Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:219/24.9BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:10/03/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REJEIÇÃO LIMINAR
ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNÁVEL
Sumário:I - Quando se mostre evidente a verificação da exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato cuja anulação é peticionada no processo principal e cuja suspensão é requerida nos autos cautelares, será manifesta a falta de preenchimento do requisito do fumus boni iuris e, consequentemente, manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada nos autos cautelares, determinando a rejeição liminar do requerimento cautelar nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 116.º CPTA;
II - Tal hipótese poderá também subsumir-se à alínea f) do n.º 2 do art.º 116.º do CPTA, porquanto estará em causa a manifesta ausência de um pressuposto processual da ação principal, concretamente a impugnabilidade do ato cuja anulação ali é requerida.
III - Não consubstancia, à evidência, ato administrativo impugnável a notificação, por agente de execução, da data agendada para a entrega do imóvel a desocupar pelo requerente, no âmbito de processo judicial para execução de sentença homologatória de transação ao abrigo da qual o requerente se obrigou a entregar esse imóvel;
IV - Não são cumulativas a aplicação de taxa sancionatória excecional nos termos do art.º 531.º do CPC e a condenação de litigante de má-fé, dado que a primeira apenas se aplica quando a conduta não reveste a gravidade necessária à subsunção ao regime do art.º 542.º do CPC;
V - Litiga de má-fé o requerente que, representado por mandatário judicial, peticiona a suspensão de eficácia de um ato que, à evidência do seu próprio teor literal, não consubstancia um ato administrativo praticado pela entidade requerida e que na sua alegação omite toda a factualidade que demonstra que o ato suspendendo respeita à execução coerciva de uma sentença da qual emerge para o requerente a obrigação de entrega do imóvel.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O........(Requerente/Recorrente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a presente providência cautelar, contra o IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, IP (doravante R./Entidade Requerida/Recorrida/ER ou IHRU), peticionando que a providência seja “admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da entidade Requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho comprovado pelo Doc. 2, já junto no qual se exige para desocupar a habitação até ao dia 21 de Março de 2024; nos termos do disposto nos artigos 128º e 131º do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada a IHRU para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado do Requerente, a companheira e os 3 filhos menores com 17, 13 e 7 anos de idade tal como Doc. 1 já junto da casa sita na Rua M........., Quinta do Cabral para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), condenando-se a Requerida em custas e condigna Procuradoria”.

Por sentença proferida em 22.3.2024, o referido Tribunal rejeitou liminarmente a providência cautelar por entender ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, dado que inexiste qualquer ato administrativo determinante da desocupação do imóvel, antes estando em causa o cumprimento da obrigação de entrega de imóvel que lhe foi determinada no âmbito de processo judicial e de que foi notificado por agente de execução.

Inconformado, o A./Requerente/Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:


“1ª
O Recorrente, a companheira e os 3 filhos menores com 17, 13 e 7 anos idade respetivamente, tal como Doc. 1 que se junta, residem na sua atual habitação desde 2009. Pois o Recorrente foi despejado verbalmente! A alternativa habitacional seria o Recorrente e o seu agregado familiar tornarem-se na situação precária de sem abrigo!
Este agregado, já fustigado com um despejo verbal da sua antiga habitação, por ignorar o explanado no na PI foi igualmente ameaçado de que iria ser despejado sem serem cumpridos os procedimentos que a Recorrida está obrigada a tal!
Têm assistido a entregas de chaves a pessoas que não concorreram tal como sucedeu recentemente que um seu conhecido que tendo aceite a casa atribuída por concurso viu a mesma ser-lhe retirada e ocupada (foi entregue sem concurso pelo Presidente da CM) ao que consta por uma distinta senhora que não concorreu e que lhe ficou com a casa por alegadamente ser mulher de um policia municipal.
Por terem sido obrigados a sair da antiga residência viram-se obrigados a encontrar uma solução rápida, e não tendo outra alternativa foi obrigada a encontrar um abrigo na sua atual habitação sem terem capacidade financeira para o arrendamento do mercado livre e a habitação social tem vindo a ser-lhe negada e prejudicarem mais ninguém pois a casa estava devoluta há um ano, ali permanecem até que os serviços da Recorrida encontrem alguma alternativa. Neste contexto, a Recorrida, sem proceder aos tramites legais despejou este agregado familiar!
O Recorrente já tentou que a Recorrida a recebesse para assinar um contrato de arrendamento com uma renda apoiada e de acordo com os rendimentos do agregado familiar mas sempre sem sucesso.
Desde há vários anos atrás que o Recorrente tem feito tudo para que junto da Recorrida lhe fosse regularizada a situação visto que pretendia pagar a renda e naturalmente ter recibos na sua posse.
Temendo pela dignidade e integridade da vida do Recorrente e temem pelo despejo iminente bem como da retirada eminente dos seus três filhos menores porque passariam assim a residir ao relento!
Recorde-se que a casa corresponde à residência de um agregado com muitos menores!
O Recorrente apenas aufere o RSI, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
10ª
O Recorrente, ao concorrer durante estes anos consecutivos e por estar em situação de desespero por ter não ter outro sítio onde viver, adquiriu a legítima expectativa de ter acesso a uma habitação social pois que está demonstrado que carece da mesma.
11ª
O Recorrente não tem qualquer rendimento e apenas tem condições para pagar uma renda de 4 ou 5 euros, o que só é possível numa habitação social.

