Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:892/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:IRC
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I - Com referência ao artigo 96º, nº 3 do CIRC, na redação então vigente, e no que concerne ao reembolso aí apontado, na ausência de delimitação legal, julgamos só poderem estar, aqui, abrangidas incorreções de forma, detetáveis a partir da análise ocular das declarações apresentadas e eventual documentação com que devam ser instruídas, decorrentes do não cumprimento das regras que devem presidir à inscrição dos valores nos diversos campos que compõem as declarações de rendimentos.
II – Havendo, por efeito e consideração do valor apurado na competente declaração periódica de rendimentos, lugar a reembolso, ao contribuinte, de IRC, este tem de ser operado, pelos competentes serviços da AT, no prazo fixado na parte final do nº3 do artigo 96º do CIRC, desde que aquela declaração tenha sido enviada ou apresentada no respetivo prazo legal e não ostente erros no seu preenchimento.
III – As situações relacionadas com a apresentação de declarações de substituição terão de ser tratadas de acordo com o respetivo contexto, não tendo a virtualidade de colocar em crise a operacionalidade do normativo em análise.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no dia 30.01.2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V........., LDA., (doravante Recorrente), contra a liquidação de IRC do ano de 2005, na parte em que resultou a anulação da liquidação de juros indemnizatórios por atraso no reembolso do imposto.

Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

I – A Fazenda Pública não se conforma com a sentença do TAF de Sintra porquanto a mesma não procede a uma deficiente aplicação do direito vigente na data em que se deram os factos tributários pertinentes.

II – Nas palavras do Tribunal a quo estava em causa “saber se a declaração mod. 22 de substituição relativa ao exercício de 2005, nos moldes em que foi apresentada, determina a impossibilidade de conferir o direito aos juros indemnizatórios apurados aquando da liquidação da primeira declaração, considerados devidos pelo atraso no reembolso do imposto a recuperar”. Para tanto, continua “havendo, por efeito e consideração do valor apurado na competente declaração periódica de rendimentos, lugar a reembolso, ao contribuinte, de IRC, este tem de ser operado, pelos competentes serviços da at, no prazo fixado na parte final do n.º 3 do art. 96.º CIRC, desde que e somente desde que aquela declaração tenha sido enviada ou apresentada no respectivo prazo legal e não ostente erros no seu preenchimento”. No caso dos autos, entendeu o Tribunal a quo que “a declaração de substituição deu cumprimento ao disposto no art.º 58º-A do CIRC. Sendo certo que não foi
assinalado no quadro 4 a opção “3” do campo 1 – “Declaração de substituição (n.º 4 do art. 58.º-A)” – mas, ao invés, a opção “2” do mesmo campo e quadro, o certo é que o preenchimento da linha 257 do quadro 07 (“Apuramento do Lucro Tributável”), relativa à “Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 58.º-A n.º 3 alínea a)]”, evidencia, desde logo, o manifesto lapso (ou erro meramente formal) no assinalar do motivo da entrega da declaração de substituição”.

III – Nos termos do disposto no artigo 96.º n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC), vigente à data dos factos, o reembolso é efectuado quando a declaração periódica de rendimentos for enviada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês seguinte ao do seu envio. Por sua vez, o n.º 6 do artigo 93.º do CIRC prevê a consequência do incumprimento do prazo previsto no n.º 3 da mesma norma, ao estabelecer que: “Não sendo efetuado o reembolso no prazo referido no n.º 3, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.

IV – O artigo 96.º n.º 3 do CIRC estipula um prazo certo para que o reembolso seja efectuado: “fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio” (da declaração periódica). Para além de fixar esse prazo, aquela disposição legal prevê as condições que têm de se verificar para que nasça a obrigação de efetuar o reembolso nesse mesmo prazo:

a) A declaração periódica de rendimentos deve ser enviada no prazo legal; e

b) Essa declaração não pode conter erros de preenchimento.

