Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:767/19.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE IMPUGNAR
NATUREZA SUBSTANTIVA
CONTAGEM DO PRAZO FIXADO EM MESES
Sumário:I - Estando em causa a impugnação de um acto de liquidação, o prazo para o exercício do direito de acção é de 3 meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário, tal como resulta do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT.
II - Revestindo tal prazo natureza substantiva, na sua contagem deve observar-se o disposto no artigo 279º do Código Civil.
III – O prazo fixado em meses, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia a que corresponda, dentro do último mês, a essa mesma data.
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

L......., Lda., doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 30/11/2023, que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de acção, absolvendo a Entidade Impugnada (ISS, IP) do pedido.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. A sentença de que se recorre constituiu uma verdadeira surpresa, já que proferida após a notificação para indicar a matéria a que as testemunhas deveriam ser inquiridas em julgamento.

2. A sentença de que se recorre é nula por falta de fundamentação, designadamente no que aos cálculos e juízo efectuados para determinação da data até à qual deveria a impugnação ser apresentada se refere, e qual seria essa data.

3. Da sentença recorrida não é possível compreender como se concluiu pela procedência da excepção de caducidade.

4. Para a contagem do prazo para a impugnação judicial devemos ter em atenção a data de recepção da notificação para pagar ou impugnar as contribuições, o que ocorreu em 11/02/2019.

5. O prazo de 30 dias para pagar as contribuições terminaria em 13 de Março de 2019.

6. Só a partir de tal data se iniciou a contagem do prazo para a impugnação, que é de 3 meses, pelo que o prazo terminaria em 13 de Junho de 2019. Ora,

7. A presente impugnação foi instaurada em 13 de Junho de 2019, pelo que é tempestiva.

8. Por tudo o exposto, se deverá declarar a nulidade da sentença, decidindo-se pela tempestividade da impugnação e o consequente prosseguimento dos autos.

9. Foram violados os artºs 3º do CPC, 125º nº 1 do CPPT e 205º da CRP.

Termos em que se deverá dar provimento ao presente recurso e, em consequência, declarar-se nula a sentença, e proferindo-se decisão que decida pela tempestividade da impugnação, e determine o prosseguimento dos autos, assim se fazendo Justiça!»

Por sua vez, a Entidade Recorrida apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes CONCLUSÕES:

1 – Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, Juizo Tributário Comum, prolatada em 30.11.2023, que julgou verificada a exceção dilatória da caducidade do direito de ação invocada e, em consequência, absolveu aquele do pedido;

2 - Discordando da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo insiste o, Impugnante, ora Recorrente que “Resulta dos documentos juntos aos autos que a impugnada notificou a impugnante para proceder ao pagamento das contribuições apuradas, por ofício datado de 5 de Fevereiro de 2019 (…). Como se disse e demonstrou através do print do sitio dos CTT, a impugnante recebeu a aludida notificação em 11 de Fevereiro de 2019. De acordo com o que está estabelecido na Lei e, aliás, conforme consta da aludida notificação, a impugnante tinha, em primeiro lugar, um prazo de 30 dias para efectuar o pagamento voluntário das contribuições apuradas e respectivos juros. Ora, se contarmos 30 dias a partir do dia 11 de Fevereiro, e atendendo a que este mês apenas teve 28 dias no corrente ano, o prazo para pagamento voluntário terminaria em 13 de Março de 2019. É que o prazo é de 30 dias.!!! Assim, sendo o prazo para impugnação de 3 meses, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário, nos termos do disposto no artº 102º nº 1 al. a) do CPPT, prazo este que foi também notificado à impugnante na notificação para pagamento, o prazo para impugnar terminaria em 13 de Junho de 2019 e não 11 de Junho como defende a impugnada”. Sem que lhe assista qualquer razão;

3 – A caducidade do direito de ação encontra suporte legal Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o qual dispõe no artigo 102.º, n.º 1 alínea a), como prazo aplicável à impugnação judicial: “1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, sendo que tal prazo sendo um prazo de caducidade, de natureza substantiva, conta-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, tal como dispõe o artigo 20.º n.º 1 do CPPT.

