Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 970/12.6BEALM |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/30/2025 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO RESPONSÁVEIS LEGAIS PELA EXPLORAÇÃO DOS POSTOS AUTORIZADOS PARA A VENDA PORTADORES CARTÕES MICROCIRCUITO VS REGISTO POS PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE |
| Sumário: | I) Os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, podem ser responsabilizados pelo pagamento do imposto, não obstante não serem os proprietários do POS, na medida em que a letra da lei consagra essa incidência subjetiva (artigo 74.º, nº5 do CIEC). II) À data da prática do facto tributário, inexistia uma específica vinculação legal da fatura ser emitida em nome dos titulares do cartão microcircuito (artigo 74.º, nº 5 do CIEC com a versão conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro). III) Apenas com a alteração do nº5 do artigo 93.º do CIEC, pela Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014 (OE de 2015) ficou a prescrever-se que a responsabilidade adviria em relação às quantidades vendidas a portador de cartão eletrónico para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão. IV) Resultando inteiramente demonstrada a cadeia comercial, a consequência associada a uma indicação no cartão do microcircuito às embarcações, per se, seria desproporcional, não visava o desiderato associado à liquidação do imposto, e não traduzia qualquer interesse público, na medida em que não resultando demonstrada a introdução irregular no consumo, inexiste facto tributário, padecendo, por conseguinte, o ato de liquidação de ilegalidade. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I- RELATÓRIO
P.......................-COMERCIALIZAÇÃO …………………., LDA (doravante Recorrente ou DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida do ato de liquidação de Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) e Contribuição de Serviços Rododiário (CSR) referente ao exercício de 2008, no valor total de € 22.731,11. *** A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “A. A venda do GCM só era efetuada pela Recorrente a quem tivesse feito o pedido com indicação do nome da embarcação/rebocador, uma vez que é o nome da embarcação que vem inscrita no cartão microcircuito. B. Os cartões com microcircuito não têm inscrito o nome da empresa proprietária das embarcações, mas apenas o nome da embarcação que vai abastecer o GCM - nos pedidos de solicitação de entrega do produto que a Recorrente envia à C........... é sempre identificado o nome do Cliente ou o nome do rebocador incumbido de o receber, razão pela qual, a C........... tinha sempre conhecimento da identidade da empresa a constar na facturação, uma vez que é a C........... que, legalmente, está obrigada ao controlo, enquanto proprietária do mecanismo eletrónico capaz de verificar a legalidade da operação em questão (terminal POS). C. A venda do GCM só era efetuada pela Recorrente a quem lhe apresentasse o cartão microcircuito-para a Recorrente era evidente que a venda do GCM era feita a entidades que possuíam o cartão microcircuito, uma vez que as mesmas apresentavam um cartão microcircuito, inclusivamente, com o nome da embarcação onde era colocado/abastecido o GCM. D. A sentença ora recorrida assenta em erro de julgamento ao adoptar a posição perfilhada pela Autoridade Tributária quando em sede de alegações escritas menciona que "é obrigação de quem vende o GCM efectuar, a passagem do cartão microcircuito no POS, em simultâneo com o fornecimento. E. A sentença ora recorrida ignora, apesar de os meios logísticos serem simples, a verdade e a factualidade, ou seja, que o POS não é da titularidade da Recorrente - a qual não tem nem a posse nem o controlo do mesmo. O POS é propriedade da C..........., a qual trata/regista o processo de descarga do GCM no cartão microcircuito por rede GSM. F. O controlo, no que concerne à entrega do GCM e à verificação da titularidade dos cartões microcircuito, é efetuado pelo proprietário do terminal POS, no caso em apreço a C..........., a qual controla a idoneidade dos cartões e a legitimidade para adquirir o GCM, visto que era a C........... que (i) registava a transação no terminal POS; e (h) era proprietária do terminal POS. Circunstâncias que o Tribunal a quo ignora grosseiramente. G. A existência do cartão microcircuito associado às embarcações era indicativo que a Recorrente poderia vender o GCM, não equacionando sequer qualquer violação da norma sub judice nem nenhum benefício ilícito para efeitos de aplicabilidade da taxa reduzida. H. As transações foram registadas no terminal POS-o responsável a quem a lei incumbe o controlo dos fornecimentos e da identidade dos cartões microcircuito é a C........... uma vez que é a proprietária e quem tem o controlo dos terminais POS. I. A venda de GCM realizada pela Recorrente, foi feita a empresas/entidades portadoras do cartão microcircuito, até porque os cartões apresentados tinham inscrito o nome das embarcações/rebocadores, conforme ficou amplamente explanado- havia, pois, uma ligação entre a empresa destinatária da fatura e a embarcação que recolhe o GCM na alfândega. Termos em que a Recorrente jamais agiu com culpa ou com intenção de fraude à lei na venda do GCM- a este título, para se apurar se o agente agiu com culpa, há que comparar a sua conduta com a de um "bonus paterfarnhaer, ou seja, um trabalhador normalmente diligente. J. A culpa consiste na omissão reprovável de um dever legal de diligência, que é de aferir em abstracto, tendo como padrão o zelo do bonus pater familiae, colocado na veste de um cidadão competente e criterioso, o que não sucedeu no caso concreto face às diligências levadas a cabo pela Recorrente. K. A Recorrente atuou com base na existência do cartão microcircuito emitido para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático (ATM ou POS) gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS), sendo que, no caso concreto, o terminal em questão era propriedade da C..........., pelo que a Recorrente atuou com diligência e usou de todas as cautelas e zelo que, face às circunstâncias do caso, seriam empregues por um bom pai de família ou, pelo menos, que não foi negligente e que não omitiu os esforços exigíveis por uma pessoa normalmente diligente. L. O legislador não foi rigoroso quanto à terminologia utilizada, no entanto, a disposição legal em análise deve ser interpretada corretiva e teleologicamente, atento que se trata de um produto com benefício fiscal (redução de taxa), que é objeto de coloração e marcação, só podendo ser utilizado pelos equipamentos taxativamente fixados por lei (artigo 74.