V – A Impugnante recorrida entregou a declaração periódica de rendimentos dentro do prazo legal (estando, assim, preenchida a primeira condição prevista no no 3 do artigo 104.º do CIRC), contudo, houve posteriormente a necessidade de a mesma ser substituída por aplicação do disposto no art.º 58º-A, n.º 4 do CIRC à data vigente. E foi assim que a Impugnante recorrida entregou a declaração de substituição Mod. 22 de IRC, destacando-se o facto de ter assinalado as opções “2” dos campos 1 e 2 do quadro 04 – “Declaração de substituição”/“Com reembolso”, resultando da mesma a alteração da matéria colectável, mais constando da linha 257 do quadro 07 (“Apuramento do Lucro Tributável”), a quantia de € 515,77 relativa à “Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 58.º-A n.º 3 alínea a)].

VI – Verifica-se que, por lapso, pretendendo dar cumprimento ao disposto no referido art.º 58º-A, n.º4 do CIRC, a Impugnante recorrida apresentou a sua declaração periódica de substituição tendo assinalado na respectiva declaração periódica (Quadro 04 – Campo 1: Tipo de Declaração) a opção 2 – “Declaração de Substituição” em vez da opção 3 – “Declaração de Substituição (n.º 4 do art.58.º-A)”. Preenchimento este que, nos termos da
própria sentença recorrida, “evidencia, desde logo, o manifesto lapso (ou erro meramente formal) no assinalar do motivo da entrega da declaração de substituição”.

VII – O manifesto lapso ao qual alude a própria sentença recorrida corporiza uma evidente desconformidade formal da declaração entregue com aquela que o declarante devia e pretendia entregar, ressaltando aos olhos do observador normal essa desconformidade pelo contexto subjacente a essa mesma declaração.

VIII – Imperativo se torna concluir que o lapso do contribuinte, sendo só a si imputável, tem relevância formal, abrangendo “incorrecções de forma, detectáveis a partir da análise ocular das declarações apresentadas”, o que se configura como um verdadeiro erro de preenchimento, relevante para efeitos do art. 96.º, n.º 3 do CIRC, tendo como implicação no caso sub judice a supressão de um dos requisitos determinantes da subsistência na esfera jurídica da Impugnante recorrida do direito aos juros indemnizatórios: a declaração não pode conter erros de preenchimento.

IX – Deste modo, não se verificando uma das condições cumulativas previstas no n.º 3 do artigo 96.º do CIRC, na redacção vigente para o exercício de 2005, não existia a obrigação de proceder ao reembolso de IRC no prazo de 3 meses aí determinado. Inexistindo essa obrigação, não tem a Impugnante direito a receber juros indemnizatórios, mantendo todavia o direito ao reembolso.

X – A actuação da administração fiscal limitou-se à mera aplicação da lei de forma a respeitar não só a letra, como também o espírito que lhe subjaz. Por conseguinte, tendo presente os factos dados por provados na douta sentença produzida pelo Tribunal a quo, carece de razoabilidade o julgado porquanto faz uma interpretação errada dos preceitos legais pertinentes, designadamente dos n.ºs 3 e 6 do art.º 96º do CIRC, na redacção vigente para o exercício de 2005, incorrendo em erro de julgamento, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e daqui resultar a improcedência da impugnação apresentada com a consequente manutenção da demonstração de compensação sub judice na ordem jurídica.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.

PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
*
Notificada da admissão do recurso, a Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído:

CONCLUSÕES

1 – Sufraga a ora contra-alegante a Conclusão I das Alegações da Fazenda Pública no segmento em que esta afirma ou conclui que “…a sentença do TAF de Sintra…não procede a uma deficiente aplicação do direito vigente na data em que se deram os factos tributários pertinentes”.

II – Ultrapassa, pois, a capacidade de discernimento da contra-alegante a motivação da Fazenda Pública que não se conforma com a, aliás, douta sentença recorrida e dela interpôs recurso.

