundamentos por que entende que a decisão deve ser anulada, limitando-se a reproduzir a posição da AT vertida no RFI e que fundamentou a emissão das Liquidações Adicionais.

Mesmo que assim não se entenda, sempre serão as Alegações interpostas improcedentes, por manifesta falta de fundamento legal, devendo ser mantida pelo presente Tribunal a Sentença Recorrida quer em matéria de facto, quer de direito, pois esta não merece qualquer censura no segmento decisório que vem aqui recorrido.”


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que as facturas em causa nos autos respeitam a operações reais e que a Impugnante podia deduzir o respectivo IVA, não se verificando, assim, os pressupostos do n.º 3 do artigo 19.º CIVA, concluindo, em consequência, pela ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 4/9/2007 a Impugnante foi notificada do ofício n.º 071557, do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 30/8/2007, com o seguinte teor (doc. 33 da PI, aqui dado por reproduzido):

«ASSUNTO: IRC/IVA, ano de 2004 e 2005

No âmbito da acção de inspecção em curso ao sujeito passivo A....... Lda, (…) fica por este meio notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data da recepção, enviar a estes Serviços os elementos/esclarecimentos a seguir indicados, sob pena de, não o fazendo, incorrer em contra-ordenação fiscal prevista e punível pelo artigo 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (…):

1- Descrever a natureza dos bens transmitidos e/ou dos serviços prestados por aquele fornecedor e juntar documentos comprovativos;

2- Identificar os meios de transporte utilizados na deslocação dos bens, bem como os locais de carga e descarga, mediante fotocópia dos documentos justificativos;

3- Juntar elementos referentes à pesagem das mercadorias;

4- Esclarecer com quem negociou as referidas operações e quem assinou as facturas;

5- Juntar os respectivos documentos comprovativos do pagamento e, no caso de terem sido utilizados cheques solicita-se o envio de cópia frente e verso dos mesmos ou autorização para a DGCI pedir os documentos à entidade bancária (conforme minuta anexa), juntando uma relação com o número dos cheques, montante e a data valor.»

2) Na sequência do ofício identificado no facto anterior, em 14/9/2007 a Impugnante requereu a prorrogação do prazo de 10 dias aí referido, nos seguintes termos (conforme o doc. 34 da PI, aqui dado por reproduzido):

«R….. (…) vem requerer a prorrogação do prazo para o seu cumprimento, porquanto o dever de colaboração (art.º 59.º da LGT) e o princípio da cooperação (art.º 9.º do RCPIT) têm limites.

Se, por um lado, a Administração Tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco, vertido no art.º 59.º da LGT, presumindo-se de boa-fé a actuação de ambas as partes, por outro, a colaboração que a Administração Tributária pode impor aos contribuintes deve ser adequada e proporcional à satisfação das necessidades do procedimento tributário (art.º 266.º n.º 2 da CRP) e ser possível o seu cumprimento.

Ora, ao impor um prazo de 10 dias (o mínimo legal) (…) a Administração Tributária, pela densidade dos elementos/esclarecimentos solicitados, está claramente a violar aqueles dever e princípio, ao impossibilitar o seu cumprimento em tempo útil, por maior que seja o esforço por nós desenvolvido e sabido que terminou recentemente o período habitual de gozo de férias para alguns e ainda decorre para outros.

Tanto mais que o seu cumprimento não depende apenas de nós mas também da disponibilidade do TOC, que, como é sabido, presentemente ainda se encontra sobrecarregado com a elaboração e entrega da Informação Empresarial Simplificada (IES) (…).

Mas, caso não se atenda a pretensão da notificada, a notificação vem assinada por Luís […] (Inspector Tributário Nível 2), fazendo apenas referência que o faz na qualidade de Técnico, sem qualquer menção a despacho de delegação de competências, pelo que, desde já se argui a nulidade da notificação efectuada, para todos os efeitos e consequências legais, não produzindo a mesma efeitos em relação à notificada, por incompetência hierárquica, violação de lei e preterição de formalidades legais que inquinam a validade do acto.»

3) Em Maio de 2008 foi a Impugnante notificada, por carta mencionando a ordem de serviço n.º OI20….., «de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada [Av. Combatentes da Grande Guerra, n.º…….., sede da Impugnante], técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária», visando a «verificação do cumprimento das (…) obrigações tributárias» relativas ao IRC e ao IVA do exercício de 2005 (doc.s 35 e 36 da PI, aqui dados por reproduzidos).

4) Em 1/7/2008 a Impugnante recebeu (na sua sede referida no facto anterior) a primeira visita dos funcionários do Serviço de Inspecção Tributária e, no âmbito da inspecção, apresentou os documentos (incluindo várias facturas) e prestou as informações que lhe foram solicitadas e autorizou a Direcção de Finanças de Lisboa a obter junto dos bancos respectivos cópia dos cheques utilizados para pagamento das facturas da A......., Lda. (doc.s 37 e 38 da PI, aqui dados por reproduzidos).

5) Em 30/10/2008 foi emitida a ordem de serviço n.º OI20….., para inspecção da situação da Impugnante relativa ao IRC e ao IVA do exercício de 2004 (doc. a fls. 531 do PAT, aqui dado por reproduzido).

6) A ordem acima referida no facto anterior não foi comunicada à Impugnante (facto alegado no art.º 16.º da PI e não controvertido).

7) Em 12/11/2008 foi emitida a nota de diligência n.º NDO2……., dando por concluídos os actos da inspecção (doc. 39 da PI, aqui dado por reproduzido).

