Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 838/20.2BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/21/2024 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | AUDIÇÃO PRÉVIA PRETERIÇÃO VÍCIO DE FORMA EFEITO ANULATÓRIO PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO |
| Sumário: | I - Se a administração tributária não dá adequado cumprimento ao direito de audição, tal facto determina a anulação do acto praticado, por vício de forma, II - Todavia, importa acentuar que, pese embora o incumprimento e/ou a deficiente observância do direito de audição, a sua omissão não acarreta, inapelavelmente, a anulação do acto proferido (art.º 163/5 do CPA). III - Na falta de apreciação de elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelo interessado, não é de retirar efeito anulatório ao acto se se concluir que a apreciação dos mesmos poderia levar a uma decisão de conteúdo diverso da que foi proferida. IV - Tal é o caso se a AT, para a decisão proferida de rejeição liminar do recurso hierárquico por intempestividade toma por certo o dies a quo do prazo de interposição do recurso hierárquico (art.º 66/2 do CPPT) e o interessado invoca na resposta que a notificação da decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, objecto do recurso, foi efectuada para o domicilio fiscal de sociedade já extinta (facto constante do registo comercial, embora não comunicado à AT), ao invés de se concretizar na pessoa dos sócios dela, o que retira à notificação eficácia, nomeadamente para determinação do prazo de exercício de garantias impugnatórias de tipo administrativo. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO N…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente e absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido na Acção Administrativa Especial impugnatória dos actos de indeferimento do pedido de reembolso de IVA resultante de declarações periódicas, referentes aos meses 8 e 9/2014, apresentadas pela sua representada T… – T…, LDA., pessoa colectiva já extinta. O Recorrente apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões: « 1ª – A ação interposta pelo apelante foi tempestiva; 2ª – Porquanto, o mesmo somente tomou conhecimento do teor da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do IVA, aquando da informação prestada pelo SF de Santarém; 3ª – A notificação efetuada pela AT para a caixa postal eletrónica da sociedade foi ineficaz; 4ª – Porque, esta já estava extinta e a matrícula cancelada, o que constava do registo comercial de que a AT não poderia deixar de conhecer; 5ª – Ademais, a AT foi notificada da sentença de encerramento do processo de insolvência, pois, nele estava representada pelo MP, bem como através do respetivo anúncio publicitado através do CITIUS; 6ª – Ao invés de proceder à acima referida notificação, deveria ter notificado os sócios, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, do CSC e 41º, nº 3, do CPPT; 7ª – A AT ao não ouvir o apelante no procedimento de audiência prévia, apesar deste ter apresentado resposta, incorre em vício de forma, o que por si só determina a anulação do ato; 8ª – Tal vício também não de degrada em ilegalidade não essencial, porquanto não constitui a única decisão possível da AT; 9ª – Nem o tribunal a ela se pode substituir, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes, previsto no art. 3º, nº 1, do CPTA. Termos em que, a Mma. Juiz “a quo” se equivocou ao considerar a AT como tendo validamente notificado a, então, representada do apelante, quando esta já se encontrava extinta e a matrícula cancelada, como decorre da publicidade registral, ofendendo assim o disposto nos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, do CSC e 41º, nº 3, do CPPT. Ademais, estava-lhe também vedado substituir-se à AT na apreciação da audiência prévia, o que ofende o princípio da separação de poderes entre o tribunal e a administração, como previsto no art. 3º, nº 1, do CPTA. Pelo que, decidindo-se Vs. Ex. as pela procedência do recurso de apelação e, em consequência, revogando a sentença recorrida, farão a melhor JUSTIÇA». A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou alegações que termina com as seguintes e doutas conclusões: « A. A sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo, sendo a sua interpretação e conclusão as únicas juridicamente possíveis, atento o quadro legal vigente, inexistindo assim qualquer erro que inquine a sua validade. B. Pelo contrário, são as alegações de recurso que padecem de erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito. C. Em 18/01/2017 a empresa T…, enquadrada no regime mensal de IVA, e qual o Recorrente era sócio gerente, apresentou a declaração periódica do IVA respeitante a outubro de 2016, onde solicitou o reembolso de €64.600,89. D. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º, ambos do CIVA, a declaração periódica deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados, até ao dia 10 do 2.º mês seguinte àquele a que respeitam as operações. E. O pedido de reembolso que foi liminarmente rejeitado por a declaração período ter sido apresentada fora do prazo, n.º 1 do artigo 2.º do Despacho Normativo N.º 18-A/2010, de 1 de julho. F. O indeferimento foi notificado à empresa para a caixa postal da Via CTT em 23/01/2017. G. À data da notificação a Recorrida desconhecia que a T… tinha sido extinta em virtude do encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens. H. Até porque, já após o indeferimento do reembolso, a T... apresentou declaração periódica referente a 12/2016, data em que, como o Recorrente bem assinala, a empresa já tinha cessado atividade. I. Como ficou provado nos autos, a Recorrida só teve conhecimento em 2019, através da comunicação da administradora de insolvência, que o processo de insolvência havia sido encerrado em 2016. J. Nunca a empresa e/ou os seus sócios, onde se inclui o Recorrente, fizeram qualquer comunicação à AT, nem sobre a cessação da empresa, nem sobre qualquer alteração à caixa postal via CTT. K. Sendo que a cessação da empresa, quer em IRC, quer em IVA, foi feita oficiosamente pela AT em setembro de 2019, pese embora com data anterior, 16/10/2016. L. A notificação efetuada em 23/01/2017 à T... foi válida e eficaz. M. Nada havendo, assim, a apontar à conclusão alcançada pelo Tribunal a quo quanto aos Factos Provados 5) e 6). N. Igualmente soçobra o alegado erro de julgamento por violação do princípio da separação de poderes, suscitado pelo Recorrente a propósito da falta de audiência prévia. O. Tendo o pedido de reembolso sido requerido em declaração periódica apresentada fora do prazo consignado na lei não existia outra solução que não a sua improcedência. P. O mesmo se diga a propósito da apresentação intempestiva do recurso hierárquico, apresentado em 2020 de ato notificado em 2017. Q. Andou bem a sentença recorrida quando decidiu pela improcedência total do peticionado e determinou a absolvição da Recorrida do pedido. R. Conclui-se, assim, pela total improcedência da argumentação expendida pelo Recorrente, e pela inexistência de qualquer erro que inquine a bem elaborada sentença recorrida. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão proferida em 1.ª instância pelo TAF de Leiria.». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146/1 do CPTA, não tendo emitido pronúncia. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, importa indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao fazer aplicação da teoria do aproveitamento do acto na situação concreta de preterição da audiência prévia no procedimento de recurso hierárquico visando o indeferimento do pedido de reembolso do IVA. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» B.DE DIREITO Como acima deixamos enunciado, a questão central do recurso reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao fazer aplicação ao caso da teoria do aproveitamento do acto na situação de preterição da audição prévia no procedimento de recurso hierárquico. Constata-se factualmente que em 04/05/2020, o A. interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IVA da sociedade “T…, Lda.”, referenciado aos períodos mensais de 8 e 9/2014. Por despacho de 03/06/2020, foi ordenada a notificação do A. para audição prévia sobre o projecto de indeferimento do recurso hierárquico. Da informação que suporta aquela decisão, consta, destacadamente, o seguinte: «2.O pedido de reembolso foi automaticamente indeferido, com código 14, ou seja, por incumprimento do prazo legal. 3. Desse facto, foi o sujeito passivo notificado através do ofício n.º 102004976 de 2017.01.23, considerado notificado em 2017.02.18, conforme sistema SECIN. (…) 5. O recurso hierárquico interposto é legal, mas intempestivo, por ter sido apresentado para além do prazo previsto no n.º 2 do artigo 66.º do CPPT. 6. Efectivamente, tendo o sujeito passivo sido considerado notificado do pedido de reembolso em 2017.02.18, deveria ter apresentado o recurso hierárquico até a dia 20 de Março de 2017 (2017.03.20). 