4 - Concretizemos, o Impugnante, ora Recorrente tomou conhecimento do ato que pretende impugnar através do ofício com data de saída de 05.02.2019, do Centro Distrital de Leiria, recebido em 11.02.2019 conforme registo dos CTT n.º RF441625449PT, iniciando-se no dia seguinte o curso do prazo daquela para proceder ao pagamento voluntário, o qual terminou em 13.03.2019, após o que dispunha o Recorrente do prazo de três meses para recorrer judicialmente. Iniciando-se no dia seguinte, 14.03.2019, sendo que o prazo para intentar a ação findou no dia 11.06.2019, o que significa que quando o Recorrente interpôs a ação a 13.06.2019 já se encontrava ultrapassado o prazo para reagir contenciosamente;

5 - A extemporaneidade do exercício do direito de ação consubstancia uma exceção perentória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o Tribunal se pronuncie quanto ao mérito da ação e determina a absolvição do impugnado do pedido, ao abrigo do disposto no artigo 576.º n.ºs 1 e 3, conjugado com a alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º, ambos do Código Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

6 - Consequentemente, entendemos que a douta sentença do Tribunal “a quo” não se encontra ferida de qualquer vício ou ilegalidade e muito menos do que lhe vem assacado pelo Recorrente, devendo a mesma deve ser mantida na ordem jurídica, por válida e legal.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá improceder, por não provado, o presente recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida. Tudo com as devidas e legais consequências, como é de inteira, Justiça!»


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

A questão a apreciar consiste em saber se a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito, ao considerar caducado o direito de acção e, consequentemente, ao absolver o ISS, IP do pedido.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1) A Impugnante foi alvo de uma ação de fiscalização por parte do Departamento de Fiscalização - Unidade de Fiscalização do Centro dos serviços do ISS, I.I., realizada ao abrigo do PROAVE n.º 2018000010703 - cfr. teor do PROAVE junto com a contestação do ISS, I.P., incorporado nos autos digitais, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

2) A Impugnante foi notificada da decisão final constante do relatório final de fiscalização, através dos ofícios n.ºs 00008069 e 00008070 de 19.01.2014:


“(texto integral no original; imagem)”

- cfr. fls.338 a 339 do PROAVE, incorporado nos autos digitais a fls. 569 a 606;

3) Os ofícios m.i. no ponto 2) deste Probatório, foram remetidos à Impugnante, através de carta registada com aviso de receção e rececionados pela mesma no dia 15.01.2019:


“(texto integral no original; imagem)”

- cfr. fls.341 do PROAVE, incorporado nos autos digitais a fls. 569 a 606;

4) Dos ofícios, m.i. no ponto 2) deste Probatório, contava a seguinte informação: “(…) a execução do ato agora notificado originará posterior notificação dos Serviços do Centro Distrital de Leiria para efeitos de regularização voluntária dos montantes apurados, o qual conterá indicação do prazo para pagamento e dos meios de defesa que lhes assistem nos termos da legislação aplicável” - cfr. fls.338 a 339 do PROAVE, incorporado nos autos digitais a fls. 569 a 606, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

5) A Impugnante foi notificada do registo de declarações de remunerações no dia 11.02.2019:

- doc. junto com a p.i;

6) A presente ação de impugnação deu entrada neste TAF de Leiria no dia 13.06.2019 - cfr. fls.1 dos autos digitais.


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Factos não provados

Não existem factos alegados a dar como não provados e a considerar com interesse para a decisão.


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Motivação da matéria de facto

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos presentes autos e na análise do PROAVE junto com a contestação, bem como nos documentos apresentados pela Impugnante, mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica e atentando às várias soluções plausíveis de direito, tudo conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório.»

III – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo TAF de Leiria que julgou verificada a exceção peremptória de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu a Entidade Impugnada do pedido, imputando-lhe os seguintes vícios:

- nulidade por falta de fundamentação, designadamente no que aos cálculos e juízo efectuados para determinação da data até à qual deveria a impugnação ser apresentada se refere, e qual seria essa data.

- erro de julgamento, uma vez que a Impugnação é tempestiva.

No tocante à ordem de conhecimento dos fundamentos do recurso, importa ter presente o entendimento defendido por Jorge Lopes de Sousa, segundo o qual “assente que não é forçosamente prioritário o conhecimento das nulidades, a relação entre o seu conhecimento e o dos restantes vícios da sentença coloca-se em termos semelhantes àqueles em que deve ser equacionado o conhecimento de quaisquer vícios, o que viabiliza, assim, poder considerar prejudicado, quando ele se tornar inútil (art. 137.º do CPC), o conhecimento de nulidades na sequência de um juízo sobre a procedência ou improcedência da pretensão formulada no processo. (…) O mais importante, nesta matéria, não é encontrar regras de aplicação generalizada, mas sim apreciar a situação concreta e optar pela via processualmente mais económica, como impõe aquele art. 137.° do CPC, afastando o conhecimento da nulidade quando não houver dúvidas sobre a sua inutilidade, isto é, quando for inquestionável que, apesar da não apreciação das nulidades, em face da posição assumida sobre o mérito da causa, não é possível ser prejudicada a parte que arguiu a nulidade e ficou vencida no recurso jurisdicional(1)”.