8) Para que a Impugnante se pronunciasse no prazo de 10 dias, em 24/11/2008 foi-lhe comunicado o Projecto do Relatório da Inspecção Tributária, com os respectivos Anexos 1 a 5, tendo esse Projecto o seguinte teor:

«I - Conclusões do Procedimento de Inspecção

1 - Quadros resumo das correcções propostas

2 - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

De acordo com os factos descritos no presente relatório, o sujeito passivo registou na sua contabilidade as facturas identificadas nos quadros anexos 2 e 3 que não resultam de quaisquer transmissões de bens reais e efectivas, configuram operações simuladas (facturas falsas), pelo que está excluído o direito à dedução por força do estabelecido nos números 3 e 4 do artigo 19.º do Código do IVA.

O imposto indevidamente deduzido totaliza € 77.923,96, sendo € 24.291,10 referente ao ano de 2004 e € 53.632,86 referente ao ano de 2005.

II - Objectivos, âmbito e extensão do procedimento de inspecção

1 - Ordem de serviço, identificação do sujeito passivo

No âmbito das ordens de serviço números OI20……. emitida em 31 de Agosto de 2007, realizou-se um procedimento de inspecção referente ao sujeito passivo R......, LDA., contribuinte fiscal n.º 50……., com sede na Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, n.º…….. Considerando que as anomalias detectadas também ocorreram no ano de 2004, foi emitida a ordem de serviço n.º OI20….., interna para corrigir as anomalias detectadas.

2 - Motivo, âmbito, incidência temporal

O procedimento de inspecção de âmbito parcial, IRC e IVA, foi realizado de acordo com a proposta destes serviços, na sequência dos vários procedimentos de inspecção relacionados com o comercio de madeiras, no cruzamento dos anexos O e P da declaração anual de informação contabilística e fiscal e aos indícios de utilização de facturas que não titulam reais transmissões de bens por parte do sujeito passivo.

Os procedimentos de inspecção incidiram sobre os anos de 2004 e 2005.

3 - Outras situações

3.1 - Enquadramento fiscal.

O sujeito passivo encontra-se registado no Serviço de Finanças de Torres Vedras (ex Serviço de Finanças de Torres Vedras - 2) pela actividade de “comercio por grosso de combustíveis sólidos, líquidos e gasosos, não derivados de petróleo”, CAE 46.712, enquadrado em sede de IRC, no regime geral de tributação e em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal.

3.2 - Análise prévia da base de dados da DGCl

Por consulta à base de dados da DGCI constatou-se que o sujeito passivo iniciou a actividade em 16 de Janeiro de 2003. Entregou as declarações periódicas de IVA referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IVA, referentes aos anos de 2004 e 2005 (anexo I).

Entregou as declarações modelo 22 de IRC referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 109.º do respectivo Código referentes aos anos de 2004 e 2005, onde apurou a matéria colectável de € 22.909,64 e € 25.954,44, respectivamente.

[…]

3.3 - Notificação prévia

Dando cumprimento ao determinado no artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, pelo ofício número 03….., de 21 de Maio de 2007, foi enviada ao sujeito passivo a carta-aviso referida no n.º 2 do mesmo artigo.

3.4 - Capital social e gerência

O capital social é de € 30.000,00, dividido em duas quotas desiguais uma de € 27.000,00 pertencente a E........, Lda. A........, contribuinte fiscal n.º 14….. e outra de € 3.000,00 pertencente a F........, contribuinte fiscal n.º 12…...

A gerência é da responsabilidade de E........, Lda. A.........

3.5 - Inicio e fim dos actos de inspecção

O procedimento de inspecção teve o seu início em 1 de Julho de 2008, tendo os actos de inspecção sido concluídos em 12 de Novembro de 2008.

3.6 - Sede, instalações do sujeito passivo

A sede do sujeito passivo localiza-se na Rua C........, corresponde ao domicílio dos seus sócios e gerente. Possui escritório na Avenida G........ na cidade de Torres Vedras.

3.7 - Caracterização da actividade exercida pelo sujeito passivo

O sujeito passivo dedica-se à compra e venda de madeira e carvão.

O carvão é importado da Argentina e entregue directamente ao cliente. A madeira é entregue pelos seus fornecedores nas fábricas V........, SA e I........ SA. A facturação é emitida com base em listagens enviadas pelas fábricas onde consta toda a madeira entregue por sua conta. O transporte da madeira é efectuado por conta do fornecedor ou por sua conta.

O sujeito passivo não possui qualquer armazém, nem empregados.

3.8 – Contabilidade

O sujeito passivo possui contabilidade organizada que é executada na empresa G........, Lda. (anteriormente designada por R........, Lda.), sendo Técnica Oficial de Contas, V........, contribuinte fiscal n.º 21……..

III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

1 – Introdução

No decorrer dos vários procedimentos de inspecção ao sector de comércio de madeiras em curso nesta Direcção de Finanças, constatou-se que diversos operadores adquirem madeira a particulares (silvicultores) que não emitem qualquer documento justificativo da venda (operação isenta de IVA nos termos do n.º 32 do artigo 9.º do Código do IVA, conjugado com o n.º IV da Lista A anexa ao respectivo Código), nem recorrem a autofacturação.

