Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1039/08.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
DECISÃO FINAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – A amplitude do dever de fundamentação da decisão proferida no procedimento de revisão da matéria colectável deve ser definida com base no regime jurídico deste procedimento.
II – Resultando da lei que as questões de direito (salvo quando referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável) não podem ser apreciadas no âmbito do referido procedimento, não se impunha ao órgão decisor que se pronunciasse sobre o invocado vício de falta de fundamentação.
III - No que respeita à quantificação da matéria colectável, a decisão deve reportar-se às posições dos peritos, sendo irrelevantes as posições defendidas pelo próprio sujeito passivo e pela administração tributária quando não tiverem sido corroboradas pelos respectivos peritos.
IV - Apoiando-se a decisão, por concordância, no teor do parecer do perito da AT, no qual se encontram evidenciadas, ainda que de forma sintética, as razões que levaram a manter as conclusões do relatório de inspecção, é de considerar observado o dever de fundamentação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Tributário de Leiria, em 21/12/2015, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por M......., anulando as liquidações impugnadas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativas aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de €34.418,40.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A) A lei fiscal admite a possibilidade da fundamentação poder “consistir numa mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou proposta, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, o que significa que a fundamentação pode basear-se noutras peças do processo administrativo.

B) O Despacho do senhor Director de Finanças, datado de 14/04/2008, proferido no final do procedimento do art. 91° da LGT, na falta de acordo entre os peritos, fixando o IVA em falta, adoptou uma fundamentação por remissão ou integração, referindo expressamente a informação prestada pelo perito da AT no seu lado pericial de 12/03/2008.

C) Tal laudo refere “Analisando a fixação proposta no relatório do SIT, e face aos pontos reclamados e discutidos, proponho que se mantenham as fixações iniciais, quer em sede de IRS, que em sede de IVA, dado que:

-Ficou provado, conforme capítulo IV do relatório, que existem omissões de vendas na contabilidade dos anos de 2004 e 2005;

-Omissão de vendas e de resultados no exercido de 2006, apesar de notificada para proceder à regularização da escrita, em virtude de no anexo C à declaração de rendimentos - modelo 3 apresentada, não constar qualquer valor de resultado líquido, e actividade ter sido exercida em sede de pessoa singular até 19 de Dezembro, data da cessação de actividade.”

D) Sendo quando refere os “pontos reclamados e discutidos” remete para o debate encetado nas reuniões realizadas, em 12/03/2008 e em 19/03/2008, entre o perito do contribuinte e o perito da AT, conforme atestado pela pela Acta n° 8/2008, assinada por ambos os intervenientes.

E) Designadamente, na última daquelas datas, os peritos, analisaram, concretamente, para os anos de 2004 e 2005, o caso do fornecedor “O.......”, “os elementos trazidos para esta comissão, com novos cálculos das margens dos produtos à taxa reduzida e normal de IVA".

F) Sendo que, conforme atesta a referida acta, “No entanto, os valores apresentados não corresponde ao cálculo da margem bruta mas à média dos preços de venda. Revelando-se as mesmas incorrectamente determinadas, conforme documentos e listagem remetida por fax, que se anexam (de 41 e 21 fls). Assim, as margens praticadas nos produtos por taxas de IVA e fornecedores, foi mais uma vez o tema da reunião, e não se vislumbrava a possibilidade de acordo”.

G) Da prova documental assim referida (acta e laudo) resultam duas situações diversas que a sentença sob recurso omitiu, não distinguindo, como devia.

H) Pois que o ano de 2006, a falta de regularização da escrita (no sentido de proceder ao apuramento do resultado líquido daquele exercício, à data da sua cessação de actividade - 19/12/2006) constitui, por si só, fundamento legal de aplicação de métodos indirectos para a determinação da matéria tributável, tal como resulta do art. 87° - b) e do art. 88° - a) da LGT.

