| Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
A Fazenda Pública, doravante Recorrente, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 22/01/2018, que julgou procedente a Impugnação Judicial intentada por “B......., Lda.”, anulando “o acto de indeferimento da reclamação graciosa e igualmente as liquidações que lhe estão subjacentes de IVA [referente aos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2004] e juros compensatórios».
Após requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«
I - Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II - Nos presentes autos está em causa uma liquidação de IVA, uma vez que se considerou que, a prestação de serviço era composta e acessória e, por isso, a taxa aplicada deveria ser a taxa reduzida de 5%, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, al. a) conjugada com a Lista I, anexa ao CIVA, verba 2.15.
III - Ao decidir como decidiu o Tribunal ad quo, a douta sentença fez errada aplicação do direito aos factos controvertidos.
IV - A Fazenda entende que estando em causa prestações de serviço e transmissões de bens, a taxa relativa à restauração, é uma taxa intermédia de 12%, aplicada ao buffet, não podendo aquela ser subsumida na taxa reduzida, nos bilhetes de ingresso.
V - E, não pode ser subsumida na taxa reduzida, porquanto, no Ac. do TJUE, proc. apensos com os n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09 foi decidido que “1) Os artigos 5.° e 6.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, devem ser interpretados no sentido de que:
– o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens, na acepção do referido artigo 5.°, quando uma análise qualitativa do conjunto da operação revele que os elementos de prestação de serviços que precedem e acompanham a entrega dos alimentos não são preponderantes;
– salvo nos casos em que um caterer ao domicílio se limita a entregar pratos estandardizados, sem outro elemento de serviço suplementar, ou em que outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos representa o elemento predominante de uma operação, as actividades de catering ao domicílio constituem prestações de serviços na acepção do referido artigo 6.°
2) No caso de entrega de bens, o conceito de «produtos alimentares» que consta do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva 77/388, conforme alterada pela Directiva 92/111, deve ser interpretado no sentido de que abrange igualmente os pratos e refeições que tenham sido cozidos, assados, fritos ou preparados de outro modo para consumo imediato.” (sublinhado nosso) – Ac. do TJUE proferido nos processos apensos com os n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, de 10/03/2011, consultável em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62009CJ0497
VI - Ora, transpondo o Ac. do TJUE para o caso dos autos, constata-se que, a impugnante pelo bilhete VIP, bilhete que dá acesso ao recinto e a assistir ao espectáculo, a taxa aplicada é a constante da Lista I, verba 2.15, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, al. a) do CIVA, ou seja a 5%.
VII – Mas, nesse bilhete VIP se inclui vários serviços, entre os quais, a tenda VIP, os sofás, a tenda com ar condicionado, o buffet e o estacionamento em que, no caso do buffet incluído na refeição, não pode a Fazenda aceitar como prestação de serviço, mas, antes, como uma transmissão de bens tributada à taxa de 12%, sendo que, as taxas deveriam ser individualizadas, o que não foram.
VIII – Porém, sendo o Ac. do TJUE supra mencionado esclarecedor quanto “(…) o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens”, dúvidas não podem restar de que, estamos perante uma transmissão de bens, devendo a mesma ser tributada à taxa de 12% e não a 5%.
IX - Tendo decidido como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de direito, violando as disposições legais supra citadas.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO
FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»
Por sua vez, a Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo conforme segue:
«
A) Vem a Fazenda Pública, ora Recorrente, interpor recurso da sentença que declarou a impugnação procedente e, em consequência, anulou o acto de indeferimento da reclamação graciosa e igualmente as liquidações que lhe estão subjacentes de IVA e juros compensatórios, entendendo que «a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo».
B) Contudo, ao encontro do que se evidenciará, não assiste à Recorrente fundamento válido para as pretensões manifestadas, pelo que deverá manter-se a decisão constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
C) A Recorrida foi objecto de uma acção inspectiva realizada pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa de âmbito geral aos exercícios de 2003 e 2004, em cumprimento das Ordens de Serviço n.º .......198 e .......199, tendo na sequência do relatório sido efectuada a liquidação adicional de IVA, no montante de € 205.087,66, bem como dos juros compensatórios correspondentes, no valor de € 22.192,29.
