Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:181/24.8BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/16/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:TAD
IMPEDIMENTO DE INSCRIÇÕES
MULTA
AMNISTIA
Sumário:I– Tendo em 29/01/2024 sido remetida à FPF a participação disciplinar que espoletou os presentes autos, sendo que apenas em 01/03/2024 esta deliberou pela instauração do controvertido procedimento disciplinar, mostra-se ultrapassado o prazo de 30 dias estabelecido para o efeito no Artº 49º do Regulamento Disciplina da FPF, o que determinou a verificação da declarada caducidade, determinando a nulidade do correspondente procedimento disciplinar por parte do Tribunal Arbitral do Desporto.
II- Mesmo que assim não fosse, sempre se entenderia como estando amnistiada a controvertida infração.
Com efeito, no dia 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), cujo artigo 6º tem o seguinte teor:
“São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar mais concretamente do seu artigo 6º”.
III- No caso dos autos, no processo disciplinar em que a SAD foi arguida, resulta que as infrações disciplinares pelas quais a mesma foi disciplinarmente condenada terão ocorrido na época 2022/2023, até ao mês de janeiro de 2023.
A referida Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, estatuindo no seu artigo 2º, n.º 2, al. b) que estão abrangidas as sanções relativas a infrações disciplinares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023.
Em concreto, foi aplicada à SAD a pena de impedimento de registo de agentes desportivos até à regularização da situação que deu causa à aplicação da sanção e multa de 40 UC, correspondente a 4.080€, pelo que a infração disciplinar em causa se encontra amnistiada, por força do disposto no citado artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8.
IV- Constituindo o objeto do presente recurso o acórdão arbitral que julgou procedente o Recurso, ainda assim, com o “desaparecimento” da infração disciplinar, “ex vi” artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, sempre cairia também o ato punitivo que sancionou a recorrente, tornando impossível o prosseguimento da presente lide, por aquele ato punitivo ter deixado de ter existência jurídica.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Su


I - Relatório
A Federação Portuguesa de Futebol, inconformada com o acórdão do TAD de 1 de agosto de 2024, que concedeu provimento à ação arbitral intentada pela L........, SAD, “com a inerente extinção da responsabilidade disciplinar”, declarando nulo o ato objeto de impugnação, veio do mesmo recorrer para este Instância.


O Recurso para o TAD visava impugnar o Acórdão de 24 de Maio de 2024, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção não Profissional, através do qual, foi decidido aplicar à L........, SAD a sanção de impedimento de registo de agentes desportivos até à regularização da situação que deu causa à aplicação da sanção e multa de 40 UC, correspondente a 4.080€, pela prática de duas infrações disciplinares pp nos artigos 65.º-A e 103.º, n.º 2, ambos do RDLPFP.