I) Acrescendo que a situação descrita em sede inspectiva e aludida no aludo do perito, claramente, determinou a omissão de rendimentos em sede de IRS desse ano, dado que a declaração de rendimentos modelo 3, com o anexo C, foi entregue sem a menção de qualquer valor no resultado líquido do exercício.

J) E nos anos de 2004 e 2005, a omissão de vendas, conforme determinada no capítulo V do relatório inspectivo final, apesar da discussão entre peritos, envolvendo o fornecedor “O.......”, novos elementos documentais e novos cálculos das margens dos produtos à taxa reduzida e normal de IVA, tidas por incorrectamente determinadas pelo perito da AT.

K) Ao não considerar ambas as situações, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, dado ter avaliado de modo incompleto a prova documental produzida (pela AT), produzindo uma inadequada interpretação das normas legais aplicáveis – artigos 87°, alínea b) e 88°, ambos da LGT, pelo que não deve manter-se.

L) Além de que a fundamentação adoptada no laudo do perito da AT, embora compactada, revelou-se suficiente, de molde a habilitar a Impugnante a perceber o seu alcance e contra a mesma defender-se.

M) O mesmo se havendo de concluir em relação à fundamentação (por remissão ou integração) da decisão final do procedimento de revisão do art° 91° da LGT, proferida pelo Sr. Director de Finanças de Leiria.

N) Tal decisão apoia-se, por concordância, no teor do parecer do perito da AT, no qual, em súmula, se evidenciam os factos essenciais, o seu enquadramento legal, tudo após o debate contraditório que caracteriza o procedimento em causa, conforme atestado na Ada n° 8/2016 elaborada e assinada por ambos os peritos intervenientes.

O) A sentença sob recurso faz também uma incompleta consideração da prova documental produzida pela AT e uma errada interpretação do art. 77°, n° 1 da LGT, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre

JUSTIÇA

Regularmente notificada do presente recurso, a Impugnante não apresentou contra-alegações.

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Ponderando o teor das conclusões do recurso e tendo presente que as mesmas definem o respectivo objeto - ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso - a questão a apreciar consiste em saber se a douta sentença recorrida, ao considerar que a decisão final do procedimento de revisão da matéria colectável padecia de falta de fundamentação, incorreu em erro de julgamento por ter subjacente uma deficiente avaliação da prova documental produzida e uma inadequada interpretação do artigo 77º, nº 1 da LGT.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão:

A. A Impugnante foi objeto de ação de fiscalização, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2........, pela Direção de Finanças de Leiria, a qual incidiu sobre o IVA e o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2004 a 2006 - cf. fls. 4 do relatório de inspeção tributária (RIT) que consta de fls. 7 a 73 do PAT, que se dá por integralmente reproduzido;

B. Em 22.01.2008, foi concluído o RIT elaborado na sequência da realização da ação de inspeção referida no ponto A. que antecede, o qual foi notificado à Impugnante através do ofício n.º 1676, de 06.02.2008, no qual, além do mais, consta o seguinte:

IV.2.4 – Conclusões

Concluindo e resumindo, temos os seguintes factos que nos levam ao recurso a métodos indirectos, nos termos descritos nos pontos anteriores:

- Anos de 2004 e 2005: Divergência entre as margens declaradas e verificadas nos produtos à taxa normal e reduzida de IVA, inexactidões nos registos do IVA dedutível relativo a existências que impossibilitou uma exacta apreciação das margens praticadas e ainda a utilização de dois sistemas de registo das vendas acima referido;

- Ano de 2006: Não regularização da escrita no prazo fixado, divergência na margem declaradado de produtos á taxa normal de IVA e ainda a utilização dos dois sistemas de registo das vendas acima referido.

