Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 225/21.5BELLE |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 04/30/2025 |
| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
| Descritores: | SEGURANÇA SOCIAL REPOSIÇÃO DE QUANTIA INIMPUGNABILIDADE DO ATO QUE DECIDIU RECURSO HIERÁRQUICO ATO CONFIRMATIVO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO CONCEITO INDETERMINADO |
| Sumário: | I - Como há muito vem sendo reconhecido, jurisprudencial e doutrinalmente, a fundamentação é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, supostamente na posição do interessado em concreto, atento o tipo legal do ato, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão. II - Quando estão em causa conceitos indeterminados, a Administração terá de identificar os factos e indicar a razão pela qual entende que esses factos preenchem determinado conceito legal aberto. III - Se a Administração não explica o modo como alcançou o preenchimento do conceito indeterminado invocado, o ato em causa não estará devidamente fundamentado. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I N....... intentou, em 3.5.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa contra o Instituto DA segurança Social, I.P., pedindo que seja «anulada a decisão da Senhora Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Segurança Social, datada de 11 de Novembro de 2020, que não concedeu provimento ao recurso hierárquico interposto com vista a dar sem efeito a Nota de Reposição recorrida». * Através de despacho saneador de 15.12.2021 o tribunal a quo absolveu «a Entidade Demandada da presente instância, por verificação das excepções dilatórias de inimpugnabilidade do acto e intempestividade da prática do acto processual». * Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: A. Pela ação administrativa intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, o A. impugnou a decisão que não concedeu provimento ao Recurso Hierárquico previamente por si interposto, peticionando a anulação da mesma e a sua substituição por outra. B. Na petição inicial, o A., além de aventar questões de carácter e conteúdo legalmente substantivo (vulgo: prescrição), digladiou detalhadamente toda a sua situação fáctica, como, em termos semelhantes, havia já feito em sede de Recurso Hierárquico. C. Contudo, o Tribunal a quo optou por fazer tábua rasa de toda a explicitação factual feita pelo A. e decidiu atender a critérios puramente formais, baseados em premissas erradas, e absolver da instância, em sede de saneador-sentença, a Entidade Demandada por suposta verificação das exceções dilatórias de inimpugnabilidade do ato e de intempestividade do ato processual. D. O A., agora Recorrente, não se conforma com esta decisão por julgar que a mesma carece de fundamentação e de sustentação legal, crendo que terá havido um equívoco na apreciação das exceções dilatórias oficiosamente levantadas. E. Começou o Tribunal a quo por decidir que a deliberação, proferida em 11/11/2020 pela Entidade Demandada sobre o Recurso Hierárquico interposto pelo agora Recorrente, é inimpugnável, por consubstanciar um ato meramente confirmativo do ato inicial proferido pelo Instituto da Segurança Social, I.P. em 19/01/2015, concluindo, assim, pela verificação de exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato. F. Contudo, para chegar a essa conclusão, o Tribunal recorrido partiu de uma premissa errada: a de que a decisão sobre o Recurso Hierárquico é meramente confirmativa do ato inicial. G. A deliberação sobre o Recurso Hierárquico que contenciosamente se impugnou, ao contrário do que o Tribunal a quo aventou, não se limitou a repetir, a reiterar ou a manter o ato inicial proferido em 19/01/2015. H. Primeiramente, porque nem tal era exequível, na medida em que o ato inicial era desprovido de qualquer fundamentação, pelo que não se podia repetir algo que não existia. I. Depois, porque o ato inicial apenas se limitou a informar da quantia alegadamente devida (€ 23.475,20), sendo vago nas palavras e despojado de qualquer justificação/fundamentação capaz de criar no particular a compreensão necessária e esclarecida do que lhe era imputado; enquanto a decisão sobre o Recurso Hierárquico foi, ainda que sem razão, muito diferente e mais aprofundada, amparando-se em razões, causas e motivos diametralmente distintos e em fundamentos muito mais desenvolvidos do que a primeira decisão. J. O segundo ato proferido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., ao contrário do que havia sido feito no primeiro ato, esgrimiu detalhadamente toda a factualidade subjacente ao caso que julgou ser relevante; discutiu e relatou as normas jurídicas e os diplomas legais que defendia serem aplicáveis, em concreto, à situação; deu a