Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 265/11.2BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/24/2024 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | IMPOSTO SUCESSÓRIO PRESCRIÇÃO |
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Sumário: | I. A instauração de processo judicial de inventário não configura causa de suspensão do prazo de prescrição do imposto sucessório.
II. A suspensão do prazo de prescrição do imposto sucessório, na sequência de pedido de suspensão do procedimento de liquidação efetuado pelos interessados, nos termos dos art.ºs 84.º ou 85.º do CIMSISSD pressupõe: (i) que o pedido haja sido formulado ainda no decurso de tal prazo; (ii) que o mesmo tenha sido objeto de decisão pela AT. |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão
I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 12.11.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada prescrita a obrigação tributária, no âmbito da impugnação apresentada por O ……………………. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sucessório, efetuada no processo de herança aberto por óbito de L ………………. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Nas suas alegações, a FP formulou as seguintes conclusões: “I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou procedente o pedido impugnatório formulado nos presentes autos anulando a liquidação de Imposto Sucessório nº ………. instaurado por óbito de L ……………, no montante de € 589.665,34 II) Estando em causa Imposto sobre Sucessões e Doações que incide sobre o património da herança transmitida a título gratuito a AT adere ao entendimento sufragado de que o facto tributário se dá ou ocorre com a morte do “de cuius”, nos termos dos arts. 2031º e 2050, nº 2, ambos do Código Civil. III) Aliás, o recurso ao Código Civil, neste particular, estando em causa um imposto (ISSD) umbilicalmente ligado às relações jurídicas reguladas especialmente no livro 4º do citado código assume especial relevância. Esta forte ligação que vai para além da mera subsidiariedade pode determinar o recurso a vicissitudes relativas à prescrição da dívida e à caducidade do direito à liquidação ainda que não previstas no CIMSISSD. Foi isso que foi defendido pelo SF Lisboa 2 quando se fundamentou nos arts. 84º e 83º, do CIMSISSD, foi isso que se procurou esclarecer em sede de contestação (§ 34º) sem eco relativamente à posição sufragada pelo tribunal a quo. IV) Relativamente à parte introdutória do enquadramento jurídico e perante a factualidade levada ao probatório referente ao regime da prescrição, tal como decorre dos arts. 48º e 49º da LGT aprovada pelo DL 398/98 de 17 de dezembro - aceita-se dever ser este o regime legal aplicável à data dos factos. V) Não se colocando em causa a factualidade levada ao probatório foi dado por provado em D) que: “Em 14-02-2001 foi apresentado junto do SF Lisboa 2 o Termo de Apresentação da Relação de Bens, referente ao processo de imposto sucessório aí se declarando que se procede a inventário judicial (cfr. fls.66 e 67 do PAT)” e G), na parte, em que se prova a pendência do processo de Inventário 68/2001. VI) Ainda que não repugne à AT reconhecer uma eventual causa interruptiva ou suspensiva da prescrição (ou mesmo da caducidade do direito à liquidação) aplicável às situações previstas nos arts. 84º e 85º do CIMSISSD e que comprovadamente se iniciou em 2001, contemporâneo do Termo de Apresentação da Relação de Bens apresentado junto do SF de Lisboa 2, em 14-02-2001 VII) Porque o processo de Inventário Judicial (in casu) destina-se, em todo o caso, a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de se realizar a partilha, a relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança VIII) Face aos factos levados ao probatório (D e G) e a autonomização da figura do Inventário Judicial no regime do art. 83º CIMSISSD, impunha-se que, no mínimo, o tribunal a quo não deveria afastar desde logo os efeitos e vicissitudes que decorrem de um normativo especialmente dirigido ao Inventário Judicial IX) O facto do § 2º do art. 180º do CIMSISSD apenas remeter para os arts 84º e 85º CIMSISSD não significa que se deva perder de vista o facto porventura mais importante e que é a circunstância do art. 83º CIMSISSSD ser especialmente aplicável à figura do Inventário Judicial. X) O que nos interessa é apreciar o disposto no art. 83º do CIMSISSD, nomeadamente, os efeitos jurídicos que a suspensão do processo de instrução tem para efeitos de liquidação (da sua caducidade) e de prescrição. XI) É inegável, tendo sido dado por provado (Factos D e G) que, o inventário judicial encontrava-se pendente desde 2001 tendo sido apresentado, em 14-02-2011, o