Para justificar as aquisições, estes operadores recorrem a vários sujeitos passivos para a emissão de facturas que lhes documentem as aquisições, sujeitos passivos esses que, normalmente, apresentam situação económica deficitária e situação fiscal irregular quer do ponto de vista declarativo quer de pagamento.

Estas facturas não correspondem a operações reais, configuram operações simuladas dado que os emitentes das facturas não são os reais fornecedores das mercadorias.

As vantagens económico/financeiras para os utilizadores das facturas apresentam duas vertentes, por um lado documentam a compra e por outro lado o facto do IVA nelas mencionado ser deduzido (apenas a aquisição ao produtor silvícola é isenta de IVA, as transmissões subsequentes não são isentas do imposto) com a consequente diminuição das receitas do Estado, já que o emitente das facturas não entregou nem tem a menor intenção de entregar o imposto nelas mencionado nos cofres do Estado.

2 - Os factos

2.1 - Cruzamento dos anexos O e P da declaração anual

O sujeito passivo, no anexo P da declaração anual de informação contabilística e fiscal, declarou que a empresa A......., LDA., lhe terá fornecido nos anos de 2004 e 2005 madeira de pinho e carvão nos montantes de € 152.138,00 e € 329.437,00 (IVA incluído), respectivamente.

2.2 - Análise efectuada ao fornecedor A....... SA

Considerando que a empresa A......., LDA., não fez constar no anexo O da declaração anual de informação contabilística e fiscal as vendas anteriormente referidas procedeu-se à sua análise, que foi realizada no âmbito das ordens de serviço números OI20….. e OI20…...

Na análise efectuada verificou-se que:

- A empresa não demonstrou ter adquirido qualquer mata ou madeira já cortada e empilhada;

- Não apresenta recursos humanos próprios ou subcontratados, mão-de-obra necessária aos trabalhos de corte e rechega da madeira;

Não possui nem equipamentos nem meios de transporte próprios ou subcontratados, necessários ao transporte da madeira.

A inexistência de meios financeiros inerentes a tais operações, quer da empresa quer dos seus sócios;

As limitações do seu sócio e gerente, Sr. J......., pessoa responsável por todos os negócios segundo os adquirentes, que sofreu um acidente vascular cerebral no decorrer do ano de 2002 que o deixou bastante incapacitado;

A situação económica da empresa e dos seus gerentes, que não revela benefícios inerentes ao volume de vendas que os “pretensos” clientes declararam;

E ainda

O facto do gerente da empresa ter reconhecido que nunca comercializou madeira.

Tendo-se concluído que aquela empresa emitiu facturas que não titulam operações reais, configuram operações simuladas, sendo, consequentemente, falsas.

No âmbito do citado procedimento de inspecção solicitaram-se ao sujeito passivo esclarecimentos relativamente às operações realizadas com a empresa A......., Lda. nos anos de 2004 e 2005. O sujeito passivo não prestou os esclarecimentos que lhe foram solicitados escudando-se na escassez do prazo (10 dias), solicitando a prorrogação do mesmo (não referindo por quanto tempo) e que a notificação efectuada era ilegal por falta da delegação de competências.

3 - Análise contabilístico fiscal

3.1 - Contabilidade versus declarações

Tal como foi referido o sujeito passivo cumpre atempadamente com as suas obrigações declarativas. Na análise dos registos contabilísticos do ano de 2005 e a sua transposição para as declarações periódicas de IVA, para a declaração modelo 22 de IRC e para a declaração anual de informação contabilística e fiscal não foram detectadas quaisquer anomalias.

3.2 - Compras de madeira

Relativamente ao ano de 2005 foram abordados os registos contabilísticos da conta 31.2.3.1.3 Compras, mercadorias, no território nacional com IVA dedutível à taxa normal e respectivos documentos de suporte, elaborou-se o mapa anexo I, cuja análise evidencia que, por norma, as facturas estão devidamente discriminadas indicando as quantidades transaccionadas, guia de remessa que acompanhou as mercadorias e/ou guia de entrega da madeira na fábrica. Excepção feita às facturas emitidas em nome da empresa A......., Lda., cuja unidade de medida é a pilha de madeira (o que não verifica relativamente à factura 562, de 14 de Janeiro de 2005).

3.3 – Vendas

Depois do sujeito passivo identificar as guias de entrada de mercadorias correspondentes às “vendas’' realizadas pela empresa A......., Lda., procedeu-se à análise dessas vendas identificando as quantidades e as guias de entrada da madeira nas instalações da empresa V........, SA.

Com base nas facturas emitidas pelo sujeito passivo e as guias de entrada das mercadorias elaboraram-se os mapas anexo 4 onde constam o número e data das facturas, as quantidades e respectivo preço unitário, as guias correspondentes à descarga das mercadorias e a identificação da factura do fornecedor (A......., Lda.). Posteriormente o mapa foi complementado com os elementos solicitados na empresa V........, SA, onde foi identificada a viatura que transportou a mercadoria.

Quanto ao ano de 2004 foi elaborado o mapa anexo 5 onde consta a interligação entre as facturas “emitidas” pela A......., Lda., e as guias de entrega da mercadoria na empresa V........, SA.

3.4 - Elementos solicitados à empresa V........, LDA.

A fim de serem realizadas diligências complementares solicitou-se à empresa V........, LDA. informação relativamente a todas as descargas efectuadas por conta do sujeito passivo no decorrer dos anos de 2004 e 2005, onde constasse a identificação das guias de descarga, a quantidade das mercadorias e a identificação das viaturas que realizaram o transporte.

