Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1579/17.3BELSB |
| Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
| Data do Acordão: | 09/15/2025 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA JUÍZO ADMINISTRATIVO SOCIAL JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM |
| Sumário: | A competência para decidir ação, que deu entrada em juízo em 05 de julho de 2017 e em que está em causa a obtenção do pagamento de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade extracontratual do Estado, na sequência da exclusão do A. da lista de classificação final de concurso público de pessoal, é do Juízo Administrativo Comum. |
| Votação: | DECISÃO SINGULAR |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Decisão
[art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)] I. Relatório A Senhora Juíza do Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante TAC de Lisboa) veio requerer oficiosamente, junto deste TCAS, ao abrigo do disposto na alínea t) do n.º 1 do art.º 36.º do ETAF, a resolução do Conflito Negativo de Competência, em Razão da Matéria, suscitado entre si e o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum do mesmo Tribunal, uma vez que ambos se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da ação ali intentada por P ……………………… (doravante A.) contra o Estado Português (doravante R.). Chegados os autos a este TCAS, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 112.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). As partes nada disseram. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência ser atribuída ao Juízo Administrativo Comum.
É a seguinte a questão a decidir: a) A competência para decidir ação, que deu entrada em juízo em 05 de julho de 2017 e em que está em causa a obtenção do pagamento de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade civil, correspondente a indemnização pelo interesse contratual positivo ou, subsidiariamente, negativo, na sequência da exclusão do A. da lista de classificação final de concurso público interno para admissão ao período experimental com vista à ocupação de 1000 postos de trabalho na categoria de Inspetor Tributário nível 1 grau 4 do Grupo de pessoal da Administração Tributária, cabe ao Juízo Administrativo Social do TAC de Lisboa ou ao Juízo Administrativo Comum do mesmo Tribunal?
II. Fundamentação II.A. Para a apreciação do presente conflito, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos: 1) Em 05.07.2017, o A. instaurou no TAC de Lisboa uma ação administrativa contra o Estado Português, conforme petição inicial, da qual consta, designadamente, o seguinte: “
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…) ” (cfr. documento com o n.º 005705899 de registo no SITAF neste TCAS). 2) Foi proferida decisão, no TAC de Lisboa – Juízo Administrativo Comum, a 04.03.2024, da qual se extrai designadamente o seguinte: “A competência material do juízo administrativo social abarca “todos os processos relativos a litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia salarial, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;” (artigo 44.ºA, n.º 1, alínea b), do ETAF, na redação inicial). Posteriormente, a competência material do juízo administrativo social foi enunciada nos seguintes moldes: “conhecer de todos os processos relativos a: i) Litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação; ii) Exercício do poder disciplinar; iii) Formas públicas ou privadas de previdência social; iv) Pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia salarial; v) Efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas referidas nas subalíneas anteriores; vi) Demais matérias que lhe sejam deferidas por lei.” (artigo 44.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, na redação do DecretoLei n.º 74-B/2023, de 28 de agosto). (…) Assim, a alteração na redação da alínea b), do n.º 1, do artigo 44.º-A, do ETAF, não visou proceder a uma alteração substantiva do seu âmbito de aplicação, mas tão só clarificar o que dela já constava desde a sua redação inicial. Entendimento diverso conduziria à inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço, por não ter sido dimanada ao abrigo da competente autorização da Assembleia da República. No caso dos autos, a causa de pedir, enunciada pelo Autor, assenta no facto de ter sido excluído da lista de classificação final, no concurso público interno para ocupação de 1000 postos de trabalho na categoria de inspetor tributário, do grupo de pessoal da administração tributária, a que se apresentou. Como decidiu, noutro processo, o Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, vale aqui paralelamente o sentido de que “o facto de que deriva o invocado direito indemnizatório impõe uma interpretação e aplicação das normas respeitantes à relação jurídica de trabalho em funções públicas.” (cf. decisão, de 6 de maio de 2021, processo n.