(…)” – cf. fls. 7 a 73 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

C. Em 19.02.2008, a Impugnante apresentou pedido de revisão, para além do mais, da base tributável do IVA apurada pela AT com recurso a métodos indiretos relativamente aos exercícios de 2004 a de 2006 que consta do RIT referido no ponto B. que antecede, alegando, em suma, a falta de fundamentação do recurso a métodos indiretos e a errónea quantificação da base tributável – cf. fls. 88 a 106 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

D. Em 12.03.2008, o perito designado pela AT apresentou o seu lado no âmbito do procedimento de revisão iniciado pela Impugnante, no qual, além do mais, consta o seguinte:

“(…) 3. Análise/Proposta Analisando a fixação proposta no relatório do SIT, e face aos pontos reclamados e discutidos, proponho que se mantenham as fixações iniciais, quer em sede IRS quer em sede de IVA, dado que:

- Ficou provado, conforme capítulo IV do relatório, que existem omissões de vendas na contabilidade dos anos de 2004 e 2005;

- Omissão de vendas e de resultados do exercício de 2006, apesar de notificada para proceder a regularização da escrita, em virtude de no Anexo C à declaração de rendimentos – mod. 3 apresentada, não constar qualquer valor de resultado líquido, e actividade ter sido exercida em sede de pessoa singular até 19 de Dezembro, a data da cessação da actividade.” – cf. fls. 12 a 16 do PAT – Vol. II, que se dão por integralmente reproduzidas;

E. Através do ofício n.º 4629, de 14.04.2008, da Direção de Finanças de Leiria, foi a Impugnante notificada da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão da matéria coletável referido no ponto C. que antecede, na qual, para além do mais, consta o seguinte:

“(…)

Na falta de acordo, e tendo em conta as posições de ambos os peritos, decido fixar:

- I.R.S. – Rendimento líquido: € 316.988,88€; € 327.765,38; e € 332.240,37, respectivamente para os anos de 2004, 2005 e 2006;

- I.V.A. – Imposto em falta: € 5.322,59; € 11.963,18; e € 14.451,00, respectivamente, para os anos de 2004, 2005 e 2006.

Tendo por base, a informação prestada pelo perito da Administração Fiscal no seu laudo pericial de 12.3.2008, que dou por inteiramente reproduzido e com o qual concordo.

(…)” – cf. fls. 1 a 16 do PAT – Vol. II, que se dão por integralmente reproduzidas;

F. Com base no RIT referido no ponto B. supra e na decisão que recaiu sobre o pedido de revisão da matéria coletável indicada no ponto E. que antecede, a AT procedeu à emissão das liquidações de IVA e às liquidações de juros compensatórios relativas aos anos de 2004 a 2006, ora impugnadas – cf. fls. 330 a 401 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;

G. Em 27.08.2008, a presente impugnação foi apresentada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.

III.2 – Factos não Provados

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova se afigure relevante para a decisão dos presentes autos.


*

Motivação da decisão da matéria de facto

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT, conforme referido em cada um dos pontos do “probatório”.»


***

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Tributário de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por M......., anulando as liquidações impugnadas de IVA relativas aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de €34.418,40, com fundamento no vício de falta de fundamentação da decisão final do procedimento de revisão da matéria colectável.

Sustenta a Recorrente, em síntese, que o despacho do Senhor Director de Finanças, datado de 14/04/2008, proferido na sequência da falta de acordo entre os peritos e que fixou o IVA em falta, refere expressamente a informação prestada pelo perito da AT no seu laudo pericial de 12/03/2008, acrescentando que a fundamentação adoptada no laudo do perito da AT, embora compactada ou sucinta, revelou-se suficiente, de molde a habilitar a Impugnante a perceber o seu alcance e contra a mesma defender-se, pelo que se impõe concluir que foram observadas as disposições legais quanto à fundamentação.

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Para o efeito importa, desde já, ter presente a fundamentação jurídica em que se fundou a decisão da 1ª instância:

“(…) a fundamentação deverá responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato praticado, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que estão na sua génese.

O que significa que a decisão da comissão de revisão, ainda que se limite a manter os valores apurados pelos serviços de fiscalização, deveria ter indicado as razões pelas quais a argumentação vertida na reclamação entregue pela Impugnante não pode proceder.