° n.° 3, do CIEC), devendo, ainda, quer a venda quer a aquisição do gasóleo ser sujeita a registo em terminal informático mediante a utilização de cartão microcircuito para o efeito atribuído aos respetivos beneficiários. M. Do ponto de vista estritamente material, o GCM foi vendido à entidade que dispunha de cartões microcircuito e cujo combustível foi alocado a embarcações marítimas, sob a confirmação/verificação da regularidade da operação pela autoridade marítima e guarda-fiscal. N. A Recorrente não pode ser responsabilizada para efeitos de eventual violação da norma aqui em discussão. Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, não confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo, determinando-se a anulação da liquidação de ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa de imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!” *** O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações com o teor que infra se descreve: 1º Após sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente, por não provada, a impugnação apresentada pela impugnante P....................... – Comercialização …………., Lda., vem o mesmo interpor recurso, por não se conformar com a douta sentença. 2º Alegou o impugnante em síntese que a sentença ora recorrida assenta em erro de julgamento ao adotar a posição perfilhada pela Autoridade Tributária quando em sede de alegações escritas menciona que “é obrigação de quem vende o GCM efetuar, a passagem do cartão microcircuito no POS, em simultâneo com o fornecimento” 3º Na douta sentença ora recorrida, o Tribunal “a quo” julgou a impugnação improcedente a impugnação apresentada, por considerar que o impugnante não cumpriu as obrigações fiscais que sobre si impendiam, nomeadamente de verificação da legitimidade dos clientes para a compra de gasóleo colorido e marcado. Assim entendeu a douta sentença que em nenhum momento a AT violou o principio da proporcionalidade alegado pela impugnante. 4º Face ao exposto, a AT concorda em pleno com a douta sentença proferida na primeira instância, reiterando tudo o que já tinha sido alegado em sede de contestação, e discordando das alegações de recurso apresentada pela impugnante. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar IMPROCEDENTE o recurso apresentado, e em consequência ser mantida a douta sentença ora recorrida, tudo com as devidas e legais consequências.O representante da Fazenda Pública. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito: 1. A impugnante é proprietária de um posto de abastecimento de combustível (facto que se retira do doc. de fls. 3 a 11 do processo instrutor junto aos autos); 2. Em 09/01/2008 a sociedade R......................... ……………….., Lda. solicitou à impugnante, para o Rebocador ……………., 10,000 litros de gasóleo colorido indicando como local de abastecimento o Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), para o dia 11/01/2008 (cfr. doc. de fls. 51 dos autos); 3. Em 09/01/2008 a impugnante remeteu um fax à C........... Portuguesa, S.A. solicitando que no dia 11/01/2008 fosse efectuado no Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), um abastecimento à R…………./R…………… “Barra de Setúbal” de 10.000 litros de gasóleo (cfr. doc. de fls. 52 dos autos); 4. Em 31/01/2008 a C………. Portuguesa, S.A. emitiu à impugnante a sua factura nº …………. referente a 10.000 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento de 28/01/2008 efectuado ao Rebocador “…………….”, no montante de €4.774,12 (cfr. doc. de fls. 35 dos autos); 5. Em 11/02/2008 a impugnante emitiu à sua cliente R…………….. …………., Lda. a factura nº FA004…………….da qual consta a venda de 10.000,00 litros de gasóleo colorido no montante total de €6.830,00 (cf. dc. de fls. 34 dos autos); 6. Em 02/04/2008 a sociedade R......................... …………., Lda. solicitou à impugnante, para o Rebocador …………….., de 20,000 litros de gasóleo colorido indicando como local de abastecimento o Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), para o dia 03/04/2008 (cfr. doc. de fls. 40 dos autos); 7. Em 02/04/2008 a impugnante remeteu um fax à C........... Portuguesa, S.A. solicitando que no dia 03/04/2008 fosse efectuado no Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), um abastecimento à R........................./R……… “……………” de 20.000 litros de gasóleo (cfr. doc. de fls. 54 dos autos); 8. Em 07/04/2008 a C……. Portuguesa, S.A. emitiu à impugnante a sua factura n° ………….893 referente a 20.004 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento de 03/04/2008 efectuado ao R…………. "………….", no montante de € 14.137,45 (cfr. doc. de fls. 39 dos autos); 9. Em 07/04/2008 a impugnante emitiu à sua cliente R.........................