Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:260/06.3BEALM-A
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:RUI ANTÓNIO DOS SANTOS FERREIRA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS DE MORA
Sumário:I– Os juros de mora, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos a partir do termo do prazo da sua execução espontânea e têm uma função indemnizatória, visando reparar prejuízos presumivelmente sofridos pelo sujeito passivo, derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente;
II- Resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, sendo devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.
III- O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que o tributo liquidado não era devido porque esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
IV- A anulação de um ato de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a AT não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede do exercício do direito de audição, ou por falta de fundamentação formal, não implica que o imposto liquidado não seja materialmente devido e que a sua cobrança tenha causado algum prejuízo sujeito a reparação, pelo que não existe o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
V- Isto, sem prejuízo de o contribuinte poder pedir a indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição (art.º 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), mas em processo próprio.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul


l – RELATÓRIO


A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Recorrente”), veio interpor recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, proferida em 9/1/2023, na parte que julgou procedente a ação de execução de julgados, apresentada por T………… (doravante “Recorrido”), na sequência da acórdão do TCA Sul, transitado em julgado em 11/11/2020, que julgou procedente a impugnação apresentada por este contra as liquidações sobre as sucessões e doações, e condenou a AT ao pagamento de juros moratórios agravados para o dobro.
Para isso, a Recorrente invoca erro de julgamento quanto à condenação de juros de mora com agravamento em dobro, dado que não se verifica o pressuposto de também serem devidos juros indemnizatórios, e conclui pedindo que o presente recurso seja “julgado procedente e , consequentemente, der declarada parcialmente nula a sentença recorrida”.


O Exequente apresentou contra-alegações defendendo o direito a juros de mora em dobro, conforme decidido no tribunal “a quo” e, “sem prescindir”, apresenta recurso subordinado , alegando erro de julgamento na parte em que a sentença recorrida considerou que não estão verificados os requisitos legais que justificam o pagamento de juros indemnizatórios, e concluiu pedindo a improcedência do recurso da executada e a procedência do recurso subordinado.


Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

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Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso principal, da Executada, e negado provimento ao recurso subordinado, do exequente.
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Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
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São as seguintes as questões a decidir:
a) Verifica-se erro de julgamento quanto à condenação da AT ao pagamento de juros de mora com agravamento em dobro?
b) Verifica-se erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios?
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2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.A.- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1) Em 17-06-2005 os serviços da AT emitiram em nome do Exequente o ofício n.º ………….. para efeitos de notificação da liquidação de imposto sucessório no montante de € 107.789,12 (cf. Acórdão a págs. 1 a 26 de fls. 16 a 44 do SITAF);


2) Em 17-10-2005 foi instaurado em nome do Exequente o processo de execução fiscal (PEF) n.º ……………... para cobrança da dívida de imposto sucessório no valor de € 107.789,12, descrita em 1) (cf. tramitação a págs. 27 de fls. 16 a 44 do SITAF);


3) Em 12-01-2006 foi paga pelo Exequente a quantia de € 418,16 no PEF descrito em 2) (cf. detalhe a págs. 7 de fls. 129 a 154 do SITAF);


4) Em 05-09-2007 foi feita uma compensação no valor de € 269,60 no PEF descrito em 2) (cf. detalhe a págs. 8 de fls. 129 a 154 do SITAF);


5) Em 20-12-2016 foi paga pelo Exequente a quantia de € 110.652,71, correspondendo € 107.789,12 ao PEF descrito em 2) (cf. detalhe a págs. 6 de fls. 129 a 154 do SITAF);


6) Em 11-11-2020 transitou em julgado o Acórdão proferido no processo n.º 260/06.3BEALM, a correr termos neste Tribunal, que anulou a liquidação de imposto sucessório no valor de € 107.789,12, descrita em 1) (cf. certidão a págs. 1 a 26 de fls. 16 a 44 do SITAF);


7) Em 20-04-2021 foi devolvida ao Exequente a quantia de € 107.705,08 (cf. reembolso a págs. 4 de fls. 92 a 101 do SITAF);


8) Na mesma data foi feita a compensação da quantia de € 84,06 em outros PEF do Exequente (cf. compensação a págs. 9 de fls. 92 a 101 do SITAF);


9) Também na mesma data foi emitido em nome do Exequente o cheque n.º …………… no valor de € 95,93 (cf. reembolso a págs. 12 de fls. 129 a 154 do SITAF);