Apresentou a FPF as seguintes conclusões no Recurso para este instância:
“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitrai no âmbito do processo de ação arbitral necessária n.º ...../2024, que declarou procedente a ação interposta pela ora Recorrida e determinou a nulidade do acórdão de 24 de Maio de 2024, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção não Profissional, através do qual, se decidiu aplicar à ora Recorrida a sanção global de impedimento de registo de agentes desportivos até à regularização da situação que deu causa à aplicação da sanção e multa de 40 UC, correspondente a 4080C (quatro mil e oitenta euros), pela prática de duas infrações disciplinares p. e p. nos artigos 65.º-A e 103.º, n.º 2, ambos do RDLPFP;
2. Em concreto, a Recorrida - doravante também L........ - havia sido punida pelo Conselho de Disciplina por não ter cumprido com o pagamento dos salários ao jogador Pancras Otoo, tendo posteriormente, no âmbito do processo de demonstração do cumprimento das obrigações salariais perante a Federação Portuguesa de Futebol, no cumprimento da obrigação estabelecida no art. 14.º do Regulamento do Campeonato de Portugal, remeteu à Demandada declaração de inexistência de dívidas assinada, carimbada e datada de 27 de dezembro de 2022, na qual declarou: "não tem quaisquer dívidas relativas a retribuições, subsídios e outras compensações por despesas dos jogadores/as e treinadores/as elencados na lista apensa (...) cujo teor faz parte integrante da presente declaração";
3. O Tribunal a quo entende que "Por ter sido praticado num quadro procedimental inquinado por uma caducidade do poder de instaurar o procedimento disciplinar (cf. o artigo 49.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Demandada), que o Tribunal dá por verificada (e que extingue a responsabilidade disciplinar - cf. o artigo 48.º, alínea b), do mesmo Regulamento - não conhecendo aplicação qualquer das soluções normativas constantes do artigo 49.º, n.ºs 3 a 6, sempre do Regulamento Disciplinar da Demandada], declara-se, ainda, nulo o ato impugnado nestes autos [cf. o artigo 161.º, n.º 2, alínea I), do CPA], pois foi praticado "com preterição total do procedimento legalmente exigido", faltando, em termos procedimentais, um pressuposto base, que contamina tudo o mais, a saber, a instauração em tempo";
4. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto, incorre em erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, designadamente na interpretação e aplicação do artigo 49.º, n.º 1, do RDLPFP;
5. O artigo 49.º (Caducidade da instauração de procedimento disciplinar) prevê, no respetivo n.º 1, que "quando não esteja estabelecido de forma diversa no presente Regulamento, o prazo para instauração de procedimento disciplinar é de 30 dias, contados do conhecimento da notícia dos factos constitutivos da infração pelo órgão titular do poder disciplinar";
6. A questão fundamental a dilucidar prende-se com o momento do conhecimento, por parte do órgão disciplinarmente competente, da notícia dos factos constitutivos da infração, ou seja, aquele em que se inicia o prazo de 30 dias previsto no supracitado n.º 1 do artigo 49.º do RDFPF;
7. A Tribunal a quo entende que o Conselho de Disciplina da Recorrente, terá tido conhecimento dos factos, quando recebeu na caixa de correio que lhe é afeta, uma participação do Sindicato........ (doravante também Sindicato);
8. Para o Tribunal a quo, é indiferente em que momento alguém abriu a referida mensagem de correio eletrónico, como é também indiferente, em que momento, alguém do Conselho de Disciplina da Recorrente terá tido conhecimento da referida participação enviada pelo Sindicato e quanto o próprio órgão terá reunido para tomar conhecimento daqueles factos;
9. Perguntar-se-á, bastará que a referida mensagem de correio eletrónico entre na caixa de correio afeta ao CD da Recorrente? Ou será necessário, mas ainda assim suficiente, que os serviços que prestam apoio ao CD da Recorrente acedam à referida mensagem de correio eletrónico? E uma vez que tal se verifique, nenhum elemento do CD da Recorrente necessita de aceder à referida participação para que a mesma se considere do conhecimento do órgão? E se tal for exigido, quantos elementos do CD da Recorrente têm de ler a participação para que o órgão tenha conhecimento dos factos que ali constam e comece a correr o prazo de 30 dias até à caducidade do poder de instauração de procedimento disciplinar? A nada disto respondeu o Tribunal a quo;
10. Do ponto de vista do cumprimento do princípio da segurança jurídica, os 30 dias para instauração do procedimento disciplinar apenas começam a correr a partir do momento do conhecimento da notícia dos factos constitutivos da infração disciplinar pelo órgão titular do poder disciplinar e tal conhecimento só se verifica quando o órgão reúne e se pronuncia sobre tais factos;
11. Até nas notificações por correio registado com aviso de receção, as mesmas consideram-se efetuadas quando é assinado o aviso de receção, sendo que, se for assinado por pessoa diversa do destinatário, tal notificação considera-se efetuada no terceiro ou quinto - conforme os casos - dias úteis após tal assinatura;
12. A resposta à questão em crise nos autos, não se pode arredar da letra da lei (in casu RDFPF), no processo de hermenêutica jurídica do apontado normativo do n.º 1 do artigo 49.º do RDFPF não poderão ser esquecidas as regras gerais de interpretação presentes no artigo 9.º do Código Civil, designadamente quando no seu n.2 3 é consagrada a presunção de "que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
13. Regressando ao n.º 1 do artigo 49.º do RDFPF, o legislador desportivo não estabeleceu um qualquer conhecimento para efeitos da contagem do prazo para instauração do procedimento disciplinar, optou expressamente por um conhecimento do órgão titular do poder disciplinar (veja-se o inciso final desse n.º 1);
14. A titularidade do poder disciplinar é regulada no artigo 5.º do RDFPF, onde se pode ler que "o poder disciplinar é exercido pelo Conselho de Disciplina e pelo Conselho de Justiça, nos termos da Lei e dos regulamentos e Estatutos da Federação" (n.º 1); e que "a competência disciplinar em primeira instância é exercida pelo Conselho de Disciplina, sem prejuízo das competências exercidas pelo Conselho de Justiça nos termos dos regulamentos e Estatutos da Federação" (n.º 2);