Ora, como bem notou o DMMP, compulsada a decisão da comissão de revisão verificamos que nada é dito a respeito das razões pelas quais o Diretor de Finanças entendeu que os argumentos apresentados pela Impugnante em sede de reclamação não merecem provimento.

Ainda que na decisão da comissão de revisão seja feita remissão para o laudo do perito da AT, a verdade é que não é explicitado porque razão tal foi feito, sendo que no laudo em questão também nada é dito, de concreto, a respeito dos argumentos, de facto e de direito, que foram apresentados pela Impugnante em sede de reclamação. Com efeito, no laudo do perito da AT não é minimamente esclarecido porque razão não se verifica a falta de fundamentação do recurso a métodos indiretos e a errónea quantificação da base tributável – vícios que foram alegados na reclamação apresentada –, sendo unicamente reafirmada, de forma genérica e de alguma forma lacónica, parte das conclusões que se encontram vertidas no RIT e que, precisamente, estão na origem do procedimento de revisão (cf. ponto D. dos factos provados).

E dúvidas não há de que sem indicação das razões de facto e de direito que estão na base da decisão tomada pelo Diretor de Finanças no âmbito da comissão de revisão, esta não obedece ao conteúdo e requisitos da fundamentação do ato tributário exigidos, designadamente, pelo artigo 77.º da LGT.

Tanto mais que a Impugnante suscitou o procedimento de revisão alegando, designadamente, a falta de fundamentação do apuramento da base tributável do IVA com recurso a métodos indiretos e imputando ao RIT o apuramento de margens de lucro superiores às realmente verificadas (cf. ponto C. dos factos provados). Ora, no caso desconhece-se se estes vícios, trazidos à comissão de revisão pela Impugnante, foram ou não considerados na decisão tomada, e ainda, em caso afirmativo, quais as razões porque, em face dos argumentos apresentados, se optou por não se dar provimento às mesmas. Daí que se entenda que, in casu, a decisão da comissão de revisão está inquinada de vício de forma, por insuficiência de fundamentação.”

Para aferir da amplitude do dever de fundamentação da decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, importa, desde logo, convocar o respectivo regime jurídico:


Artigo 91.º

Pedido de revisão da matéria colectável


1 - O sujeito passivo pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efectuadas correcções com base noutro método indirecto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa.

(…)

14. As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo.


Artigo 92.º

Procedimento de revisão


1. O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

(…)

6. Na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º 2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.

(…)”.

Do regime legal transcrito resulta que nos casos de avaliação indirecta da matéria tributável que não se traduzam na aplicação do regime simplificado de tributação, o sujeito passivo pode solicitar a revisão da matéria colectável fixada.

Como se estabelece no n.º 14 do artigo 91.º, está afastada a possibilidade de revisão da matéria colectável quando as correcções efectuadas pela administração tributária sejam apenas aritméticas, resultantes de imposição legal (como será o caso de limites legais de deduções) ou esteja em causa apenas a divergência sobre questões de direito, que não se refiram aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável.

A razão de ser do afastamento da possibilidade de reclamação nestes casos prende-se com a própria natureza do órgão de revisão, constituído por peritos que deve fazer uma apreciação de carácter técnico e não jurídico, como está ínsito no artigo 84.º da LGT, em que se estabelece que a avaliação deverá basear-se em critérios técnicos e objectivos.

A excepção relativa às questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização de métodos indirectos, justifica-se por a sua resolução assentar essencialmente numa decisão de facto, que envolve também uma apreciação de carácter técnico, que é a suficiência ou não dos elementos existentes para determinar com exactidão da matéria colectável (art. 88.º da LGT).