Termo de Apresentação da Relação de Bens – que esse facto suspendeu a instrução do processo (de imposto sucessório, entenda-se) XII) Não se alcança do conteúdo do art. 83º CIMSISSD que se possa sufragar tão inusitada conclusão - pelo menos dessa forma tão imediata. Desde logo porque decorre do seu conteúdo que, estando a correr inventário judicial a instrução do processo fica suspensa depois de apresentado o balanço ou a relação de bens, e, aqui, suspender a instrução do processo sucessório é, inexoravelmente, não permitir que, no final, se possa liquidar. XIII) A norma do art. 83º do CIMSISSD determina que se suspenda a instrução do processo depois de apresentado o balanço ou a relação de bens e esta última foi apresentada. XIV) É verdade que decorridos dois anos contados do ato ou do facto que tiver motivado a transmissão (mortis causa, no caso em apreço), ou, cremos nós, o inventário tiver sido arquivado durante e até esse período – o Chefe de Finanças tem o dever legal no prazo dado para o efeito de completar a instrução e proceder à oportuna liquidação do imposto ainda que de forma provisória. XV) Mas se é assim, por argumento a contrario sensu, é justo concluir que até aquela data estava legalmente impedido de prosseguir com a instrução do processo e de necessariamente liquidar o imposto ainda que provisoriamente XVI) Se foi intenção do legislador ser mais garantístico relativamente à liquidação e cobrança do imposto em virtude das vicissitudes processuais que estas situações em termos de família e sucessões e da dilação temporal que os litígios judiciais ocupam na baliza temporal definida em prescricionais pela lei – não cabe aos tribunais substituírem-se ao legislador contrariando-o naquela que foi a vontade expressa no normativo legal vigente XVII) E não é correto afirmar, como afirma a sentença recorrida, que o Chefe de Finanças de Lisboa 2 poderia instruir o processo de inventário a todo o tempo (é essa ilação que se retira da afirmação que produz) liquidando ainda que provisoriamente o imposto sucessório. XVIII) Ora, nos termos do art. 306.º C.C. sobre a epígrafe (Início do curso da prescrição) enuncia-se que: XIX) “1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)” XX) Não obstante se admitir que que o facto tributário se dá ou ocorre com a morte do “de cuius”, nos termos dos arts. 2031º e 2050, nº 2, ambos do Código Civil, face ao disposto no art. 83º do CIMSISSD é inegável que, pelo menos durante os dois anos contados da apresentação do Inventário Judicial em 2011, a Administração Fiscal estava efetivamente impedida de liquidar ainda que provisoriamente o imposto e de o cobrar pois que ainda não havia sequer a possibilidade de tornar certa, líquida e exigível a dívida decorrente do ato tributário XXI) Da conjugação do disposto no art. 306º, nº 1, primeira parte, do C.C. com o art. 83º, do CIMSISSD brota uma verdadeira causa geral de suspensão da prescrição da dívida, limitada a 2 anos, apesar do Inventário Judicial só ter sido arquivado para além do prazo previsto naquela disposição legal. XXII) Donde, para efeitos de prescrição, o prazo previsto no art. 48º da LGT só se havia de completar em 15.12.2010. XXIII) O que significa que, contrariamente ao que se afirma na sentença, à data em que foi apresentado o pedido de suspensão do processo de liquidação ou seja, em 20.03.2009 (Facto provado G) ainda não se haviam completado os 8 anos do prazo de prescrição podendo e devendo aquele pedido, desta feita, nos termos do art. 84º do CIMSISSD provocar nova suspensão do prazo de prescrição como claramente o observou o tribunal a quo quando fez depender a suspensão do prazo prescricional do requerimento apresentado pelos interessados independentemente da decisão da Administração Fiscal neste particular. O que significa que a obrigação não está prescrita. XXIV) Ora, aplicando-se tudo quanto temos vinda a enunciar relativamente à prescrição para efeitos da verificação da caducidade do direito à liquidação. XXV) Tendo o facto tributário ocorrido em 15.12.2000 e suspensa que foi por imperativo legal a instrução do processo sucessório e a respetiva liquidação do imposto à data em que foram emitidas quaisquer das liquidações (01.10.2010 e 26-102010 – cfr. factos provados J) e M)) ainda não se mostrava caducado o direito concedido legalmente à Administração Fiscal no sentido de liquidar o imposto. XXVI) Entende-se, pois, que o douto tribunal a quo incorreu no seguinte erro de julgamento: - Incorreta apreciação jurídica face aos factos dados por provados por não terem sido valorados os efeitos jurídicos relativos à suspensão do prazo de prescrição e à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação que decorrem do disposto nas disposições legais conjugadas nos arts. 83º, do CIMSISSD; art. 306.