10) Ainda mesma data foi emitido em nome do Exequente o cheque n.º ………….. no valor de € 269,60 (cf. reembolso a págs. 13 de fls. 129 a 154 do SITAF);


11) Em 07-05-2021 a Diretora de Finanças de Setúbal proferiu despacho a indeferir o pedido de pagamento de juros indemnizatórios com fundamento em falta de erro imputável aos serviços por considerar que a liquidação foi anulada por falta de fundamentação (cf. despacho a fls. 64 a 67 do SITAF);


12) Em 20-06-2022 foi cedido o crédito em nome Exequente no valor de € 319,23 (cf. reembolso a págs. 14 de fls. 129 a 154 do SITAF);


13) Em 24-06-2022 foi cedido o crédito em nome Exequente no valor de € 3,00 (cf. reembolso a págs. 21 de fls. 129 a 154 do SITAF).»


2.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:
Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados

2.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.».

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3. De Direito
Antes do mais, importa que autonomizemos as questões a decidir neste recurso jurisdicional, sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No final das suas alegações de recurso, a Autoridade Tributária e Aduaneira formula as seguintes conclusões:
«O Exequente, como se demonstrou, já recebeu, para todos os devidos e legais efeitos, o montante que lhe era devido, uma vez que toda a matéria de facto relativa a juros indemnizatórios e de mora decorre, por natureza, do valor inicial determinado em sede de imposto liquidado, o que a douta sentença, agora em parte recorrida, confirmou, indeferindo o petitório nessa parte.