12ª
Com base em estado necessidade o garantir a segurança, a saúde, e até o direito à vida do Recorrente da companheira dos seus filhos menores, faz com que se verifiquem os requisitos objectivos e subjectivos do estado de necessidade não apenas desculpante, mas verdadeiramente dirimente da responsabilidade criminal.
13ª
Acresce ainda que tal como resulta do Acórdão do TCAS n° 383/19.9BELSB, estando demonstrada a efetiva carência habitacional tal como o Recorrente alega, a entidade Requerida enquanto entidade de gestora de um parque de habitação social esta obrigada, quando confrontada com o requerimento da providência a averiguar a existência de efetiva carência habitacional e sendo a mesma evidente, deverá ser emitido juízo de prognose favorável por parte do Tribunal se a Recorrida cumprir a obrigação legal imposta pela lei 32/2016 de 24 do 8, facilmente concluirá que a Recorrente afinal tem direito à atribuição de uma habitação social atenta a fragilidade da sua situação económica sob a forma de atribuição em emergência social.
14ª
Em suma, a pretensão do Recorrente com base no estado de necessidade e na situação de emergência social tem direito a que seja previamente ouvida a Recorrida á qual tem a obrigação não apenas de informar mas sobretudo de acompanhar e comunicar ao tribunal se afinal a Recorrente tem ou não carência habitacional em situação de urgência e só depois, eventualmente apos a inquirição das testemunhas se pode concluir pela legalidade ou não do recurso à providencia cautelar de abstenção, a qual nos termos legais deveria merecer um despacho judicial no prazo de 48 horas de deferimento relegando-se para a fase posterior à oposição a apreciação do mérito da providência.
15ª
Assim, por se afigurar que o Recorrente tem direito ao deferimento provisório da providência e que o momento oportuno para se conhecer da legalidade ou não da pretensão só tem lugar após a apresentação da oposição por parte da entidade requerida, se requer a V.Exa. se digne deferir provisoriamente a mesma.
16ª
Se a Recorrida não se dignar fixar o valor da renda ao Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada, nomeadamente a vida e o bem-estar dos filhos da Recorrente e dos vários menores a seu cargo!
17ª
Para mais o argumento plasmado pelo Tribunal de 1.ª instância no que consta que não estamos perante uma decisão administrativa é totalmente distante da verdade. Estamos perante património público, gerido pela Recorrida, estando assim na esfera do direito administrativo. Pois foi a Recorrida, entidade pública e gestora de património público que ordenou o despejo deste agregado familiar sem antes desencadear os procedimentos que é obrigada por lei e que mais à frente irão esmiuçar. Aliás, este é o único fato dado como provado, ignorando todos os outros argumentos explanados que foram pura e simplesmente não considerados. Ainda para mais, foi junto sob forma de parecer uma decisão da mesma unidade orgânica num caso em tudo semelhante e que a decisão foi diametralmente oposta! Pelo que a restante legislação invocada defende a posição deste agregado familiar debilitado que a Recorrente tem vindo a ignorar ao longo dos anos! Procura assim evitar que este agregado venha passar a residir ao relento com todos os perigos já indicados!
18ª
Nos termos do disposto no art.° 65.° n.° 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
19ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da Recorrida no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
20ª
Foi indevidamente julgado no Tribunal de 1.ª instância que não se encontra verificado o requisito do fumus boni iuris, conforme estabelecido no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA.
21ª
Pois tal como em jurisprudência semelhante é mister passar invocar o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul Processo: 1012/22.9BELSB de 20-10-2022, por ser uma situação idêntica à da Requerente e do seu agregado familiar com efetiva carência económica. Transcrevendo apenas um excerto:
22ª
“Falta certeza à conclusão tirada na decisão recorrida de que a requerente, de forma manifesta, pode ser despejada sem lhe ser atribuído um imóvel por se tratar de uma ocupação sem título de fogo municipal, tendo em conta, por um lado, que a requerente alega no requerimento inicial factualidade tendente a demonstrar que se encontra numa situação de efectiva carência habitacional e, por outro lado, o disposto no art. 13°, da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e nos arts. 1°, 3° e 4°, do DL 89/2021, de 3/11 (o qual regulamenta a Lei 83/2019), diplomas legais que concretizam o direito à habitação consagrado no art. 65°, da CRP ”
23ª
Efectivamente, ao abrigo da Lei n° 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do art° 28°n° 6 que os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. Trata-se uma disposição naturalmente imperativa.
24ª
O Recorrente sustenta que, ao não indicar qualquer alternativa habitacional, o Recorrido se encontra a violar o disposto no artigo 28.°, n.° 6, da Lei n.° 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.°, n.° 4 da Lei de Bases de Habitação.
25ª
De acordo com a primeira daquelas disposições, aplicável ex vi artigo supracitado artigo 35.°, n.° 4, da mesma Lei n.° 81/2014, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais ”.
26ª
Já o segundo comando legal elencado, por sua vez, preceitua que “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte”, sendo que “Em caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
27ª
Ora, constata-se que o Recorrido nada disto faz, apenas enviou, verbalmente um agregado familiar a dormir ao relento, sendo a decisão proferida absolutamente omissa quanto ao encaminhamento do Recorrente e para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais - omissão essa que não pode deixar de gerar a sua anulabilidade, nos termos do artigo 163.°, n.° 1, do CPA, como deverá ser julgado a final.
28ª
O Recorrente mais alega que o agregado familiar de que faz parte (e habita o imóvel em causa) se enquadra no âmbito de agregado com efetiva carência habitacional e, de acordo com o disposto no artigo 28.°, n.° 6, da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, na redação atual, "[o]s agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais". Mais referindo que, da norma mencionada, “não resulta que deva ser atribuída, sem mais, uma habitação na sequência da determinação da desocupação, mas sim que os ocupantes sejam encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais ”, o que a Requerida não fez
29ª
Resumindo, o Recorrente estriba o fumus boni iuris no facto do ato administrativo que ordena a desocupação do imóvel não encaminhar o Recorrente (e o agregado familiar de que faz parte integrante) para soluções de apoios sociais (ainda que transitoriamente), ao arrepio do disposto na Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro.
30ª
Importa aqui referir que a ilegalidade imputada ao ato administrativo da Recorrida que ordenou a desocupação não se prende com eventual direito que o Recorrente se arrogue a habitar o imóvel em causa que, mas outrossim, com o facto do Recorrido ter a obrigação legal de encaminhar a Recorrente (e a sua família) para solução habitacional (ainda que transitoriamente), de molde a obstar a que fique despojada do direito a habitação.
31ª
Isto visto, quanto a esta matéria, o acórdão do TCA Sul de 20-10-2022, proc. 1012/22.9BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, procedeu à análise do bloco normativo aplicável (em situação com identidade factual à dos presentes autos), com grande profundidade e amplitude, pelo que se segue de perto o aresto aludido (no tocante à análise normativa).
32ª
Ora, a Recorrente enquadra-se nesta concreta classificação, na medida em que mesma não detém qualquer outra habitação, a que título for (proprietária, arrendatária, comodatária ou outro), ou seja, não tem alternativa habitacional e, além disso, está em claro risco de doença e bem como de ver os menores retirados dos seus cuidados pela CPCJ por habitarem ao relento, por força de decisão que determinou a desocupação do imóvel.