º, nº 1 do C.C. e do art. 92º CIMSISSD que, assim, se mostram violados no que à suspensão do prazo de prescrição e da caducidade do direito à liquidação diz respeito. Mostrando-se ainda violado o princípio da legalidade tal como decorre do art. 8º da LGT Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso, revogada a douta sentença recorrida e ordenada a baixa à primeira instância a fim de ser apreciada a invocada falta de fundamentação do ato tributário, como é de Direito e Justiça”. A Recorrida contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos: “a) No caso sub judice, verifica-se que a Recorrente se limita, em sede de Conclusões, a reproduzir, quase na integralidade, a alegação por si anteriormente aduzida, não cumprindo o ónus de apresentação das conclusões do Recurso (proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação), nos termos do número 1 do artigo 639.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT; b) E, também não deve a Fazenda Pública ser convidada a completar, esclarecer ou sintetizar as suas conclusões, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, porquanto, embora o despacho de aperfeiçoamento traduza um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil português (aplicável subsidiariamente ao processo tributário), esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente um rigor e autorresponsabilidade por parte deste; c) Perante a ausência de conclusões – pois reproduzir as alegações é igual a nada concluir, repetir o que antes se disse na motivação –, deverá este Venerando Tribunal, em sede de apreciação do Recurso, rejeitar o mesmo, nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 641.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT; d) O prazo de prescrição da alegada dívida começou a contar a partir de 15 de dezembro de 2000, de acordo com o regime previsto no n.º 1 do artigo 48.º da LGT e, aplicando a regra geral da prescrição à situação descrita, a dívida prescreveu em 15 de dezembro de 2008; e) O mesmo se decidiu no processo de Impugnação intentado por M …………………….., em que, apreciando idênticos factos, o Tribunal julgou verificada a prescrição da dívida e determinou a anulação do ato tributário impugnado; f) Estando perante processos judiciais que, embora respeitem a sujeitos passivos distintos, têm uma factualidade idêntica, deverão os mesmos ter um tratamento idêntico e uma interpretação e aplicação uniforme do Direito, nos termos do n.º 3 do artigo 8.° do Código Civil; g) Nenhuma das causas genéricas de interrupção ou suspensão da contagem do prazo de prescrição de 8 anos, previstas na LGT, são aplicáveis ao presente caso; h) Igual conclusão se alcança na verificação da ocorrência de alguma das causas específicas de suspensão (da liquidação), previstas nos parágrafos 1 e 2 do artigo 180.º do CIMSISSD, que pudesse ter obstado à prescrição do imposto no prazo de 8 anos contados desde a data da morte do de cujus; i) Também não se verificou a causa de suspensão prevista no §2, a qual determina que o aludido prazo prescricional de 8 anos se suspende pelo período em que o processo de liquidação estiver, também ele, suspenso, nos termos dos artigos 84.º e 85.º do CIMSISSD. j) Sendo a lei clara quanto à exclusão do artigo 83.° do elenco de causas de suspensão do prazo de prescrição contemplado no artigo 180° do CIMSISSD, em nada releva a suspensão do processo de liquidação determinada pela entrega da relação de bens, em 14 de fevereiro de 2001, nos termos daquele artigo; k) Não tendo as causas de suspensão genérica da caducidade do direito à liquidação, aplicabilidade ao caso sub judice, não se pode ter por verificada no presente processo nenhuma causa de suspensão da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação; l) Assim, tendo o facto tributário ocorrido em 15 de dezembro de 2000, o prazo de caducidade do direito à liquidação ocorreu em 15 de dezembro de 2008, muito antes da emissão da liquidação ora contestada, 1 de outubro de 2010, enfermando, por isso, a mesma de um vício que determina a sua ilegalidade; m) Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida na íntegra, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso da Fazenda Pública. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências”. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de este TCAS ser incompetente para a apreciação do pleito, em razão da hierarquia. Foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre tal parecer, tendo havido apenas pronúncia por parte da Recorrida, que pugnou pela mencionada incompetência.
Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: Questão prévia suscitada pelo IMMP: a) É este TCAS incompetente em razão da hierarquia? Questão prévia suscitada pela Recorrida: b) Deve o recurso ser rejeitado, por ausência de conclusões? Questão suscitada pela Recorrente: c) Verifica-se erro de julgamento, porquanto não se verifica a prescrição?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) Em 15 de dezembro de 2000 foi lavrado o assento de óbito nº …………, na 3ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, no qual se atestou o óbito de L ………………. ocorrido nesse mesmo dia (cfr. fls. 58 do PAT). B) L…………………….era casado com A………………………no regime da comunhão geral de bens, e a Impugnante é sua filha, tendo deixado testamento realizado em 03.02.1999 (cfr. fls. 59 a 65 do PAT). C) Em 15.01.2001, na sequência de declaração realizada para o efeito no Serviço de Finanças de Lisboa 2, foi ali instaurado o processo de imposto sucessório nº ………… (cfr. fls. 54 a 57 do PAT). D) Em 14.02.2001 foi apresentado junto do SF de Lisboa 2 o Termo de Apresentação da Relação de Bens, referente ao processo de imposto sucessório, aí se declarando que se procede a inventário judicial (cfr. fls. 66 e 67 do PAT). E) Em 17.09.2002, 19.02.2003, 23.07.2003, a ora Impugnante, na qualidade de Cabeça de Casal na herança de L ………………, apresentou junto do SF de Lisboa 2, aditamentos de bens à Relação de Bens declarada no Processo de Imposto Sucessório nº ………… (cfr. fls. 69 a 72 do PAT). F) Através do ofício nº 1807 de 05.03.2009, o SF de Lisboa 2 notificou a Impugnante do seguinte: “Assunto: SUSPENSÃO DE LIQUIDAÇÃO – ART.º 84º CIMSIMSSD Fica V. Ex.ª notificada, na qualidade de cabeça-de-casal de herança de L ……………….., falecido em 2000-12-15, para no prazo de 10 dias a contar desta notificação, apresentar certidão da 2ª Secção do 1º Juizo Cível de Lisboa da pendência do processo de inventário n.º 68/2001 para efeitos da suspensão da liquidação de Imposto Sucessório conforme o disposto no art.º 84º do CIMSISSD. Na falta da sua entrega, proceder-se-á à liquidação em conformidade com as normas gerais de sucessão legal e legitimária.” (cfr. fls. 86 do PAT). G) Por requerimento apresentado em 20.03.2009, a Impugnante informou o SF de Lisboa 2 da pendência do processo de inventário nº 68/2001 e requereu a suspensão da liquidação de Imposto Sucessório nos termos do disposto no artigo 84º do CIMISSD (cfr. fls. 89 do PAT). H) Por ofício de 30.06.2010, e em resposta a ofício do SF de Lisboa 2, o 1º Juízo – 2ª Secção Cível de Lisboa, informou aquele que o processo de inventário nº 68/2001 se encontrava pendente (cfr. fls. 91 e 92 do PAT). I) Por ofício de 23.09.2010, e em resposta a ofício do SF de Lisboa 2, o 1º Juízo – 2ª Secção Cível de Lisboa, remeteu àquele a Relação de Bens constante do processo de inventário nº 68/2001 (cfr. fls. 96 e 97 do PAT. J) Através do ofício nº 20505 de 01.10.2010, o SF de Lisboa 2 notificou a Impugnante da liquidação do Imposto Sobre as Sucessões e Doações no montante a pagar de 1.198.815,84€ (cfr. fls. 127 do PAT). K) Em 13.10.2010 a Impugnante apresentou contestação aos valores que serviram de base à liquidação referida na alínea antecedente pedindo o reconhecimento da prescrição do imposto liquidado, ou a caducidade do direito à liquidação, ou ainda a correção da liquidação por errónea determinação da base tributável (cfr. fls. 129 a 140 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). L) Sobre a contestação referida na alínea antecedente, foi proferida informação, com despacho concordante do Chefe do SF de Lisboa 2, com o seguinte teor: “(…) Sobre o pedido cumpre informar que por óbito de L ……………………., ocorrido em 15 de Dezembro de 2000, foi instaurado o Processo de Imposto Sucessório n.º ……………, conforme Termo de Declarações apresentado em 15 de Janeiro de 2001, tendo a respectiva relação de bens sido entregue a 14 de Fevereiro de 2001, tendo, ainda, sido declarado pelo cabeça-de-casal, conforme determinava o art.º 67º do CIMISSD, que se iria proceder a Inventário bem como o Juízo onde o mesmo iria ocorrer. Ora, determina o art.