conhecer uma Harmonização de Procedimentos emanada dos Serviços Centrais; tentou afincadamente moldar os factos ao Direito cabível, e concluiu, ainda que de forma errada, pelo indeferimento das pretensões do agora Recorrente. K. Só com este segundo ato é que o Instituto da Segurança Social, I.P. decidiu de forma fundamentada, balizada e factual e legalmente circunscrita, e só com este ato teve o cidadão real e efetiva perceção do que se passava. L. Posto isto, facilmente se verifica que que o ato administrativo proferido em 19/01/2015 não tem fundamentos factuais e regime jurídico totalmente coincidentes com o ato administrativo praticado em 11/11/2020. M. Tal coincidência/correspondência seria resoluta e forçosamente necessária para que se decidisse como o fez o Tribunal a quo neste caso, uma vez que “o terceiro requisito para que um acto confirmativo se diga inimpugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (…) – e os do acto confirmado …” (o que, como já se adiantou, não aconteceu in casu). N. O segundo ato em causa é, assim, totalmente diferente do primeiro, sendo completamente inovador, e, por isso, não consubstancia apenas uma “mais profunda análise” do primeiro, como sugere o Tribunal recorrido, mas sim a única análise feita in totum. O. Desta feita, face ao artigo 53º n.º 1 do CPTA, é forçoso concluir-se que o segundo ato ora em causa revela fundamentação inovadora e, como tal, não é passível de se considerar confirmativo do primeiro. P. Não existe entre os dois atos uma perfeita identidade: o segundo é absolutamente novo, diferente e inovatório – até porque é o único fundamentado – pelo que é, inevitavelmente, impugnável! Q. Nestes termos, a decisão do Tribunal a quo, quanto à exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, não pode manter-se, por falta de sustentação legal e factual, devendo ser revogada e substituída por outra. R. O mesmo se dirá quanto à segunda exceção – de intempestividade da prática do ato processual – também invocada pelo Tribunal recorrido. S. Uma vez mais, para decidir pela verificação desta exceção, o Tribunal a quo partiu de uma outra premissa errada: a de que o ato impugnável contenciosamente é o primeiro ato praticado pelo Instituto da Segurança Social, I.P., em 19/01/2015. T. Contudo, o ato impugnável, autonomamente e de forma independente, no caso em apreço, é o segundo ato praticado, em 11/11/2020. U. De certa forma, as duas exceções dilatórias decididas pelo Tribunal a quo estão intimamente ligadas, na medida em que, considerando-se que o segundo ato é inimpugnável porque meramente confirmativo do primeiro, acaba por ter de se concluir que apenas o primeiro é contenciosamente impugnável. V. Contudo, não é assim: a segunda decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social, I.P não é meramente confirmativa da primeira, nem configura um simples ato de execução da mesma, sendo, ao invés, totalmente nova, inovatória e a única fundamentada. W. Sendo o segundo ato totalmente inovatório, apresenta, de per se, lesividade própria e autónoma, e é, por isso, contenciosamente recorrível. X. Assim, a ação administrativa em causa deu entrada em juízo de forma absolutamente tempestiva, pois o prazo para o efeito só começou a correr aquando da prolação da decisão do recurso hierárquico em 11/11/2020, pois esta, enquanto inovatória e, de per se, lesiva, era (e é) autonomamente impugnável, sendo este o ato que se impõe atacar contenciosamente. Y. Posto isto, a decisão do Tribunal a quo, também quanto à exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, não pode manter-se, por falta de sustentação legal e factual, devendo ser revogada e substituída por outra. Z. Até porque, em boa verdade, e sem prescindir, há questões de índole social, humana e ética que foram totalmente desconsideradas pelo Tribunal a quo. AA. O Recorrente é um mero particular sem conhecimentos jurídicos e foi notificado do ato inicial praticado pelo Instituto da Segurança Social, I.P., em 19/01/2015, e do consequente ato de efetivação enviado poucos dias depois, em 17/02/2015, que o informou de que devia proceder à devolução da quantia de 23.475,20€ e de que dispunha do prazo de 3 (três) meses para impugnar contenciosamente aquela decisão, suspenso por apresentação de recurso hierárquico facultativo para o Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social I.P.. BB. Assim, o Recorrente ficou com a plena convicção - como ficaria qualquer cidadão comum, de mediana formação – de que o prazo para o recurso contencioso ficaria suspenso se apresentasse recurso hierárquico e pelo tempo que este viesse a ser decidido e notificado ao mesmo. CC. O aqui Recorrente, perante tal, recorreu hierarquicamente e ficou à espera da correspondente decisão, entendendo