Com base nos elementos enviados complementaram-se os mapas referidos no item anterior.

3.5 - Cruzamento de elementos

Na posse da identificação das viaturas que realizaram os transportes/descargas, apurou-se quem eram os seus proprietários e encetaram-se diligências do sentido de identificar por conta de quem realizaram os transportes.

Neste âmbito, foram realizadas diligências junto das seguintes entidades:

- M........, que realizou um número significativo de transportes foi quem mais transportes realizou relativamente às guias de entrega facturadas pela empresa A......., Lda. ao sujeito passivo. Este sujeito passivo foi objecto de procedimento de inspecção relativamente aos anos de 2003, 2004 e 2005. Nesse procedimento verificou-se que este contribuinte não realizou qualquer venda de madeira à empresa A......., Lda., nem realizou qualquer serviço de transporte por conta desta empresa.

- D........, realizou um número significativo de transportes para a empresa V........, SA que o sujeito passivo possui documentado por facturas da A......., Lda. Este sujeito passivo foi objecto de procedimento de inspecção tendo-se apurado que não realizou qualquer venda à empresa A......., Lda. Todas as vendas de madeira por si realizadas tiveram como destino M.........

- C........ (actualmente designado por C........ Herdeiros). Questionado o herdeiro relativamente aos transportes efectuados pelas suas viaturas, o mesmo declarou que os mesmos foram realizados por conta de M.........

- S........, Lda., relativamente à mesma questão, o seu sócio gerente declarou que o transporte foi efectuado por conta de M.........

- Idêntica resposta, isto é, que o transporte/venda de madeira, foi realizado a M........, declararam o gerente da empresa C........, Lda. e sujeito passivo R.........

Todas as diligências efectuadas e declarações prestadas apontam no mesmo sentido, isto é, que as vendas/transportes foram efectuados a M........, e não à empresa A......., Lda.

Relativamente ao ano de 2005 e parte do ano de 2004, a análise da data das facturas em nome da A......., Lda. e a data das entregas das mercadorias na V........, SA revelam algumas incongruências, uma vez que as entregas foram efectuadas depois de emitida e contabilizada a factura do fornecedor o que levanta a questão como é possível o emitente da factura saber a quantidade de madeira que seria entregue na V........, SA.

4 – Conclusões

No decorrer dos vários procedimentos de inspecção ao sector das madeiras em curso nesta Direcção de Finanças, apurou-se que a empresa A......., LDA., terá emitido facturas que não titulam operações reais, sendo, consequentemente, falsas.

Esses pressupostos assentaram no facto do sujeito passivo não possuir a adequada e necessária estrutura empresarial para o exercício da actividade, nomeadamente a existência de compras, funcionários e bens de equipamento necessário à sua actividade operacional bem como o facto do sócio gerente da sociedade admitir que nunca comercializou madeira.

A empresa R......, LDA., objecto do presente procedimento, possui contabilizadas facturas emitidas pela empresa A......., Lda., no montante total de € 481.576,32, sendo € 152.138,96 referente ao ano de 2004 e € 329.437,36 referente ao ano de 2005, com IVA incluído.

Nas várias diligências encetadas para aferir da legitimidade das facturas contabilizadas, apurou-se que as entregas de madeira efectuadas na empresa V........ SA que o sujeito passivo identificou como correspondendo às facturas emitidas pela A......., Lda., foram efectuadas por M........ ou por sua conta.

M........ foi objecto de procedimento externo de inspecção no qual não foram identificadas vendas à empresa A......., Lda.

Considerando que as descargas de madeira na empresa V........, SA foram efectuadas por M........ ou por sua conta, que não facturou qualquer madeira à empresa A......., Lda., teria se ser este sujeito passivo a facturar tais vendas ao sujeito passivo, o que não aconteceu, sendo as facturas substituídas por facturas da empresa A........, LDA., o que confirma as conclusões que se extraíram no decorrer do procedimento de inspecção realizado à empresa A......., Lda.

5 - Correcções propostas

5.1 - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

De acordo com os factos anteriormente descritos, o sujeito passivo registou na sua contabilidade facturas emitidas pela empresa A......., Lda. que não titulam reais transmissões de bens, configuram operações simuladas, sendo, consequentemente, falsas.

Essa constatação resulta da inexistência da necessária estrutura empresarial para o exercício da actividade por parte do “pretenso fornecedor”, da confirmação por parte do seu gerente da inexistência das operações que foram facturadas e das diligências efectuadas junto da empresa V........ SA e das entidades, singulares e colectivas, que entregaram madeira naquela fábrica. Os números 3 e 4 do artigo 19.º do Código excluem do direito à dedução o imposto que resulte de operações simuladas (ou que seja simulado o preço mencionado na factura ou documento equivalente), bem como o que resultar de operações em que, com conhecimento do sujeito passivo, o transmitente de bens com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma actividade e não disponha de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.

Assim, em violação das referidas normas, o sujeito passivo deduziu indevidamente o imposto constante nas facturas identificadas ao longo do presente relatório (anexos 2 e 3), no montante total de € 77.923,96, sendo € 24.291,10 referente ao ano de 2004 e € 33.632,86 referente ao ano de 2005, de acordo com os quadros a seguir indicados, cuja discriminação é efectuada por ano e período de imposto.

5.2 - Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

Relativamente ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, não obstante o sujeito passivo possuir contabilizadas facturas que não titulam operações reais, uma vez que o seu emitente não é o real fornecedor das mercadorias, é inegável que a madeira deu entrada na fábrica e, como o sujeito passivo não a possui, teve de a comprar.