º 83º do CISIMSSD que: «Estando a correr inventário judicial, suspender-se-á a instrução do processo depois de apresentado o balanço ou a relação de bens...». Assim, conforme estipulado pelo mesmo normativo, decorridos mais de 2 ano, sem que o inventário tenha sido ultimado, foi determinado que a instrução do processo fosse concluída e efectuada a liquidação do imposto sem prejuízo, no entanto, da sua reforma ulterior. Pelo que quanto à prescrição e caducidade do imposto nada mais há a dizer. (…) Assim, sou de parecer que se deverá efectuar nova liquidação com os valores acime corrigidos e a respectiva meação, sem prejuízo de posterior correcção em face da partilha de inventário conforme foi atrás foi dito…” (cfr. fls. 147 e 148 do PAT). M) Em sequência, através do ofício nº 24611 de 26.10.2010, o SF de Lisboa 2 notificou a Impugnante da liquidação do Imposto Sobre as Sucessões e Doações no montante a pagar de 589.665,34€, que substituiu e anulou a liquidação referida em J) (cfr. fls. 145 e 146 do PAT). N) Encontra-se instaurado junto do SF de Lisboa 2 o PEF nº ……………….945, instaurado em 2011, com vista à cobrança coerciva do valor referido na alínea antecedente, encontrando-se aquele processo suspenso por prestação de garantia e pendência dos presentes autos (cfr. doc. nº 2 junto com o requerimento apresentado pela Impugnante em 22.10.2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “1 – Não foi provado que tenha recaído algum despacho de suspensão do processo de liquidação do imposto na sequência do requerimento apresentado em 20.03.2009 pela Impugnante, e referido na alínea G) do probatório. **** Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo apenso, sendo que o facto dado como não provado resulta precisamente da inexistência de qualquer prova documental quanto ao mesmo”.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da incompetência em razão da hierarquia Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pelo IMMP, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito. Vejamos. Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: “Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: (…) b) Dos recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito”. Por seu turno, prescrevia, na redação aplicável, o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que: “Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer: a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”. Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente): “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”. Assim, à época, competia ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de todos recursos, quando a matéria fosse exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais. Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal. Para a aferição da competência em razão da hierarquia é fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso. In casu, não se acompanha o entendimento do IMMP, atento o teor das conclusões formuladas, do qual resulta a alegação de uma errónea apreciação da matéria de facto (e consequente erro de julgamento de facto), ainda que não tenha sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto. Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.
III.B. Da questão prévia suscitada pela Recorrida Considera, por seu turno, a Recorrida que as alegações apresentadas não cumprem os requisitos exigidos no art.º 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Vejamos. Nos termos do art.º 639.º do CPC: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Não se acompanha o entendimento da Recorrida: as conclusões do recurso evidenciam de forma clara que a FP considera que há erro de julgamento, por entender que a dívida não se encontra prescrita. Reconhecendo-se que tais conclusões poderiam ser mais sintéticas, entende-se, no entanto, que essa prolixidade identificada pela Impugnante não é de molde a pôr em causa a possibilidade de conhecer o presente recurso. Como refere Abrantes Geraldes (1), “… se acaso o relator (…) verificar, numa análise mais profunda, que o efeito da rejeição total ou parcial do recurso se mostra excessivo, deve abster-se de o declarar”. Como tal, carece de razão a Recorrida.