D) Nessa sequência, a Recorrida deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho de 08.05.2009, o que levou a que fosse deduzida impugnação judicial contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa.
E) No dia 22.01.2018 foi proferida sentença pelo Tribunal a quo no sentido de se julgar procedente a impugnação, anulando o acto de indeferimento da reclamação graciosa e igualmente as liquidações de IVA que lhe estão subjacentes, bem como dos juros compensatórios.
F) A sentença proferida não merece censura porquanto aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados nos presentes autos. Senão vejamos:
G) A Recorrida, na qualidade de promotora deste evento, organizou a edição de 2004 do festival ROCK IN RIO LISBOA (a primeira realizada em Portugal), tendo disponibilizado dois tipos de bilhetes para acesso aos espectáculos: (i) bilhetes normais, que permitiam o acesso ao recinto do espectáculo no Parque da Bela Vista para visualização dos diversos artistas nos vários palcos; e (ii) bilhetes VIP, que permitiam o acesso a todas as actividades dentro do recinto do festival e ainda à tenda VIP, onde podiam usufruir de um serviço diferenciado, nomeadamente, de um espaço com ar condicionado, sofás e sanitários exclusivos, zona alimentar e lugar no parque de estacionamento.
H) Naturalmente, os bilhetes VIP, pelo conforto adicional proporcionado, tinham um preço mais elevado, mas a finalidade principal é mesma que está subjacente aos bilhetes normais, isto é, o acesso ao espectáculo “Rock in Rio”.
I) Ora, de acordo com o disposto na verba 2.13, da Lista I anexa ao Código do IVA (na redacção dada pelo artigo 41º da Lei n.º 2/92, de 9/3, em vigor à data) sobre os “espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos”, incide a taxa reduzida de 5%, tendo a Recorrida aplicado a referida taxa a ambas as tipologias de bilhetes, ao abrigo do disposto na legislação em vigor à data da verificação dos factos.
J) De resto, como bem se destaca na decisão proferida pelo Tribunal a quo, «a verba em questão não estabelece qualquer critério diferenciador entre “bilhetes” (normais ou VIP)».
K) Na verdade, a contrapartida que os espectadores recebem ao adquirirem um bilhete, seja ele normal ou VIP, é o acesso ao recinto do evento para assistir aos mais diversos espectáculos musicais que ali se desenrolam, tendo os demais benefícios atribuídos com a compra de um bilhete VIP um carácter meramente acessório face à finalidade principal, que é a possibilidade de assistir a um espectáculo musical.
L) Mas acima de tudo, o que está em causa é a natureza dos proveitos obtidos pela Recorrida através da exploração da sua actividade.
M) Nesta sede, veja-se o entendimento constante da sentença recorrida: «os proveitos resultam da venda dos bilhetes, mesmo tratando-se de bilhetes VIP, pois os proveitos não resultam da venda dos produtos alimentares ou dos lugares de estacionamento».
N) Ora, sendo a actividade da Recorrida a organização do festival ROCK IN RIO LISBOA, bem esteve na aplicação da taxa reduzida de 5%, já que está em causa a prestação de serviços relativa a “espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos”.
O) De resto, a tributação à taxa reduzida está em conformidade com a legislação nacional, mas também com as disposições constantes da sexta directiva (77/3888/CEE), que estabelecia o regime que os Estados-Membros deviam adoptar em matéria de IVA, com o intuito de harmonizar as legislações nacionais no âmbito de aplicação deste imposto.
P) Por outro lado, a Recorrente funda-se em jurisprudência comunitária que, salvo o devido respeito, não tem aplicação e está descontextualizada com o caso dos presentes autos, já que tenta qualificar o fornecimento de comida a que tiveram acesso as pessoas que adquiriram bilhetes VIP, como uma transmissão de bens, desvirtuando por completo a natureza deste serviço acessório.