º 2047/13.8BELSB), no caso, reportado às regras aplicáveis ao procedimento de formação dessa relação jurídica. Assim, está em causa a efetivação de responsabilidade civil decorrente da formação de um vínculo de emprego público, o que se insere no âmbito de competência do juízo administrativo social. Conclui-se, pois, que o juízo administrativo social deste Tribunal é o competente, em razão da matéria, para conhecer do presente processo” (cfr. documento com o n.º 005705950 de registo no SITAF neste TCAS). 3) A decisão referida em 2) foi notificada às partes e ao IMMP e, após o trânsito, os autos foram remetidos à secção central e distribuídos no Juízo Administrativo Social (documentos com os n.ºs 005705951, 005705952, 005705953, 005705954 e 005705963 de registo no SITAF neste TCAS). 4) Foi proferida decisão no TAC de Lisboa – Juízo Administrativo Social, a 12.11.2024, da qual se extrai designadamente o seguinte: “Considerando (…) que antes da alteração ao ETAF, operada pelo DL n.º 74-B/2023 de 28/08 (cfr. art.º 1.º, al. a), como os Tribunais superiores vêm afirmando, a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF (segundo a qual ao juízo administrativo social compete dirimir, para além das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei, os processos relativos a litígios (i) emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou (ii) relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial), deve ser interpretada no sentido mais restrito de atribuir competência para dirimir apenas os litígios relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social associada ao trabalho (v.g. vide Acórdão de 29/03/2022, Proc. n.º 1961/21.1BELSB), Mais considerando que, efectivamente, desde 29/08/2023, data de entrada em vigor do DL n.º 74-B/2023 (art.º 9.º), os processos concernentes à efectivação de responsabilidade civil emergente de actos ou omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas cujo litígio esteja cometido ao Juízo Social, passaram a integrar a competência do Juízo Administrativo Social (e tão-somente desde essa data, visto que a norma do art.º 8.º, sob a epígrafe “Aplicação no tempo”, não contempla o artigo 44.º-A do ETAF, e não se pode ignorar o que prescreve o art.º 9.º do C. Civil em matéria de interpretação da lei), encontrando-se a delimitação das competências dos referidos juízos administrativos especializados fixada no art.º 44.º-A do ETAF, a saber, para o que aqui releva: compete: a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo; b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a: i) Litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação; ii) Exercício do poder disciplinar; iii) Formas públicas ou privadas de previdência social; iv) Pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial; v) Efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas referidas nas subalíneas anteriores; vi) Demais matérias que lhe sejam deferidas por lei; (vide art.º 44.º-A, n.º 1, als. a) e b) do ETAF, redacção introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12/09, e alterada pelo DL n.º 74-B/2023, de 28/08) – N/Negrito, Considerando, ademais, o preâmbulo do DL n.º 74-B/2023 de 28/08, do qual aqui se destaca que: Ao nível da primeira instância, e face às interpretações divergentes que se têm verificado relativamente ao âmbito da competência dos juízos administrativos sociais e dos juízos de contratos públicos, e que conduziram a diversos conflitos negativos de competência, clarifica-se o sentido das normas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF. Assim, no que toca ao juízo administrativo social, prevê-se que a respetiva competência abrange os processos relativos a litígios emergentes de qualquer tipo de vínculo de emprego público, ao invés de se circunscrever unicamente aos litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas, conforme resultava da versão originária da alínea b) do n.º 1 do referido artigo 44.