III – A constatação da ora contra-alegante, parece que corroborada pela recorrente, Fazenda Pública, é a de que, aliás, douta sentença recorrida fez uma aplicação correta e insuscetível de reparo da lei aos factos e decidiu exclusivamente de acordo com a legalidade e a justiça.

IV – A declaração de substituição apresentada pela ora contra-alegante foi, como ficou provado, nos termos e em cumprimento do disposto no então artigo 58.º-A do Código do IRC.

V – Foi, pois, apresentada no contexto do mencionado preceito, pelo que, em nenhuma circunstância, podia impedir a operacionalidade integral do disposto no artigo 96.º do Código do IRC.

VI – Acresce que, mesmo que assim se não entendesse, o que só por dever de patrocínio se admite, o lapso de escrita ou lapsus calami cometido na indicação do motivo que levou à apresentação da declaração de substituição foi praticada numa declaração com autoliquidação.

VII – Pelo que, nos termos do n.º2 do artigo 78.º da LGT sempre seria imputável aos Serviços.

VIII – E, consequentemente, as consequências negativas de tal erro nunca poderiam ser repercutidas no sujeito passivo.

IX – Pelo que, também com este fundamento jurídico, a pretensão da ora contra-alegante deveria proceder.

TERMOS EM QUE, DENEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A, ALIÁS, DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA COM TODOS OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA”.
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O Digno MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

i)Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito (porquanto faz uma errada interpretação dos preceitos legais, concretamente dos nºs 3 e 6 do artigo 96º do CIRC).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 18.05.2006 a Impugnante entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 n.º 3557-C1378-17, referente ao exercício de 2005, nos termos constantes de fls. 6 a 10 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 6 a 10 do processo de reclamação graciosa apenso.

B) Em 09.01.2007, e com base na declaração que antecede, foi emitida a liquidação n.º 2006 2510044851, tendo apurado um reembolso de imposto no montante de € 210.617,99, acrescido de juros indemnizatórios no valor de € 3.123,66, aqui se dando por integralmente reproduzida a respetiva demonstração, constante de fls. 20 do processo administrativo apenso – cfr. fls. 20 do processo administrativo apenso.

C) Em 23.01.2007 foi paga à Impugnante a quantia de € 213.641,65, resultante do somatório das parcelas identificadas na alínea que antecede – cfr. fls. 19 do processo administrativo apenso.

D) Em 22.01.2007 a Impugnante entregou a declaração de substituição Mod. 22 de IRC n.º 3557-C0049-10, referente ao exercício de 2005, nos termos constantes de fls. 26 a

30 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o facto de ter assinalado as opções “2” dos campos 1 e 2 do quadro 04 – “Declaração de substituição”/“Com reembolso”, resultando da mesma a alteração da matéria coletável de € 1.005.510,69 para € 1.005.673,72, mais constando da linha 257 do quadro 07 (“Apuramento do Lucro Tributável”), a quantia de € 515,77 relativa à “Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 58.º-A n.º 3 alínea a)] – cfr. fls. 26 a 30 do processo de reclamação graciosa apenso.

E) Em 19.03.2007, com base na declaração que antecede, foi emitida a liquidação com o n.º 2007 2510009840, tendo apurado um reembolso de imposto no montante de € 210.617,98, aqui se dando por integralmente reproduzida a respetiva demonstração, constante de fls. 21 do processo administrativo apenso – cfr. fls. 21 do processo administrativo apenso.

F) Ato impugnado: Na mesma data que antecede foi emitida a demonstração de compensação n.º 2007 254057 com um saldo a pagar no valor de € 3.023,67, relativo ao estorno da liquidação identificada em B), com data limite de pagamento em 26.04.2007 – cfr. fls. 15 do processo administrativo apenso.

G) Em 01.06.2007 a nota de compensação referida em F) foi paga – cfr. fls. 17 do processo administrativo apenso.