Porém, o montante a reembolsar em sede de juros moratórios, decorrente da douta sentença em crise cifra-se, pelo explicado e alegado, no montante de € 1598,23, o qual, como se viu, já se encontra em processamento a fim de tal valor ser pago ao Exequente, e não pelo valor em dobro como ali se decidiu, ao arrepio de jurisprudência amplamente firmada e aqui citada e exemplificada.».
Por sua vez, no final das alegações do recurso subordinado, o impugnante/exequente formula as seguintes conclusões:
«1.ª O instituto dos juros indemnizatórios previsto no artigo 100.º, n.º 1 e 43.º, n.º 1 da LGT e o instituto dos juros moratórios, calculados a uma taxa de juros equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas do Estado, previsto no n.º 5 do já supra referido artigo 43.º são institutos autónomos, sem qualquer relação de interdependência, e são distintas as finalidades que lhes são inerentes;
2.ª Os primeiros destinam-se a compensar o sujeito passivo pelos prejuízos sofridos com o cumprimento indevido de uma obrigação tributária inexistente ou erradamente quantificada;
3.ª O direito a juros indemnizatórios decorre de um princípio geral de direito consagrado no artigo 562.º do Código Civil – o princípio da reposição ou da reconstituição natural – que se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo se não tivesse reproduzido, o que apena se alcança plenamente, em caso de pagamento indevido da prestação tributária por parte do contribuinte, com o pagamento de juros indemnizatórios referente ao período em que esteve desapossado dessa quantia;
4.ª Ao invés, não têm os segundos qualquer função reparadora ou ressarcitória e, antes sim, uma função exclusivamente sancionatória, e visam compelir a administração tributária ao cumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado e desencorajar a inércia da administração tributária ao cumprimento das mesmas, estipulando, para o período que medeia entre o termo do prazo da execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e a sua plena e integral execução, uma taxa de juros altamente penalizadora;
5.ª A figura dos juros moratórios prevista no artigo 43.º, n.º 5 da LGT não tem qualquer afinidade com a figura dos juros indemnizatórios, encontrando os seus lugares paralelos no ordenamento jurídico português na figura da sanção pecuniária compulsória e na responsabilidade civil e disciplinar da administração e dos seus órgãos;
6.ª E foi, no seu essencial, esta a fundamentação que ficou vertida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STA n.º 4/2017, de 18 de setembro, quer fixou jurisprudência no sentido de que é admissível a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios, calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, assim pondo termo a uma posição jurisprudencial dos Tribunais Superiores no sentido da inadmissibilidade desta cumulação;
7.ª Porém, na sentença recorrida não é a questão da admissibilidade ou não de cumular juros indemnizatórios e juros moratórios que é suscitada pela AT que, curiosamente, vem agora defender uma posição diametralmente oposta – a de que apenas há lugar ao pagamento de juros moratórios nos termos do n.º 5 do artigo 43.º se estiverem reunidos os requisitos do reconhecimento do direito do contribuinte a juros indemnizatórios;
8.ª Ou seja, aquilo que antes não poderia ser cumulável, afinal agora tem que ser cumulável!
9.ª Todavia, a fundamentação vertida no sobredito acórdão uniformizador de jurisprudência no sentido da admissibilidade de cumular o pagamento de juros indemnizatórios e juros moratórios nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, relativamente ao mesmo período de tempo, e que marca a mudança de direção na posição que era veiculada pela AT e acolhida na jurisprudência dos tribunais superiores serve tout court para dar resposta à questão controvertida que a AT suscita nas suas alegações recursivas;
10.ª Porque têm finalidades diferentes e pressupostos fácticos e de direito distintos, os juros indemnizatórios e moratórios podem ou não cumular-se, não sendo legalmente inadmissível que se cumulem ou legalmente exigível que se cumulem, devendo ser reconhecido o direito a uns e a outros, isoladamente ou cumulativamente, se verificados os pressupostos de que depende a sua aplicação;
11.ª Em relação aos juros indemnizatórios, tais pressupostos são os estabelecidos nas diversas alíneas do artigo 43.º, n.º 1 da LGT;