15. Dispõe o artigo 232.º, do RDFP, quanto à iniciativa no procedimento disciplinar, que "o procedimento disciplinar é instaurado por deliberação do Conselho de Disciplina da FPF e, em caso de urgência, por decisão do seu Presidente" (n.º1), sendo que, "o procedimento instaurado por decisão do Presidente deve ser ratificado em reunião do pleno do Conselho de Disciplina
16. Neste sentido, uma interpretação do n.º 1 do artigo 49.º do RDFPF que faça coincidir o conhecimento aí previsto como um conhecimento de outra entidade (Instrutor, Inquiridor, Relator, serviços de apoio, etc.), que não o órgão titular do poder disciplinar (CD-SNP), já não é interpretação, antolha-se, isso sim, como modificação do sentido do normativo em causa;
17. Do disposto nos artigos 49.º, n.º 1, 5.º e 232.º, todos do RDFPF, resulta que o conhecimento para efeitos da contagem do prazo para instauração do procedimento disciplinar, tem de ser um conhecimento do órgão titular do poder disciplinar, que, quanto ao caso vertente, é o Conselho de Disciplina da FPF-Secção Não Profissional;
18. Ademais, os comandos regimentais desse órgão dispõem que as Suas Secções (Profissional e Não Profissional) "funcionam em reunião restrita, nas situações previstas nos respetivos Regulamentos Disciplinares, ou em reunião do pleno dos seus membros" (artigo 3.º, n.º 1, do Regimento do Conselho de Disciplina da FPF) e que, "as Secções do Conselho de Disciplina reúnem, sob convocação do Presidente» (artigo 5.º, n.º1, do Regimento do Conselho de Disciplina da FPF).
19. Em sede de natureza do estatuto disciplinar no plano da relação laborai pública - convocada amiúde como direito subsidiário em matéria de poder disciplinar público - é entendimento jurisprudencial que não basta o conhecimento dos factos na sua materialidade, exigindo-se o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível ao dirigente máximo do serviço o seu enquadramento como ilícito disciplinar;
20. No caso dos autos, temos que para efeitos da caducidade do poder de instaurar o procedimento disciplinar prevista no artigo 49.º, n.º 1, do RDFPF, não basta o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se torna necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tomar possível ao órgão titular do poder disciplinar--CD-SNP -o seu enquadramento como infração disciplinar;
21. A Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina apenas tomou conhecimento dos factos objeto deste processo no dia 1 de março de 2024, em reunião do respetivo Pleno, após ter sido enviada para a caixa de correio afeta ao órgão, no dia 29 de janeiro do mesmo ano, a supramencionada participação disciplinar que deu origem ao presente processo;
22. Não existe dispositivo regulamentar (vulgo RDFPF) ou regimental (Regimento do Conselho de Disciplina da FPF) que atribua a membro do CD-SNP ou aos serviços de apoio àquele órgão, competência para, em representação deste, tomar conhecimento de quaisquer factos juridicamente relevantes;
23. Não releva para efeitos de contagem do prazo de caducidade do poder de instaurar o procedimento disciplinar, a hipótese de haver uma infração que se torne conhecida da maioria ou de todos os membros do CD-SNP - e muito menos pelos serviços de apoio ao referido órgão - mas fora da respetiva reunião orgânica, porquanto decorre do Regimento do Conselho de Disciplina da FPF, que aquele órgão apenas funciona em plenário ou em formação restrita;
24. Em suma, para efeitos do conhecimento da notícia dos factos constitutivos da infração por parte do órgão titular do poder disciplinar - Conselho de Disciplina da FPF -, presente no n.º 1 do artigo 49.º do RDFPF, só se pode atender à data em que ocorre o conhecimento colegial efetivo da mesma, em reunião plenária ou em reunião restrita, porquanto, só em reunião plenária ou restrita, pode, o Conselho de Disciplina da FPF, in casu a sua Secção Não Profissional, tomar conhecimento juridicamente relevante da notícia dos factos constitutivos da infração para efeitos do início da contagem do prazo de caducidade do poder de instaurar o procedimento disciplinar correspondente que seja da sua competência;
25. Preconizar entendimento diferente colocará em crise o princípio maioritário que preside ao processo de formação de vontade dos órgãos colegiais, que pressupõe liberdade e autonomia na apreciação e deliberação das matérias da sua competência, circunstância que ficaria inelutavelmente apartada com a associação de efeitos jurídicos ao decurso de certo prazo a contar do conhecimento de certo facto por membro de órgão colegial - e por maioria de razão pelos serviços de apoio ao referido órgão - em condições que não permitem apreciação e deliberação na forma legalmente prevista para esse colégio;
26. Este é o entendimento preconizado inclusivamente pela Procuradoria Geral da República, conforme se refere nas presentes alegações;
27. Em suma, a data do conhecimento da notícia dos factos objeto do presente processo pela Secção não Profissional do Conselho de Disciplina não pode coincidir com a data do envio da participação pelo Sindicato........, em que o correio eletrónico a ter sido lido, tê-lo-á sido pelos serviços de apoio do CD da Recorrente, que não por um membro do referido órgão e muito menos, pela totalidade dos seus membros reunidos em reunião restrita ou em pleno, tendo tal conhecimento apenas ocorrido, como supra se deixou dito, em reunião do Pleno a 1 de março de 2024, sendo que, tendo a instauração do processo disciplinar sido efetuada em 3 de Março de 2024, fica afastada a hipótese de extinção da responsabilidade da Recorrida por caducidade da instauração do procedimento disciplinar;
28. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da nulidade por parte do Tribunal Arbitrai, andou mal o Colégio de Árbitros ao declarar nula a condenação da Recorrida, devendo o acórdão recorrido ser revogado, remetendo o processo para o Tribunal a quo, para decisão sobre o mérito da causa.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais remetendo o processo para o Tribunal a quo, para decisão sobre o mérito da causa, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.”