-Serviços …………….., Lda. a factura n° FA0…………..da qual consta a venda de 20.004,00 litros de gasóleo colorido no montante total de € 15.243,048 (cfr. dc. de fls. 38 dos autos); 10. Em data que não se consegue concretizar a sociedade A...................... remeteu um fax à impugnante solicitante um abastecimento de 15.0001itros de gasóleo a efectuar no Porto de Setúbal no dia 21/04/2008 no Resistente (cfr. doc. de fls. 45 dos autos); 11. Em 18/04/2008 a impugnante remeteu um fax à C........... Portuguesa, S.A. solicitando que no dia 22/04/2008 fosse efectuado um abastecimento ao Rebocador "R…………" de 15.000 litros de gasóleo (cfr. doc. de fls. 44 dos autos); 12. Em 28/04/2008 a C…….Portuguesa, S.A. emitiu à impugnante a sua factura n° 5108504792 referente a 15.002 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento de 21/04/2008 efectuado ao Rebocador "R……………", no montante de € 11.022,45 (cfr. doc. de fls. 43 dos autos); 13. Em 30/04/2008 a impugnante emitiu à sua cliente A...................... T…….., Lda. a factura n° ………..096 referente a 15.002,001itros de gasóleo colorido e marcado no valor de € 11.851,58 (cfr. doc. de fls. 42 dos autos); 14. Em 08/05/2008 a sociedade A...................... remeteu um fax à impugnante solicitante um abastecimento de 10.000 litros de gasóleo a efectuar no Porto de Setúbal-Cais 1 - no dia 15/05/2008 no Rebocador "Cabo Girão" (cfr. doc. de fls. 50 dos autos); 15. Em 09/05/2008 a impugnante remeteu um fax à C........... Portuguesa, S.A. solicitando que no dia 12/05/2008 fosse efectuado um abastecimento ao Rebocador "……………." de 10.000 litros de gasóleo (cfr. doc. de fls. 49 dos autos); 16. Em 24/05/2008 a C…………. Portuguesa, S.A. emitiu à impugnante a sua factura n° ………016 referente a 10.002 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento de 13/05/2008 efectuado ao Rebocador "…………..", no montante de € 7.673,65 (cfr. doc. de fls. 48 dos autos); 17. Em 21/05/2008 a impugnante emitiu à sua cliente A...................... T……….., Lda. a factura n° FA004.0000123 referente a 12.002,00 litros de gasóleo colorido e marcado no valor de € 8.221,644, no rebocador "Cabo Girão" (cfr. doc. de fls. 47 dos autos); 18. Em 01/07/2008 foi celebrado entre as sociedades AP………… & Comp., Lda. e a A...................... T………, Lda. um contrato de fretamento em casco nu do Rebocador "R…………" (cfr. doc. de fls. 59 a 62 dos autos); 19. Em 01/07/2008 foi celebrado entre as sociedades R........................., Serviços à Navegação, Lda., Lda. e a A...................... T………., Lda. um contrato de fretamento em casco nu do Rebocador "Cabo Girão" (cfr. doc. de fls. 68 a 72 dos autos); 2 20. Em data que se desconhece e com validade desconhecida foi emitido o cartão n° ………, do concelho de Lisboa, com o número de beneficiário n° ………… em nome de RL ………….. do qual consta a indicação "Gasóleo Verde" (cfr. doc. de fls. 74 dos autos); 21. Em data que se desconhece e com validade desconhecida foi emitido o cartão n° …………, do concelho de Lisboa, com o número de beneficiário n° …….. em nome de RC R……….. do qual consta a indicação "Gasóleo Verde" (cfr. doc. de fls. 65 dos autos); 22. Em data que não se consegue apurar concretamente, mas anterior a 12/05/2011, foi elaborado um relatório inspectivo pela Divisão Operacional Sul da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo- Direcção de Serviços Antifraude, do qual consta o seguinte: «Texto no original»
cfr. doc. de fls. 3 a 11 do processo instrutor junto aos autos); 23. A impugnante foi notificada da liquidação de ISP no âmbito do processo de Cobrança à Posteriori n° 065/2011 (cfr. doc. de fls. 26 a 30 dos autos); *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: a) Não ficou provado que as sociedades R.........................-Serviços ………., Lda. e A...................... Tugs, Lda. possuíssem os cartões de Gasóleo Colorido e Marcado. Não se provaram outros factos relevantes para a decisão. *** A motivação da matéria de facto fundou-se no seguinte: “A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. O depoimento da testemunha inquirida, Carla …………………., funcionária da impugnante desde 2002, explicou ao tribunal como era efectuadas as vendas do gasóleo colorido às clientes da impugnante. Explicou que muito embora não estivesse presente no momento dos abastecimentos sabe que estão presentes um funcionário da C........... que é quem levam o terminal POS e também um guarda fiscal. O seu depoimento foi claro, seguro, coerente e demonstrou ter conhecimento directo dos factos a que depôs. * No que respeita à matéria de facto não provada, nenhum elemento foi junto aos autos pela impugnante comprovativo de que as duas sociedades indicadas possuíssem os necessários cartões de gasóleo colorido para passarem nos POS.” *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: 24) A Sociedade denominada “R......................... Serviços ………, Lda”, emitiu em 1 de março de 2011, declaração com o teor que infra se descreve: « Texto no original» (cfr. doc. 12 junto com a p.i.); 25) A Sociedade denominada “L…………- Serviços de ………….., Lda”, emitiu em 1 de março de 2011, declaração com o teor que infra se descreve: « Texto no original»
(cfr. doc. 13 junto com a p.i.); *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de ISP, e CSR, referente ao exercício de 2008, no valor total de € 22.731,11. Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto: · O disposto no artigo 74.º, nº5, do CIEC, não é aplicável ao caso vertente, na medida em que a Recorrente não é titular dos POS que registam as vendas do gasóleo colorido e mercado (GSM) funcionando apenas como mera intermediária, não podendo, portanto, ser responsabilizada para o efeito; · Atento o quadro normativo vigente, inexiste qualquer quantia a ser liquidada a título de imposto, tendo sido demonstrado que o GCM foi vendido à entidade que dispunha os cartões microcircuito e cujo combustível foi alocado a embarcações marítimas, sob a confirmação /verificação da operação pela autoridade marítima e guarda-fiscal. · A manutenção da correção, inversamente ao propugnado, acarreta a violação do princípio da substância sobre a forma e bem assim do princípio da proporcionalidade. Vejamos, então. De relevar, desde já, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento por complementação, substituição ou mesmo supressão do probatório, sendo que este Tribunal ao abrigo dos seus poderes de cognição já procedeu aos aditamentos que reputou relevantes para a decisão da causa. Assim, encontrando-se estabilizada a matéria de facto há, então, que aferir se assiste razão à Recorrente quanto à censura que endereça à decisão recorrida. Vejamos, então. A Recorrente começa por advogar que a mesma não é responsável pela liquidação que lhe foi emitida, na medida em que mais não representa que uma mera intermediária sendo que a responsabilidade se encontra circunscrita na esfera jurídica da C........... enquanto entidade a quem incumbe o controlo dos fornecimentos