º-A. Da mesma forma, o conceito de «formas públicas ou privadas de proteção social», originariamente empregue na redação inicial da norma delimitadora da competência do juízo administrativo social, é agora substituído pela noção, mais restrita e mais rigorosa, de «formas públicas ou privadas de previdência social». Neste sentido, clarifica-se que o juízo administrativo social não é o juízo comum de todos os litígios relacionados com questões de proteção social que cabem no âmbito da jurisdição administrativa, mas apenas dos litígios respeitantes a questões relacionadas com o sistema previdencial, refletindo assim, de forma mais fiel, aquela que era a intenção originária do legislador da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro. Ainda no que toca ao juízo administrativo social, cabe também realçar a expressa inclusão, no âmbito da respetiva esfera de competência, dos litígios relacionados com o exercício do poder disciplinar e, bem assim, com a efetivação da responsabilidade civil emergente de atos ou omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas identificadas nas diversas subalíneas da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF. (N/Sublinhado e Negrito), Considerando, destarte, que, a contrario do entendimento vertido na sentença do JAC de fls. 554 e segs. (do SITAF), não se trata aqui de uma lei interpretativa, com efeitos retroactivos, à luz da qual se remeteu para este Juízo Administrativo Social (…) Diga-se, por último, quanto à “aplicação no tempo” do DL 74-B/2023, de 28/08, que o artigo 8º de tal diploma previu expressamente a aplicação aos processos pendentes das alterações respeitantes à “alínea b) do artigo 26.º do ETAF e ao artigo 280.º do CPPT” e, bem assim, a norma revogatória contida na “alínea a) do artigo 6º” (o nº 2 do artigo 83º do Regime Geral das Infrações Tributárias). Face a tudo quanto vem dito, não se vê qualquer razão para reconhecer natureza interpretativa à nova redação do artigo 44º-A, nº1, alínea b), do Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8, nos termos que aqui fomos chamados a apreciar, antes – isso, sim – natureza inovatória. Cabe ainda convocar para aqui o estatuído do 5º do ETAF, nos termos do qual “A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”, de conteúdo análogo ao artigo 38.º da Lei da Organização e Funcionamento do Sistema Judiciário que dispõe no seu nº1 que “A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.” Em face do que vem dito e tendo presente, por um lado, que no caso dos autos, a presente ação de efetivação de responsabilidade civil deu entrada em juízo no dia 18 de setembro de 2019 (cfr artigo 1º da matéria de facto assente), por conseguinte, em momento anterior à publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei nº74-B/2023, de 28/8 e, por outro lado, que o litígio aqui em dissidio não era, no quadro do direito anterior ( Decreto-Lei nº114/2019) objeto de uma previsão legal expressa, só nos resta concluir que a competência material para apreciar a natureza da relação em conflito, não cabe ao juízo de administrativo social do TAC de Lisboa mas sim ao juízo administrativo comum do mesmo Tribunal - artigo 5º do ETAF, alínea b) do nº 1 do artigo 44º-A do ETAF, na redação dada pela Lei nº 114/2019, de 12/9 e artigo 2º, nº1, alínea a) do DL nº 174/2019, de 13/12 (criação de juízos de competência especializada/ ETAF), conjugado com a alínea a) do artigo 1º da Portaria nº 121/2020, de 22/5 (Entrada em Funcionamento dos Juízos Especializados dos Tribunais Administrativos e Fiscais). (…)» - cfr. Decisão Sumária de 21/08/2024, da Exm.ª Juíza Desembargadora Presidente do TCAS - Proc.º n.º 1727/19.9BELSB, no SITAF (N/Neg.), Considerando, por último, mutatis mutandis que, estando em causa nos presentes autos litígio relativo à efectivação de responsabilidade civil extracontratual, ao abrigo do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12 – litígio esse, anterior ao DL n.º 74-B/2023, de 28/08, reitera-se -, deverá aqui, como ali, ser a competência para dirimir tal litígio atribuída ao Juízo Administrativo Comum deste Tribunal, que a detinha à data da criação dos Juízos especializados (em funcionamento desde 01/09/2020, reitera-se - cfr. Portaria n.º 121/2020, de 22/05), quod erat demonstratum” (cfr. documento com o n.º 005705965 de registo no SITAF neste TCAS). 5) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal, ambas as decisões judiciais tinham transitado em julgado (cfr. plataforma SITAF). * II.B. Apreciando. Considerando o quadro processual descrito, cumpre decidir qual o juízo de competência especializada administrativa materialmente competente para o conhecimento dos autos. Vejamos, então. Nos termos do art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respetivo tribunal central administrativo”, sendo que, no âmbito do contencioso administrativo, os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos art.ºs 135.º a 139.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Estabelece-se no n.º 1 do art.º 135.º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. art.