A L........, SAD apresentou as seguintes Conclusões nas suas Contra-alegações de Recurso:
“I. Ainda que se admita e compreenda o descontentamento da recorrida com o douto acórdão proferido pelo tribunal arbitral do desporto, tanto carecem de qualquer mérito as suas alegações, tanto de facto, como de direito, como também, vem esta a juízo deturpar claramente a verdade dos factos, procurando com isso obter decisão diversa.
Ii. Dando por reproduzida toda a fundamentação do douto acórdão proferido pelo tribunal arbitral do desporto, sempre também defenderemos que a participação, in casu, disciplinar (leia-se, como o exercício do direito de queixa/denuncia perante uma entidade publica, habitualmente o MP) é uma declaração unilateral reptícia que produz os seus efeitos quando atinge o conhecimento do destinatário.
Iii. Foi exatamente isso que sucedeu quando, no dia 29/01/2024 foi remetida à recorrente a participação disciplinar que despoletou os presentes autos, facto é que apenas em 01/03/2024 deliberou pela instauração do aludido procedimento disciplinar.
Iv. Isto é, para lá dos 30 dias que o (seu próprio) regulamento disciplina, ex vi artigo 49.9 estipula para o efeito, cominando com a caducidade a não observância deste prazo.
V. Foi tão-só isto que sucedeu, por mera inércia da recorrente o procedimento disciplinar ficou ferido de caducidade, como várias vezes invocado pela expoente!, culminando a decisão constante do acórdão proferido a respeito do processo n.º ...... - 2023/2024, ficado ferida de nulidade, como tão bem verificou o tribunal arbitral do desporto.
Vi. O facto objetivo é que a participação disciplinar entrou nos serviços da recorrente no dia 29 de janeiro de 2024.
VII. Só dois meses de calendário volvidos, portanto, em março de 2024, é que veio a ser instaurado o procedimento disciplinar.
VIII. Enquanto órgão de disciplina a recorrente (o aplicável ao recorrente é a secção não profissional do conselho de disciplina) bem sabe que reúne com caráter quinzenal.
IX. Sendo, os respetivos comunicados (do que resulta dessas reuniões) são publicados no seu sítio oficial, via da regra, na quinta-feira seguinte à dita reunião. Disponível online em: Https://www.fpf.pt/pt/institucional/disciplina/comunicados/delibera%c3%a7%c3%b5es-disciplinares-n%c3%a3q-profissionais
X. Reuniu em 09/02/2024, a que corresponde o comunicado de 15/02/2024, portanto, 11 dias após a receção da participação disciplinar (cf. Doc. 1 que ora se junta e aqui se dá integralmente reproduzido, disponível no sitio da web supra identificado a articulado 22)
XI. Reuniu em 23/02/2024, a que corresponde o comunicado de 29/02/2024, portanto, 25 dias após a receção da participação disciplinar (cf. Doc. 2 que ora se junta e aqui se dá integralmente reproduzido, disponível no sitio da web supra identificado a articulado 22)
XII. E só na reunião de 01/03/2024, a que corresponde o comunicado de 07/03/2024, portanto, 32 dias após a receção da participação disciplinar é que se dignou em deliberar pela instauração do procedimento disciplinar. (cf. Doc. 3 que ora se junta e aqui se dá integralmente reproduzido, disponível no sitio da web supra identificado a articulado 22)
XIII. Verifica de forma objetiva que, para lá de "quem recebeu, quem abriu, quem passou, quem leu", existiram dois momentos temporais específicos-duas reuniões da secção não profissional do conselho de disciplina da federação portuguesa de futebol - respetivamente em 09 de fevereiro e 23 de fevereiro, para poder instaurar o procedimento disciplinar à recorrente, o que não fizeram, pelo que deverá improceder o recurso apresentado. Caso assim não se entenda, sempre se diga
XIV. A questão jurídica principal aqui em causa, a possibilidade de aplicação da lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto a pessoas coletivas, é uma matéria de direito que afeta diretamente 0 recorrente.
XV. Admitindo-se a aplicação da referida lei, como é amplamente defendido por este TAD, mostra-se desnecessário o pagamento pelo recorrente das sanções disciplinares que lhe são imputadas e que orçam em vários milhares de euros, em simultâneo com 0 levantamento da impossibilidade de inscrição de jogadores que lhe foi imposta, de forma indevida, pelo CD FPF.
XVI. Possui, portanto, o recorrente um interesso direto em demandar, salvaguardando que a lei é efetivamente cumprida e que, no seu concreto, lhe é diretamente aplicável.
XVII. Na data de 24 de maio 2024 0 recorrente foi notificado do douto acórdão, do qual não concorda, estando em tempo tendo legitimidade para o efeito.
XVIII. A questão da aplicabilidade da lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto a pessoas coletiva (leia-se, clubes) parece-nos a nós pacífica, tendo em conta até o douto entendimento do insigne tribunal arbitral sobre essa matéria e com respaldo já em várias decisões recentemente proferidas, não se podendo contender com diz "existir uma justiça para ricos e outra para pobres".
XIX. O que é certo é que a recorrida tem 0 poder-dever de se bastar com 0 conteúdo das (já várias) decisões deste tribunal arbitral, não só diretamente, aplicando-as ao caso concreto (leia-se, ao processo de onde a decisão arbitral deriva) mas também, dado o seu avolumar (de decisões no mesmo sentido), indiretamente, de forma erga omnes, a todas as situações que, em concreto, por dever de ofício e de forma oficiosa, também haveria de decretar a aplicação da lei da amnistia por motivos de segurança jurídica, garantia de respeito pelo principio da igualdade e cumprimento do principio da legalidade a que está adstrita.
XX. A atuação da recorrida prejudica os legítimos direitos e interesses do recorrente, na medida em que impõe uma sanção que bem sabe ser ilegal, por força da amnistia, proibindo ainda o recorrente de inscrever Jogadores, pressionando assim o pagamento à custa do projeto desportiva e dos resultados dentro de campo da recorrente.
XXI. A lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da jornada mundial da juventude (artigo 1*), estatui no seu artigo 2º, n.º 2, al. b) que estão abrangidas as sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º.
XXIIi. Tal artigo 6º dispõe que "são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar"
XXIII. No caso sub judice, das infrações imputadas ao recorrente, nenhuma destas previa uma sanção superior a suspensão.
Xxiv. Nenhuma das infrações disciplinares em causa constituem simultaneamente ilícitos penais "não amnistiados" pela citada lei