e da identidade dos cartões microcircuito. Densifica, para o efeito, que é a C........... que legalmente está obrigada ao controlo, enquanto proprietária do mecanismo eletrónico capaz de verificar a legalidade da operação em questão (terminal POS). Conclui, assim, que a decisão recorrida ignora que o POS não é da titularidade da Recorrente, e não possui qualquer controlo do mesmo, tendo, portanto, de ser valorada a efetiva propriedade da C..........., a qual trata e regista o processo de descarga do GMC no competente cartão microcircuito. Vejamos, então. Neste concreto particular, propugnou a decisão recorrida após estabelecer o respetivo enquadramento normativo que: “[t]erá de ser a impugnante a responsável pelo pagamento do imposto aqui em falta (…) foi a impugnante quem procedeu à venda do gasóleo colorido às suas clientes melhor identificadas no probatório supra. A C........... apenas facilitava a venda, entregando o referido gasóleo directamente nos barcos, registando no POS que possuía para o efeito. No entanto, não impendia sobre a C........... qualquer responsabilidade sobre o destino do gasóleo, sobre a quem eram emitidas as facturas e se essas eram emitidas a quem era o titular do cartão. Aliás, como se retira do probatório supra, era a impugnante que remetia à C........... o pedido para efectuar o depósito do gasóleo nas embarcações, limitando-se a passar o cartão que lhe era apresentado para o efeito. A impugnante quando solicitava a tarefa é que tinha de se assegurar que a entidade a quem emitia a factura possuía o cartão necessário para o efeito. Acresce que, o gasóleo colorido vendido, era de facto registado num cartão POS, acontece que esse cartão se encontrava em nome de entidades distintas daquelas a quem a impugnante emitia as facturas.” Apreciando. Comecemos por convocar o respetivo enquadramento normativo. De chamar à colação, desde já, o consignado no artigo 3.º do CIEC, com a redação à data da prática do facto tributário, o qual a propósito da incidência subjetiva, dispunha que: “ 1. São sujeitos passivos dos impostos especiais de consumo o depositário autorizado, o operador registado, o operador não registado e o representante fiscal. 2. São ainda sujeitos passivos: a) O responsável pelo pagamento da dívida aduaneira na importação; b) O detentor, no caso de detenção para fins comerciais; c) Os garantes do imposto, nos casos previstos no artigo 36.º; d) O arrematante, no caso de venda judicial ou em processo administrativo; e) As pessoas singulares ou coletivas que, em situação irregular, produzam, detenham, transportem, introduzam no consumo, vendam ou utilizem produtos sujeitos a imposto especial de consumo; f) Os pequenos produtores de vinho quando produzam fora do regime de suspensão e o produto não tenha sido colocado à disposição de um depositário autorizado.” Sendo, igualmente, de convocar o consignado no artigo 71.º do CIEC o qual sob a epígrafe de “Isenções”, preceitua que “estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente: “c) (Sejam fornecidos tendo em vista o seu consumo na navegação marítima costeira e na navegação interior, incluindo a pesca, mas com exclusão da navegação de recreio, no que se refere aos produtos classificados pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 49 e 2710 19 61 a 2710 19 69”. De relevar, outrossim, o consignado no artigo 74.º, que a propósito de “taxas reduzidas”, estatuía, na parte que, ora, releva, designadamente, o seguinte: “ 1. São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro das Finanças. (…) 3. O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por: (…) b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º; (…) 5. O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares de cartão com microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público responsabilizado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos. 6. A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.os 2, 3, 4 e 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias e em legislação especial.” Ora, mediante interpretação conjugada dos normativos citados dimana que inversamente ao propugnado pela Recorrente, a mesma pode ser responsabilizada pelo pagamento do imposto, não obstante não ser a proprietária do POS, na medida em que a letra da lei consagra incidência subjetiva aos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público. Ou seja, da letra da lei nada se retira no sentido de que o pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos se encontrar circunscrito aos meros proprietários, bem pelo contrário, na medida em que a letra da lei faz expressa alusão responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público. Note-se que, como doutrina Brigas Afonso, “[o]s impostos especiais de consumo, para além de largamente harmonizados pelo direito da União Europeia, integram a categoria dos chamados impostos indiretos, que se distinguem dos impostos diretos por serem, ao contrário destes, repercutíveis: embora formalmente pagos pelo sujeito passivo, este transfere o seu custo para o consumidor, incluindo-o no preço pago pelo bem” (1). Sendo que inversamente ao IVA, os IEC são impostos monofásicos, ou seja, incidem em apenas uma fase do circuito, concretamente com a fase da declaração de introdução no consumo, que ocorre, em regra, “quando os produtos saem dos entrepostos fiscais de produção ou de armazenagem ou, eventualmente, quando são importados (2)”. Neste concreto particular, elucidam Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira que “[u]ma das principais características dos impostos especiais de consumo reside no facto de a obrigação tributária nascer a partir da produção ou importação, mas apenas se tornar exigível como a introdução no consumo, atento o efeito suspensivo da exigibilidade do imposto (cf. artigos 7.º e 8.