Passemos, então, à apreciação do recurso. III.C. Do erro de julgamento, quanto à prescrição Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, dado que, na sua perspetiva, o prazo previsto no art.º 48.º da Lei Geral Tributária (LGT) só se completou a 15.12.2010, atento o disposto no art.º 83.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), sendo que, à data em que foi apresentado o pedido de suspensão do processo de liquidação, ainda não havia decorrido integralmente tal prazo, pedido esse que, por seu turno, conduziu a nova suspensão do prazo de prescrição. Vejamos, então. In casu, a liquidação impugnada respeita a imposto sucessório, liquidado na sequência de óbito ocorrido a 15.12.2000. Nos termos do art.º 180.º do CIMSISSD, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 474/99, de 8 de novembro, o prazo de prescrição de tal imposto era de oito anos, remetendo-se expressamente para os art.ºs 48.º e 49.º da LGT. Estamos perante um imposto de obrigação única, pelo que o termo inicial da contagem deste prazo dá-se com a ocorrência do facto tributário. O dies a quo é o momento da abertura da sucessão, ou seja, o momento da morte do seu autor (cfr. art.º 2031.º do Código Civil) – cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.04.2016 (Processo: 01611/15). O Tribunal a quo refere, a este respeito, que não houve qualquer causa geral interruptiva ou suspensiva da prescrição, o que não é posto em causa. Entendeu igualmente que a causa de suspensão prevista no § 2.º do art.º 180.º do CIMSISSD não se verificou, porquanto o pedido efetuado pela Impugnante já foi feito depois de expirado o prazo de prescrição, sendo que, sobre tal pedido, nada foi decidido. Acrescenta que o disposto no art.º 83.º do mesmo código não configura causa de suspensão da prescrição. Adiante-se que se acompanha este entendimento da instância. Sobre questão idêntica à ora em apreciação já se pronunciou este TCAS, em Acórdão de 05.06.2019, tirado no Processo 1517/11.7BELRS (inédito). Aí se referiu: “[O] artigo 180.° do CIMSSSD estatui o seguinte: «O imposto municipal da sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos do artigo 48.° e 49.° da Lei Geral Tributária». § 1.º Se forem entregues ao ausente quaisquer bens por cuja aquisição se não tenha ainda liquidado imposto, o prazo de prescrição contar-se-á a partir do ano seguinte ao da entrega. §2.° Sendo desconhecida a quota do co-herdeiro alheador, para efeitos do artigo 52.°, ou suspendendo-se o processo de liquidação, nos termos dos artigos 84.° e 85.°, ao prazo de prescrição acrescerá o tempo por que o desconhecimento ou suspensão tiverem durado». Dispõe o artigo 83.º do CIMSSSD ("Suspensão do processo quando há inventário") o seguinte: «Estando a correr inventário judicial, suspender-se-á a instrução do processo depois de apresentado o balanço ou a relação de bens, mas se a conclusão do inventário demorar mais que dois anos sobre o acto ou facto que tiver motivado a transmissão, ou o inventário for arquivado, o chefe de repartição de finanças fixará prazo, não superior a trinta dias, para a apresentação dos documentos dispensados no § 4 do artigo 69.° e completará a instrução, procedendo oportunamente à liquidação do imposto, sem prejuízo, no primeiro caso, da sua reforma ulterior». A este propósito constitui jurisprudência assente a seguinte: «O imposto sucessório prescreve no prazo de oito anos. // O termo inicial do prazo de prescrição do imposto sucessório incide sobre a data da transferência ou transmissão da propriedade do bem do de cujus, a qual se efectiva com a aceitação da herança, a qual, por seu turno, se considera feita no momento da morte do autor da herança. // Quer a instauração do processo judicial de inventário, quer a consequente suspensão do procedimento de liquidação não têm efeitos sobre a duração do prazo de prescrição da dívida tributária, nem determinam a respectiva interrupção ou suspensão»1 [1 Acórdão do TCAS, de 18-04-2018, P. 189/1 1.3BESNT] No caso em exame, o óbito do de cujus ocorreu em 15/12/2000, pelo que o imposto prescreve no prazo de oito anos a contar de 15.12.2000, ou seja em 15.12.2008, salvo a ocorrência de factos interruptivos ou suspensivos. O imposto sucessório é um imposto de obrigação única, que incide sobre a transferência ou transmissão da propriedade do bem do de cujus (artigo 1.º do CIMSISD), a qual se efectiva com a aceitação da herança, a qual, por seu turno, se considera feita no momento da morte do autor da herança (artigos 2031.° e 2050.