Xxv. Efetivamente, nenhum dos tipos legais de infrações disciplinares imputados ao recorrente cabe nas exceções previstas no artigo 7º, n.ºs 1, 2 e 3 da lei em causa, pelo que será sempre de aplicar a amnistia prevista no artigo 4º por força do disposto no n.º 4 desse artigo 7º ("a exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos").
Xxvi. A lei em causa (lei da amnistia) entrou em vigor em 01/09/2023, portanto, em momento posterior à alegada prática dos factos.
Xxvii. Assim, e dado que este mecanismo legal da amnistia é de conhecimento oficioso (tal como resulta do artigo 14s da lei em causa), era obrigação do órgão a quo ter declarado amnistiadas as infrações disciplinares em causa no processo disciplinar por força dos artigos 2º, n.º 2, al. b) e 6º da invocada lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
Xxviii. O tribunal arbitral do desporto já entendeu pela aplicabilidade da lei da amnistia a pessoas coletivas (clubes) no âmbito dos processos, 36/2023. 47/2023. 67/2023. E 71/2023. 74/2023. 87/2023 e 9/2024. Cujos fundamentos, Por mera economia processual, damos aqui por integralmente reproduzidos.
Xxix. O próprio conselho de justiça da federação portuguesa de futebol, reforce-se, da aqui recorrida, veio recentemente a pronunciar-se no sentido da aplicabilidade da lei 38-a/2023, de 2 de agosto a pessoas coletivas, como o seja recurso n.º01/CJ-2023/2024, também já transitado, que por economia processual aqui damos por reproduzido.
Xxx. Várias outras decisões dos tribunais administrativos nacionais, a respeito da aplicabilidade da lei da amnistia a pessoas coletivas foram proferidas ao longo dos anos (leia-se, desde pelo menos 1977) , cuja fundamentação, por economia processual, damos aqui por reproduzida, como o sejam: o acórdão do supremo tribunal administrativo de 13/01/1988, referente ao processo 004767, em que foi recorrente a fazenda pública e recorrida a sociedade comercial fabrica de cerâmica argus, Lda., e foi decidido, por unanimidade, pela aplicação da amnistia a pessoas coletivas, o acórdão do supremo tribunal administrativo de 23/02/1994, referente ao processo 015417, em que foi recorrente a fazenda pública e recorrida a sociedade comercial motas, Lda., e foi decidido, por unanimidade, pela aplicação da amnistia a pessoas coletivas, o acórdão do supremo tribunal administrativo de 23/03/1988, referente ao processo 003401, em que foi recorrente F............ e recorrida a sociedade comercial MM.............., Lda., e foi decidido, por unanimidade, pela aplicação da amnistia a pessoas coletivas, o acórdão do supremo tribunal administrativo de 10/02/1993, referente ao processo 014559, em que foi recorrente a sociedade comercial metalomecânica vietto, Lda. E recorrida a fazenda pública, e foi decidido, por unanimidade, pela aplicação da amnistia a pessoas coletivas, o acórdão do supremo tribunal administrativo de 16/03/1977, referente ao processo .........., em que foi recorrente a fazenda nacional e recorrida a sociedade comercial M......., Lda., e foi decidido, por unanimidade, pela aplicação da amnistia a pessoas coletivas e o acórdão do supremo tribunal administrativo de 13/01/1988, referente ao processo 004764, em que foi recorrente a fazenda nacional e recorrida a sociedade comercial J......, Lda., e foi decidido, por unanimidade, pela aplicação da amnistia a pessoas coletivas;
Xxxi. O regime instituído pela lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que entrou em vigor no dia 1 de setembro estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da jornada mundial da juventude.
Xxxii. "a amnistia é o ato de graça pelo qual a assembleia da república declara, por uma lei formal, geral e abstrata, extinta a responsabilidade criminal - ou disciplinar - derivada de factos cometidos dentro de um período de tempo, por uma categoria geral de pessoas." (cf. Albuquerque, Paulo Pinto de, comentário do código penal - à luz da constituição da república e da convenção europeia dos direitos humanos, universidade católica portuguesa, pag. 495 (comentário ao artigo 128.º do CP)
Xxxiii. É controvertida a questão em torno da natureza jurídica do direito de graça, discutindo-se se tem natureza exclusivamente substantiva, se tem natureza exclusivamente processual, ou natureza mista (cf. Dias, Jorge de Figueiredo, direito penal português, as consequências jurídicas do crime, Coimbra editora, reimpressão, 2005, págs. 691e ss.)
Xxxiv. Entende este autor que se deve considerar que "as teorias mistas se encontram substancialmente na razão: porque a graça, se possui (...) Um indiscutível significado jurídico-substantivo ao nível da doutrina da consequência jurídica, possui igualmente um específico cunho processual, que a faz surgir, no âmbito do direito processual penal, como um verdadeiro pressuposto processual: ou como obstáculo ao procedimento criminal, ou como obstáculo à execução da sanção" (cf. Idem, ibidem, págs. 692 e 693.)
Xxxv. Prevê o artigo 2.º, n.º 2, alínea b), da lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que se consideram abrangidas pelo previsto no referido diploma as "sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º".
Xxxvi. Dispõe o artigo 6.º que "são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.”
Xxxvii. Os ilícitos em causa terão todos sido consumados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023.
Xxxviii. Ao não ter declarado amnistiadas todas as infrações disciplinares em causa nos autos, o órgão a quo violou de forma grosseira a citada lei,
Xxxix. Pelo que a decisão de que se recorre está ferida de nulidade, a qual também se invoca para todos os efeitos legais.
Xl. Devem, pois, ser declaradas amnistiadas todas as infrações disciplinares em questão e ser revogada a deliberação recorrida, o que respeitosamente se requer:
Pedido - Nestes termos e nos melhores de direito em tudo com v/ o douto suprimento, respeitosamente se requer:
A) seja improcedente, in totum, o recurso apresentado pela recorrente; caso assim não se consinta, se remetam os autos para o tribunal arbitral do desporto para conhecimento do mérito das demais questões levantadas no primitivo recurso. Ou, caso assim não se entenda.
B) seja substituída por decisão que julgue aplicável a lei n.º 38-A/2023 de 2 de setembro a pessoas coletivas, ordenando a extinção do presente processo disciplinar;
C) condenar a recorrida em custas e procuradoria condigna;”


II - OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
Para além da questão da Caducidade, importa apreciar da aplicabilidade da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), mais concretamente do seu artigo 6º.


III - FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Foi dada como provada a seguinte Factualidade:
“A) Pelas 11h41m do dia 29.01.2014, o Sindicato........ remeteu, via e-mail, ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, uma participação sobre uma suposta falta de pagamento de salários a um associado do referido Sindicato, por parte da L........ Futebol Clube - Futebol SAD, por reporte à época desportiva de 2022/2023 (cf. as fls. 3 e 4 do processo administrativo e, ainda, as fls. subsequentes do processo administrativo, relativas à documentação junta à participação).
B) Na participação referida em A), consta o seguinte:
“Com efeito, é manifesto que o clube participado prestou falsas declarações no processo de inscrição do jogador para a época 2022/2023, registando o mesmo como amador quando sabia ter celebrado um contrato de trabalho desportivo, situação que o n/ associado apenas tomou conhecimento já após a intervenção do Sindicato........, prestando ainda o clube falsas declarações no âmbito do controlo salarial realizado durante a época 2022/2023, desde logo, o realizado a 15 de dezembro de 2022, ao declarar que, relativamente ao jogador, se encontrava numa situação de não dívida." (cf. a fls. 3 do processo administrativo e, ainda, as fls. subsequentes do processo administrativo, relativas à documentação junta à participação).
C) A 01.03.2024, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol deliberou instaurar procedimento disciplinar contra a L........ Futebol Clube - Futebol SAD, tendo por base a factualidade reportada pela participação referida em A) e cujo excerto consta em B) (cf. as fls. 1 e 2 do processo administrativo).
D) O ato administrativo referido em C) foi notificado à L........ Futebol Clube - Futebol SAD e ao Sindicato........ a 06.03.2024 (cf. as fls. 54, 58, 59, e 60 do processo administrativo).”