Considerando que a madeira foi entregue na fábrica, concretizando-se a sua venda, e como o preço unitário identificado nas facturas que não titulam operações reais (emitidas pela empresa A......., Lda.) que suporta o seu custo, não diverge do preço praticado pelo sujeito passivo relativamente aos restantes fornecedores não é proposta qualquer correcção em sede de imposto.

[…]»

(a data da notificação foi alegada no art.º 13.º da PI e não é controvertida; e o aludido Projecto de RIT consta do doc. 40 da PI, aqui dado por reproduzido)

9) Constando do Projecto referido no facto anterior os Anexos 1 a 5 (conforme o doc. 40 da PI, aqui dado por reproduzido), designadamente:

O Anexo 2


“(texto integral no original; imagem)”

O Anexo 3

“(texto integral no original; imagem)”

O Anexo 4


“(texto integral no original; imagem)”

Anexo 5


“(texto integral no original; imagem)”

10) A Impugnante não se pronunciou sobre o Projecto acima referido nos factos provados 8 e 9 (doc. 41 da PI, aqui dado por reproduzido e parcialmente transcrito no facto seguinte).

11) Em 5/12/2008 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT), que reproduziu a fundamentação e os Anexos do Projecto acima transcrito nos factos provados 8 e 9, contendo ainda o seguinte (doc. 41 da PI, aqui dado por reproduzido):

«VIII - Direito de Audição

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 60.º da Lei Gerai Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, pelo ofício destes Serviços n.º 8….., de 18 de Novembro de 2008, registado sob o n.º RO 929750036PT, em 18 de Novembro de 2008, o sujeito passivo foi notificado para, no prazo de 10 dias exercer o direito de audição.

Decorrido o prazo concedido para o efeito o sujeito passivo não exerceu esse direito e não se pronunciou sobre o projecto de relatório de inspecção tributária que lhe foi enviado

12) O RIT referido no facto provado anterior (com os respectivos Anexos) e o despacho de concordância da chefia do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa foram comunicados à Impugnante em 5/12/2008 (doc. 41, aqui dado por reproduzido).

13) Nos anos de 2004 e 2005 a Impugnante manteve a sua contabilidade organizada [facto alegado nos art.ºs 256.º, 263.º e 264.º da PI e não controvertido; e em conjugação com o ponto II 3.8 do RIT referido nos factos provados 11 e 8].

14) Nos anos de 2004 e 2005 a Impugnante vendeu aos seus clientes madeira que comprou a diversos fornecedores e essa madeira foi transportada desses fornecedores para esses clientes pelos transportadores identificados no facto provado 9 (Anexos 4 e 5 do RIT), não tendo a Impugnante armazém nem empregados para a armazenar e transportar (como decorre dos doc.s referidos nos factos provados 8, 9 e 11).

15) Nos anos de 2004 e 2005 a Impugnante efectuou os seguintes pagamentos relativos a facturas da A......., Lda. (doc.s 47 e 51, aqui dados por reproduzidos):






16) No «termo de declarações» de Luís Tiago Simões Jorge Vitor Severiano (sócio gerente da S........, Lda.) à Inspecção Tributária (fls. 557 e ss. do PAT, aqui dadas por reproduzidas) pode-se ler que:

«Questionado sobre os transportes realizados pela viatura 53…… para a empresa V........, S.A., declarou:

Os transportes foram realizados por conta de M........, apenas tendo realizado o transporte dos bens.

Nunca realizou qualquer operação com a empresa R……, Lda.»

17) No «termo de declarações» de R........ à Inspecção Tributária (fls. 557 e ss. do PAT, aqui dadas por reproduzidas) consta que:

«Questionado relativamente às descargas de madeira que realizou na empresa V........, S.A., com a viatura de matrícula JT……, o sujeito passivo declarou que a madeira foi vendida ao Sr. M.........»

18) No «termo de declarações» de P........ (sócio gerente da C........, Lda.) à Inspecção Tributária, datado de Setembro de 2008, pode-se ler (conforme fls. 557 e ss. do PAT, aqui dadas por reproduzidas):

«Questionado relativamente às descargas que foram efectuadas na empresa V........, S.A., pelas viaturas 79….. e 98….., declarou que as descargas foram efectuadas por conta de M.........»

19) O «termo de declarações» de I........ (herdeiro da C........ e Herdeiros) à Inspecção Tributária, datado de 25/9/2008, consta do PAT (a fls. 557 e ss., aqui dadas por reproduzidas) com o seguinte teor:

«Questionado relativamente às descargas que foram efectuadas na empresa V........, S.A., pelas viaturas 84….. e 92….., declarou que as descargas foram efectuadas por conta de M.........»

20) No «termo de declarações» de J....... Livramento Lourenço (sócio gerente da A........, Lda.) à Inspecção Tributária consta o seguinte (conforme fls. 557 e ss. do PAT, aqui dadas por reproduzidas):

«[…] sofreu o acidente vascular cerebral em 29 de Outubro de 2002, esteve em coma durante um mês, esteve outro mês internado no Hospital de Torres Vedras e depois esteve em casa de cama e sem se poder mexer por quatro ou cinco meses […]

Desconhece todos os operadores que possuem facturas emitidas pela A......., Lda., referentes à compra de madeira e às prestações de serviços constantes das facturas com as quais foi confrontado.