33ª
Assim, a Recorrida não poderia ordenar a desocupação sem mais, pois teria de encaminhar, previamente, o Recorrente (rectius, o seu agregado familiar) para uma solução habitacional, ainda que transitória, não sendo admissível a ordem de desocupação tout court.
34ª
O Recorrente tem o direito a ser encaminhado para (outra) solução habitacional, sendo incumbência do Recorrido salvaguardar que a Recorrente e o seu agregado são acomodados em habitação condigna (ainda que temporariamente, reiterasse), e isso não foi feito pela Recorrida, uma vez que o ato que ordena a desocupação não alude, em qualquer segmento, a eventual encaminhamento do Recorrente para uma solução habitacional.
35ª
Nos termos do artigo 28. ° da Lei n.° 6 da Lei 81/2014, “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Igualmente, nos termos do disposto no artigo 13.°da Lei 83/2019 (Lei de Bases da Habitação), se constata que as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento.
36ª
Até porque, relativamente ao despejo de agregados com carência habitacional, dispõe o n.° 4 do artigo 4.° do DL n.° 89/2021, de 3/11, que o município deve encaminhar ou assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário destas famílias, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências, o que, como vimos, não foi feito no caso dos autos.
37ª
Assim sendo, o vício de violação de lei imputado ao ato que levou ao despejo do Recorrente e do seu agregado, num juízo perfunctório, afigura-se que procede em sede de ação principal por vício de violação de lei (violação do disposto nos artigos 28°, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.° da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 89/2021, de 3/11).
38ª
Assim, numa análise perfunctória, própria do processo cautelar, pode concluir-se que esta causa de invalidade imputada ao ato será, muito provavelmente, julgada procedente, o que só por si determinará a anulação do ato impugnado podendo, pois, afirmar-se, sem necessidade de mais indagações e de análise das outras causas de invalidade suscitadas contra o ato, que é muito provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.
39ª
Mostra-se, assim, preenchido o requisito do fumus boni iuris necessário ao decretamento de uma providência cautelar - é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
40ª
Ora, interpretando a causa de pedir que sustenta o pedido, verifica-se que o pedido em causa se reporta ao decretamento provisório da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão de desocupação do imóvel retro aludido.
41.ª
Para tanto, o Recorrente foi ameaçado de ser despejado não tendo o mesmo alternativa habitacional, visto que não aufere rendimentos provenientes do exercício de alguma profissão e a consequência para a desocupação ordenada seria dormirem ao relento, com menores!
42.ª
A tutela provisória prevista no art.º 131° do CPTA destina-se a assegurar o efeito útil do processo cautelar e a evitar que, perante a verificação de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado durante a pendência do processo cautelar, este se mostre infrutífero e incapaz de assegurar a tutela que lhe é própria, qual seja a de evitar a infrutuosidade do processo principal do qual depende.
43ª
O decretamento provisório da providência, nos termos do art.º 131° do CPTA, pressupõe que se mostre verificado, através da alegação feita no requerimento inicial, um periculum in mora qualificado, que deve revestir características de irreparabilidade absoluta, de forma a justificar esta tutela provisória. Como é do agravamento, todos os dias do estado de saúde da companheira da Recorrente bem como dos seus sobrinhos mais o risco de lhe serem retirados os menores pela CPCJ.
44ª
Neste caso, estando em causa a alegada desocupação do imóvel onde o Recorrente reside com a companheira e três menores e a inexistência de alternativa habitacional, por falta de meios económicos, ao que acresce a alegada debilidade de alguns dos membros do agregado familiar visado, é manifesto que se mostra preenchida a previsão do art. 131°/1 do CPTA, pois que a execução da ordem de despejo, ao determinar que o Recorrente eo seu agregado fiquem desalojados, é passível de gerar prejuízos irreparáveis para os mesmos, ainda que venha a proceder o pedido cautelar, ainda mais, sendo concedido prazo exíguo para o efeito que inviabiliza qualquer solução de procura de alternativa habitacional.
45ª
É quanto basta para que se determine o decretamento provisório da providência cautelar requerida.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve a presente providência ser admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da entidade Requerida ora Recorrida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho comprovado pelo Doc. 2, já junto no qual se exige para desocupar a habitação; nos termos do disposto nos artigos 128° e 131° do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada a IHRU para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado do Recorrente, a companheira e os 3 filhos menores com 17, 13 e 7 anos de idade tal como Doc. 1 já junto da casa sita na Rua M……, Quinta do Cabral para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), condenando-se a Recorrida em custas e condigna Procuradoria.”