ºs 109.º e ss. do CPC). Por sua vez, o art.º 136.º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”. Entende-se (como tem sido pacífico na jurisprudência deste TCAS) que, apesar de o art.º 136.º do CPTA manter a redação originária, a mesma não afasta a aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 111.º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo, com as devidas adaptações, ex vi art.º 135.º, n.º 1, do CPTA. Ademais, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art.º 13.º do CPTA). Atenta a data de entrada em juízo da presente ação administrativa [05.07.2017], data por referência à qual se fixa a competência (cfr. art.º 5.º do ETAF), é ainda de considerar o disposto no art.º 44.º-A, do ETAF, aditado pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro e na sua redação originária, nos termos do qual: “1- Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete: a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo; b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei…”. Como referido na decisão de 17.07.2024 deste TCAS (Processo: 171/19.2BELSB): “[O] Juízo administrativo comum funciona como juízo de competência material residual, ou seja, abarcando as matérias que não estejam incluídas no âmbito dos juízos especializados. A competência material especializada prevalece sob a competência material comum precisamente porque esta é residual. Na delimitação de competências entre o juízo comum e os diferentes juízos especializados dos tribunais administrativos (e estes entre si), afigura-se-nos evidente que o legislador de 2019 atendeu ao objeto material das causas, relevando as especificidades que decorrem do direito substantivo que regula as correspondentes relações jurídicas, associando, no que aqui importa, as áreas de competência do juízo administrativo social ao direito especial da função pública e ao denominado direito da segurança social. (…) A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a acção é proposta, isto é, pelos pedidos e causas de pedir. Como é entendimento generalizado da Jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Doutrina, a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)” (…) A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91 e, por todos o acórdão do Tribunal de Conflitos de 4-7-2006, proc.11/2006, e ainda o Ac. do STJ de 14-5-2009, proc. 09S0232, sublinhando todavia que o tribunal, apesar de atender apenas “aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada (causa de pedir e pedidos) não está vinculado às qualificações jurídicas do autor”. É ainda pertinente chamar à colação o entendimento unânime entre ambos os TCA, no tocante à densificação do alcance da competência do Juízo Administrativo Social. Assim, escreveu-se na decisão deste TCAS de 23.06.2023 (Processo: 658/21.7 BESNT) “[A] norma vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF, segundo a qual ao juízo administrativo social compete dirimir, para além das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei, os processos relativos a litígios (i) emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação ou (ii) relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social, deve ser interpretada no sentido mais restrito de atribuir competência para dirimir apenas os litígios relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social associada ao trabalho”. Ademais, no sentido da natureza inovatória da redação dada ao art.º 44.º-A, n.º 1, alínea b), do ETAF, pelo DL n.º 74-B/2023, de 28 de agosto, chama-se à colação a decisão deste TCAS de 19.04.2024 (Processo: 1640/22.2BELRS), onde se refere: “[O] legislador de 2023 (…) incluiu (…) [,] no âmbito da esfera de competência do juízo administrativo social, todos os litígios relacionados com o exercício do poder disciplinar (em geral e não apenas os emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas). Disso deu conta o preâmbulo do aludido diploma quando refere que “Ainda no que toca ao juízo administrativo social, cabe também realçar a expressa inclusão, no âmbito da respetiva esfera de competência, dos litígios relacionados com o exercício do poder disciplinar e, bem assim, com a efetivação da responsabilidade civil emergente de atos ou omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas identificadas nas diversas subalíneas da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF. (…).”