12.ª Em relação aos juros moratórios, bastará que a AT não cumpra uma decisão judicial transitada em julgado até ao termo do prazo da sua execução espontânea, para que deva ser reconhecido ao contribuinte o direito a receber juros moratórios calculados nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT.
13.ª O que, in casu, sucedeu;
14.ª Pelo que, neste trecho, sempre se deverá manter a douta sentença recorrida.
SEM PRESCINDIR
15.ª A posição sufragada no douto acórdão recorrido no sentido de que no caso em apreço e porque o que está em causa é a preterição de uma formalidade essencial do procedimento de liquidação e não um erro que incida sobre a relação material tributária é fruto de uma conceção restrita de relação tributária, que vai bem além do apuramento do quantum a pagar;
16.ª A par do erro que incide sobre pressupostos de facto ou de direito do ato de liquidação, há todo um procedimento conducente à liquidação do tributo, normas procedimentais que devem ser estritamente observadas, sob pena de violação de garantias dos contribuintes, como sejam o direito ao contraditório e o direito à fundamentação das decisões, com raiz constitucional;
17.ª Pelo que, também a preterição de formalidades legais essenciais, mormente aquelas que visam garantir direitos dos contribuintes como o que no caso dos autos foi violado – o direito do contribuinte, ora Apelante exercer o contraditório, contestando o valor das quotas sociais fixado pela AT através de uma segunda avaliação –têm de ser relevados para efeitos de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios e assim abrangidos pelo conceito de erro contido no artigo 43.º, n.º 1 da LGT;
18.ª Destarte, assim o suporta o elemento literal da interpretação da lei que, em nenhum dos preceitos do CPPT e da LGT relativos a juros indemnizatórios, faz qualquer distinção entre o conceito de “erro” e “vício”;
19.ª Pelo que, salvo melhor opinião a expressão ilegalidade usada pelo legislador no n.º 1 do artigo 100.º da LGT como fundamento da reconstituição deve ser interpretada no sentido de abranger qualquer ilegalidade fundante da anulação, total ou parcial, inclusive a violação/preterição de normas procedimentais, porque, pese embora não esteja em causa um juízo sobre o caráter indevido da prestação tributária, viciam o ato de liquidação;
20.ª E, independentemente da natureza do erro-vício, seja de forma ou de substância, incidente ou não sobre os pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação, o que é certo, é quem em qualquer dos casos, sempre se produz a lesão na esfera do contribuinte que o pagamento de juros indemnizatórios visa compensar – a privação do contribuinte de uma determinada quantia monetária por um determinado período de tempo, quantia essa que, durante esse determinado período de tempo esteve indevida e ilegitimamente na esfera patrimonial da administração tributária;
21.ª E esse vício, de forma ou de substância só poderá ser imputável à AT [aos serviços], porque são eles que praticam o ato e que conduzem o procedimento de liquidação;
22.ª E não poderemos deixar de sublinhar que o instituto dos juros indemnizatórios tem raiz constitucional emergente do princípio geral da responsabilidade civil do Estado por atos ilícitos, consagrada no artigo 22.º do texto constitucional, motivo pelo qual, uma interpretação da lei que restrinja inadmissivelmente o direito constitucional a juros indemnizatórios é violadora da norma constitucional;
23.ª O que, salvo melhor opinião, entendemos verificar-se neste aresto, ao recusar o direito a juros indemnizatórios quando o erro-vício que origina a liquidação é um vício de forma.
24.ª Termos em que, no caso em apreço e salvo melhor opinião, consideramos dever ser reconhecido ao Exequente o direito a juros indemnizatórios, porquanto verificados os pressupostos previstos no artigo 43.º, n.º 1 do LGT de que depende o seu reconhecimento,
25.ª Nestes termos, sempre deverá revogar-se a douta sentença recorrida, na parte em que absolveu a AT do pagamento de juros indemnizatórios, substituindo-se a mesma por douta decisão que condene a AT ao pagamento da quantia de € 18.675,57 (dezoito mil seiscentos e setenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de juros indemnizatórios, computados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data de emissão do cheque, mantendo-se em tudo o demais decidido.
A sentença sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
 artigo 100.n.º 1 da LGT;
 artigo 43.º, n.º 1 da LGT;
 artigo 61.º do CPPT;
 artigo 562.º do Código Civil
 artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa;»