Como afirma Jorge Lopes de Sousa et alii, “a revisão, de cariz pericial, tem em vista exclusivamente apreciar a correcção da aplicação dos critérios de base técnico-científica em que tem de assentar a avaliação e não questões jurídicas (para além das conexas com verificação dos pressupostos da utilização de métodos indirectos) designadamente, a apreciação do cumprimento das formalidades impostas por lei e da observância das regras de competência” (Lei Geral Tributária, Comentada e anotada, Vislis Editores, Lisboa, 2012, p. 467).
Importa, ainda, salientar que a referência às posições expressas pelos peritos, e não também às expressas pelas partes no procedimento, significa que deverão ter-se em conta apenas as posições expressas pelos peritos, sendo irrelevantes as posições defendidas pelo próprio sujeito passivo e pela administração tributária no procedimento tributário, quando não tiverem sido corroboradas pelos peritos designados (cfr. Jorge Lopes de Sousa et alii, ob. cit., p. 476).

Em face das regras de funcionamento do procedimento de revisão da matéria colectável, logo se conclui que o tribunal de 1ª instância errou ao considerar que “a decisão da comissão de revisão (…) deveria ter indicado as razões pelas quais a argumentação vertida na reclamação entregue pela Impugnante não pode proceder”, nomeadamente, “a falta de fundamentação do apuramento da base tributável do IVA com recurso a métodos indiretos e (…) o apuramento de margens de lucro superiores às realmente verificadas”.

Com efeito, como resulta do nº 14 do artigo 91º da LGT, supra transcrito, as questões de direito (salvo quando referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável), como é o caso do vício de falta de fundamentação, não podem ser apreciadas no âmbito do procedimento de revisão.

Por outro lado, no que respeita à quantificação da matéria colectável, a decisão deve reportar-se às posições dos peritos, nos termos do nº 6 do artigo 92º da LGT, sendo irrelevantes as posições defendidas pelo próprio sujeito passivo e pela administração tributária quando não tiverem sido corroboradas pelos respectivos peritos.

Ora, no caso dos autos, a decisão proferida pelo Director de Finanças de Leiria que fixou o imposto (IVA) em falta refere que foram tidas em conta as posições de ambos os peritos e que tal decisão teve por base “a informação prestada pelo perito da Administração Fiscal no seu laudo pericial de 12.3.2008, que dou por inteiramente reproduzido e com o qual concordo”, podendo ler-se no referido laudo o seguinte:

“(…) face aos pontos reclamados e discutidos, proponho que se mantenham as fixações iniciais, quer em sede IRS quer em sede de IVA, dado que:

- Ficou provado, conforme capítulo IV do relatório, que existem omissões de vendas na contabilidade dos anos de 2004 e 2005;

- Omissão de vendas e de resultados do exercício de 2006, apesar de notificada para proceder a regularização da escrita, em virtude de no Anexo C à declaração de rendimentos – mod. 3 apresentada, não constar qualquer valor de resultado líquido, e actividade ter sido exercida em sede de pessoa singular até 19 de Dezembro, a data da cessação da actividade.”.

Ou seja, a decisão apoia-se, por concordância, no teor do parecer do perito da AT, no qual se encontram evidenciadas, ainda que de forma sintética, as razões que levaram a manter as conclusões do relatório de inspecção, nomeadamente no que respeita ao IVA considerado em falta, quer nos exercícios de 2004 e 2005, quer no exercício de 2006.

Pelo que, ao contrário do decidido pelo tribunal de 1ª instância, o dever de fundamentação foi observado, não se verificando, por isso, o invocado vício de forma, por violação do disposto no artigo 77º da LGT.

Importa, finalmente, dar nota de que foi proferido acórdão em 22/05/2024 no processo n.º 788/08.8BELRA, instaurado pela mesma Impugnante, no qual se julgou, por unanimidade, a improcedência do recurso aí apresentado pela Impugnante, confirmando a decisão da 1ª instância que havia considerado devidamente fundamentada a decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão da matéria coletável, pelo que, em cumprimento do disposto no art.º 8, n.º 3 do Código Civil, convoca-se o aí decidido, a fim do respeito pela interpretação e aplicação uniforme do Direito:

“Revisitando o probatório fixado, como aliás é mencionado na decisão sob escrutínio, a decisão do Diretor de Finanças é feita por remissão para o laudo do perito da Fazenda Pública, o que significa que no despacho são acolhidas as razões quer de facto, quer de Direito, que o sustentam.