( sublinhado nosso). (…) Vejamos (…) se podemos afirmar o caráter interpretativo da LN [o Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8, na parte em que alterou o artigo 44º-A no segmento que aqui nos ocupa – nº1, alínea b), ii)], ou seja, vejamos se a LN passa no teste que nos permitirá saber se a mesma é interpretativa. Em primeiro lugar, importa saber se há uma declaração expressa contida no texto do diploma nesse sentido. E aqui, percorrido o texto do Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8, a resposta é negativa. Tem igualmente significado a afirmação expressa do carácter interpretativo constante do preâmbulo do diploma. Aí, tal afirmação também não se mostra feita. Por último, se o diploma nada determinar, o carácter interpretativo pode resultar ainda do texto (e até em conjugação com o teor do seu preâmbulo) quando for manifesta a referência (tácita) da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente. Também aqui, a resposta terá que ser negativa. É verdade, e este Tribunal não o desconsidera, que (…) do preâmbulo do DL nº 74-B/2023, de 28/08, consta, além do mais, a propósito da competência dos juízos administrativos sociais, a referência a “interpretações divergentes” e “clarificação”. (…) [A] clarificação do âmbito da competência do juízo administrativo social diz respeito aos litígios relativos a questões de proteção social (vide, entre outras, a Decisão do Presidente do TCA, de 01/07/22, no processo nº 196/21.8 BESNT)”. Refere-se, ademais, na decisão deste TCAS de 21.08.2024 (Processo: 1727/19.9BELSB): “No mais, e no que para aqui importa –ações referentes para efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas para as quais é competente o juízo administrativo social -se atentarmos na asserção “Ainda no que toca ao juízo administrativo social, cabe também realçar a expressa inclusão, no âmbito da respetiva esfera de competência, dos litígios relacionados (…)com a efetivação da responsabilidade civil emergente de atos ou omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas identificadas nas diversas subalíneas da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF.” , somos levados a concluir que o legislador de 2023, através do DL 74-B/2023, de 28 de agosto, entendeu, inovadoramente, que o Juízo Administrativo Social era o juízo mais preparado para o julgamento de todas as pretensões fundadas em responsabilidade civil em que o fundamento desta decorre de atos ou omissões para os quais é competente ao juízo administrativo social. Diga-se, por último, quanto à “aplicação no tempo” do DL 74-B/2023, de 28/08, que o artigo 8º de tal diploma previu expressamente a aplicação aos processos pendentes das alterações respeitantes à “alínea b) do artigo 26.º do ETAF e ao artigo 280.º do CPPT” e, bem assim, a norma revogatória contida na “alínea a) do artigo 6º” (o nº 2 do artigo 83º do Regime Geral das Infrações Tributárias). Face a tudo quanto vem dito, não se vê qualquer razão para reconhecer natureza interpretativa à nova redação do artigo 44º-A, nº1, alínea b), do Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8, nos termos que aqui fomos chamados a apreciar, antes –isso, sim –natureza inovatória”. Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, cumpre sublinhar que o A. formulou o pedido mencionado em 1) do ponto II.A., fundando-o em atos que reputa de ilegais, praticados no âmbito de concurso público interno para admissão ao período experimental com vista à ocupação de 1000 postos de trabalho na categoria de Inspetor Tributário nível 1 grau 4 do Grupo de pessoal da Administração Tributária, m.i. na petição inicial. Há que, como referido, ter em conta, para a decisão do presente conflito, a redação originária do art.º 44.º-A do ETAF. Ora, in casu, não está em apreciação qualquer litígio emergente do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação ou relacionado com formas públicas ou privadas de proteção social, nos termos já assinalados na jurisprudência a que se fez menção e que aqui se reitera. Sendo, in casu, aplicável a redação originária do art.º 44.º-A do ETAF, não existe sustentação para considerar competente o Juízo Administrativo Social, dado o âmbito desta redação a que nos referimos e que não abrange situações como a dos autos. Como tal, conclui-se que a competência material, in casu, é do Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa [art.º 5.º e art.º 44.º-A, n.º 1, alínea b) (na redação originária), ambos do ETAF, art.º 2.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 174/2019, de 13 dezembro, conjugado com a alínea a) do art.º 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio].
III. Decisão Face ao exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Sem custas. Registe e notifique. Baixem os autos. Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, (Tânia Meireles da Cunha) |