H) Em 06.06.2007 a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Sintra - 3, a reclamação graciosa referente à liquidação de IRC de 2005, invocando, em síntese, a ilegalidade do estorno da quantia relativa a juros indemnizatórios na sequência da liquidação efetuada após a apresentação da declaração mod. 22 de substituição – cfr. fls. 2 a 33 do processo de reclamação graciosa apenso.

I) Por despacho de 10.07.2009 a reclamação que antecede foi indeferida com os fundamentos constantes de fls. 142 a 150 do processo de relação graciosa apenso, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dos quais consta, além do mais, o seguinte:

«[…]

Perante a divergência entre a demonstração da correcção do valor de € 515,17, que o reclamante, corrigiu na sua declaração periódica de rendimentos modelo 22, do ano de 2005, apresentada via Internet em 22-01-2007, não é possível aferir se estamos perante a declaração de substituição tal como o próprio reclamante assinalou, ou se por outro lado, estamos perante a “Declaração de substituição prevista no n.º 4 do art.º 58-A do CIRC.
Ora, em face dos elementos trazidos aos autos, verifica-se que o reclamante não apresentou, documentos suficientes susceptíveis de aferir de forma clara e inequívoca o valor a acrescer no campo 257 do quadro 07 da declaração modelo 22 – a título da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante do contrato nos termos do art.º 58°-A n.º 3 al. a) do CIRC, ou seja, não constituiu a prova necessária nos termos do art.º 74.º da LGT.


Pelo exposto, verifica-se que não tem aplicabilidade o pagamento de juros indemnizatórios conforme haviam sido pagos na liquidação anterior, em conformidade com o previsto no art.º 96.º n.º 3 e n.º 6 do CIRC. […] cfr. fls. 142 a 150 do processo de reclamação graciosa apenso.

J) Em 17.07.2009 a Impugnante foi notificada da decisão que antecede – cfr. fls. 151/152 do processo de reclamação graciosa apenso.

K) A petição inicial deu entrada no Serviço de Finanças em 30.07.2009 – cfr. fls. 4 do suporte físico dos autos.

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Factos não provados

“Não constam dos autos quaisquer outros factos, com relevância para a decisão do mérito da causa de acordo com as possíveis soluções de direito, que importe dar como provados ou não provados.”

*
Motivação

Motivação de facto:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.”

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II.2 - De direito

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V........., LDA., da decisão de indeferimento de reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação de IRC do ano de 2005, na parte em que resultou a anulação da liquidação de juros indemnizatórios por atraso no reembolso do imposto.

Alega a Recorrente que a sentença sob recurso faz uma incorreta interpretação e aplicação do direito vigente à data, ao caso, assim incorrendo em erro de julgamento de direito.

A Recorrida entende que a sentença objeto de recurso não padece de reparo.

Vejamos então.

Assente a factualidade apurada, por a mesma não ter sido posta em causa, cumpre, agora, entrar na análise da matéria em discussão nos autos, sendo certo que está cometida a este Tribunal a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida quanto à desconsiderada liquidação de juros indemnizatórios a favor da Recorrente.

Neste domínio, a decisão recorrida, em função da factualidade apurada nos autos, ponderou que:


(…)

Relatadas as posições assumidas pelas partes e vistos os factos provados com relevo para a decisão do mérito da causa, vejamos então a quem assiste razão, sendo certo, como acima se enunciou, que a questão essencial é a de saber se a declaração mod. 22 de substituição relativa ao exercício de 2005, nos moldes em que foi apresentada, determina a impossibilidade de conferir o direito aos juros indemnizatórios apurados aquando da liquidação da primeira declaração, considerados devidos pelo atraso no reembolso do imposto a recuperar.

Sobre questão muito idêntica à que temos em apreciação pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão proferido em 25.09.2012 no âmbito do processo n.º 05612/12, o qual, pela clareza da exposição, por nos revermos na respetiva fundamentação e, bem assim, por referência ao disposto no n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil, aqui adotamos por fundamentação da decisão dos presentes autos, o que faremos, por facilidade de exposição, por transcrição, na parte que ao caso releva.