estar salvaguardado o seu direito de impugnar contenciosamente – entendimento este que seria completamente transversal a todo o cidadão comum, de média ou vulgar formação, não sendo legítima a exigência de distinto entendimento ou atitude mais avisada, uma vez que a notificação, para o Recorrente – não jurista –, era clara quanto aos modos de atuação e respetivos prazos! DD. Da forma como a notificação aqui em causa foi feita, a perceção de um qualquer cidadão comum seria a de que a presente ação foi proposta dentro do prazo dos 3 (três) meses que lhe foram comunicados para tal, considerando que cumprira com tudo a que estava legalmente obrigado, sobretudo ao nível dos prazos para a prática de atos. EE. Um Organismo Estatal – que se presume de boa-fé – tem de respeitar os princípios de direito administrativo elementares, como o são os evidenciados nos artigos 3.º a 11.º do CPA, alicerçados no artigo 266º da CRP. FF. Contudo, no presente caso vislumbra-se que houve uma clara violação de tais princípios, uma vez que o Estado, através dos seus distintos Organismos e Entidades, não pode incutir no espírito de um cidadão comum uma certeza e uma confiança que vá trair depois, através de trocadilhos impercetíveis aos olhos do cidadão comum – até porque, nos termos do n.º 3 do artigo 268º da CRP, a fundamentação das notificações feitas aos particulares pelas instituições estaduais deve ser “acessível”, o que não se verificou. GG. Assim, foi também violado pela Entidade Demandada na ação administrativa em causa as normas constantes dos artigos 3º a 11º do CPA e dos artigos 266º a 269º da CRP e, a tal violação, fechou completamente os olhos o Tribunal a quo. Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo, consequentemente, revogada a decisão recorrida em ambas as suas facetas, devendo ser substituída por outra que declare que o segundo ato administrativo praticado não é confirmativo do anterior, sendo, por isso, impugnável contenciosamente e que impugnação contenciosa do ato ocorreu tempestivamente, dentro do prazo balizado para o efeito – não sendo de aplicar ao caso em concreto, como erroneamente fez o Tribunal a quo, o artigo 89º n.º 2 e n.º 4 alíneas i) e k) do CPTA. Pois assim o impõem o Direito e a JUSTIÇA! * O Recorrido não apresentou contra-alegações. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (cf. artigos 144.º/2 e 146.º/4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 608.º/2, 635.º/4 e 5 e 639.º/1 e 2 do Código de Processo Civil), as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal consistem em determinar se o despacho saneador recorrido errou: a) Ao considerar inimpugnável o ato de 11.11.2020; b) Ao considerar intempestiva a impugnação do ato de 19.1.2015. III A matéria de facto constante da decisão recorrida – e não impugnada - é a seguinte: A. Por ofício de 19 de Janeiro de 2015, a Entidade Demandada comunicou ao Autor o teor abaixo reproduzido: B. Em 02 de Fevereiro de 2015, deu entrada no Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social o requerimento apresentado pelo Autor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. C. Em 17 de Fevereiro de 2015 a Entidade Demandada enviou ao Autor a nota de reposição n.º 9128987, abaixo reproduzida: (…) D. Em 28 de Abril de 2015, o Autor interpôs recurso hierárquico da nota de reposição referida em C, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. E. Em 11 de Novembro de 2020, a Vogal do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, I.P., proferiu decisão abaixo reproduzida: “(texto integral no original; imagem)” F. Junto com a decisão referida em E, consta a informação abaixo reproduzida:“(texto integral no original; imagem)” (…) “(texto integral no original; imagem)” (…) (…) “(texto integral no original; imagem)” (…) “(texto integral no original; imagem)” G. Em 03 de Maio de 2021, a presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé. IV Da inimpugnabilidade do ato de 11.11.2020 1. Discute-se, no presente recurso, a natureza confirmativa, e consequente inimpugnabilidade, do ato de 11.11.2020 da Vogal do Conselho Diretivo do Recorrido através do qual decidiu o recurso hierárquico que teve por objeto o ato que vem identificado como sendo o de 19.1.2015 da Diretora do Centro Distrital de Faro. O despacho saneador recorrido afirmou essa natureza, o Recorrente repudia-a. 2. Não vêm suscitadas quaisquer dificuldades quanto ao conceito de ato confirmativo. De resto, o artigo 53.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos diz-nos o que se deve entender por atos confirmativos: «atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores». 