Ora, lidas as conclusões da alegação do recurso independente, interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, temos por seguro que este Tribunal foi chamado a decidir o seguinte:
- saber se o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao condenar a AT ao pagamento de juros de mora, com agravamento para o dobro previsto no artigo 43º, nº 5, da LGT.
E lidas as conclusões do recurso subordinado, interposto pelo impugnante/Exequente, conclui-se que se pretende que o tribunal decida a seguinte questão:
- saber se o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao considerar não verificados os pressupostos legais do direito do contribuinte a receber juros indemnizatórios.


Vejamos, então.
Do direito dos contribuintes a receber juros indemnizatório e da obrigação de a AT pagar juros de mora, com agravamento para o dobro, em caso de demora na execução de julgados.
Sobre a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros de mora em dobro, a sentença recorrida refere, além do mais, o seguinte:
Nestes termos, conforme requerido, são devidos juros moratórios sobre as quantias de € 107.705,08, € 84,06, € 95,93 e 269,60 desde 31-12-2020 até 20-04-2021, sobre a quantia de € 319,23 desde 31-12-2020 até 20-06-2022 e sobre a quantia de € 3,00 desde 31-12-2020 até 24-06-2022, ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado, sendo esta de 4,705% para o ano de 2021, conforme o Aviso n.º …./2021, de 7 de janeiro, e de 4,510% para o ano de 2022, nos termos do Aviso ……./2022, de 22 de dezembro de 2021.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não há lugar ao referido agravamento da taxa dos juros de mora para o dobro porque o Tribunal decidiu, na mesma sentença, que não são devidos juros indemnizatórios, dado que a liquidação impugnada foi anulada por preterição de uma formalidade legal, e, não, por erro sobre os pressupostos.
Como se sabe, Portugal é um Estado-de Direito (artigo 2º da CRP), um Estado que não se vê como um fim, em si mesmo, mas como um meio de organizar a sociedade de maneira a incluir todos os cidadãos num patamar de dignidade, liberdade, segurança e bem estar tão elevado quanto possível.
Isso implica, além do mais, que se responsabiliza pelos prejuízos que causar ilicitamente aos administrados (artigo 22º da CRP), aplicando a si próprio a norma do artigo 483º do c. Civil, que dispõe que “1- . Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, e a norma do artigo 562º do mesmo código, segundo a qual “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Mais especificamente, quanto à responsabilidade do devedor, dispõe o artigo 798º do Código Civil que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, acrescentando o artigo 804º do mesmo código que “1- A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” e determinando o artigo 806º, nº 1, que “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros (de mora) a contar desde o dia da constituição em mora”.
Sabendo-se que a atividade tributária pode ser particularmente lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o artigo 100º da LGT dispõe que a AT está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de processo administrativo ou judicial a favor dos sujeitos passivos, à imediata e plena reconstituição que existiria se não tivesse cometido a ilegalidade, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios, sendo caso disso.
Nesse sentido, o artigo 102º da LGT dispõe que a AT está obrigada a executar as sentenças e acórdão dos tribunais tributários nos termos do disposto no CPTA, acrescentando que, se a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea.
Até ao final de 2011, o artigo 43º da LGT apenas se referia ao pagamento de juros indemnizatórios. Sem prejuízo, resultava do artigo 102º da LGT que também poderiam ser devidos juros de mora, entendendo-se a taxa era igual à taxa dos juros de mora devidos ao Estado.
Nessa altura, a AT defendia recorrentemente que não podia haver cumulação de juros indemnizatórios com juros de mora. Daí que tenha sido produzida numerosa jurisprudência afirmando que é possível ocorrer cumulação da obrigação de a AT pagar juros indemnizatórios com a obrigação de pagar juros de mora, nos termos da lei, ou se, desde que verificados os respetivos pressupostos.
Isso nunca teve o significado de que só haveria obrigação de pagar juros de mora nos casos em que também houvesse obrigação de pagar juros indemnizatórios.
A referida jurisprudência apenas quis deixar claro que a AT pode ter obrigação de pagar apenas juros indemnizatórios (artigos 100º e 43º da LGT), apenas juros de mora (artigo 102º da LGT), ou ambos, conforme as situações concretas.
No entanto, com a alteração produzida pelo artigo 149º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aditou o nº 5 do artigo 43º da LGT, passou a prever-se que a taxa dos juros de mora devidos (pelo Estado- artigo 43º-, ou pelos contribuintes – artigo 44º, nº 3, da LGT) em consequência de atraso na execução espontânea de decisão judicial é igual ao dobro da taxa definida na lei geral para as dividas ao Estado e outras entidades públicas (Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março e Aviso do IGCP publicado anualmente no Diário da República).
