Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3142/25.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
OBJECTO SOCIAL
ELEGIBILIDADE
Sumário:Não cabendo no objecto social da recorrente acompanhar ou apoiar o crescimento de startups, não é a mesma uma entidade elegível para beneficiar dos apoios a conceder, nos termos do ponto 6 do Aviso de Abertura de Concurso no âmbito da medida “Vales para Incubadoras e Aceleradoras” n.º 17/C16-i02/2023, que faz corresponder às entidades elegíveis as estruturas organizacionais “que tipicamente correspondem à designação de “Incubadoras, Aceleradoras ou Estruturas de apoio a startups” tendo como missão ou propósito acompanhar e apoiar o crescimento de startups”, sendo um dos critérios de elegibilidade dos beneficiários a possibilidade legal de “desenvolver as atividades no território abrangido pela tipologia das operações e dos investimentos a que se candidata” (alínea c) do artigo 7.º da Portaria n.º 135-A/2022, de 01 de Abril).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

L… S.A., instaurou processo cautelar contra IAPMEI - AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, I.P., pedindo a sua admissão definitiva ao concurso publicado através do Aviso n.º 11/C16-i02/2023, para o âmbito sectorial "Empresas 4.0", medida "Vales para Incubadoras e Aceleradoras", tendo por base o Regulamento do Sistema de Incentivos "Empresas 4.0", aprovado em anexo à Portaria n.º 135-A/2022, de 01 de Abril, com decisão da causa principal na presente providência, e, subsidiariamente, a sua admissão provisória no concurso.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença de recusa das providências cautelares requeridas, por considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris.
A requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:






Notificado das alegações apresentadas, o requerido não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º, do CPC.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Os pressupostos do decretamento das providências cautelares constam do artigo 120.º do CPTA, cujos n.ºs 1 e 2 estabelecem o seguinte: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Assim, a adopção de providências cautelares depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) periculum in mora, ou seja, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e (ii) fumus boni iuris, ou seja, probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal. Todavia, ainda que verificados tais pressupostos, as providências cautelares são recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Em suma, a não verificação do periculum in mora ou do fumus boni iuris determina o indeferimento da providência; caso se verifiquem cumulativamente tais pressupostos – e só apenas nesse caso -, importa proceder à referida ponderação de interesses públicos e privados em presença e, decorrendo da mesma que os danos que resultariam da concessão da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências, o Tribunal indefere a providência.

No presente processo cautelar, a requerente (ora recorrente) peticiona a sua admissão provisória ao concurso para o âmbito sectorial "Empresas 4.0", medida "Vales para Incubadoras e Aceleradoras", no qual foi proferida decisão final de não elegibilidade da sua candidatura, assente no incumprimento do ponto 6 do Aviso de Abertura de Concurso no âmbito da medida “Vales para Incubadoras e Aceleradoras” n.º 17/C16-i02/2023 e da alínea c) do artigo 7.º da Portaria n.º 135-A/2022, de 01 de Abril, em virtude de o objecto social da entidade não abranger a actividade de incubação, não podendo a mesma, assim, realizar actividades típicas de incubação e aceleração.
A sentença recorrida recusou a providência cautelar requerida por considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris, em virtude de não se verificar qualquer dos vícios apontados pela requerente à referida decisão de não elegibilidade da sua candidatura, não sendo, assim, possível formar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada na acção principal, na qual a requerente pede a sua admissão definitiva ao concurso, considerando que, dado que uma sociedade comercial não pode exercer actividade que não se compreenda no seu objecto social, e uma vez que o objecto social da recorrente apenas abrange serviços de gestão de direitos de autor, de conteúdos multimédia e de contas e apresentações multimédia, não tem a mesma capacidade para prestar os demais serviços de gestão que se propôs.
Insurge-se a recorrente contra a sentença recorrida, imputando-lhe erro de julgamento de direito, alegando que está habilitada legalmente para o desenvolvimento da actividade em causa, na medida em que (i) não existe habilitação específica para a prática da actividade de incubação de empresas, (ii) é admissível, ao abrigo do disposto no Código das Sociedades Comerciais, que a empresa possa praticar actos fora da(s) actividade(s) constantes do objecto social, e (iii) os diplomas que regulam o presente concurso - mormente o Aviso de Abertura de Concurso e o Regulamento do Sistema de Incentivos "Empresas 4.0" -, não previram qualquer habilitação específica de cumprimento obrigatório. Mais invoca a preterição do seu direito de audiência prévia por não terem sido ponderadas as suas alegações no exercício de tal direito.
Atento o alegado pela recorrente, a mesma põe em causa o julgamento feito pelo Tribunal recorrido na parte referente à sua não elegibilidade, nos termos das referidas normas concursais, no âmbito do concurso em apreço, em face do seu objecto social, considerando ainda que a legalidade dessa decisão se mostra ferida do vício de preterição do direito de audição prévia.