Assim, uma vez que no presente caso foi apontado erro de julgamento à sentença recorrida, cuja procedência determinará a admissibilidade da Impugnação, resultando, por essa via, prejudicada a apreciação da questão da nulidade da sentença, começa-se pelo seu conhecimento.

· Do erro de julgamento

Sustenta, em síntese, a Recorrente que foi notificada para proceder ao pagamento das contribuições apuradas pelo ISS, IP em 11 de Fevereiro de 2019, dispondo de um prazo de 30 dias para efectuar o pagamento voluntário das mesmas, ou seja, até 13 de Março de 2019, o que significa que só a partir desta data se iniciou a contagem do prazo de 3 meses para deduzir impugnação, o qual terminaria, assim, em 13 de Junho de 2019.

Daí concluindo a Recorrente que a presente Impugnação, instaurada em 13 de junho de 2019, é tempestiva.

Contrapõe a Recorrida que “decorre do entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência, que o prazo de três meses, previsto no artigo 102.° do CPPT, se deve considerar um prazo de 90 dias, por aplicação do disposto no artigo 279.°, al. a) do Código Civil” e que, no presente caso, “o prazo para impugnar judicialmente teve o seu início em 14.03.2019, dia seguinte ao términus do prazo do pagamento voluntário sendo que foi a partir desta data que se iniciou a contagem do prazo para impugnar judicialmente o ato de liquidação, tendo o mesmo terminado no dia 11.06.2019, o que significa que quando o Recorrente interpôs a ação em 13.06.2019 já se encontrava ultrapassado o prazo para reagir contenciosamente.”

Vejamos quem tem razão.

Dispõe o artigo 102º do CPPT (na redacção introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31-12) sob a epígrafe “Impugnação Judicial – Prazo de apresentação” e para o que aqui interessa, que: “A impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

Como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, o prazo para instaurar uma impugnação judicial contra um acto de liquidação de um tributo assume uma natureza substantiva e não processual – cfr., entre outros, o Acórdão de 2013-05-22 (Processo nº 0405/13), de 22 de maio, disponível em www.dgsi.pt.

Em consequência, as regras de contagem do prazo para deduzir uma impugnação judicial encontram-se no artigo 20º, nº 1 do CPPT, que remete para o disposto no artigo 279º do Código Civil.

O artigo 279º, alínea b) estipula que “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for em horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, e, por seu turno, a alínea c) diz que o “prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia a que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.

Assim, no caso dos autos, o prazo de três meses fixado na al. a) do nº 1 do artigo 102º do CPPT começou a contar desde o dia em que terminou o prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias notificadas ao contribuinte (13 de Março de 2019) e expirou, por força do estabelecido na alínea c) do art.º 297º do C. Civil, no dia correspondente do terceiro mês seguinte, ou seja, 13 de junho de 2019.

Não tem, pois, razão a Recorrida, quando afirma que o prazo de 3 meses, fixado no artigo 102.° do CPPT, se deve considerar um prazo de 90 dias, por tal entendimento não ter o mínimo respaldo na lei.

Assim, ao concluir pela caducidade do direito de ação, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, impondo-se a sua revogação.

Aqui chegados, haverá, ainda, que indagar, de acordo com o artigo 665.º do CPC, aplicável nos termos do artigo 2º, alínea e) do CPPT, se no presente processo se poderá exercer a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, quanto ao mérito da impugnação, ainda que a sentença recorrida a não haja apreciado, por ter considerado procedente a excepção de caducidade do direito de acção.

Contudo, não é possível a este Tribunal apreciar o fundo da causa, pois que, para além da total omissão, pelo tribunal “a quo”, da fixação da matéria de facto pertinente à pronúncia de mérito, não foi ainda produzida a prova testemunhal requerida pelas partes.

Termos em que não é possível conhecer do objecto da impugnação, em substituição do Tribunal de 1ª Instância, em face da necessidade de os autos serem instruídos, nomeadamente através da produção de prova testemunhal e demais diligências que se afigurem úteis na decorrência daquela.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I - Estando em causa a impugnação de um acto de liquidação, o prazo para o exercício do direito de acção é de 3 meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário, tal como resulta do disposto no artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT.

II - Revestindo tal prazo natureza substantiva, na sua contagem deve observar-se o disposto no artigo 279º do Código Civil.

III – O prazo fixado em meses, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia a que corresponda, dentro do último mês, a essa mesma data.


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS
À 1ª INSTÂNCIA para aí prosseguirem para a fase de instrução e ulteriores termos do processo, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida, que decaiu.

Registe e notifique.

Lisboa, 21 de novembro de 2024


(Ângela Cerdeira)

(Cristina Coelho da Silva)

(Jorge Cortês)

Assinaturas eletrónicas na 1.ª folha


(1) Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 373 e 374.