Assim, os juros de mora em dobro consistem da aplicação de uma taxa de juros de mora agravada, correspondente ao dobro da taxa de juros por dívidas ao Estado e outras entidades públicas (prevista nos n°s 1 e 2 do art.º 3° do Decreto-Lei n° 73/99, de 16 de março, com a redação da Lei n° 3-B/2010, de 28 de abril, e do Decreto-Lei n° 32/2012, de 13 de fevereiro) sempre que houver uma decisão transitada em julgado, ou seja, definitiva (porque insuscetível de recurso), e da qual resulte a obrigação de devolução (pela Administração) de certo montante de imposto, e que não seja cumprida no prazo de execução espontânea da sentença.
Essa alteração legal é aplicável imediatamente às decisões transitadas em julgado cuja execução esteja pendente, mas a contagem dos novos juros previstos no nº 5 do artigo 43º da LGT apenas se aplica ao período de mora iniciado em 1/1/2012 (entrada em vigor dessa lei), nos termos do disposto nos nº 3 e 4 do artigo 161º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro.
Esses juros de mora são contados ao dobro da taxa normal como especial forma de sanção contra a violação de acatar as decisões judiciais (conforme exigido pela Troika: EU/BCE/FMI, ponto 3.35 do “memorando de entendimento” de 17/5/2011, disponível em https://www.bportugal.pt/sites /default/files/anexos mou_pt.pdf, segundo o qual: “3.35. O Governo abordará os estrangulamentos no sistema de impugnações fiscais através de: i. aplicação de juros sobre o total dos montantes em dívida durante a totalidade do período do procedimento judicial, utilizando uma taxa de juro superior à corrente no mercado. Impor um juro legal especial quando se verificar o não cumprimento de uma decisão do tribunal fiscal; [T32011] ”).
José M.F. Pires (coordenador) e outros, em Lei Geral Tributária comentada e anotada, pág. 376, refere que o n.º 5 foi aditado ao artigo 43.º pela Lei do Orçamento de Estado de 2012 «(…) em conformidade com o previsto no ponto 3.34-ii do Memorando de Entendimento Sobre Condicionalidades de Política Económica entre Portugal e a Troika UE/BE/FMI. Trata-se de uma disposição legal claramente destinada a dissuadir os atrasos da administração tributária na restituição aos contribuintes, dos valores indevidamente pagos, após o trânsito em julgado das decisões judiciais. Esta norma tem como contrapartida outra de idêntico teor destinada a dissuadir o atraso dos contribuintes no pagamento das dívidas fiscais em contencioso após o trânsito em julgado das decisões judiciais que confirmem os respectivos actos tributários, que foi introduzida pelo legislador no mesmo contexto, no n° 3 do artigo 44°. da LGT (…) Os juros de mora em dobro consistem da aplicação de uma taxa de juros de mora agravada, correspondente ao dobro da taxa de juros por dívidas ao Estado e outras entidades públicas (…) sempre que houver uma decisão transitada em julgado, ou seja, definitiva (porque insusceptível de recurso), e da qual resulte a obrigação de devolução (pela Administração) de certo montante de imposto, e que não seja cumprida no prazo de execução espontânea da sentença.»
 Esta medida tinha como objetivo diminuir a litigância, o excesso de pendências de processos nos tribunais tributários, o tempo médio de resolução dos processos e ainda o incumprimento das decisões judiciais com expedientes dilatórios utilizados nos processos executivos.
Na verdade, a razão fundamental que está na origem da instituição do mecanismo dos juros de mora em dobro é a dissuasão do incumprimento do dever de pagamento pelos contribuintes, nos casos em que a litigância é utilizada até ao extremo para protelar o pagamento do imposto, incluindo no processo executivo (como resulta do n° 3 do artigo 44° da LGT). A instituição do mecanismo dos juros de mora a favor do contribuinte é uma opção de política legislativa reflexa daquela que se encontra prevista no n° 3 do artigo 44º da LGT, destinando-se a garantir um princípio de igualdade e de reciprocidade nas relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.» (Destacados e sublinhados nossos, sendo de referir que a referência ao ponto 3.34.ii constitui certamente um lapso de escrita, uma vez que, como se deixou dito supra, a medida está prevista no ponto 3.35.ii).
Tratou-se assim, de uma norma introduzida como medida de pressão de modo a promover o cumprimento pontual das obrigações decorrentes especificamente de decisões judiciais, transitadas em julgado, com natureza de sanção.
Distinguindo entre juros indemnizatórios e de mora, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo datado de 07/06/2017, processo n.º 0279/17, proferido em Recurso de Uniformização de Jurisprudência (Ac. nº 4/2017), refere o seguinte:
«(…) os juros de mora, quando devidos, cfr. artigo 102º, n.º 2 (em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea) da LGT, têm como função, também uma função indemnizatória, tal como este Supremo Tribunal explicou de modo suficientemente esclarecedor nos acórdãos indicados pela recorrente: os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária. Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade.
O disposto no artigo 43º, n.º 5, bem como o disposto no artigo 44º, n.º 3 (a taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, excepto no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data do pagamento da dívida relativamente ao imposto que deveria ter sido pago por decisão judicial transitada em julgado, em que será aplicada uma taxa equivalente ao dobro daquela), ambos introduzidos pela referida LOE para 2012, tiveram unicamente como objectivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações. Na verdade, não se encontra na previsão de tais preceitos qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório.