3. Para o tribunal a quo o ato de 11.11.2020 da Vogal do Conselho Diretivo do Recorrido, que decidiu o recurso hierárquico, reiterou, com os mesmos fundamentos, o ato de 19.1.2015 da Diretora do Centro Distrital de Faro. Para o Recorrido tal reiteração de fundamentos não ocorre, desde logo pela simples razão de que inexiste fundamentação no ato primário. Ou seja, não se poderá reiterar o que não existe. 4. Vejamos, então, o que consta do ato de 19.1.2015 da Diretora do Centro Distrital de Faro, no qual se «decidiu» a restituição com o seguinte motivo: «Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição foi o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto (alínea b) do n.º 9 do artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009 e n.º 10 do Despacho n.º 7131/2011), acima referenciados)». 5. Para aferição do cumprimento, ou não, do dever de fundamentação por parte desse ato importa relembrar que, e tal como resulta do artigo 268.º/3 da Constituição da República Portuguesa, os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Tal obrigação, à data da prolação do ato em causa, era concretizada no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, de cujo n.º 1/a), em conjugação com o seu corpo, resulta que devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções. É o caso, incontestado, do ato em causa, cuja fundamentação terá de ser clara, coerente e completa (artigo 125.º/2 do Código do Procedimento Administrativo de 1991, interpretado a contrario). 6. Por outro lado, há muito que vem sendo reconhecido, jurisprudencial e doutrinalmente, que a fundamentação é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, supostamente na posição do interessado em concreto, atento o tipo legal do ato, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão. 7. Ora, o primeiro aspeto a reter é o de que o ato em causa apelou a um conceito indeterminado (incumprimento injustificado). Fundamentar, como acima se disse, é indicar as razões que motivaram o ato, de modo que o destinatário possa compreender a subsunção dos factos ao direito. A partir daí, e caso aceite os factos, poderá reagir contra essa subsunção. O que significa, então, o seguinte: quando estão em causa conceitos indeterminados, a Administração terá de identificar os factos e indicar a razão pela qual entende que esses factos preenchem determinado conceito legal aberto. 8. Se a Administração apenas informa o particular de que incumpriu injustificadamente determinado compromisso, coloca-o desde logo em posição desfavorável, na medida em que este terá de tentar adivinhar as razões pelas quais existiu incumprimento injustificado. E isto porque o juízo da Administração, nesse caso, tem conteúdo meramente conclusivo. Portanto, o que se entende é que o dever de fundamentação legal imposto à Administração, quando estão em causa conceitos indeterminados, tem um conteúdo mais exigente do que aquele que, em regra, se reconhece como adequado para as situações em que aqueles conceitos não são convocados. Como se dizia no acórdão de 20.11.2002 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 1178/02, «é ainda mais premente neste tipo de actos a exigência da enunciação clara, suficiente e congruente das razões factuais em que se ancora o juízo da Administração». Portanto, se a Administração não explica o modo como alcançou o preenchimento do conceito indeterminado invocado, o ato em causa não estará devidamente fundamentado. 9. É o caso dos autos. O Recorrido não aduziu uma única palavra ao preenchimento do conceito indeterminado que invocou. Limitou-se a invocar o artigo 12.º/9/b) da Portaria n.º 985/2009, de 4 de setembro, e o n.º 10 do Despacho n.º 7131/2011. Ora, quanto à norma constante do primeiro artigo, sucede que a mesma até contempla duas situações: manutenção da atividade da empresa e manutenção dos postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos. O que sucedeu, nesse âmbito, e que determinou o ato de 19.1.2015? Quanto ao invocado despacho, também nada se retira de relevante, na medida em que o mesmo, no número invocado, apenas estabelece que «[s]empre que na execução do projecto de criação do próprio emprego se verificar incumprimento injustificado das condições que determinaram a sua aprovação ou se apurar ter havido aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam, aplica-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou penal a que houver lugar». 10. Deste modo, conclui-se que o Recorrido violou, através do ato de 19.1.2015, o dever que lhe era imposto pelo artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, com o conteúdo que lhe é dado pelo artigo 125.º do mesmo código. 11. De resto, a falta de fundamentação desse ato torna-se mais notória quando o comparamos com o ato que decidiu o recurso hierárquico. 