Q) De resto, constatamos que esta tese agora defendida pela Recorrente tem um carácter inovador não só no que respeita aos presentes autos, mas igualmente dentro da própria doutrina da Recorrente, como poderá ser comprovado pela leitura do Ofício Circulado n.º 30181, de 06.06.2016, mais concretamente no ponto 2.1, que tem por objecto proceder à definição do conceito de serviço de restauração e catering (sublinhado nosso)
R) Da definição deste conceito – que aliás é dado pela própria Recorrente ao abrigo das normas comunitárias aplicáveis – facilmente se retira a conclusão de que é totalmente forçado vir agora tentar qualificar aquele serviço acessório como uma transmissão de bens e, por força disso, tentar aplicar uma taxa diferente a um serviço que não pode ser dissociado do serviço principal prestado pela Recorrida, que é o acesso a um espectáculo.
S) Importa, ainda assim, dar conta de que a Recorrida foi igualmente sujeita a uma acção de inspecção externa que incidiu sobre os exercícios de 2003 e 2004, tendo resultado na emissão de uma liquidação correctiva em sede de IRC, tendo a mesma sido objecto de reclamação graciosa e, posteriormente, impugnação judicial, dando origem ao processo n.º 04142/10.
T) Sucede que, quer na decisão em primeira instância, quer em sede de recurso, decidido por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, foi negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que havia considerado que a liquidação de IRC enfermava do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
U) Face ao exposto, não resta qualquer dúvida que a Recorrida cumpriu com as normas comunitárias e nacionais em vigor àquela data em sede de IVA, uma vez que o bilhete VIP não se destina a permitir o acesso ao fornecimento de bens alimentares e de estacionamento, mas sim a garantir o acesso aos espectáculos que tenham lugar dentro do recinto do evento promovido e organizado pela Recorrida, sendo aquelas prestações meramente acessórias, motivo pelo qual a tributação à taxa reduzida está em conformidade com a sexta directiva e justificava-se, à data, pelo teor da verba 2.13 da Lista I anexa ao código do IVA.
V) Termos em que se deve negar provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo., com as legais consequências.
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!»
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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da «improcedência do recurso».
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Atentas as conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objecto, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida fez errada aplicação do direito aos factos, uma vez que estando em causa prestações de serviços e transmissões de bens nos designados “bilhetes VIP”, a taxa relativa à restauração é uma taxa intermédia de 12%, aplicada ao buffet, não podendo aquela ser subsumida na taxa reduzida dos bilhetes de ingresso, conforme entendeu o tribunal a quo.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«
A) B........, SA (ou impugnante), constituída em 2003, e no ano de 2004 a principal actividade foi a organização do evento “Rock in Rio Lisboa 2004”, que decorreu em Lisboa nos dias 28, 29 e 30 de Maio 4, 5 e 6 de Junho de 2004;
B) A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva realizada pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa de âmbito geral aos exercícios de 2003 e 2004, em cumprimento das Ordens de Serviços nº .......98 e .......199- relatório dos serviços de inspecção tributária a fls.94 a 224, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde consta nomeadamente:
(...).





(...)

 “(texto integral no original; imagem)”




 “(texto integral no original; imagem)”



 “(texto integral no original; imagem)”
 “(texto integral no original; imagem)”
 “(texto integral no original; imagem)”
 “(texto integral no original; imagem)”





 “(texto integral no original; imagem)” 











(...)
C) Na sequência do relatório foram efectuadas a liquidação adicional de IVA, no montante de €205.087,66, bem como dos juros compensatórios correspondentes, no valor de €22.192,29 (fls 30 a 34, dos autos);
D) A impugnante deduziu reclamação graciosa, tendo sido autuada com o nº 3344200704004027, que foi a indeferida por despacho de 08-05-2009, com os fundamentos constantes da Informação datada de 22-04-2009, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente (RG apensa):































 “(texto integral no original; imagem)” 




(...)
E) A impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa pelo ofício datado de 09-06-2009 (junto a RG);
Factos não provados
Não se provaram outros factos.
A convicção do tribunal dos factos provados, formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.»