Por outro lado, decorre do mesmo recorte probatório que do laudo do perito da Fazenda Pública, resulta uma súmula as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão de aplicação de métodos indiretos, bem como o modo como foi apurada a matéria coletável, propondo a manutenção das fixações iniciais, quer em sede de IRS, quer em sede de IVA (cfr. ponto 1.40 do probatório supra).

Ora, não tendo sido impugnada a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo no que a este particular respeita, não se pode considerar que o ato não se encontre devidamente fundamentado.

Efetivamente, como bem realça o Tribunal a quo, ancorando o seu entendimento em diversa jurisprudência relevante, as decisões da Administração, designadamente as da Administração Tributária, podem ser fundamentadas por remissão para informações anteriormente prestadas pelos serviços, acolhendo, desta forma, os seus fundamentos fácticos e jurídicos.

Significa isto que tendo o Diretor de Finanças remetido para o laudo elaborado pelo perito da Fazenda Pública e encontrando-se neste laudo plasmadas as razões de facto e de Direito que sustentam a decisão, quer no que tange as razões em que se ancora a aplicação de métodos indiretos, quer o método utilizado para apurar o lucro tributável, não encontra este Tribunal razões para discordar do julgado pelo Tribunal a quo, pelo que o presente recurso está votado ao insucesso, nesta parte.”

Aderindo-se, integralmente, à fundamentação acabada de transcrever, que se acolhe nos presentes autos, conclui-se que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogada.

De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 665º do CPC, “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

Conforme resulta da petição inicial, para além do vício de falta de fundamentação da decisão que indeferiu o pedido de revisão da matéria colectável, foram suscitadas, pela Impugnante, as seguintes ilegalidades:

“- erro quanto aos seus pressupostos de direito, uma vez que a AT não explica a razão de ser da aplicação de qual das alíneas do artigo 88.º da LGT;

- a AT errou ao não aplicar o elenco taxativo de critérios estabelecidos no artigo 90.º da LGT, aplicáveis à determinação da matéria tributável por métodos indiretos;

- o excesso na quantificação da matéria tributável apurada de acordo com o critério presuntivo utilizado”.

Todavia, no presente caso, o conhecimento em substituição não se afigura possível, uma vez que foram alegados factos na petição inicial com vista a demonstrar o excesso da quantificação da matéria colectável apurada – cfr. artigos 79º a 83º da PI - e que não foram levados ao probatório, razão pela qual se impõe a baixa dos autos à 1ª instância para prolação de nova sentença, com a fixação dos factos provados e não provados que se afigurem relevantes para o conhecimento das referidas questões que resultaram prejudicadas, tendo em consideração a prova documental e testemunhal aí produzida.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I – A amplitude do dever de fundamentação da decisão proferida no procedimento de revisão da matéria colectável deve ser definida com base no regime jurídico deste procedimento.

II – Resultando da lei que as questões de direito (salvo quando referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável) não podem ser apreciadas no âmbito do referido procedimento, não se impunha ao órgão decisor que se pronunciasse sobre o invocado vício de falta de fundamentação.

III - No que respeita à quantificação da matéria colectável, a decisão deve reportar-se às posições dos peritos, sendo irrelevantes as posições defendidas pelo próprio sujeito passivo e pela administração tributária quando não tiverem sido corroboradas pelos respectivos peritos.

IV - Apoiando-se a decisão, por concordância, no teor do parecer do perito da AT, no qual se encontram evidenciadas, ainda que de forma sintética, as razões que levaram a manter as conclusões do relatório de inspecção, é de considerar observado o dever de fundamentação.


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para prolação de nova sentença, nos termos assinalados.

Custas pela Recorrida, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça na presente instância de recurso, por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.

Lisboa, 5 de junho de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Patrícia Manuel Pires, em substituição)

(Sara Loureiro)