[…]

Conhece a D. E........, Lda. Ministro que lhe foi apresentada pelo J.J......... Nunca teve relações comerciais, inerentes à venda de madeira, com as empresas cujos sócios gerentes são as pessoas indicadas nos pontos anteriores.

A empresa A......., Lda. dedicava-se exclusivamente à manutenção da A23.

A empresa não possui qualquer viatura pesada susceptível de transportar madeira.

[…]

Nunca recebeu qualquer cheque proveniente das empresas […] R……, Lda. […].»

21) Na sequência das correcções indicadas no RIT referido no facto 11, foram emitidas, com data de 18/12/2008, e comunicadas à Impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA:

N.º 08……, relativa a Abril de 2004, no valor de 2.475,45 € (doc. 1 da PI);

N.º 08……, relativa a Maio de 2004, no valor de 2.150,09 € (doc. 3 da PI);

N.º 09……., relativa a Junho de 2004, no valor de 1.599,80 € (doc. 5 da PI);

N.º 08…….., relativa a Julho de 2004, no valor de 1.967,27 € (doc. 7 da PI);

N.º 06……., relativa a Agosto de 2004, no valor de 2.737,88 € (doc. 9 da PI);

N.º 08…….., relativa a Setembro de 2004, no valor de 6.175,00 € (doc. 11 da PI);

N.º 08…….., relativa a Novembro de 2004, no valor de 4.180,00 € (doc. 13 da PI);

N.º 06…….., relativa a Dezembro de 2004, no valor de 3.005,61 € (doc. 15 da PI);

N.º 06……., relativa a Janeiro de 2005, no valor de 2.052,86 € (doc. 17 da PI);

N.º 08…….., relativa a Fevereiro de 2005, no valor de 10.640,00 € (doc. 19 da PI);

N.º 08…….., relativa a Março de 2005, no valor de 5.035,00 € (doc. 21 da PI);

N.º 09…….., relativa a Abril de 2005, no valor de 5.035,00 € (doc. 23 da PI);

N.º 08…….., relativa a Maio de 2005, no valor de 7.505,00 € (doc. 25 da PI);

N.º 08…….., relativa a Junho de 2005, no valor de 10.450,00 € (doc. 27 da PI);

N.º 08…….., relativa a Julho de 2005, no valor de 5.250,00 € (doc. 29 da PI);

N.º 08…….., relativa a Agosto de 2005, no valor de 7.665,00 € (doc. 31 da PI).

No valor total de 77.923,96 € de IVA.

22) E também foram emitidas, com data de 18/12/2008, e comunicadas à Impugnante, as seguintes liquidações de juros compensatórios:

N.º 03……., no valor de 444,09 € (doc. 2 da PI);

N.º 08……., no valor de 378,42 € (doc. 4 da PI);

N.º 08…….., no valor de 276,48 € (doc. 6 da PI);

N.º 06…….., no valor de 333,30 € (doc. 8 da PI);

N.º 03……., no valor de 454,56 € (doc. 10 da PI);

N.º 08……., no valor de 1.004,92 € (doc. 12 da PI);

N.º 06……., no valor de 651,85 € (doc. 14 da PI);

N.º 08……., no valor de 458,83 € (doc. 16 da PI);

N.º 08…….., no valor de 307,09 € (doc. 18 da PI);

N.º 08…….., no valor de 1.554,31 € (doc. 20 da PI);

N.º 08…….., no valor de 719,52 € (doc. 22 da PI);

N.º 08…….., no valor de 700,76 € (doc. 24 da PI);

N.º 08…….., no valor de 1.021,50 € (doc. 26 da PI);

N.º 06…….., no valor de 1.387,99 € (doc. 28 da PI);

N.º 08…….., no valor de 678,33 € (doc. 30 da PI);

N.º 08…….., no valor de 966,84 € (doc. 32 da PI).

No valor total de 11.338,79 € de juros compensatórios.

23) No total liquidado de 89.262,75 € (soma das liquidações acima referidas em 21 e 22).»

Consignou-se, ainda, na sentença recorrida:

«Não se provou que a Impugnante tenha prestado qualquer garantia relativa às liquidações referidas nos factos provados 21 e 22.»

Em sede de motivação da matéria de facto consta, na referida sentença, o seguinte:

«O Tribunal deu por provados os factos alegados não controvertidos e aqueles de que também ficou convicto com base nos documentos nos presentes autos e no processo administrativo tributário não impugnados, conforme referido em cada alínea do probatório.

O facto não provado decorre da ausência nos autos de documentos que demonstrem a existência da garantia aí referida.


*

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Fazenda Pública insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que anulou as liquidações oficiosas de IVA referentes a diversos períodos de tributação dos anos de 2004 e 2005 e juros compensatórios associados, imputando-lhe erro de julgamento ao considerar que não se verificam os pressupostos do n.º 3 do artigo 19.º CIVA.

No entendimento da Recorrente, a Administração Tributária logrou demonstrar, como lhe competia, os pressupostos da sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios e objetivos de que as operações constantes das faturas emitidas não titulam reais operações económicas e, nessa conformidade, feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à faturação indiciada, prova essa que no caso dos autos não foi feita.

Nas suas contra-alegações, a Recorrida refere, desde logo, que o recurso da Fazenda Pública não cumpre o seu ónus de alegação e não formula a sua pretensão recursiva adequadamente nos termos dos artigos 639.º e 640.º do Código do Processo Civil.