O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O IHRU/ Recorrido, notificado para os termos da causa e do recurso, apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos,
“A) Corre termos sob o n° 6730/17.0T8ALM acção executiva para entrega do imóvel melhor identificado nestes autos, uma vez que o Autor foi condenado por sentença transitada em julgado na sua entrega ao Réu livre e devoluto de pessoas e bens, e no âmbito daquele processo, o Autor foi notificado do agendamento do dia 21.04.2024 para realização de diligência de tomada de posse coerciva do referido imóvel, tendo ali deduzido embargos de executado, os quais foram liminarmente indeferidos.
B) No dia seguinte à notificação da sentença referida no artigo anterior o Autor intentou os presentes autos, reclamando a suspensão dos efeitos do acto agendado para 21.03.24, pretendo que o Réu se abstivesse de tomar posse do imóvel.
C) Na sentença recorrida foram indeferidos liminarmente os presentes autos uma vez que a pretensão do Autor carece em absoluto de fundamento, já que não existe qualquer decisão administrativa praticada pelo Réu que ordene a desocupação do imóvel.
D) Existindo, na verdade, uma sentença proferida no âmbito de acção que corre termos no ordenamento jurisdicional cível, os Tribunais administrativos seriam incompetentes para tomar conhecimento sobre decisão proferida por tribunal que não esteja integrado na jurisdição administrava.
E) Insurge-se o Autor contra a referida sentença, reclamando a sua revogação e consequente decretamento da providência requerida.
F) Sucede que, a Autor não possui qualquer título para residir ou utilizar o imóvel em questão, pois o ocupa ilegitimamente, não possuindo contrato de arrendamento, nem tendo sido por qualquer meio autorizado pelo Réu a utilizar o imóvel em questão para qualquer tim.
G) Ao contrário, o Autor foi condenado por sentença transitada em julgado a proceder à entrega do imóvel em questão até 31.07.2015. Logo, não pode alegar possui qualquer expectativa de vir a ser autorizado a residir no imóvel ou celebrar contrato de arrendamento com o Réu, e muito menos que essa alegada expectativa pudesse ser de alguma forma considerada legítima, já que decorre de um acto ilícito, e o Réu atuou no sentido de criar no Autor tal expectativa.
H) Ao Autor não assiste o direito de celebrar um contrato de arredamento apoiado, pois o mesmo não cumpriu, nem cumpre os diversos critérios, nomeadamente os previstos na Lei n.° 81/2014, de 19/12, e a ocupação prévia de um imóvel não é critério para posteriormente regularizar essa situação.
I) O Autor acusa o Réu de violar o direito constitucional de lhe ser atribuída uma habitação, incumprindo por isso as atribuições para as quais foi constituído. No entanto, ao Autor não assiste o direito mencionado, já que este não é um direito absoluto, apenas lhe permite concorrer em igualdade de circunstâncias com os demais cidadãos na atribuição de habitação social.
J) O Autor ocupou uma habitação social, que é um bem escasso, à revelia da indicada lei, sem respeitar as condições e requisitos legais e em detrimento de outras famílias (mais) necessitadas, pretendendo agora arrogar-se de direito privilegiado em face dos restantes agregados familiares cumpridores dos requisitos legais. Na verdade, o Autor não é titular do direito à habitação nos termos que se arroga, e o Réu não violou ou incumpriu qualquer dever de atribuição de habitação social ao Autor.
K) A desocupação e entrega do imóvel em questão foram determinadas por sentença proferida em 18.02.2015 no processo n.° 83/14.6T8SXL na Seção Cível da Instância Local do Seixal do Tribunal da Comarca de Lisboa, e está há muito transitada em julgado e consolidada na ordem jurídica.
L) Assim, o ato alegadamente impugnado pelo Autor (ofício da Sra. Agente de Execução) limita-se a dar cumprimento a uma ordem judicial, constituindo um mero ato de execução de uma decisão anterior e sendo insuscetível de produzir quaisquer efeitos inovadores, logo não é impugnável pois não é um verdadeiro ato administrativo.
M) Acresce que, nem o ato impugnado (ofício da Sra. Agente de Execução) nem a decisão judicial que lhe subjaz (sentença proferida no processo n.° 83/14.6T8SXL) têm a natureza de ato e/ou decisão administrativa nem tão pouco foram praticados e/ou proferidos pela Entidade Demandada. Em resumo, além de estarmos perante um ato e de uma decisão judicial (e não administrativa), não foi o Réu quem ordenou a entrega e desocupação do imóvel onde o Autor alega residir.
N) Pelo que, não estando em causa um ato e/ou decisão emitida no exercício de poderes jurídico- administrativos, nem tendo os referidos atos sido praticados pelo Réu, não estão reunidos os pressupostos legais contidos no artigo 128° do CPTA para que o Autor possa lançar mão da presente providência que se destina a suspender a eticácia de atos de cariz administrativo e não jurisdicionais.
O) Sendo, pois, manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelo Autor, julgando-se acertada a sentença recorrida, que indeferiu liminarmente os presentes autos com tal fundamento.
P) E nem se diga como invoca o Recorrente que o imóvel por si ocupado integra o património público que é gerido pelo Réu, estando assim na esfera do direito administrativo, pois a decisão relativamente à jurisdição competente deve basear-se na relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, nomeadamente, as pretensões e os fundamentos das partes.
Q) No caso concreto, o Réu atua na qualidade de "proprietário comum" que esbulhado do seu património se vê forçado a recorrer à jurisdição civil para ver reconhecido o seu direito de propriedade e obter um direito de recuperar a posse do mesmo.
R) Nos termos do disposto no artigo 4° n.° 3 alínea b) do ETAF, os tribunais administrativos são incompetentes para conhecimento dos litígios tenham por objeto a impugnação das decisões jurisdicionais proferidas por tribunais cíveis.
S) Alega o Autor que deveria ter sido decretado provisoriamente a providência cautelar pois ao não indicar qualquer alternativa habitacional o Réu estaria a violar o disposto no artigo 28° n° 6 da lei n° 81/2014 de 19/12, bem como o artigo 13° n° 4 da lei de Bases da Habitação, mas tratamos no caso concreto, de uma tomada de posse coerciva de imóvel autorizada por despacho judicial, a executar pelo Agente de Execução, pelo que não cabe ao Exequente, aqui réu o encaminhamento dos Executados para alternativas habitacionais, não sendo por isso aplicável a Lei n° 81/2014 de 19/12.
T) Antes, haverá que aplicar o disposto no n° 6 do artigo 861° do CPC, nos termos do qual, tratando-se da casa de habitação principal do executado e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.
U) E, pese embora a diligência tivesse sido agendada para o passado dia 21.03.2024, a mesma acabou por não ser realizada por falta de meios para a sua concretização, pelo seria forçoso concluir que não se verificou qualquer irregularidade. Mas ainda assim diremos que a Sra. Agente de Execução comunicou antecipadamente o agendamento ao Instituto da Segurança Social e a Câmara Municipal do Seixal para comparecerem na diligência por forma a assegurar o encaminhamento dos executados para uma alternativa habitacional.
V) Sendo este o único dever que resulta da Lei quanto ao encaminhamento dos executados nas situações de execução com vista à entrega do imóvel que corresponda à sua casa de morada de família, e não como refere ao Autor uma obrigação de lhe apresentar alterativas habitacionais, o que a final, serviria para lhe garantir o direito à habitação que reclama.
W) O Autor não alega quaisquer factos que sustentem um direito de ocupar o imóvel em causa, de aí residir e de obstar à entrega coerciva do imóvel que estava agendada para o passado dia 21.03.2024.
X) Nem se verificam os pressupostos legais para o decretamento da presente providência cautelar, já que o Autor não alega e muito menos demonstra, por um lado, que exista probabilidade séria da existência do direito invocado, e por outro o fundado receio que o Réu cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (que é inexistente), já que o ofício "suspendendo" limita-se a executar e cumprir a uma ordem de entrega judicial de imóvel proferida em 2015, não integrando o conceito de ameaça.
Y) Mas ainda que hipoteticamente, por mero dever de patrocínio se pudesse admitir que a providência fosse decretada, suspendendo-se a entrega coerciva do imóvel, a acção principal a intentar estaria votada ao insucesso pois o Autor não poderia provar ser titular de um direito relativamente ao imóvel em questão, que justificasse a abstenção de atos/ comportamentos por parte do Réu, seu legítimo proprietário, pois o mesmo carece em absoluto de título para permanecer no mesmo.
Z) Ao abrigo do disposto no artigo 531° do CPC, em face do que se deixou supra demonstrado, deverá assim ser aplicada ao Autor taxa sancionatória adequada a fixar pelo Tribunal; e dado que este litiga deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterou os factos e omite outros relevantes para a decisão da causa e faz deste processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, deve ser condenado como litigante de má-fé ao abrigo do disposto no artigo 542° do CPC e condenado em multa e indemnização ao Autor, em quantia a fixar pelo Tribunal.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser considerado improcedente por não provado, mantendo-se a douta sentença recorrida, o que se requer a V. Exa.”

O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, no qual pugnou pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Notificado o Recorrente para se pronunciar quanto ao pedido de condenação como litigante de má fé, este nada disse.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
À luz do exposto, em face das conclusões do recurso e considerando o disposto no art.º 5.º, n.º 3 do CPC, cumpre a este Tribunal apreciar se,
i. A sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial;
ii. O Recorrente deve ser condenado como litigante de má fé e/ou em taxa sancionatória excecional.

III. Fundamentação de facto

III.1. Na decisão recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:

1. No âmbito do Processo nº 6730/17.0T8ALM, que corrre os seus termos Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Almada- Juízo de Execução- Juiz 1 em que é Exequente a Entidade Demandada e Executados o Autor e outros, foi o Autor notificado pelo agente de execução que se encontrava agendada uma diligência para entrega do imóvel sito na Rua M……, Quinta do Cabral, Arrentela (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático).

III.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida:

“Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.”

III.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto, designadamente, a prova documental. Sendo que, a distinção primacial entre os factos instrumentais ou os complementares reside no seguinte, enquanto estes últimos dependem de alegação, os instrumentais são apreendidos no decorrer da instrução da causa, são os denominados indiciários que permitem a prova dos factos essenciais.”