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Recorrente insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que este concluiu pela ilegalidade da correcção efectuada com referência à taxa de IVA aplicada aos designados “bilhetes VIP”, vendidos pela Impugnante/Recorrida no âmbito do festival “Rock in Rio Lisboa”, considerando aquele tribunal, em síntese, que a prestação de serviço era composta e acessória e, por isso, a taxa aplicada deveria ser a taxa reduzida de 5%, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, al. a) conjugada com a Lista I, anexa ao CIVA, verba 2.15.
Alega a Recorrente que os “bilhetes VIP” incluem vários serviços, entre os quais, a tenda VIP, os sofás, a tenda com ar condicionado, o buffet e o estacionamento, sendo que, no caso do buffet incluído na refeição, não pode a Fazenda Pública aceitar como prestação de serviço, mas, antes, como uma transmissão de bens tributada à taxa de 12%, sendo que as taxas deveriam ser individualizadas, o que não foram.
Na perspectiva da Recorrente, estando em causa prestações de serviço e transmissões de bens, a taxa relativa à restauração é uma taxa intermédia de 12%, aplicada ao buffet, não podendo aquela ser subsumida na taxa reduzida, nos bilhetes de ingresso, chamando à colação o Ac. do TJUE de 10/03/2011, proc. apensos com os n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09.
Contrapõe a Recorrida que a tributação à taxa reduzida está em conformidade com a legislação nacional, mas também com as disposições constantes da sexta diretiva (77/388/CEE), acrescentando que a jurisprudência comunitária citada pela Recorrente não tem aplicação e está descontextualizada com o caso dos presentes autos, já que tenta qualificar o fornecimento de comida a que tiveram acesso as pessoas que adquiriram bilhetes VIP, como uma transmissão de bens, desvirtuando por completo a natureza deste serviço acessório.
Vejamos.
Estando em causa liquidações de IVA do ano de 2004, importa atentar no disposto no artigo 18.º, n.º 1 do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos, que fixava as seguintes taxas de IVA:
“a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 5%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 12%;
(…)”.
Da Lista l (bens e serviços sujeitos a taxa reduzida) consta na sua verba 2.13, que estão sujeitos à taxa reduzida de 5% os “espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos” excepto:
a) Os espectáculos de carácter pornográfico ou obsceno, como tal considerados na legislação sobre a matéria; e
b) As prestações de serviços que consistam em proporcionar a utilização de jogos mecânicos e electrónicos em estabelecimentos abertos ao público, máquinas, flippers, máquinas para jogos de fortuna ou azar, jogos de tiro eléctricos, jogos de vídeo com excepção de jogos reconhecidos como desportivos.”
Para a Recorrente os bilhetes VIP incluem vários serviços, entre os quais, a tenda VIP, os sofás, a tenda com ar condicionado, o buffet e o estacionamento, não podendo aceitar como prestação de serviço o caso do buffet incluído na refeição, mas, antes, como uma transmissão de bens tributada à taxa de 12%, sendo que as taxas deveriam ser individualizadas, o que não foram.
Ora, como bem se refere na decisão recorrida, a norma nacional carece de ser interpretada à luz da sexta directiva (77/388/CEE) a qual tem por objectivo instituir um sistema de IVA comum ao conjunto dos Estados-Membros.
Assim, o seu artigo 2.°, n.° 1, dispõe que estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.
Por outro lado, a Sexta Directiva prevê, no seu anexo III, uma taxa reduzida para os seguintes serviços:
“(…)
7) Entrada em espectáculos, teatros, circos, feiras, parques de diversões, concertos, museus, jardins zoológicos, cinemas, exposições e outras manifestações e espaços culturais;
(…)”.
No presente caso, verifica-se, contudo, que além da entrada no festival “Rock in Rio Lisboa”, os designados “bilhetes VIP” incluíam outras prestações, nomeadamente o fornecimento de refeições “buffet”, que no entendimento da Recorrente, traduzem uma transmissão de bens, devendo a mesma ser tributada à taxa de 12% e não a 5%.
Ora, efectivamente, de acordo com a jurisprudência citada pela Recorrente, “o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens” (Ac. do TJUE proferido nos processos apensos com os n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, de 10/03/2011, consultável em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62009CJ0497.