Acrescenta que a FP não detalha os fundamentos pelos quais entende que a Sentença Recorrida deve ser anulada ou alterada, limitando-se a manifestar a sua discordância com a decisão adotada pelo Tribunal a quo por entender que “existe uma probabilidade elevada de que as faturas não titulam operações reais” e a elencar as conclusões apuradas no âmbito da inspeção e fundamentadoras da emissão das Liquidações Adicionais, salientando que “a mera discordância com a Sentença Recorrida ou o reiterar dos fundamentos com base nos quais emitiu as Liquidações Adicionais não constituem objeto de recurso, assim como também as simples afirmações feitas pela AT, não acompanhadas de qualquer meio de prova e cujo discurso se baseia em “elevadas probabilidades” (que decorrem de tais afirmações e não de elementos probatórios) não são suscetíveis de influir na decisão de direito adotada pelo Tribunal a quo, termos em que o Recurso deve ser rejeitado, por inepto por violação do ónus de alegação que se impunha à AT nos termos dos artigos 639.º e 640.º do CPC e por carecer de objeto”.

Finalmente, sustenta que, mesmo que assim não se entenda, o Recurso em apreço deverá ser julgado totalmente improcedente, na esteira da melhor jurisprudência comunitária e nacional a dedutibilidade do IVA e a aplicação do artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA no qual a AT estribou a emissão das liquidações adicionais.

Vejamos, pois.

Questão prévia: do não conhecimento do recurso

Sobre o ónus de alegar e formular conclusões, o art. 639º, nº 1 dispõe que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Versando o recurso sobre matéria de direito, o nº 2 daquele dispositivo determina que as conclusões devem indicar:

“a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”

No presente caso, lidas as conclusões de recurso, logo se conclui que são enunciados expressamente os fundamentos ou razões jurídicas com que a Fazenda Pública pretende obter o provimento do recurso, indicando-se a norma jurídica violada (artigo 19.º, n.º 3, do Código do IVA) e o sentido com que, no entender do Recorrente, tal norma devia ter sido interpretada e aplicada, pelo que, ao contrário do que sustenta a Entidade Recorrida, mostram-se cumpridos os ónus processuais consagrados no artigo 639º do CPC.

Por outro lado, não se vislumbra nas conclusões de recurso qualquer impugnação da matéria de facto fixada na sentença, mas antes uma alegada incorreção na interpretação da matéria de facto provada, o que se traduz em erro de julgamento, pelo que não é aplicável o disposto no artigo 640º do CPC.

Em conclusão, não se verificam os apontados vícios ao recurso da Fazenda Pública, pelo que nada obsta ao conhecimento do mesmo, o que se fará de seguida.

Do erro de julgamento de facto e de direito

Conforme resulta dos autos, os SIT desconsideraram o IVA constante das faturas emitidas pela sociedade A......., Lda., nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º do Código do IVA, por considerarem existir fortes indícios de que as mesmas não titulavam operações reais.

Neste domínio, como tem sido amplamente firmado por este Tribunal Central Administrativo Sul, quando a AT desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção (cfr., entre outros, os acórdãos do TCAS de 30.04.2025, processo 2324/09.2BELRS, e de 22.05.2025, processo n.º 249/09.0BESNT, disponíveis em www.dgsi.pt).

Saliente-se que AT não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, susceptível de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT) – cfr. acórdão do STA de 27.10.2004, processo n.º 810/04, disponível em www.dgsi.pt.

Por fim, há ainda que sublinhar que dessa prova indiciária a cargo da Administração fiscal deverá também resultar que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, em conformidade com a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), na interpretação que faz sobre o direito à dedução, que repetidamente vem afirmando constituir um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União Europeia, não podendo, por isso, e em princípio, ser limitado (nesse sentido vejam-se, designadamente, os Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C285/11, § 25 e 26; de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C101/16, § 35 e 36, de 21 de março de 2018, Volkswagen, C533/16,§ 37 e 39, de 16 de outubro de 2019, Glencore, C-189/18, § 33 e mais recentemente, de 24 de fevereiro de 2022, SC Cridar Cons SRL, C-582/20, § 32).

Assim, como se pode ler no acórdão do TCA-Norte de 07/06/2023, processo 00039/19.2BEAVR, disponível em www.dgsi.pt, “resulta da jurisprudência daquele TJUE que, não obstante o direito à dedução poder ser negado se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (cf. nesse sentido, designadamente, os Acórdãos do TJEU de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C189/18, § 34, e de 4 de junho de 2020, SC C.F. SRL, C-430/19, § 42), ele só poderá ser recusado a um sujeito passivo “(…) se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir esses bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dessas entregas ou dessas prestações” (cf. designadamente, Acórdãos de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C-189/18, § 35 e de 4 de junho de 2020, SC C.F. SRL, C-430/19, § 43).

E nem se diga que esta exigência apenas releva quando em causa esteja a investigação de possíveis situações de fraude no âmbito de transações intracomunitárias (designada “fraude em carrossel”), pois não obstante esta preocupação aí assumir particular pertinência - na medida em que nesses casos a fraude envolve um conjunto de transações e de intervenientes, aumentando a probabilidade de na respetiva cadeia existirem sujeitos que atuem de boa-fé -, atendendo à relevância que assume o direito à dedução no mecanismo do IVA, não há qualquer motivo para excluir a sua importância em casos em que o que está em causa é a emissão e potencial utilização de faturação falsa.