III.4. Constatando-se a insuficiência do probatório para, face à causa de pedir alegada pelo Recorrente, se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:

2. Correu termos na Instância Local do Seixal– Secção Civil – J1 do Tribunal de Comarca de Lisboa a ação de processo comum n.º 83/14.6T8SXL, em que era autor o IHRU e Réus, M......... e O........., no âmbito do qual, em 18.2.2015 foi proferida sentença homologatória de transação, da qual consta, com relevância,
“---- 1º) – Os réus M......... e O........comprometem-se a entregar ao autor o imóvel reivindicado, correspondente ao prédio urbano sito na Rua M……, Quinta do Cabral, no Seixal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……6 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …..6, da freguesia da Arrentela, até ao dia 31 de Julho de 2015.—
---- 2º) – O autor Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P. e os réus M......... e O........ fixam a quantia em dívida, a título de indemnização pela ocupação do imóvel, no montante de € 5.099,76 (cinco mil e noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos), do qual os réus se confessam devedores.—”
- doc. de fls. 111 dos autos;
3. Em 10.8.2017 o IHRU instaurou, relativamente aos autos referidos no ponto anterior, processo de execução da sentença, indicando como executados M......... e O........., nos seguintes termos
“1- Em 18.02.2015 o Autor e os Réus celebraram, no âmbito de diligência de tentativa de conciliação transacção judicial, no âmbito da qual: a) Os réus M......... e O........ comprometem-se a entregar ao autor o imóvel reivindicado, correspondente ao prédio urbano sito na Rua M….., Quinta do Cabral, no Seixal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..6 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …..6, da freguesia da Arrentela, até ao dia 31 de Julho de 2015. b) O autor Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P. e os réus M......... e O........fixam a quantia em dívida, a título de indemnização pela ocupação do imóvel, no montante de € 5.099,76 (cinco mil e noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos), do qual os réus se confessam devedores. 2- A transacção judicial foi homologada por sentença proferida na mesma data, que a julgou válida e eficaz, condenando nos precisos termos. 3- Após o transito em julgado da sentença, o Autor interpelou, por diversas vezes os Réus para proceder à entrega voluntária do imóvel bem como proceder ao pagamento da quantias de €5.099,76. 4- Sucede porém que, até à presente data os Réus não procederam à entrega ao Autor do imóvel melhor identificado em 1º supra, nem assim procederam ao pagamento da quantia de que se haviam reconhecido devedores.”
- doc. fls. 115 dos autos;
4. No âmbito do número de processo de execução de sentença referido no ponto anterior, e que corre termos no Juízo de Execução de Almada sob o número 6730/17.0T8ALM, em 15.3.2023 foi proferido despacho do qual consta,
“Compulsados os autos e face à fundamentação expendida, julgo verificados os pressupostos legais enunciados nos nºs 2 e 3 do artº 757º do NCPC, e, nos termos do nº 4 do mesmo normativo, defiro ao requerido pelo Agente de Execução, no sentido de autorizar o exercício da força pública na tomada de posse do imóvel dos autos, com recurso a arrombamento e mudança de fechadura, caso se mostre necessário. Notifique o Agente de Execução.”
- doc. de fls. 124 dos autos;
5. O Requerente, O........., e M......... deduziram embargos de executado nos autos de execução n.º 6730/17.0T8ALM. – doc. de fls. 125 dos autos;
6. Em 19.3.2024 foi proferida, nos autos de execução referidos no ponto anterior, decisão de indeferimento liminar, por extemporaneidade, dos embargos de executado deduzidos pelo Requerente e por M.......... – doc. de fls. 125 dos autos.

*
Fundamentação de facto

Considerando que a matéria factual a demonstrar é objeto de prova documental, reportando-se aos atos praticados no âmbito da ação de processo comum n.º 83/14.6T8SXL e do processo de execução de sentença n.º 6730/17.0T8ALM e ao que dos mesmos se extrai, valorou-se a prova documental em concordância com o disposto nos arts. 362.º e ss. do CC, na medida em que não foi impugnada, indicando-se no ponto do probatório o elemento que esteve na base da demonstração do facto e da formação da convicção do Tribunal.