Todavia, tal não significa que a transacção em causa nos autos seja “divisível” para efeitos de aplicação das taxas de IVA.
Com efeito, quando uma operação económica combina elementos de diferentes transmissões de bens ou prestações de serviços nem sempre é possível a sua desagregação em múltiplas operações, podendo a mesma ser considerada como uma operação única.
A questão em apreço tem dado origem a numerosos acórdãos do Tribunal de Justiça, o qual tem procurado fixar algumas orientações no tratamento das designadas “operações compostas”.
Antes do mais, considera o TJUE que para efeitos do IVA cada operação deve por princípio ser considerada distinta e independente. Este princípio retira-o o TJUE do artigo n° 2, da Directiva IVA, que manda aplicar o imposto a cada uma das operações realizadas ao longo do circuito económico, seja qual for o seu número, até se chegar à fase do retalho (cfr. Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, p. 217 e jurisprudência aí citada).
Todavia, aquele tribunal tem sustentado que, no tocante às operações compostas importa sempre fazer uma ponderação e tomar em consideração as circunstâncias em que é realizada a operação, para determinar, por um lado, se estamos em presença várias operações distintas ou de uma operação única e, por outro lado, se, neste último caso, esta operação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços (Sérgio Vasques, ob. cit, p. 217/218 e jurisprudência aí citada).
Para o TJUE é de considerar que estamos perante uma operação única, nomeadamente, nos casos em que existe uma relação de subordinação entre os elementos constitutivos de uma operação económica. Assim, devemos entender estar perante uma operação única sempre que um ou vários elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que outros elementos devam ser considerados prestações acessórias, no sentido em que não constituem para o consumidor um fim em si mesmo, mas apenas um meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação dita principal. Quando se verifiquem estas condições, estamos perante uma operação única em que as prestações acessórias perdem autonomia e partilham do tratamento fiscal da prestação principal (Sérgio Vasques, ob. cit, p. 218 e jurisprudência aí citada).
Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o elemento predominante deve ser determinado com base no ponto de vista do consumidor médio (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Levob Verzekeringen e OV Bank, n.º 22, e de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere, C-276/09, Colet., p. 1-12359, n.º 26).
Assim, por exemplo, no acórdão de 18 de janeiro de 2018, proferido no processo C-463/16, Stadion Amsterdam CV, o TJUE concluiu que a prestação de serviços composta por dois elementos, a saber, a visita guiada ao estádio e a visita ao museu do AFC Ajax, constituía uma prestação única, uma vez que a primeira constituía o elemento principal e o segundo, o elemento acessório.
No presente caso, entendemos também que o acesso ao festival “Rock in Rio Lisboa” e o fornecimento de refeições “buffet” devem ser consideradas uma única prestação de serviços para efeitos de IVA, na medida em que o “buffet” deve ser considerado uma prestação acessória, no sentido de que não constitui para o consumidor médio um fim em si mesmo, mas apenas um meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação principal, que é o festival de música.
Em face do exposto, é de confirmar a sentença recorrida na parte recorrida, ou seja, ao concluir que a actividade da impugnante beneficiava da taxa reduzida na promoção de espectáculos, mesmo estando associadas ao bilhete VIP outras prestações.
Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:
I - Quando uma operação económica combina elementos de diferentes transmissões de bens ou prestações de serviços nem sempre é possível a sua desagregação em múltiplas operações, podendo a mesma ser considerada como uma operação única para efeitos de IVA.
II- É de considerar que estamos perante uma operação única, nomeadamente, nos casos em que existe uma relação de subordinação entre os elementos constitutivos de uma operação económica.
III- Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o elemento predominante deve ser determinado com base no ponto de vista do consumidor médio.
IV - O acesso a um festival de música e o fornecimento de refeições “buffet” devem ser consideradas uma única prestação de serviços para efeitos de IVA, na medida em que o “buffet” deve ser considerado uma prestação acessória, no sentido de que não constitui para o consumidor médio um fim em si mesmo, mas apenas um meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação principal, que é o festival de música.
DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES DA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 13 de novembro de 2025
(Ângela Cerdeira)
(Cristina Coelho da Silva)
(Teresa Costa Alemão) |