E tanto assim é que o TJUE reafirma a importância deste requisito em circunstâncias em tudo similares às que aqui nos ocupam, como sucedeu nas circunstâncias que originaram o reenvio prejudicial objeto do supracitado Acórdão proferido em 4 de junho de 2020, no caso SC CF SRL, C-430/10 (disponível para consulta em https://curia.europa.eu/).”

A Fazenda Pública não se conforma com a decisão proferida nos presentes autos, que considerou que a presunção de veracidade das facturas em causa e da contabilidade da Impugnante não foi afastada pela administração fiscal, com base na seguinte apreciação crítica “dos alegados indícios de facturas relativas a operações simuladas”:

“- A falta de meios da Impugnante para o corte, armazenagem e transporte da madeira é normal se tivermos em consideração o contexto decorrente do facto provado 14 (a Impugnante apenas revendeu a madeira comprada, sem a armazenar e transportar);

- A alegada falta de meios da A......., Lda. para a compra e transporte da madeira vem alegada no RIT, mas não foi demonstrada nesse Relatório, nem no presente processo;

- O facto de uma parte da madeira ter sido transportada por M........ acaba por perder relevância no contexto do facto provado 14, porque a Impugnante não efectuou o seu transporte e, além disso, nos Anexos 4 e 5 do RIT (factos provados 11 e 9) são identificados vários transportadores, decorrendo da factualidade provada apenas que M........ efectuou, por si mesmo ou por via de outras pessoas, alguns dos transportes em causa (vd. os factos 11 e 9 e 16 a 20);

- As declarações de J.L........ (sócio-gerente da A......., Lda.) perante a Inspecção Tributária (descritas no facto provado 20), em parte referem-se a um conjunto de empresas e não especificamente à Impugnante, não foram reafirmadas nem clarificadas neste processo (o aludido sócio-gerente não foi arrolado como testemunha), não são corroboradas por outros indícios, não se conjugam com a contabilidade organizada da Impugnante (factos provados 13, 11 e 8), nem com a prova de que as facturas da A....... foram pagas pela Impugnante (facto provado 15 e documentos aí referidos, cuja falsidade não foi arguida).

Pelas razões acima expostas, as aludidas declarações do sócio-gerente da A....... não são confirmadas por outros indícios concordantes. Logo, essas declarações não podem ser, por si só, sinal suficiente de uma possibilidade razoável de simulação no caso concreto, não sustentando sozinhas uma dúvida razoável acerca da veracidade das facturas em causa e da contabilidade da Impugnante, não conseguindo afastar a presunção de veracidade de tais documentos.

Na perspectiva da Fazenda Pública, o tribunal de 1ª instância fez uma errada interpretação quer dos factos dados como provados quer dos elementos probatórios constantes dos autos, porquanto, no seu entendimento, os indícios recolhidos pela Administração Tributária constituem fundamentos suficientes, claros, sérios e congruentes para concluir que as relações comerciais entre a impugnante e o emitente das faturas em causa são destituídas de fundamento económico.

Vejamos se lhe assiste razão.

Conforme resulta do relatório de inspecção, nas várias diligências encetadas, os SIT apuraram que “as entregas de madeira efectuadas na empresa V........SA que o sujeito passivo identificou como correspondendo às facturas emitidas pela A......., Lda., foram efectuadas por M........ ou por sua conta. M........ foi objecto de procedimento externo de inspecção no qual não foram identificadas vendas à empresa A......., Lda.”, o que os levou a concluir que “as entregas de madeira efectuadas na empresa V........SA que o sujeito passivo identificou como correspondendo às facturas emitidas pela A......., Lda., foram efectuadas por M........ ou por sua conta” e “teria se ser este sujeito passivo a facturar tais vendas ao sujeito passivo, o que não aconteceu, sendo as facturas substituídas por facturas da empresa A......., LDA., o que confirma as conclusões que se extraíram no decorrer do procedimento de inspecção realizado à empresa A......., Lda.”

Ora, apesar de a AT pretender evidenciar a existência de uma situação de simulação relativa aos intervenientes na operação, ou seja, que o sujeito passivo emitente da factura não correspondia ao sujeito passivo fornecedor da mercadoria, não há indícios da existência de qualquer prática abusiva que, como decorre da jurisprudência acima citada, exigia a obtenção de uma vantagem fiscal cuja atribuição seja contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições e que resulte de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal.

Também não se afigura a existência de fraude ao IVA, pois que a operação ocorreu entre sujeitos passivos de IVA, os bens foram efetivamente entregues e o imposto devido foi efetivamente pago.

Assim sendo, é indiferente que tenha ou não havido a alegada “simulação relativa” já que, face à jurisprudência do TJUE acima citada, não se verificam os pressupostos que, à luz do direito comunitário, obstariam à dedução do IVA pela Recorrida.

Resta, portanto, concluir pela improcedência do presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com a presente fundamentação.


*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I. Tendo sido enunciados expressamente os fundamentos ou razões jurídicas com que a Fazenda Pública pretende obter o provimento do recurso, indicando-se a norma jurídica violada e o sentido com que, no entender do Recorrente, tal norma devia ter sido interpretada e aplicada, mostram-se cumpridos os ónus processuais consagrados no artigo 639º do CPC.

II. Quando a AT desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

III. Dessa prova indiciária a cargo da Administração fiscal deverá também resultar que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA.

Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de julho de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Sara Loureiro)

(Cristina Coelho da Silva)