IV. Fundamentação de direito

1. Do erro de julgamento de direito quanto à decisão de rejeição liminar

A discordância do Recorrente quanto à decisão recorrida assenta, em suma, no seu entendimento de que não havia lugar à rejeição liminar, quer porque se impunha a apreciação do mérito da pretensão após a apresentação da oposição por parte da entidade requerida, quer porque o ato suspendendo configura uma decisão administrativa.
Importa, em primeiro lugar, dar conta que nos encontramos perante uma providência cautelar cuja tramitação se mostra regulada nos artigos 114.º e ss. do CPTA.
Assim, prevê-se no art.º 116.º do CPTA, epigrafado “Despacho liminar” que,
“1 - Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo o requerimento admitido, é ordenada a citação da entidade requerida e dos contrainteressados.
2 - Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento:
a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;
b) A manifesta ilegitimidade do requerente;
c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida;
d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada;
e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar;
f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal. […]”
Nos termos do art. 117.º, n.º 1 do CPTA, só quando não exista fundamento para rejeição liminar é que o requerimento cautelar é admitido, sendo citados para deduzir oposição a entidade requerida e os contrainteressados, se os houver, no prazo de 10 dias.
É, ainda, no despacho liminar que, a pedido do requerente ou a título oficioso, o Tribunal pode decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada (art.º 131.º n.º 1 do CPTA).
Refira-se que não havendo lugar à admissão liminar da providência cautelar, mas sim à sua rejeição por se verificar algum dos fundamentos a que se reporta o n.º 2 do art.º 116.º do CPTA, não há que decretar provisoriamente a providência cautelar requerida, pois que esta foi rejeitada liminarmente.
Porém, admitida a providência cautelar e citada(s) a(s) entidade(s) requerida(s) e contrainteressado(s) para deduzir oposição (art.º 117.º do CPTA), sem prejuízo da produção de prova a que possa haver lugar nos termos do art.º 118.º do CPTA, será proferida decisão para a qual são convocados os critérios de decisão previstos no art.º 120.º do CPTA.
Considerando o exposto, impõe-se esclarecer que a possibilidade de rejeição liminar no despacho previsto no art.º 116.º do CPTA, porque se destina “a permitir a eliminação ab initio de processos que não reúnam as condições mínimas de viabilidade” (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, pp. 996 e ss.), encontra os seus fundamentos expressamente tipificados nas alíneas do n.º 2 e das quais resulta, com relevo, a necessidade de ser “evidente ou manifesto que a pretensão deduzida é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente ou se verifique uma total ausência do pedido ou da causa de pedir em termos de o requerimento não poder ser objeto de convite ao aperfeiçoamento” (sublinhado nosso, cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, p. 997). Ou seja, os fundamentos de rejeição liminar tipificados nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 116.º, e concretamente nas alíneas b) a f), pressupõem, desde logo, que o Tribunal realize nesta fase liminar um juízo, que é de evidência, quanto à falta de preenchimento dos pressupostos processuais ou à falta de fundamento da causa [no caso da al. d)].
Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de setembro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 350/23.8BEALM, a “rejeição liminar do requerimento inicial deve ser usada com parcimónia, só devendo ocorrer quando não existe qualquer probabilidade de a pretensão poder vir a proceder (por a mesma ser infundada ou pela existência de exceções dilatórias insupríveis), isto é, só quando é evidente, patente, palmar e segura a desnecessidade de tutela cautelar é que pode ser rejeitado o requerimento inicial, pelo que na dúvida não se pode proceder a tal rejeição”.
Na hipótese que nos ocupa, o Tribunal a quo, aberta conclusão na sequência da distribuição dos presentes autos, realizou esta intervenção liminar que se mostra prevista no art.º 116.º, n.º 1 do CPTA. Assim, proferiu despacho liminar em que rejeitou liminarmente a providência cautelar requerida, por entender ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no presente procedimento cautelar, concretamente porque ao deferimento da pretensão a formular no processo principal no qual seria impugnado o ato cuja suspensão de eficácia vem requerida nestes autos obstava a procedência de exceção dilatória que determina a absolvição do Recorrente/Requerido da instância, como é o caso da inimpugnabilidade nos termos do art.º 89.º, n.º 4 al. i) do CPTA. Neste sentido, mostrando-se evidente a verificação de tal exceção dilatória inominada entendeu verificar-se a falta de preenchimento do requisito de adoção da providência cautelar – o fumus boni iuris – e, consequente, ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada.
Importa, pois, aferir se em tal juízo – de manifesta falta de fundamento da pretensão formulada - o Tribunal a quo errou.
Para o efeito, impõe-se reter que o art.º 120.º do CPTA enuncia os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, nos seguintes termos,
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Quanto ao requisito do fumus boni iuris a lei exige que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”, isto é, sobre o requerente impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal. O juiz tem, assim, que verificar em sede cautelar o grau de probabilidade de êxito do requerente na ação principal.
Ora, ao deferimento da pretensão anulatória formulada no processo principal que, como resulta do requerimento cautelar, respeita ao ato cuja suspensão de eficácia vem requerida nestes autos, obstará a procedência de exceção dilatória (insuprível) que determine a absolvição do Recorrente/Requerido da instância, como é o caso da inimpugnabilidade nos termos do art.º 89.º, n.º 4 al. i) do CPTA, razão pela qual a sua verificação determina a falta de preenchimento do requisito da aparência do bom direito.
Neste sentido, quando seja evidente a verificação da exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato cuja anulação é peticionada no processo principal e cuja suspensão é requerida nos autos cautelares, será manifesta a falta de preenchimento do requisito do fumus boni iuris e, consequentemente, salvo o pleonasmo, manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada a determinar, pois, a rejeição liminar do requerimento cautelar nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 116.º CPTA. Tal hipótese poderá também subsumir-se à alínea f) desse dispositivo, porquanto está em causa a manifesta ausência de um pressuposto processual da ação principal, concretamente a impugnabilidade do ato cuja anulação ali é requerida.
Cumpre, assim, aferir se no caso dos autos se mostra evidente a verificação da exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, para o efeito de se poder concluir, como fez o Tribunal a quo, pela manifesta falta de fundamento da pretensão cautelar formulada.
Prevê o art.º 51.º, n.º 1 do CPTA que, ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
O conceito de ato impugnável tem, pois, subjacente a caraterização de ato administrativo que advém do art.º 148.º do CPA que dispõe que “consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
A qualificação de um ato administrativo impugnável depende, desde logo, do seu conteúdo decisório, “ou seja, de estatuição autoritária, determinação prescritiva ou resolução sobre uma certa situação jurídico-administrativa concreta, que define inovatoriamente o direito para esse caso concreto e é capaz de produzir, por si só, o efeito jurídico nela definido [cfr., neste sentido, Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. I, Lisboa, 1982, p. 288; Rogério Soares, «Acto Administrativo», ScientiaIuridica, tomo XXXIV, n.os 223-228, 1990, p. 30; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Procedimento Administrativo, Comentado, 2.a edição, 1997, anotação ao artigo 120.°, p. 550]” (fls. 17 e 18 da sentença recorrida).
Excluem-se, portanto, do referido conceito os atos que não contêm uma definição jurídica unilateral, designadamente atos instrumentais (propostas, pareceres não vinculativos e informações e, em geral, os atos instrutórios, bem como as notificações ou publicações), atos extraprocedimentais (avisos, recomendações) e atos cuja falta de perfil decisório resulte da circunstância de terem sido precedidos de outros atos jurídicos que tenham já definido a situação jurídica do particular, em termos que não são alterados inovatoriamente pelo ato cuja impugnabilidade se discute (atos meramente confirmativos).