(…)

Ora, aqui como no caso do acórdão que vimos seguindo, a declaração de substituição deu cumprimento ao disposto no art.º 58º-A do CIRC. Sendo certo que não foi assinalado no quadro 4 a opção “3” do campo 1 – “Declaração de substituição (n.º 4 do art. 58.º-A)” – mas, ao invés, a opção “2” do mesmo campo e quadro, o certo é que o preenchimento da linha 257 do quadro 07 (“Apuramento do Lucro Tributável”), relativa à “Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 58.º-A n.º 3 alínea a)]”, evidencia, desde logo, o manifesto lapso (ou erro meramente formal) no assinalar do motivo da entrega da declaração de substituição.

Atento o exposto, e mostrando-se provado nos autos que em 18.05.2006 a Impugnante entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2005, como prescrito pelo art.º 112.º, n.º 1, do CIRC, sendo que em 09.01.2007 foi emitida a respetiva liquidação com o n.º ……51, que apurou um reembolso de imposto no montante de € 210.617,99, e sem que haja registo de a declaração em apreço conter erros de preenchimento, emergiu para a AT, o dever de reembolsar, àquela, este montante, até ao fim do mês de agosto de 2006 (cfr. art.º 104.º, n.º 3, do CIRC), verificando-se que,

não tendo sido cumprido tal prazo, bem andou a AT, na altura, ao incluir naquela liquidação juros indemnizatórios no valor de € 3.123,66.”

Nas suas alegações a Recorrente aponta que não está em causa nos presentes autos o direito do contribuinte ao reembolso dos montantes pagos em excesso, conforme dispunha o artigo 96º do CIRC nos n.ºs 2 e 3, na redação em vigor no período de imposto relevante para os factos sub judice, mas tão somente a questão de saber se foram cumpridas as condições formais que permitem ao contribuinte reivindicar o direito a juros indemnizatórios, tal como previsto no n.º 6 do referido artigo.

Mais alega a Recorrente, que nos termos do disposto no artigo 96º n.º 3 do CIRC, vigente à data dos factos, o reembolso é efetuado quando a declaração periódica de rendimentos for enviada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês seguinte ao do seu envio.

Refere a Recorrente, que, a Impugnante recorrida entregou a declaração periódica de rendimentos dentro do prazo legal (estando, assim, preenchida a primeira condição prevista no n.º 3 do artigo 104º do CIRC), contudo, houve posteriormente a necessidade de a mesma ser substituída por aplicação do disposto no artigo 58º-A, n.º 4 do CIRC, tendo a ora Recorrida entregue a declaração de substituição Mod. 22 de IRC n.º 3557- C0049-10, referente ao exercício de 2005.

Defende a Recorrente nas suas conclusões e alegações de recurso, que, estando em causa a entrega de uma declaração de substituição, necessário se mostra que a manutenção dos efeitos produzidos em matéria de atribuição de juros indemnizatórios fique estritamente vinculada ao preenchimento dos requisitos exigidos pela lei à declaração substituída. O não preenchimento destes requisitos há-de implicar supressão das condições materiais para que se mantenha na esfera do contribuinte o direito aos juros indemnizatórios entretanto atribuídos.

Continua alegando, que, decorre dos factos dados como provados na sentença recorrida, que, por lapso, pretendendo dar cumprimento ao disposto no referido art.º 58º-A, n.º4 do CIRC, a Impugnante recorrida apresentou a sua declaração periódica de substituição tendo assinalado na respetiva declaração periódica (Quadro 04 – Campo 1: Tipo de Declaração) a opção 2 – “Declaração de Substituição” em vez da opção 3 – “Declaração de Substituição (n.º 4 do art.58.º-A)”. Preenchimento este que, nos termos da própria sentença recorrida, “evidencia, desde logo, o manifesto lapso (ou erro meramente formal) no assinalar do motivo da entrega da declaração de substituição”.