Como já vimos, o contribuinte é ressarcido –relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido- por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida –relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido- por via dos juros compensatórios, cfr. artigo 35º, n.º 1 (são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária) e por via dos juros moratórios, cfr. artigo 44º, n.º 1 (são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal), ambos da LGT, sendo que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto, cfr. art. 35º, n.º 8 e, portanto, sobre os mesmos incidirão os respectivos juros moratórios quando devidos.
Ou seja, o legislador ao elevar para o dobro a taxa dos juros de mora devidos pelo contribuinte, nos termos do artigo 44º, n.º 3 e ao instituir a obrigação do pagamento de juros de mora, a favor do contribuinte, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, cfr. artigo 43º, n.º 5, sendo que incluiu tal obrigação de pagamento de juros de mora no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios também a favor do contribuinte, não pretendeu, claramente, estabelecer um regime legal em que os juros indemnizatórios e moratórios fossem alternativos ou que mutuamente se excluíssem.
Antes pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave, e tal como refere a recorrente, a par das restantes sanções já legalmente previstas, a sanção pecuniária compulsória, cfr. artigo 169º e a responsabilidade civil e disciplinar da administração e dos seus órgãos, cfr. artigo 159º, ambos do CPTA. Enquanto que os normais juros indemnizatórios, compensatórios e de mora são estabelecidos, essencialmente, na perspectiva do credor, de modo a que se diminuam as suas perdas pela privação da quantia que lhe é devida, estes juros de mora agravados são estabelecidos na perspectiva do devedor, de modo a que o mesmo se sinta efectivamente compelido a efectuar o pagamento em falta.
E, na verdade, compreende-se que assim seja, uma vez que tal sanção foi estabelecida numa época de grandes dificuldades económicas (que parcialmente se mantêm) em que era essencial que todos contribuíssem atempadamente para a economia comum, uns por via do rápido pagamento de impostos, outra, a administração tributária, pela rápida devolução aos contribuintes das quantias indevidamente pagas a título de impostos (…)» - (sublinhado nosso).
Esse douto aresto afastou todas as interpretações (da AT) segundo as quais, se eram devidos juros indemnizatórios já não poderiam ser pagos juros moratórios, e vice-versa, ou, ao contrário, se não eram devidos juros indemnizatórios também já não poderiam ser pagos juros de mora, e vice-versa; os juros indemnizatórios e os juros de mora têm natureza idêntica, mas fundamentos e finalidades muito diversas, pelo que se justifica que a liquidação de uns seja independente da liquidação dos outros.
Retira-se do artigo 43º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine (em decisão judicial), que houve erro imputável aos serviços e que desse erro resultou o pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido (nº 1). Essa indemnização justifica-se pelo facto de a AT ter errado e esse erro ter causado pagamento superior ao devido. Por isso, os juros indemnizatórios contam-se desde o pagamento indevido (artigo 61º, nº 5, do CPPT) e visam indemnizar o contribuinte pelo erro da AT.
Por outro lado, são devidos juros de mora, contados à taxa normal (igual à taxa aplicável às dividas ao Estado), pelo facto de o devedor não ter cumprido o prazo legal para o pagamento voluntário e ter privado o credor do uso desse capital. Por isso, os juros de mora contam-se desde o incumprimento do prazo de restituição do montante pago indevidamente, isto é, desde o termo do prazo de execução espontânea da decisão que reconhece que o pagamento é indevido (artigo 43º, nº 5, da LGT).
Em regra, a taxa dos juros de mora devidos pelo Estado é igual à taxa que lhe é devida pelos contribuintes em mora (caso de inexecução das decisões administrativas). Porém, quando a mora se refere à inexecução atempada de decisões judiciais transitadas em julgado a taxa é agravada para o dobro, por estar em causa a violação do disposto no artigo 205º, nº 2, da CRP, devendo sancionar-se o infrator e compeli-lo ao cumprimento urgente (ou seja, além da finalidade indemnizatória inicial, o agravamento tem especial finalidade sancionatória e compulsória).
Assim, uma vez que as normas citadas nada referem quanto à invocada dispensa da obrigação de pagar juros de mora sempre que não se verifiquem pressupostos para a contagem de juros indemnizatórios, o Tribunal conclui que não existe fundamento legal para a pretensão da Autoridade Tributária, nada obstando a que se paguem juros de mora (em dobro) quando a AT não cumpra o prazo legal de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado, tanto nos casos de anulação da liquidação por erro sobre os pressupostos como em todos os outros casos de erro imputável aos serviços, nomeadamente os erros procedimentais por preterição de formalidades legais.