° do Código Civil). Tendo o decesso do de cujus ocorrido em 15/12/2000, é incontroverso que em 15 de Dezembro de 2008 já tinha decorrido o prazo de oito anos contados desde a data do facto tributário. A questão que se suscita consiste em saber se ocorreu no presente caso algum facto interruptivo ou suspensivo da prescrição capaz de alterar aquele que é o termo inicial da contagem do prazo prescricional. Na tese da recorrente, o procedimento de liquidação estava suspenso por impossibilidade de realização do mesmo, dado que faltavam elementos e estava pendente processo judicial de inventário, havendo uma suspensão legal do procedimento de liquidação, sustenta. Salvo o devido respeito, não se afigura que proceda a presente argumentação. É certo que nos termos dos artigos 84.° e 85.° do CIMSSSD pode haver lugar a suspensão do processo de liquidação. O artigo 84.° do CIMSSSD (Suspensão do processo por litígio judicial) determina que «Se estiver pendente litígio judicial acerca da qualidade de herdeiro, validade ou objecto e transmissão, ou processo de expropriação por utilidade pública de bens pertencentes à herança ou doação, os interessados poderão requerer, em qualquer altura, a suspensão do processo de liquidação, apresentando certidão do estado da causa(...)». Por seu turno, o artigo 85.° do CIMSSSD (Outros casos de suspensão do processo) estatui que «Os interessados também poderão requerer a suspensão do processo de liquidação, nos termos do artigo anterior, quando penda acção judicial a exigira dívidas activas pertencentes à herança ou doação, ou quando tenha ocorrido ou esteja pendente processo de insolvência ou de falência contra os devedores» Do probatório resulta que os pressupostos das normas em apreço não se mostram preenchidos no caso, seja porque não foi requerida pelos interessados a suspensão do processo de liquidação, seja porque tal suspensão não foi determinada pelo órgão competente para o efeito. Por seu turno, a suspensão do processo de liquidação com base no artigo 83.° do CIMSSSD, não foi determinada pelo Chefe de Finanças. Mais se refere que «a suspensão do processo de liquidação com fundamento no citado art.° 83° (a única que o Chefe de Finanças poderia ter ordenado) não tem efeito suspensivo do prazo de prescrição, porque o legislador não a incluiu no elenco dos factos suspensivos (contrariamente ao que fez com a suspensão com fundamento nos art.°s 84° e 85°, que o legislador expressamente previu como causas suspensivas no §2° do art.° 180º do CIMSISSD)» (…). Os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição estão sujeitos ao princípio da legalidade fiscal (reserva absoluta), pelo que na falta de norma legal que os preveja, não pode o intérprete inferi-los. A pendência de inventário dos bens da herança não impede a realização da liquidação do imposto, sem prejuízo da sua ulterior reforma ou correcção. Motivo porque a sentença recorrida ao declarar prescrita a dívida em apreço, é de manter na ordem jurídica”. Aderindo inteiramente a esta fundamentação, resulta que não se verifica qualquer causa geral de suspensão ou interrupção, o que não é posto em causa, nem qualquer causa de suspensão especial, porquanto, como refere o Tribunal a quo, não só o pedido de suspensão do processo de liquidação foi efetuado pela Recorrida já depois de decorrido integralmente o prazo de prescrição, como não ficou provado que sobre o mesmo tenha sido proferido qualquer despacho. Ademais, a pendência de inventário judicial não está consagrada como causa de suspensão da prescrição, como resulta da leitura do art.º 180.º, § 2.º do CIMSISSD, que não faz qualquer remissão para o art.º 83.º do mesmo código, pelo que, atentos os fundamentos constantes do acórdão citado supra, a mesma não tem impacto no decurso do referido prazo. Carece de pertinência apreciar o alegado quanto à caducidade, porquanto o que consta da sentença é um mero obiter dictum, nada se extraindo a esse respeito no segmento decisório. Como tal, não assiste razão à Recorrente.
Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC). Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP. Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. No caso, tendo em conta a circunstância de a questão central em apreciação já ter sido objeto de apreciação por este TCAS e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.; c) Registe e notifique. Lisboa, 24 de outubro de 2024
(Tânia Meireles da Cunha) (Maria da Luz Cardoso) (Ana Cristina Carvalho) (1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 160. |