12. Recorde-se, para o efeito, que no primeiro ato foi «determinada» a restituição com base num incumprimento injustificado resultante de uma de duas coisas, cuja escolha foi deixada ao destinatário: falta de manutenção da atividade da empresa ou dos postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos. 13. No entanto, na informação que suportou o ato que decidiu o recurso hierárquico já se alude ao facto de «”nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter essa atividade”, conforme versa o n.º 3 do artigo 34.º do DL n.º 220/2006». Ora, isto nada tem a ver com o desenvolvimento de fundamentos do primeiro ato. Este é um novo fundamento. Mais do que isso, parece ser o verdadeiro fundamento. Portanto, o ato de 11.11.2020 não é confirmativo do ato de 19.1.2015. E é, pois, impugnável. 14. De qualquer modo, importa ainda referir o seguinte: no ato de 19.1.2015 disse-se que «haverá lugar à restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego (…) se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção deste ofício, não der entrada nestes serviços resposta por escrito (…)», com o «fundamento» que ali se indicou, terminando-se da seguinte forma: «Na falta de resposta, a decisão de restituição considera-se efetuada no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de: (…)». 15. A propósito, escreveu-se o seguinte no despacho saneador recorrido: «É certo que a eficácia do acto de 19.01.2015 ficou condicionada à apresentação, no prazo de 5 dias úteis, de resposta por escrito em que constassem elementos que pudessem obstar à restituição (ponto A dos factos provados). Mas os actos administrativos podem ter eficácia diferida ou condicionada, sendo apenas impugnáveis a partir do momento em que são eficazes (artigos 149.º e 157.º, alínea b) do CPA; e artigo 54.º, n.º 1 do CPTA)». 16. Tomemos como lapso o facto de se ter dito que a eficácia do ato ficou condicionada à apresentação da mencionada resposta, na medida em que sucedeu o inverso: ficou condicionada à não apresentação de resposta. 17. Releva, então, o seguinte: o ofício de 19.1.2015 incorporou um ato sujeito a uma condição: a falta de resposta do destinatário, o aqui Recorrente, no prazo ali indicado (recorde-se que, nos termos do artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, «[o]s actos administrativos podem ser sujeitos a condição, termo ou modo, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o acto se destina). Ora, a condição não se verificou, na medida em que em 2.2.2015 o Recorrente pronunciou-se. Portanto, o ato de 19.1.2015 nunca veio a consubstanciar um ato administrativo, mas sim, e apenas, um projeto de ato administrativo, notificado – presume-se - em sede de audiência dos interessados, ainda que sem expressa referência ao referido instituto. 18. De resto, é esse enquadramento que se tem identificado em inúmeras ações que vêm correndo termos na jurisdição administrativa, tratando-se de um procedimento habitual dos serviços da Segurança Social, num duvidoso equilíbrio entre a produção massificada de atos e o respeito pelos direitos dos administrados, criador das mais diversas dificuldades, de que são exemplos os próprios equívocos em que incorreu o tribunal a quo. Um deles, mas fora do objeto do recurso, reporta-se à qualificação do ato incorporado no ofício de 17.2.2015 [facto C)], visto como ato de execução, sem que exista ato administrativo exequendo, como se viu. 19. É de evidenciar, aliás – e o Recorrente disso deu conta –, o próprio teor desse ofício, o qual contém mais um verdadeiro alçapão para o destinatário, ao informar que o prazo de impugnação contenciosa se suspende com a apresentação da impugnação administrativa, tout court. Ou seja, omitem-se os factos que determinarão a cessação dessa suspensão. O que significa que um cidadão comum aguardará tranquilamente pela resposta à sua impugnação administrativa, sendo surpreendido, anos mais tarde, com a notícia de que, afinal, o prazo há muito se tinha esgotado. E nesse caso ficará à mercê da interpretação que venha a ser dada ao regime constante do artigo 58.º/3/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 20. Em suma, e também pelo que se disse no § 17, não existe qualquer relação de confirmatividade entre o ato de 19.1.2015 e o ato de 11.11.2020. O ato de 11.11.2020 é impugnável. Fica, pois, prejudicada qualquer apreciação relativa ao ato de 19.1.2015, para além do que já anteriormente foi dito. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho saneador recorrido e determinar que os autos voltem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para aí prosseguirem os seus termos. Custas pelo Recorrido (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 30 de abril de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Teresa Caiado Rui Fernando Belfo Pereira |