7. Tendo o recurso hierárquico sido apresentado em 4 de Maio de 2020, o mesmo é intempestivo devendo ser de indeferir liminarmente. 8. (…)». Por despacho de 14/07/2020, foi o projecto convertido em decisão de indeferimento, precedendo informação burocrática com o seguinte teor: «Tendo decorrido o prazo de 15 dias fixados ao sujeito passivo T…, Lda., para exercer o direito de audição prévia, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT, sem que até à presente data tenha sido recepcionada qualquer resposta nesse sentido, afigura-se ser de converter em definitivo a proposta de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento do reembolso de IVA». Sucede, porém, que esta última informação não se acha correcta, pois como o ilustram os pontos 13 e 14 do probatório, em 30/06/2020, o A. exerceu o direito de audição, cuja resposta remeteu na mesma data, via e-mail, para o endereço electrónico Ré: DSR – Direcção de Serviços de Reembolsos (cf., docs. 9v. e 10 juntos à P.I.). Nessa resposta, aduzia, entre o mais, o seguinte: (…)». Ora, sobre estes elementos factuais e jurídicos novos suscitados na resposta, que envolvem a questão de saber se a comunicação da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do IVA poderia, na situação concreta, ter sido validamente notificada à já então extinta sociedade “T…, Lda.” (como foi) ou, antes, deveria ter sido dirigida aos sócios dela sob pena de ineficácia (nomeadamente para o efeito do dies a quo prazo de exercício de garantias impugnatórias), é questão sobre que o órgão decidente não teve oportunidade de ponderar e, eventualmente, proferir decisão de conteúdo diverso da que foi proferida no desconhecimento desse contraditório. A falta de audição dos interessados, quando obrigatória (cf. art.º 60.º, n.º1 alínea b), da LGT), constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação (art.º 163/1 do Cód. do Procedimento Administrativo). Todavia, importa acentuar que, pese embora o incumprimento e/ou a deficiente observância do direito de audição, a sua omissão não acarreta, inapelavelmente, a anulação do acto proferido. É, como se refere no Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/20/2019, tirado no proc.º 01437/14.3BELRS 0304/18, «o que decorre do princípio do aproveitamento do ato que (…) atualmente, se encontra contemplado na norma do n.º 5 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, que entrou em vigor em 08/04/2015. Porém, o ato final só não será inválido se tal irregularidade conseguir degradar-se em formalidade não essencial. Assim, esta manifestação do princípio do aproveitamento do ato não pode valer a todo e custo e sem limites. Na verdade, há que chamar aqui à colação a jurisprudência emanada deste Supremo Tribunal, mormente no acórdão de 10/11/2010, no processo n.º 0671/10, nos termos da qual “( ... ) IV - A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”. Com efeito, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato, tal só ocorrerá se o interessado na prática do direito omitido não dispuser de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão que foi tomada com preterição desse direito» (fim de cit.). Vertendo aos autos, e salvo o devido respeito, não estamos perante um acto anulável (a decisão de recurso hierárquico) a que se deva retirar efeito anulatório à luz do positivado no art.º 163/5 do CPA e da jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo. Com efeito, não resulta evidente para o Tribunal que o conteúdo da decisão (de rejeição liminar do RH por intempestividade), não poderia ser outro caso a entidade decidente tivesse oportunidade de ponderar os elementos factuais e jurídicos novos apresentados na resposta, particularmente quanto à consideração do início do prazo de interposição do recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do IVA (art.º 66/2 do CPPT), que assenta no pressuposto, discutível, de que a notificação das sociedades se pode validamente concretizar para o seu domicílio fiscal mesmo se entretanto extintas, facto levado a registo comercial, mas não comunicado à Administração tributária. Tudo visto, é de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a Acção procedente e anular, por vício de forma, a decisão de recurso hierárquico impugnada. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a Acção procedente e anular a decisão de recurso hierárquico impugnada. Custas a cargo da Recorrida. Lisboa, 21 de Novembro de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Rui Ferreira ________________________________ Ana Cristina de Carvalho |