º do CIEC)(3)”. Elucidando, adicionalmente, que “[a] obrigação tributária resulta (…) da conjugação dos dois factos, o fabrico ou a importação e a introdução no consumo – um pressuposto complexo, de formação progressiva, resultante da combinação necessária de dois elementos, ao último dos quais cabe a função de aperfeiçoar a fattispecie tributária. Dito por outras palavras: a obrigação de imposto não se pode considerar verdadeiramente nascida senão aquando da introdução no consumo (4)”. Ora tendo presente estas particularidades dos IEC aquiesce-se que no domínio do GCM, se consagrasse, à data, nos artigos 71.º e seguintes, e atualmente nos artigos 88.º e seguintes, isenções e reduções de taxa do imposto aplicável aos produtos petrolíferos e energéticos, das quais deriva que a fase de introdução no consumo e de consequente liquidação do imposto não ocorrer no topo do circuito económico, com a saída do produto dos entrepostos comerciais ou com a importação, como é a regra, mas sim nos postos de venda de combustível ao público. E por assim ser, por força da deslocação da fase da declaração de introdução no consumo para o retalhista, é o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda do gasóleo colorido e marcado ao público quem surge como sujeito passivo do imposto. Logo, tendo sido esta a interpretação sufragada pela decisão recorrida nada há a censurar quanto à legitimidade da liquidação -entenda-se em sentido abstrato- no sentido de a Recorrente poder ser responsabilizada para o efeito. Questão diferente, mas também colocada pela Recorrente é se o Tribunal a quo procedeu a uma correta interpretação do regime jurídico vigente à luz do recorte fático dos autos. Noutra formulação, aferir se estabeleceu uma correta interpretação quanto à legalidade do imposto liquidado, na medida em que não se encontram verificados os requisitos legais atinentes ao efeito, tendo existido uma errónea interpretação da realidade de facto em contenda à luz do competente enquadramento normativo sufragado pela entidade fiscalizadora e secundado na decisão recorrida. Neste âmbito, advoga a Recorrente que a sentença recorrida desconsidera que as faturas emitidas pela Recorrente e que constam dos Autos (faturas 0021, 0078, 0096 e 0123 foram emitidas, respetivamente, à sociedade "R......................... Lda" e à sociedade "A...................... T…., Lda", conforme melhor descrito infra, tendo como fundamento as solicitações enviadas à Recorrente, estão em consonância com o reportado à C........... via telefax, conforme prova constante nos Autos. Mais advoga que, os cartões com microcircuito não têm inscrito o nome da empresa proprietária das embarcações, mas apenas o nome da embarcação que vai abastecer o GCM, sendo ainda de salientar que nos pedidos de solicitação de entrega do produto que a Recorrente envia à C........... é sempre identificado o nome do Cliente ou o nome do rebocador incumbido de o receber. Densifica para o efeito, que resulta demonstrado, de forma cabal, que no caso em apreço as transações foram registadas no terminal POS, por cada abastecimento efetuado, foi emitida uma fatura emitida ao portador do cartão de microcircuito, isto é, ao beneficiário certificado, a isso não obstando os cartões microcircuito serem da titularidade das empresas das embarcações "……………", "……………." e "…………….", quando, ademais, existiam contratos de fretamento e declarações emitidas pelas entidades proprietárias das embarcações a atestarem que as ditas embarcações foram afetadas a outras entidades/empresas - "A...................... T……….., Lda" e "R........................., Lda". Desfecha, assim, que não estão preenchidos os requisitos constantes no artigo 74.º, nº5 do CIEC, sendo que a aduzida desconformidade entre a entidade constante nas faturas e a proprietária dos cartões microcircuito não tem a virtualidade de legitimar o ato de liquidação em contenda. Conclui que, do ponto vista material o GMC foi vendido à entidade que dispunha de cartões microcircuito e cujo combustível foi alocado a embarcações marítimas, sob a confirmação/verificação regularidade da operação pela autoridade marítima e guarda-fiscal, logo sem subsunção normativa no aduzido 74.º, nº5 do CIEC. Dissente a Entidade Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida a qual fez, no seu entendimento, uma correta interpretação da lei e da sua ratio porquanto no caso -formalmente- os cartões microcircuito foram emitidos em nome das embarcações e não dos respetivos proprietários das mesmas. Vista a posição das partes, atenhamo-nos, ora, no entendimento que esteou a improcedência da impugnação judicial. Neste conspecto, advoga a decisão recorrida que: “Na verdade, enquanto o gasóleo marcado e colorido foi adquirido pela R........................., Serviços ……………, Lda e pela “A...................... T……….., Lda”, os cartões eram da titularidade das empresas proprietárias das embarcações: a “L…………-Prestação ………….., Lda.” Da embarcação “………..”, a “AP……………Compra …………., Lda” da embarcação “R………….” e a “R........................., Serviços …………, Lda” da embarcação “……………”. Como se retira do probatório supra, estes contratos foram celebrados em 01/07/2008 e as facturas são, todas elas, emitidas em momento anterior. Na realidade o legislador, quando se refere a “cartões com microcircuito atribuídos”, pretende significar “atribuídos” à pessoa que adquiriu o GAC. Esta necessária coincidência decorre quer da letra quer do espírito da norma. Mais, na própria letra ao ser referido no início dos dispositivos que o gasóleo só pode ser adquirido “pelos titulares do cartão com microcircuito”, pelo que só faz sentido o termo “atribuídos” do final reportar-se, em concordância, àqueles titulares previamente aludidos. Por outro lado, igualmente para essa interpretação aponta a ratio legis da norma, que pretende possibilitar o controlo da afetação a determinados destinos de um produto que beneficia de uma redução na taxa com que é tributado, como consta do n.º 1 do art. 74.º do CIEC. A circunstância de nos cartões constar o nome da embarcação, não significa que os mesmos foram atribuídos àquela embarcação. Como já se referiu, a atribuição dos cartões é efectuada aos proprietários das mesmas. Aliás, os sujeitos passivos do imposto são apenas as pessoas singulares ou colectivas, pelo que as embarcações, não sendo nem pessoas singulares, nem pessoas colectivas, não poderiam, em nenhum momento, ser titulares dos cartões.” Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada. Aqui chegados, e mediante concreta auscultação da fundamentação contemporânea do ato, e concreta transposição para o caso vertente, entendemos que o Tribunal a quo não terá realizado a melhor interpretação em ordem aos pressupostos legais vigentes à data da prática do facto tributário, ao recorte probatório dos autos, e concreta demonstração da realidade e materialidade das operações. Senão vejamos. Do Relatório e concreta fundamentação resulta que as correções resultam do facto do destinatário das remessas de GCM não coincidir com o adquirente indicado nas faturas, na medida em que foram emitidas quatro faturas num total de 55.008 litros de GCM que foram vendidas a entidades que não são titulares dos cartões microcircuito, tendo, portanto, sido incumprido o disposto no artigo 74.º, nº5 do CIEC. Ajuizamos, no entanto, que essa interpretação não tem respaldo na letra da lei e no recorte fático dos autos. Com efeito, o aludido normativo, à data da prática do facto tributário, nada evidenciava no sentido de específica vinculação legal da fatura ser emitida em nome dos titulares do cartão microcircuito. Com efeito, à data da prática do facto tributário, o artigo 74.º, nº 5 do CIEC com a versão conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, apenas prescrevia que a reposição do regime regra só estaria legitimada “em relação às quantidades que venderem e não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos.” Nada prescrevendo, para o efeito, quanto à concreta obrigação de faturação nos moldes propugnados pela AT, e secundado pela decisão recorrida. Com efeito, apenas com a alteração do nº5 do artigo 93.º do CIEC, pela Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014 (OE de 2015) ficou a prescrever-se que a responsabilidade adviria “[e]m relação às quantidades vendidas a portador de cartão eletrónico para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão.”(sublinhado nosso). Sendo que com a redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro – atualmente em vigor –, passou a exigir-se a identificação fiscal, encontrando-se, assim, regulamentado que a responsabilidade do imposto pelo diferencial, e portanto a concreta tributação do regime regra passou a contemplar “[e]m relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão.” (sublinhado nosso). Acresce, igualmente, que a Portaria 234/97, de 4 de abril, nada regulamentava, expressamente, nesse âmbito. É certo que, a Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio, prescrevia, designadamente, no seu artigo 8.º que “[o] registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respetivo cartão de microcircuito”. Mas, a verdade é que, per se, tal não legitimaria a emissão do ato de liquidação em contenda, desde logo, atenta a data da prática dos factos tributários, sendo, outrossim, de relevar que a mesma apenas poderia propugnar a existência de uma formalidade complementar, mas não a prescrição de uma formalidade essencial, a qual como visto, apenas foi criada com o OE de 2015 (5). Dir-se-á, portanto, que até à aludida alteração do artigo 93.º, nº5 do CIEC, com a redação conferida pela Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro, inexistia base legal válida para a emissão de um ato de liquidação por desconformidades ou irregularidades na emissão de fatura vs titularidade dos cartões microcircuito, mas apenas para situações que não ficassem devidamente registadas no sistema. Rigorosamente, com a implementação de tal alteração, podem discernir-se dois segmentos normativos, concretamente: Ø Exigência do montante do imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades vendidas a titular de cartão eletrónico que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo; Ø Exigência do montante do imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades vendidas a portador de cartão eletrónico para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão. De todo o modo, e sem embargo do exposto, a verdade é que, tal como já demos a devida nota, do recorte probatório dos autos, resulta inteiramente demonstrada a cadeia comercial, que se iniciou com a encomenda, com a passagem do cartão microcircuito no POS, o competente registo, e ulterior faturação em nome, justamente, das entidades que requereram a encomenda e que são titulares das embarcações inscritas no respetivo cartão. Mas, atentemos, com o devido pormenor, as operações e o que delas dimana provado. Quanto à primeira relação comercial em contenda resultam as seguintes asserções fáticas: A 09 de janeiro de 2008, a sociedade R......................... Serviços …………., Lda, expediu um fax, endereçado à Impugnante, ora Recorrente, com indicação expressa de “Rebocador ……………..”, 10,000 litros de gasóleo colorido, com menção do respetivo local de abastecimento, no caso, o Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), e o dia efetivo do concreto abastecimento, no caso dia 11 de janeiro de 2008. Nessa conformidade, e de forma a formalizar a encomenda requerida, a Impugnante, ora Recorrente, expediu em 09 de janeiro de 2008, um fax endereçado à C........... Portuguesa, S.A. solicitando, justamente, o abastecimento supra descrito e com a indicação de todos os elementos, mormente, quantidades de litros de gasóleo, e rebocador, neste caso particularizando, “R........................./Rebocador “………………”. Em resultado, dos pedidos e após o respetivo abastecimento, a 31 de janeiro de 2008, a C……… Portuguesa, S.A. emitiu à Impugnante, ora Recorrente, a fatura nº ……… referente a 10.000 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento efetuado, justamente, ao Rebocador “…………..”, e no montante de €4.774,12. Face à operação comercial supra descrita, e a culminar a cadeia comercial, a 11 de fevereiro de 2008, a Impugnante, ora Recorrente, emitiu à sua cliente R......................... Serviços ……….., Lda, a fatura nº FA004………….da qual consta a venda de 10.000,00 litros de gasóleo colorido no montante total de €6.830,00. Por seu turno, no