IV - DE DIREITO
No que aqui releva, vinha peticionado pela SAD:
“A) seja verificada a caducidade do poder disciplinar do CD FPF por força do n.° 1 do artigo 48-° do RD FPF.
B) seja revogado o acórdão proferido no âmbito do processo disciplinar n.° ...... - 2023/2024 ;
C) seja substituída por decisão que julgue aplicável a lei n.° 38-A/2023 de 2 de setembro a pessoas coletivas, ordenando a extinção do presente processo disciplinar;”


Sumariou-se no Acórdão Recorrido do TAD:
“1. Nos termos do artigo 49.°, n.° 1, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol: “Quando não esteja estabelecido de forma diversa no presente Regulamento, o prazo para instauração de procedimento disciplinar é de 30 dias, contados do conhecimento da notícia dos factos constitutivos da infração pelo órgão titular do poder disciplinar."
2. Tendo sido remetida participação, via eletrónica, ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, contendo factualidade com relevo para a instauração de procedimento disciplinar, a data que deve ser tida em conta para efeito de contagem do prazo de 30 dias é, precisamente, a da apresentação da participação (e não a da realização da reunião do Conselho de Disciplina, ou seja, do órgão com poder disciplinar, nos termos do artigo 5.°, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol).
3. O prazo de 30 dias deve ser contado em dias corridos (cf. o artigo 14.°, n.° 1, do referido Regulamento Disciplinar), mas o próprio dia da receção da participação não deve ser contabilizado [cf. o artigo 279.°, alínea b), do Código Civil, aplicável ex vi artigo 14.°, n.° 1, in fine, do mesmo Regulamento Disciplinar].


Correspondentemente, decidiu o TAD:
“(…) julga-se procedente a presente ação arbitral, com a inerente extinção da responsabilidade disciplinar e, de modo conexo, declara-se nulo o ato impugnado.”


O Ministério Público, notificado em 18 de setembro de 2024, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual, e no que aqui releva, afirmou:
“(…) Da análise aos presentes Autos, nomeadamente da decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pela Recorrente e bem assim à subsequente resposta da Recorrida, entende o Ministério Público que a decisão de que se recorre procedeu a uma correta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara e suficiente fundamentação, pelo que, salvo melhor opinião, não merece qualquer censura.
Termos em que o Ministério Público pugna pela improcedência do presente recurso.”