Vejamos.

O Aviso de Abertura de Concurso no âmbito da medida “Vales para Incubadoras e Aceleradoras” n.º 17/C16-i02/2023 dispõe, no seu ponto 6., sob a epígrafe “Entidades elegíveis”, que “São entidades elegíveis ou Beneficiários do presente Aviso as estruturas organizacionais, de qualquer natureza jurídica, enquadradas no Regulamento do Sistema de Incentivos «Empresas 4.0», aprovado pela Portaria n.º 135-A/2022, de 1 de abril, com presença física e que tipicamente correspondem à designação de “Incubadoras, Aceleradoras ou Estruturas de apoio a startups” tendo como missão ou propósito acompanhar e apoiar o crescimento de startups, nomeadamente através do desenvolvimento de atividades de capacitação, sensibilização, mentoria, networking, apoio na implementação de projetos de escalabilidade e/ou do apoio na angariação de capital para financiamento das suas atividades e operações.”
A Portaria n.º 135-A/2022, de 01 de Abril, aprova o Regulamento do Sistema de Incentivos «Empresas 4.0», dispondo o respectivo artigo 7.º sobre os “Critérios de elegibilidade dos beneficiários finais”. Da sua alínea c) consta como critério “Poder legalmente desenvolver as atividades no território abrangido pela tipologia das operações e dos investimentos a que se candidata, incluindo o cumprimento da legislação ambiental aplicável a nível da UE e nacional;”.
Foi com base na falta de tal critério que a decisão final em causa concluiu pela não elegibilidade da recorrente, em virtude de o seu objecto social não abranger a actividade de incubação, não podendo a mesma, assim, realizar actividades típicas de incubação e aceleração.
A requerente pôs em causa a legalidade de tal decisão, contrapondo que está habilitada legalmente para o desenvolvimento da actividade em causa, na medida em que (i) não existe habilitação específica para a prática da actividade de incubação de empresas, (ii) é admissível, ao abrigo do disposto no Código das Sociedades Comerciais, que a empresa possa praticar actos fora da(s) actividade(s) constantes do objecto social, e (iii) os diplomas que regulam o presente concurso - mormente o Aviso de Abertura de Concurso e o Regulamento do Sistema de Incentivos "Empresas 4.0" -, não previram qualquer habilitação específica de cumprimento obrigatório.
Assim, impunha-se ao Tribunal a quo que aferisse se, em face do objecto social da requerente, estava a mesma impossibilitada de realizar as actividades de incubação, objecto do concurso.
Ora, a sentença recorrida, para além de não se ter pronunciado sobre tal impossibilidade, confirmou o acerto da decisão final do concurso com base em fundamento diferente daquele em que tal decisão assentou, afirmando que não está em causa se o objecto social da recorrente abrange a prestação de serviços constitutivos da actividade de “Incubação e Aceleração de empresas” – e está, sendo essa, precisamente, a questão a decidir, em função da fundamentação da decisão administrativa em causa -, mas, antes, se o mesmo abrange a prestação dos serviços que a recorrente se propõe prestar nos termos da sua candidatura, tendo concluído que o objecto social da recorrente não abrangia todos os serviços que a mesma se propunha prestar, nos termos da candidatura por si apresentada.
Como consta do ponto 8. do probatório, é o seguinte o objecto social da recorrente: «Gravação e transmissão de eventos, produção, agenciamento, edição, venda de produtos relacionados com a atividade, gestão de direitos de autor, venda de publicidade e angariação de patrocínios. Conceção, criação-produção, planeamento, implementação, desenvolvimento e acompanhamento de sítios de internet e mobile e de portais de internet e mobile, programação web e mobile, marketing on line e mobile, alojamento de sítios de internet e mobile e aplicações, criação e/ou gestão de conteúdos multimédia, criação e/ou gestão de contas multimédia e apresentações multimédia». Em face de tal objecto