concernente, à segunda relação comercial em contenda resultam as seguintes asserções fáticas: A 02 de abril de 2008, a sociedade R......................... Serviços ……….., Lda, expediu um fax endereçado à Impugnante, ora Recorrente, com indicação expressa de Rebocador Barra de Setúbal, de 20,000 litros de gasóleo colorido, e menção clara e expressa do local de abastecimento o Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), e o dia para o respetivo abastecimento. Nessa conformidade, e de acordo com o mesmo procedimento descrito supra, a 02 de abril de 2008, a Impugnante, ora Recorrente, transmitiu por fax essa encomenda, requisitando à C........... Portuguesa, S.A, o evidenciado fornecimento, com expressa alusão ao local do abastecimento, das quantidades de gasóleo a abastecer, no caso, Porto de Lisboa, (Doca de Alcântara), e com evidência expressa à entidade “R........................./Rebocador “……………..” de 20.000 litros de gasóleo. Razão pela qual, nessa linha de conformidade, a 07 de abril de 2008, a C........... Portuguesa, S.A, emitiu à Impugnante, ora Recorrente, a sua fatura nº …………… referente a 20.004 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento efetuado, precisamente, ao Rebocador "……………..", e no montante de € 14.137,45. Em resultado do supra exposto, e nessa linha de conformidade, a 07 de abril de 2008 a Impugnante, ora Recorrente, emitiu à sua cliente R.........................-Serviços ………, Lda. a fatura n° FA004…………… da qual consta a venda de 20.004,00 litros de gasóleo colorido no montante total de € 15.243,048. No respeitante à terceira relação comercial em contenda resultam as seguintes asserções fáticas: A sociedade A...................... T………, Lda, em data que não se consegue precisar com rigor, mas seguramente em período temporal anterior a 18 de abril de 2008, remeteu um fax à Impugnante, ora Recorrente, a requisitar o abastecimento de 15.000 litros de gasóleo a efetuar no Porto de Setúbal, no dia 21 de abril de 2008, com menção expressa de Resistente. Razão pela qual, e nessa conformidade, a 18 de abril de 2008 a Impugnante, ora Recorrente, expediu um fax à C........... Portuguesa, S.A, visando a realização da encomenda supra evidenciada, e com clara e expressa alusão, ao dia do abastecimento, e ao Rebocador "………………" de 15.000 litros de gasóleo. Em resultado, do supra expendido, a 28 de abril de 2008, a C……………. Portuguesa, S.A. emitiu à Impugnante, ora Recorrente, a fatura n° ……………4792 respeitante a 15.002 litros de gasóleo colorido e marcado do visado abastecimento que refere ter sido realizado ao Rebocador "Resistente", no montante de € 11.022,45. E a culminar a cadeia e de forma a refletir a venda realizada, a Impugnante, ora Recorrente, a 30 de abril de 2008, emitiu à sua cliente A...................... T………, Lda. a fatura n° FA004………….. referente a 15.000,00 litros de gasóleo colorido e marcado no valor de € 11.851,58. Por último e no concernente à quarta operação comercial em contenda, resultam assentes as seguintes asserções fáticas: A 08 de maio de 2008, a sociedade A...................... Tugs remeteu um fax à Impugnante, ora Recorrente, a solicitar o abastecimento de 10.000 litros de gasóleo a efetuar no Porto de Setúbal-Cais 1, no dia 15 de maio de 2008, com menção expressa ao Rebocador "……………". Em resultado da aludida encomenda, e em ordem à sua formalização, a 09 de maio de 2008, a Impugnante, ora Recorrente, remeteu um fax à C........... Portuguesa, S.A. visando a materialização dessa ordem de encomenda, e com clara menção ao Rebocador "……………" de 10.000 litros de gasóleo. E nessa linha de conformidade a C........... Portuguesa, S.A. emitiu à Impugnante, ora Recorrente, a fatura n° ….………016 referente a 10.002 litros de gasóleo colorido e marcado de um abastecimento efetuado, justamente, ao Rebocador "………….", no montante de € 7.673,65. E na linha de todas as operações comerciais descritas anteriormente, a Impugnante, ora Recorrente, emitiu à sua cliente A...................... Tugs, L…., a fatura n° FA004………., que reflete, precisamente, a venda realizada referente a 12.002,00 litros de gasóleo colorido e marcado no valor de € 8.221,644, no rebocador "………….". Ora, face ao exposto e às exigências legais regulamentadas à data da prática do facto tributário, entendemos inversamente ao secundado na decisão recorrida que não se mostram reunidos os pressupostos para ser acionada a reposição da tributação regra. Note-se que, mediante interpretação conjugada da realidade fática supra expendida, dimanam demonstrados todos os elementos que permitem identificar as diversas fases da relação comercial seja na vertente, a montante, da encomenda, e do efetivo abastecimento, como, a jusante, no concreto particular da faturação do abastecimento por parte da Impugnante, ora Recorrente, à sua cliente. É certo que, reconhece-se que os cartões de microcircuito se encontram inscritos em nome das embarcações, no entanto, para além de tal constatação, como visto e per se, não ser suficiente para legitimar a correção em contenda, a verdade é que não resulta, de todo, patenteada uma introdução irregular no consumo. Ademais, há que ressalvar e sublinhar que tal como resulta plasmado no probatório existem contratos de fretamento respeitantes aos Rebocadores “………” e “……..” que interpretados de forma conjugada com as declarações, ora, aditadas ao probatório, permitem alicerçar que as aludidas embarcações se encontravam fretadas na modalidade de casco nú às empresas “A...................... T………., Lda” e “R.........................