Por outro lado, tais decisões hão-de corresponder, nos termos do art.º 148.º do CPA, ao exercício de poderes jurídico-administrativos, atribuindo-se, pois, primazia ao critério material no sentido de ato praticado no exercício de uma atividade administrativa, independentemente da natureza (pública ou privada) da entidade que o emane. Não constituem, pois, atos administrativos, os atos políticos, legislativos e jurisdicionais.
Refira-se, aliás, que o exercício da função jurisdicional, mostra-se, nos termos do art.º 202.º, n.º 2 da CRP, incumbido aos tribunais, a quem cabe “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”. Assim, se a função jurisdicional visa a realização do direito ou da justiça, já a função administrativa “compreende a actividade pública contínua tendente à satisfação das necessidades colectivas em cada momento selecionadas, mediante prévia opção constitucional e legislativa, como desígnios da colectividade política” (Marcelo ReBelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I - Introdução e princípios fundamentais, Dom Quixote, 2004, p. 37) visa garantir e prosseguir outros interesses públicos – que não a realização da paz jurídica de que estão incumbidos os tribunais - que incumbe ao Estado realizar.
Resulta, ainda, do n.º 1 do art.º 51.º do CPTA que só são impugnáveis os atos decisórios com eficácia externa, isto é, que visem produzir efeitos jurídicos externos (cf. art.º 148.º do CPA). Escrevem a este respeito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, pp. 361-362), que “são externos os atos que produzem efeitos jurídicos no âmbito de relações entre a Administração e os particulares ou que afetam a situação jurídico-administrativa de coisas- ao que, hoje, se devem acrescentar os atos decisórios que se inscrevem no âmbito de relações entre entidades públicas (relações intraadministrativas). Por contraposição, são internos os atos que se inscrevem no âmbito das relações interorgânicas ou das relações de hierarquia, como as ordens de serviço, que apenas indiretamente se refletem no ordenamento jurídico geral.”.
Como se entendeu na decisão recorrida, revela-se à evidência que o ato suspendendo - cuja anulação é [será] requerida no processo principal -, identificado pelo Recorrente como documento n.º 2 junto ao requerimento cautelar, não consubstancia um ato administrativo cuja suspensão de eficácia pudesse ser requerida nestes autos cautelares nos termos do art.º 114.º, n.º 2 al. a) do CPTA e cuja legalidade possa ser objeto de apreciação no âmbito de uma ação administrativa instaurada nestes tribunais administrativos e fiscais [cf. art.º 1.º e 4.º, n.º 1 al. d) do ETAF] com vista à sua anulação [cf. art.º 37.º, n.º 1 a l. a) e 50.º, n.º 1 do CPTA].
Na realidade, como emerge do ponto 1 dos factos provados e do teor literal de tal documento, estamos perante uma notificação da agente de execução de que se encontra(va) agendada para o dia 21.3.2024, pelas 10.30h uma diligência para entrega do imóvel sito na Rua M..., Quinta do Cabral, Arrentela.
Decorre dos factos provados 2 a 6 que essa notificação foi realizada no âmbito do processo judicial, que corre os seus termos no Juízo de Execução de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa sob o número nº 6730/17.0T8ALM, de execução da sentença homologatória de transação, proferida nos autos de ação de processo comum que correram termos na Instância Local do Seixal– Secção Civil – J1 do Tribunal de Comarca de Lisboa sob o n.º 83/14.6T8SXL. Sentença essa pela qual o Requerente e M......... se obrigaram a entregar à ali autora e aqui Entidade Requerida – o IHRU - o imóvel correspondente ao prédio urbano sito na Rua M……, Quinta do Cabral, no Seixal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….6 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º ….6, da freguesia da Arrentela, até ao dia 31 de julho de 2015.
Assim, opostamente ao alegado pelo Recorrente, mostra-se evidente que não estamos perante qualquer ato administrativo, nem este sequer foi praticado pela aqui Entidade Requerida/Recorrido, IHRU. Antes se trata de uma mera notificação judicial, enquanto ato pelo qual, in casu, a agente de execução dá a conhecer ao destinatário – no caso aos sujeitos processuais/executados do processo de execução de sentença nº 6730/17.0T8ALM – a data para a realização do ato de entrega de imóvel e, consequentemente, da sua livre entrega desocupado pelos executados, sob pena de efetivação da entrega coerciva ao exequente (IHRU).
Ou seja, revela-se como manifesto que não corresponde a referida notificação a um ato praticado por uma entidade, no caso o IHRU, no exercício de poderes jurídico-administrativos, que comporte uma decisão da Entidade Requerida no sentido de impor, de forma autoritária, ao Recorrente a desocupação do imóvel.
Na realidade, a decisão que impõe ao Requerente a desocupação e entrega do imóvel corresponde à sentença judicial proferida pela Instância Local do Seixal– Secção Civil – J1 do Tribunal de Comarca de Lisboa sob o n.º 83/14.6T8SXL. Sentença essa que constitui, não uma decisão administrativa, mas sim uma decisão judicial porque proferida por um tribunal e no exercício da função jurisdicional, e que, nos termos do artigo 619.º, n.º 1 do CPC, tem força obrigatória para o Recorrente. Sendo que, por força do seu incumprimento pelo Recorrente e por M........., ao abrigo do art.º 703.º, n.º 1 al. a) do CPC, tal sentença constitui o título executivo para o efeito de lhes impor o cumprimento coercivo da sua obrigação de entrega do imóvel.
A notificação em causa nos autos – e que o Recorrente identificou nestes autos e no processo principal como sendo o ato administrativo suspendendo/impugnado - não corresponde, pois, a um ato que tenha um conteúdo decisório e que tenha sido praticado pelo IHRU no exercício de poderes jurídico-administrativos e, por isso, como se entendeu na sentença recorrida, não consubstancia um ato administrativo impugnável nos termos dos artigos 51.º, n.º 1 do CPTA e 148.º do CPA.
Note-se que se o Recorrente discordava da existência na sua esfera jurídica de uma obrigação de desocupação e entrega de imóvel, então não se compreende a razão pela qual acordou em transigir nos autos que correram termos sob o n.º 83/14.6T8SXL ou porque não recorreu daquela sentença homologatória. Seria no âmbito daqueles autos declarativos que poderia discutir o seu eventual direito a permanecer no imóvel. Mas se não o fez, sibi imputet.
E se pretende que a Entidade Recorrida lhe garanta, por referência a outro imóvel, o direito a uma habitação social teria que, perante esta, iniciar o necessário procedimento administrativo, sendo que seria apenas relativamente ao ato proferido pelo IHRU a esse respeito e no âmbito desse procedimento administrativo – que não é, reitera-se, o ato suspendendo identificado nestes autos e que, ademais, o Recorrente em momento algum demonstra ter sido praticado pelo IHRU - que lhe negue esse direito, que poderia deduzir ação impugnatória e consequentemente, peticionar a tutela cautelar (antecipatória) de atribuição (provisória) de habitação social.
O que não pode é pretender afastar a obrigação que sobre si impende de desocupar e entregar o imóvel em causa nestes autos ao IHRU, e que emerge de uma decisão judicial com força obrigatória, peticionando, nesta jurisdição, a suspensão de eficácia de uma notificação que lhe foi dirigida no âmbito do processo judicial de execução coerciva da sentença em cujo incumprimento persiste. Notificação judicial essa que, reiteramos, revela à evidência que não consubstancia qualquer ato administrativo praticado pela aqui Entidade Requerida, pressuposto de que dependeria a sua impugnabilidade.
Face ao exposto, entende este Tribunal que é evidente que se verifica a exceção dilatória de inimpugnabilidade, determinante da absolvição da Entidade Requerida/Recorrida da instância nos autos principais [cf. art.ºs 89.º, n.ºs 1, 2 e 4 al. i) do CPTA e 278.º, n.º 1, al. e) do CPC] e, consequentemente, impeditiva do deferimento da pretensão anulatória formulada no processo principal. E, nessa medida, revela-se como manifesta a falta de preenchimento do requisito de adoção da providência cautelar correspondente ao fumus boni iuris, ou seja, é evidente a falta de fundamento da pretensão [art.º 116.º, n.º 2 al. d) do CPTA]. Como ademais, tal circunstância subsume-se (também) à manifesta falta de preenchimento dos pressupostos processuais necessários ao conhecimento do mérito da causa principal, no caso a impugnabilidade do ato, que determina a rejeição liminar do requerimento cautelar ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do art.º 116.º do CPTA.
Em termos, pois, que se impõe concluir pelo acerto na rejeição liminar do requerimento cautelar, não padecendo a decisão recorrida do erro de julgamento que lhe é imputado.