Para a Recorrente, imperativo se torna concluir que o lapso do contribuinte, sendo só a si imputável, tem relevância formal, abrangendo “incorrecções de forma, detectáveis a partir da análise ocular das declarações apresentadas”, o que se configura como um verdadeiro erro de preenchimento, relevante para efeitos do artigo 96.º, n.º 3 do CIRC, tendo como implicação no caso sub judice a supressão de um dos requisitos determinantes da subsistência na esfera jurídica da Impugnante recorrida do direito aos juros indemnizatórios: a declaração não pode conter erros de preenchimento.


Ora, no artigo 96º, em vigor na data dos factos em apreciação nos autos dispunha-se o seguinte:

«1 - As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

2 - Há lugar a reembolso ao sujeito passivo quando:
a) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os nºs 2 e 4 do artigo 90º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;
b) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os nºs 2 e 4 do artigo 90.º, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença.
3 - O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3º mês imediato ao da sua apresentação ou envio.

6 - Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no nº 3, acrescem à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado. …».

A partir daqui, importa acentuar, desde logo, que na situação em apreço, a “primitiva” liquidação de juros indemnizatórios tem como pano de fundo o facto de a Administração Tributária não ter cumprido com o prazo de reembolso nos termos definidos no citado artigo 96º do CIRC.

Isto porque, o legislador do CIRC estabeleceu diversas formas de cumprimento antecipado da obrigação do imposto. E o montante destes pagamentos e retenções são calculados tendo em conta uma projeção do imposto que supostamente será devido a final.

E assim, o montante pago antecipadamente poderá não coincidir com o montante da dívida de IRC liquidada a final. Nos casos, que o montante for inferior, a Administração Tributária necessita de reembolsar o contribuinte da diferença.

O n.º3 do referido artigo 96º, n.º3 do CIRC, veio estipular que o reembolso deve ser pago até ao fim do 3º mês seguinte ao do seu envio. E, o n.º6 acrescenta uma remuneração indemnizatória sobre o reembolso, caso não seja pago até ao fim desse prazo.

Porém, da interpretação conjunta entre o n.º3 e 6º deste artigo, resulta que o legislador pretendeu excluir o direito à remuneração indemnizatória quando a declaração de rendimentos tenha sido entregue fora do prazo ou, esta contenha erros de preenchimento.

Ora, conforme resulta dos factos levados ao probatório pelo tribunal a quo, a declaração de substituição apresentada pela ora Recorrida, deu cumprimento ao disposto no artigo 58º-A do CIRC.



Aqui chegados, cumpre salientar que acompanhamos o tribunal decorrido, quando entende que “Sendo certo que não foi assinalado no quadro 4 a opção “3” do campo 1 – “Declaração de substituição (n.º 4 do art. 58.º-A)” – mas, ao invés, a opção “2” do mesmo campo e quadro, o certo é que o preenchimento da linha 257 do quadro 07 (“Apuramento do Lucro Tributável”), relativa à “Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 58.º-A n.º 3 alínea a)]”, evidencia, desde logo, o manifesto lapso (ou erro meramente formal) no assinalar do motivo da entrega da declaração de substituição.”

Como bem refere o tribunal a quo, sobre questão muito idêntica à que temos em apreciação pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão proferido em 25.09.2012 no âmbito do processo n.º 05612/12.