-Serviços ……………, Lda”. Note-se que, no caso vertente, não é controvertido todo o circuito comercial supra expendido, o efetivo abastecimento, o registo no sistema POS, e bem assim a emissão de uma fatura de venda que ateste as respetivas vendas. Com efeito, nada é expressamente convocado quanto à materialidade das operações e à concreta introdução irregular no consumo, mas sim uma divergência entre o nome constante nos cartões microcircuito e das respetivas entidades onde resulta, a final, a faturação. Sendo, igualmente, de relevar que nenhum elemento dos autos indica que essas vendas foram realizadas com o objetivo de beneficiar de modo fraudulento da taxa de imposto especial de consumo preferencial atribuída ao GCM. Ademais, na linha da jurisprudência vertida pelo TJUE (6), a manutenção da correção acarretaria uma desproporção sem qualquer dinâmica de interesse público subjacente. Senão vejamos. Para o efeito atenhamo-nos perante o doutrinado no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2 de junho de 2016, C-418/14 ROZ-ŒWIT, que aborda a questão da proporcionalidade das medidas de combate à fraude e evasão fiscal em domínio de impostos especiais de consumo harmonizado pelo direito da União Europeia. Neste processo, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, “se a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, por um lado, os vendedores de combustível são obrigados a submeter, no prazo estabelecido, um extrato mensal das declarações dos compradores, segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento, e, por outro, na falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível vendido a taxa do imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.” Respondendo, quanto à primeira questão que “[a] Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual os vendedores de combustível de aquecimento estão obrigados a apresentar, no prazo fixado, um extrato das declarações dos compradores segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento.” Quanto à segunda questão que é, justamente, a que é transponível para o caso vertente foi entendido que: “[u]ma disposição de direito nacional como o artigo 89.º, n.º 16, da Lei relativa aos impostos especiais de consumo, nos termos da qual, na falta de entrega de um extrato das declarações dos compradores no prazo fixado, a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes é automaticamente aplicada aos combustíveis para aquecimento, mesmo que, como constatado no processo principal, estes tenham sido utilizados enquanto tal, contraria a sistemática geral e a finalidade da Diretiva 2003/96.” Fazendo depois expressa alusão que, “[t]al aplicação automática da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em caso de incumprimento da obrigação de entregar um extrato desse tipo viola o princípio da proporcionalidade.” Mais evidenciando que “[r]esulta da decisão de reenvio que, no processo principal, se constatou que as vendas de combustível efetuadas pela ROZ-ŒWIT tinham sido verificadas e que não havia dúvida de que os compradores tinham confirmado a compra e o consumo desse combustível para efeitos de aquecimento. Acresce que nenhum elemento dos autos indica que essas vendas foram realizadas com o objetivo de beneficiar de modo fraudulento da taxa de imposto especial de consumo preferencial atribuída aos combustíveis destinados a aquecimento.” Concluindo, depois, que “[n]estas condições, o facto de aplicar aos combustíveis de aquecimento em causa no processo principal a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em razão da violação da obrigação, imposta pelo direito nacional, de apresentar um extrato das declarações dos compradores nos prazos fixados, quando se constatou que não havia dúvida de que esses produtos se destinavam a aquecimento, vai além do que é necessário para prevenir a evasão e a fraude fiscais (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, C-146/05, EU:C:2007:549, n.º 29).” Resultando, assim, como resposta às questões submetidas que “a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que: não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual os vendedores de combustível estão obrigados a apresentar, no prazo fixado, um extrato mensal das declarações dos compradores segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento; e se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, na falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível de aquecimento vendido a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.” (destaque e sublinhado nosso). Ora, transpondo o entendimento supra expendido para o caso vertente, ter-se-á de concluir que, in limite, a consequência associada a uma indicação no cartão do microcircuito às embarcações, per se, seria desproporcional, não visava o desiderato associado à liquidação do imposto, e não traduzia qualquer interesse público, na medida em que não resultando demonstrada a introdução irregular no consumo, inexiste facto tributário, padecendo, por conseguinte, o ato de liquidação de ilegalidade. Destarte, face a todo o supra expendido, procede a pretensão da Recorrente, pelo que a decisão recorrida não pode, portanto, manter-se na ordem jurídica. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, Subsecção Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em: CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, E JULGAR PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, com a consequente anulação dos atos de liquidação impugnados e demais consequências legais. Custas pela Recorrida. Registe. Notifique. Lisboa, 30 de outubro de 2025
(Patrícia Manuel Pires)
(Ângela Cerdeira)
(Tiago Brandão de Pinho) (1) In Noções gerais sobre Impostos Especiais de Consumo, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, n.º 3, 2006, página 20. (2) In Ob. cit. página 23. (3) In Os Impostos Especiais de Consumo Almedina, 2016, pp. 164 e 165 (4) In Ob. cit. páginas 284 e 285. (5) Vide, neste âmbito, designadamente, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 130/2020, de 03.03.2020 e 329/2020, de 25.06.2020. (6) O próprio Tribunal Constitucional não obstante inexista uma posição unívoca sobre a dimensão constitucional do artigo 93.º, nº5 do CIEC, [Acórdãos nºs 130/2020, de 03.03.2020 e 329/2020, de 25.06.2020 vs Acórdãos nºs 709/2024, de 10.10.2024 e 291/2025, de 3 de abril de 2025], certo que se infere convergência de entendimento no sentido de que se a transação, apesar de não comprovável através da fatura emitida em nome do titular do cartão, for comprovadamente realizada a titular do benefício fiscal, poderá ser convocada a incompatibilidade com o princípio da proporcionalidade. |