Vejamos:
Em 29/01/2024 foi remetida à FPF a participação disciplinar que espoletou os presentes autos, sendo que apenas em 01/03/2024 esta deliberou pela instauração do controvertido procedimento disciplinar, o que evidência que se mostrava ultrapassado o prazo de 30 dias estabelecido para o efeito no Artº 49º do Regulamento Disciplina da FPF, o que determinou a verificação da declarada caducidade, determinando a nulidade processo n.º ........-2023/2024, como declarado pelo Tribunal Arbitral do Desporto, conforme discurso fundamentador constante do Recorrido Acórdão.


Efetivamente a FPF só se pode queixar de si própria, atenta a inércia que evidenciou.


Irrelevam pois os argumentos aduzidos pela FPF de acordo com os quais a situação era do conhecimento "só pelo funcionário", ou "só pelo relator", pois que não é suposto que se possa aguardar, como se nada tenha sido dado a conhecer à Federação, pela pronuncia por parte dos órgãos próprios e competentes relativamente a participação que lhe foi dirigida, o que em tese, permitira eternizar o prazo dentro do qual se poderia determinar a instauração de Procedimento Disciplinar.


O que é incontornável é que a participação disciplinar entrou nos serviços da recorrente no dia 29 de janeiro de 2024 e que só passados dois meses, em março de 2024, é que veio a ser instaurado o procedimento disciplinar.


Resulta de informação trazida aos autos, que o órgão de disciplina da FPF reuniu, nomeadamente, em 09/02/2024 e 23/02/2024, pelo que, querendo, sempre poderia ter determinado a instauração do procedimento disciplinar, em tempo, antes da data em que o fez, em 01/03/2024.


Não o tendo feito tempestivamente, não poderá a SAD ser penalizada por essa circunstância, para a qual não contribuiu.


Aqui chegados, e sem necessidade de acrescida argumentação, sempre improcederia o Recurso.


Diga-se, em qualquer caso, que, mesmo que assim não fosse, sempre se entenderia como estando amnistiada a controvertida infração.


Com efeito, no dia 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), cujo artigo 6º tem o seguinte teor:
“São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar mais concretamente do seu artigo 6º”.


No caso dos autos, no processo disciplinar em que a SAD foi arguida, resulta que as infrações disciplinares pelas quais a mesma foi disciplinarmente condenada terão ocorrido na época 2022/2023, até ao mês de janeiro de 2023.


A referida Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, estatuindo no seu artigo 2º, n.º 2, al. b) que estão abrangidas as sanções relativas a infrações disciplinares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023.


Em concreto, foi aplicada à SAD a pena de impedimento de registo de agentes desportivos até à regularização da situação que deu causa à aplicação da sanção e multa de 40 UC, correspondente a 4.080€, pelo que a infração disciplinar em causa se encontra amnistiada, por força do disposto no citado artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8.


Com efeito, a amnistia da infração disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação, refere-se à própria infração e faz extinguir o procedimento disciplinar. Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.


No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do clube visado.


Constituindo o objeto do presente recurso o acórdão arbitral que julgou procedente o Recurso, ainda assim, com o “desaparecimento” da infração disciplinar, “ex vi” artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, cai também o ato punitivo que sancionou a recorrente, tornando impossível o prosseguimento da presente lide, por aquele ato punitivo ter deixado de ter existência jurídica.


Sendo assim, tornar-se-ia desnecessário apreciar os demais vícios que a recorrente FPF imputa ao acórdão arbitral do TAD e que constituíam o objeto inicial do presente recurso.


V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença objeto de Recurso.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 16 de outubro de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Julieta França

Teresa Caiado (Declaração de voto)


Declaração de voto:
Voto favoravelmente o Acórdão por concordar com a decisão e com a generalidade dos fundamentos, exceção feita à tese de que a Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), se aplica também às infrações disciplinares praticadas por pessoas coletivas, isto por, considerar que, atento v.g. o teor da Exposição de Motivos da Lei n° 38-A/2023, de 2 de agosto, tais medidas excecionais de perdão e amnistia foram pensadas no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude – JMJ que decorreram em Portugal no ano passado, ou seja, defendo, que as medidas de clemência mostram-se circunscritas e moldadas, apenas e tão só, pela concreta realidade humana (e jovem) a que se destinavam e não a outra.
Teresa Caiado
2024-10-16