social, não podemos concluir, nos termos do citado ponto 6. do Aviso, que a sociedade recorrente “tipicamente” corresponda “à designação de “Incubadoras, Aceleradoras ou Estruturas de apoio a startups” tendo como missão ou propósito acompanhar e apoiar o crescimento de startups, nomeadamente através do desenvolvimento de atividades de capacitação, sensibilização, mentoria, networking, apoio na implementação de projetos de escalabilidade e/ou do apoio na angariação de capital para financiamento das suas atividades e operações.”, não só pela designação, mas também pela sua missão, expressa no seu objecto social, o qual contempla as actividades que a sociedade pode exercer (cfr. artigo 11.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais).
Não cabendo no objecto social da recorrente acompanhar ou apoiar o crescimento de startups, não é a mesma uma entidade elegível para beneficiar dos apoios a conceder, nos termos do ponto 6 do Aviso de Abertura de Concurso no âmbito da medida “Vales para Incubadoras e Aceleradoras” n.º 17/C16-i02/2023, que faz corresponder às entidades elegíveis as estruturas organizacionais “que tipicamente correspondem à designação de “Incubadoras, Aceleradoras ou Estruturas de apoio a startups” tendo como missão ou propósito acompanhar e apoiar o crescimento de startups”, sendo um dos critérios de elegibilidade dos beneficiários a possibilidade legal de “desenvolver as atividades no território abrangido pela tipologia das operações e dos investimentos a que se candidata” (alínea c) do artigo 7.º da Portaria n.º 135-A/2022, de 01 de Abril).
Alega a recorrente que não existe habilitação específica para a prática da actividade de incubação de empresas. Mas também não foi a falta de tal habilitação que sustentou a inelegibilidade da recorrente. Diferentemente, assenta esta na circunstância de o seu objecto social não abranger a actividade de incubação, o que, para além de não se confundir com uma qualquer habilitação específica para o efeito, é critério de elegibilidade, nos termos das normas referidas.
Mais alega a recorrente que é admissível, ao abrigo do disposto no Código das Sociedades Comerciais, que a empresa possa praticar actos fora da(s) actividade(s) constantes do objecto social. Todavia, também neste ponto não lhe assiste razão. Com efeito, como pertinentemente se refere na sentença recorrida, citando, para o efeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.07.2020, proferido no processo n.º 0357/18.7BEFUN (in www.dgsi.pt), “(…) uma sociedade comercial não pode exercer atividade que não se compreenda no seu objeto social. Aliás, basta considerar que, nos termos do art. 142º nº 1 d) do Código das Sociedades Comerciais, é causa de dissolução administrativa, entre outras, “o exercício de facto, por uma sociedade, de uma atividade não compreendida no objeto contratual (…).”
Por fim, no que concerne à preterição do direito de audiência prévia da recorrente por não terem sido ponderadas as suas alegações no exercício de tal direito, cumpre referir que essa alegada falta de ponderação não consubstancia o vício procedimental que o recorrente invoca, desde logo porque o cumprimento da formalidade procedimental da audiência dos interessados, previsto e regulado nos artigos 121.º e ss. do CPA, não determina que a Administração aprecie todos os argumentos apresentados. E, portanto, improcede também o recurso quanto a este ponto.
Aqui chegados, não tendo a recorrente logrado pôr em causa a legalidade da decisão administrativa que a considerou não elegível, não é provável a procedência da acção principal e, por isso, não se mostra verificado o requisito do fumus boni iuris, conforme decidido pelo Tribunal a quo, ainda que com diferente fundamentação.

Termos em que se impõe julgar improcedente o recurso.
*
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Julho de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Marta Cavaleira