Sobre a não condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios, a sentença recorrida refere, além do mais, o seguinte:
« para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário, antes de mais, atendendo ao disposto no artigo 43.º da LGT, que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado” (Sousa, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 539).
A ratio subjacente a esta previsão consubstancia-se na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não atuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto no artigo 266.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e também do artigo 55.º da LGT (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0681/09, de 12-11-2009, disponível em www.dgsi.pt).
E conforme jurisprudência pacífica nesta matéria, considera-se que existiu um erro imputável aos serviços, para efeitos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, quando fica demonstrado no processo que o ato posto em crise está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito (cf., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0622/08, de 29-10-2008, n.º 022/10 de 24-02-2010, e n.º 0841/14, de 17-12-2014, disponíveis em www.dgsi.pt).
Considerando o exposto e aplicando ao caso dos autos, como se extrai do facto provado em 11) os serviços da administração tributária (AT) não efetuaram o pagamento de juros indemnizatórios por considerarem que não houve erro imputável aos serviços por a liquidação ter sido anulada com base em falta de fundamentação.
Todavia, nos termos do acórdão de anulação de ato administrativo proferido no âmbito do processo n.º 260/06.3BEALM, a liquidação foi anulada porque «[...] se a AT entende que o disposto no artigo art. 87.° CIMSISSD, indicado na notificação ao contribuinte, não pode ser interpretado no sentido de que não lhe permite que venha contestar o valor das quotas societárias fixadas por avaliação nos termos do art. 77.° CIMSISSD, porque o âmbito daquele preceito legal está limitado às situações em que os bens ainda não foram avaliados, sempre poderia lhe garantir o direito à contestação dos valores fixados na avaliação, considerando-se o disposto no art. 96.° do CIMSISSD que se aplica às avaliações de bens em geral, e nessa medida independente do preceito legal constante da notificação, foi preterida uma formalidade essencial, porque a AT deveria ter apreciado os fundamentos do recorrente [...]».
Ou seja, como expressamente ali se refere, a liquidação foi anulada não por falta de fundamentação, mas por preterição de uma formalidade essencial.
Não obstante, considera a jurisprudência uniformemente que não são devidos juros indemnizatórios se o ato de liquidação foi anulado com fundamento em vício de forma por preterição de formalidade essencial, uma vez que não implica juízo algum sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito (cf., p.e., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0876/09, de 08-06-2011, n.º 0245/13, de 22-05-2013, ou n.º 0503/19.3BELRS, de 08-06-2022, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim sendo, tendo o referido acórdão anulado a liquidação por preterição de uma formalidade essencial, como se disse, não são devidos juros indemnizatórios por falta do preenchimento dos pressupostos do artigo 43.º da LGT, não sendo, também, devidos os requeridos juros de mora por atraso no pagamento daqueles
Como se viu, o recorrente subordinado defende que o dever de reconstituição imediata e completa da situação anterior à ilegalidade cometida pela AT, nos termos do artigo 100º da LGT, abrange qualquer ilegalidade fundante da anulação, total ou parcial, inclusive a violação/preterição de normas procedimentais, porque, pese embora não esteja em causa um juízo sobre o caráter indevido da prestação tributária, essa ilegalidade vicia o ato de liquidação, justificando a sua anulação; pelo que, independentemente da natureza do erro-vício, seja de forma ou de substância, incidente ou não sobre os pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação, o que é certo, é que em qualquer dos casos, sempre se produz a lesão na esfera do contribuinte que o pagamento de juros indemnizatórios visa compensar, dado que esse vício, de forma ou de substância, só poderá ser imputável à AT [aos serviços], porque são eles que praticam o ato e que conduzem o procedimento de liquidação; motivo pelo qual, uma interpretação da lei que restrinja inadmissivelmente o direito constitucional a juros indemnizatórios é violadora da norma constitucional prevista no artigo 22º da CRP.
Efetivamente, esta questão tem sido apreciada inúmeras vezes pela jurisprudência dos tribunais superiores, tendo o Supremo Tribunal Administrativo (veja-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Pleno da SC Tributário do STA de 21/6/2023, processo nº 011/23.8BALSB) reiterado a justificação constante no acórdão de 30 de setembro de 2020 (2009/18.9BALSB), sem dissidência, afirmando que: «(…). Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.
Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.
Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.
Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”.
É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.
(…)
Ou seja, o STA considera que só há lugar a indemnização dos contribuintes, por meio de juros indemnizatórios, quando a AT cometa uma ilegalidade substancial, lesiva de direitos e interesses legalmente protegidos, que determine a anulação definitiva da liquidação reclamada ou impugnada e que tenha sido paga sem que fosse devida; mas não será assim quando a liquidação for anulada por vicio de forma, sem que exista pronúncia sobre a efetiva obrigação tributária, mas apenas por se ter verificado que a liquidação efetuada, ainda que devida, não observou as regras procedimentais.
Por isso, enquanto a anulação por erro substancial determina a restituição da quantia indevidamente paga e, em acréscimo, o pagamento dos juros indemnizatórios desse erro, já a anulação por erro procedimental, que não prova a existência de qualquer prejuízo suscetível de reparação, basta-se com a mera devolução da quantia paga em consequência dessa ilegalidade formal.
Tal entendimento não é inconstitucional por violação do disposto no artigo 22º da CRP porque nada obsta que, em tais casos (de anulação da liquidação por motivos formais imputáveis aos serviços públicos), os contribuintes interessados promovam a ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos termos da lei (artigo 22º da CRP e Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), mas em processo próprio.
O que equivale a dizer que os recursos não merecem proceder.

*
4 - DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento a ambos os recursos e manter a sentença recorrida.
Custas por ambos os recorrentes, porque decaíram nos respetivos recursos.
Registe e Notifique.
Lisboa, em 2 de maio de 2024 - Rui A.S. Ferreira (Relator) – Vital Lopes – Ângela Cerdeira