2. Da condenação como litigante de má-fé e/ou aplicação de taxa sancionatória excecional

Pugnou a Entidade Recorrida pela aplicação ao Recorrente de taxa sancionatória excecional nos termos do artigo 531.º do CPC e de condenação deste como litigante de má-fé, em multa e indemnização nos termos do art.º 542.º do CPC.
Dispõe o artigo 531.º do CPC que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.
Como se escreveu no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.9.2022, proferida no processo 1356/12.8TBPDL-O.L1-1,
«A aplicação da taxa sancionatória excepcional, para além de ter de constar de decisão judicial fundamentada (fundamentos válidos e concretos), depende do preenchimento dos seguintes requisitos de verificação cumulativa: a) ser a pretensão (de natureza substantiva ou processual) manifestamente improcedente; e b) não ter a parte agido com a prudência ou diligência que lhe são exigíveis.
Defende Salvador da Costa que a taxa sancionatória excepcional visa “penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico.
Deve tratar-se de pretensões manifestamente improcedentes, em que se não vislumbra interesse razoável na formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta da mínima diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da sua falta de fundamento. Mas a mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacíficas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação de alguma das partes por litigância de má-fé.
Na análise da censurabilidade das partes na formulação das aludidas pretensões, o juiz, ou o coletivo de juízes, conforme os casos, deve ter em conta o quadro de facto disponível, as normas jurídicas aplicáveis e as várias soluções plausíveis das questões de direito.”
Segundo o acórdão do STJ de 22/02/2022,
“I - A figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no art. 531.º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível. II – Justifica-se a aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional quando os inúmeros requerimentos, incidentes e pretensões apresentadas pela parte, têm todos o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, verificando-se uma lamentável situação de evidente abuso do direito de acção, exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer (…).
III – É precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra legalmente prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional, ou seja, para desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada.”
A parte responsável pelas custas pode, assim, ser condenada no pagamento de taxa sancionatória excepcional (a qual, de acordo com o disposto no art. 10.º do RCP, pode ser fixada entre 2 e 15 UC´s) “nas situações em que, apesar de a sua atuação não atingir gravidade que justifique a condenação como litigante de má-fé, se reflita na dedução de pretensões, meios de defesa, incidentes ou recursos manifestamente improcedentes e que, além disso, revelem a violação das regras da prudência ou diligência devida”.
Ou seja, embora a referida taxa assuma, como refere Salvador da Costa, a natureza jurídica de uma penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé (por estar em causa a censurabilidade da actuação processual das partes), ambos os regimes distinguem-se ao nível do âmbito da actuação censurável (em termos amplos e globais na litigância de má fé, cuja condenação decorre das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 542.º do CPC; e numa perspetiva de actividade processual mais restrita na taxa sancionatória excepcional).
Atendendo, porém, que o artigo 531.º se limita a enunciar, de forma genérica, os pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excepcional, “deve o tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais”, sob pena de se poder estar a coartar o direito de as partes defenderem os seus interesses pela via processual.»
Daqui resulta que não são cumulativas a aplicação de taxa sancionatória excecional e a condenação de litigante de má-fé, dado que a primeira apenas se aplica quando a conduta não reveste a gravidade necessária à subsunção ao regime do art.º 542.º do CPC.
Ora, dispõe o n.º 1 do art.º 542.º do CPC que “Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”
E nos termos do n.º 2 do citado preceito legal,
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Refira-se que se consideram princípios estruturantes do processo civil e do processo administrativo, os princípios da cooperação e da boa-fé processual consagrados no art.º 8.º do CPTA e 7.º, n.º 1 do CPC. Correspondendo a cooperação à responsabilidade conjunta dos intervenientes processuais para colaborarem, entre si, para que o processo alcance, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio e a boa-fé a norma de conduta que estabelece as balizas de atuação imputando-lhes uma conduta proba leal (sentido objetivo) e que, em sentido subjetivo, pode ser a convicção errónea e não culposa da existência de um facto, direito ou validade de negócio.
A violação do dever de cooperação a que se encontram legalmente adstritas as partes e os seus mandatários, quando essa infração decorra de uma quebra da boa-fé processual em sentido objetivo ou subjetivo, é suscetível de os fazer incorrer em litigância de má-fé.
As situações de litigância de má-fé elencadas no n.º 2 do art.º 542.º do CPC correspondem a hipóteses de má-fé substantiva ou material, relacionadas com o mérito da causa [als. a) e b)] ou má-fé instrumental em que se qualifica o comportamento processual das partes [als. c) e d)].
Refira-se que se condena a parte como litigante de má-fé porque ao exercer o direito de ação ou defesa ou ao utilizar os meios que a lei adjetiva coloca ao seu dispor, a parte incorre num ilícito processual.
Adiante-se que se considera sancionável a título de má-fé, a lide dolosa e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo direto – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indireto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável.
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, p. 48). O parâmetro de aferição do dever de diligência a ser considerado é o da generalidade das pessoas ou de todas as pessoas, pertencentes à mesma categoria social e intelectual da parte real, colocada naquela situação em concreto.
Tem-se entendido, por isso, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e/ou jurisprudência e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, ou a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por fragilidade de prova, não integram litigância de má-fé.
Em qualquer caso, a conclusão pela atuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do n.º 2 do art.º 542.º do CPC e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça.
Isto posto, importa reter que o Requerente litiga nestes autos representado por mandatário judicial, o que significa que o parâmetro de diligência a considerar será, naturalmente, o que se exige a um casuístico, formado em Direito e conhecedor da lei cuja aplicação reclama.
No caso dos autos foi requerida a adoção de providência cautelar que, nos termos do art.º 112.º, n.º 2 al. a) do CPTA, se dirige à suspensão de eficácia de um ato administrativo.
Ora, o ato que, ao abrigo do disposto no art.º 114.º, n.º 3 al. h) do CPTA, foi junto aos autos e que o Recorrente sustentou corresponder a um despacho da Entidade Requerida determinante de despejo (vg. artigos 50.º e 56.º do requerimento cautelar) constitui, de forma que se revela à evidência, uma mera notificação judicial de agente de execução de que se encontra agendada para o dia 21.3.2024, pelas 10.30h uma diligência para entrega do imóvel sito na Rua M….., Quinta do Cabral, Arrentela, realizada no âmbito do processo judicial de execução de sentença, que corre os seus termos no Juízo de Execução de Almada do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa sob o número n.º 6730/17.0T8ALM.
Ou seja, revela-se como manifesto, pela mera leitura do seu teor e à luz dos mais elementares conhecimentos jurídicos, que não estamos perante um ato (administrativo) praticado pelo IHRU e que comporte uma ordem de despejo, antes perante o que verdadeiramente o ato é, uma mera notificação no âmbito de um processo judicial de execução para cumprimento coercivo da obrigação entrega de imóvel emergente da sentença judicial proferida.
Acresce que ao longo do requerimento inicial e, ademais, nas alegações do presente recurso, o Recorrente omitiu toda a factualidade revelada nos pontos 2 a 6 dos factos provados (ponto III.3 deste Acórdão) e trazida aos autos tão só pela Entidade Requerida/Recorrida, que demonstra que o que está em causa é a execução coerciva de uma sentença da qual emerge para este a obrigação de entrega do imóvel. A alegação do Recorrente assenta, na sua integralidade, numa conduta, que imputa à Entidade Requerida, de negação de um direito seu a permanecer no imóvel e de obter deste uma habitação (social), como se desconhecesse que a obrigação de entrega do imóvel, na realidade, constituía um dever seu em cumprimento de uma decisão proferida por um Tribunal.
O Recorrente não desconhecia, nem podia ignorar, que a factualidade a que se reportam os pontos 2 a 6 dos factos provados era essencial à decisão da causa e do recurso, em termos tais que a sua omissão configura, se não uma atuação dolosa, de grave negligência. Com efeito, o oblívio dessa factualidade revela a intenção de, por via da interposição da presente ação cautelar, obstar, ainda que provisoriamente, ao cumprimento da obrigação de entrega do imóvel que resulta de uma decisão judicial com efeitos obrigatórios na esfera jurídica do Recorrente.
A conduta processual do Recorrente, seja em 1.ª instância, seja nesta sede recursiva, revela que este, com negligência grave, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, o que consubstancia litigância de má-fé nos termos das als. a) e b) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC.
Impõe-se, pois, condenar o Recorrente como litigante de má-fé em multa e indemnização à Entidade Requerida/Recorrida que, não obstante a gravidade da sua conduta, face à insuficiência de meios económicos, se fixam, respetivamente, em 1 UC e 50,00 €.



3. Da condenação em custas

Vencido, é o Recorrente condenado nas custas do presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida;
b. Condenar o Recorrente como litigante de má-fé em multa no valor de 1 UC e em indemnização à Entidade Requerida/Recorrida no valor de 50,00 €;
c. Condenar o Recorrente nas custas do presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Mara de Magalhães Silveira
Pedro Nuno Carvalho Figueiredo
Marta Cação Rodrigues Cavaleira