Assim sendo, por semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8º n.º 3 do Código Civil (CC)), acolhe-se sem qualquer reserva a fundamentação ali acolhida, e que se passa a transcrever, com as necessárias adaptações ao caso em apreciação:

« (…)

Assim, ganha acuidade o exposto no Ac. deste Tribunal de 26-06-2012, Proc. nº 03944/10, www.dgsi.pt, onde se aponta que “depois de, no nº 2 do art. 96º CIRC, estabelecer os casos em que há lugar a reembolso, do tributo, ao contribuinte autoliquidador, o legislador fixou, pelo nº 3 do mesmo normativo, objetivamente, a regra, o princípio, de que «O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio.». Deste conjunto normativo decorrem, sem reservas, em nossa opinião, as seguintes implicações:
- para haver lugar a reembolso, de IRC, ao contribuinte, basta que o valor, por este, apurado na declaração periódica de rendimentos (ou de substituição) seja negativo ou inferior ao valor dos pagamentos por conta;
- o valor do reembolso será a importância resultante da soma do montante negativo encontrado com o dos pagamentos por conta ou a correspondente à diferença entre o valor apurado na declaração e o superior referente aos pagamentos por conta efetivados;
- quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e não contenha erros de preenchimento, a at tem de efetuar o reembolso do contribuinte até ao terminus do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio da declaração.
Identificando-se, com facilidade e imediatamente, que a justificação da existência e quantitativo do previsto reembolso encontra suporte na regra angular, do nosso ordenamento jurídico-tributário, de se terem de presumir verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei – art. 75.º n.º 1 LGT, com a particularidade de, em sede de IRC, a matéria colectável ser, por norma, determinada com base em declaração do contribuinte, a imposição do dever de a at proceder ao devido reembolso num determinado período de tempo só pode ser entendida no mesmo enquadramento, isto é, tem de fazer-se funcionar no pressuposto de que, em

princípio, são verdadeiros os montantes declarados pelos sujeitos passivos do imposto. É certo que o versado art. 96º nº 3 CIRC, expressamente, exige que a declaração periódica de rendimentos não contenha “erros de preenchimento”. Com o devido respeito, na ausência de delimitação legal, julgamos só poderem estar, aqui, abrangidas incorreções de forma, detectáveis a partir da análise ocular das declarações apresentadas e eventual documentação com que devam ser instruídas, decorrentes do não cumprimento das regras que devem presidir à inscrição dos valores nos diversos campos que compõem as declarações de rendimentos. De forma alguma, como, timidamente, se defende na sentença, “erros de lançamento”, no sentido de desconformidades entre os valores registados na contabilidade e os declarados, estão abrangidos pela identificada exigência.
Do expendido resulta, a título de conclusão, que, havendo, por efeito e consideração do valor apurado na competente declaração periódica de rendimentos, lugar a reembolso, ao contribuinte, de IRC, este tem de ser operado, pelos competentes serviços da at, no prazo fixado na parte final do n.º 3 do art. 96.º CIRC, desde que e somente desde que aquela declaração tenha sido enviada ou apresentada no respectivo prazo legal e não ostente erros no seu preenchimento.
Assim sendo, no que interessa para o mérito desta causa, qualquer contribuinte que comprove autoliquidação de IRC, efetuada dentro do prazo concedido, por lei, para o efeito, a que não sejam apontados erros de preenchimento da declaração suporte, tem direito a ser reembolsado, até ao fim do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio desta, do imposto liquidado em excesso. Outrossim, por consequência, ocorrida uma situação de facto com os contornos vindos de delinear, passa a existir, na esfera da at, o dever jurídico de proceder, dentro do prazo indicado, ao competente reembolso. Por outras palavras, a existência deste dever decorre necessariamente de determinada situação fáctica. …”.

Perante a bondade do que fica exposto, é manifesto que o caminho seguido pela sentença recorrida não merece reparo.

O que significa que o presente recurso tem de improceder, dado que, a sequência factual relevante nos termos acima descritos não é posta em crise.

Pelo exposto, na improcedência das conclusões do recurso interposto, impõe-se julgar o mesmo improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.

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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente (artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).



Registe e notifique.


Lisboa, 5 de dezembro de 2024.
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[Maria da Luz Cardoso]

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[Margarida Reis]
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[Patrícia Manuel Pires]