Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 4418/23.2BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/11/2025 |
| Relator: | ANA CRISTINA LAMEIRA |
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR REGULAÇÃO PROVISÓRIA DO TRÁFEGO DE VEÍCULOS PESADOS PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO DIREITO AO REPOUSO E AO DESCANSO/DIREITO DA PERSONALIDADE E À SAÚDE PONDERAÇÃO DE INTERESSES |
| Sumário: | I. O círculo de bens e valores a abranger pela protecção da própria pessoa, enquanto unidade biológica, tem vindo a aumentar, pois inicialmente a integridade física era apenas posta em causa por agressões pessoais físicas. Hoje, fica claro que ela é questionada, nomeadamente, pelo ruído, pela trepidação, pelos cheiros e pela degradação do ambiente II. Estando em causa a lesão de um direito imaterial, que assume a forma continuada ou repetida resultante de actividades ruidosas e perturbadoras do direito ao descanso, em virtude dos ruídos causados com a circulação dos veículos pesados da contra-interessada no período nocturno, o normal para descanso, nada obsta ao decretamento de providência cautelar tendente a prevenir a continuação ou a repetição de actos lesivos. III. Na ponderação realizada nos termos do nº 2 do art. 120º do CPTA, em face da falta de alegação e consequentemente demonstração de que o único período em que a Recorrente/Contra-interessada poderia laborar seria à noite, é incompreensível como as medidas impostas na sentença recorrida são desadequadas ou desproporcionais ou arbitrárias, como pretende a Recorrente, de modo a contender com o núcleo duro do seu direito fundamental (o direito à livre iniciativa económica privada), ou seja de modo a “impedir” o exercício da actividade, como faz crer a Recorrente. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul (Subsecção Comum) I. RELATÓRIO .... , S.A., contra-interessada, ora Recorrente, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24.04.2025, na parte em que julgou procedente o pedido de adopção de providência cautelar formulado pelos Requerentes .... , .... , .... , e .... , e, em consequência, determinou que o Município de Alenquer, Entidade Requerida, proceda à regulação provisória do tráfego de veículos pesados nas localidades de Passinha, Casal Machado e Casais Novos, nas vias indicadas – na localidade de Casal Machado, Rua .... ; na localidade de Casais Novos, .... ; e na localidade de Passinha, continuação da .... –, prevendo a interdição da passagem de veículos pesados em tais vias no período noturno, e fixando o respectivo regime de fiscalização. Das Alegações recursivas formulou as (extensas) conclusões que, de seguida, se transcrevem: “I. Por via da presente ação cautelar, os Recorridos pretendiam a regulação provisória do trânsito de veículos pesados na localidade de Passinha, e Casais Novos, mormente, na Rua .... e .... não sendo permitida a passagem de veículos pesados no período noturno e um máximo de 20 veículos pesados no período diurno ou, subsidiariamente, regular a permissão de tráfego de veículos pesados nas localidades indicadas não sendo permitida a passagem de mais de vinte veículos pesados durante o dia, e não sendo permitida a passagem de veículos pesados no período noturno, impedindo assim a Recorrente, de prosseguir a sua atividade económica nos termos desenvolvidos até então. II.É irrefutável que o decretamento, sem mais, da presente providência cautelar, com a consequente restrição ao trânsito das viaturas pesadas terá nefastas consequências do ponto de vista a operabilidade do centro de logística, o que, por sua vez, acometerá graves prejuízos económicos e financeiros à empresa, causando perdas de postos de trabalho e, no limite, coloca em crise a própria solvabilidade da empresa. III. Por conseguinte, sendo abruptamente decretada uma providência cautelar que impele inelutavelmente ao normal funcionamento e laboração da empresa Recorrente, é manifestamente desproporcional que não ocorra – ou não seja concedido – pelo menos, e enquanto não ocorrer trânsito em julgado da decisão do decretamento, o efeito suspensivo dessa decisão, de modo a permitir que a empresa possa, de forma racional e estruturada, reorganizar o seu serviço e laboração. IV. Desta feita, e ressalvando as devidas diferenças, é forçoso concluir que uma situação do mesmo nível de contingência, isso é, provocando uma quebra abrupta no normal desenvolvimento da sua atividade, sem que a isso haja sequer a possibilidade de conferir um período de adaptação, organização e restruturação empresarial (v.g., o período para trânsito em julgado da decisão de decretamento da providência cautelar), será manifestamente desproporcional. V. Vale por dizer que o teor do presente aresto causará à Recorrente prejuízos graves e irreparáveis (nem sequer de difícil reparação), colocando-a numa posição muito difícil, designadamente, perante os seus clientes, colaboradores e demais parceiros económicos, redundando esta condição num claro e inegável efeito financeiro nefasto que muito poderá prejudicar a solvabilidade da empresa. VI. Neste contexto, torna-se, assim, imperiosa a adoção de medidas tendentes a obstar à consumação de danos na esfera jurídica da Recorrente, os quais decorrem já imediata e automaticamente a partir do início do cumprimento da decisão e, subsequentemente, redução da sua atividade económica. VII. Conforme facto indiciariamente dado por provado pelo Tribunal recorrido, desde o início do ano de 2021 que a Recorrente opera no centro logístico do Carregado, sendo que os Recorridos vêm a alegar dos incómodos invocados desde aquela altura, ou seja, desde há, pelo menos 4 anos. VIII. Ora, para que o requisito do periculum in mora se encontre preenchido é preciso que os factos concretos alegados e sumariamente comprovados aqui pelo Tribunal a quo na qualidade de facto consumado, permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade de restauração natural da esfera jurídica dos Recorridos, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. IX. Sucede que as providências têm de se antecipar à lesão, porque o requisito do justo receio pressupõe que a lesão não se ache ainda consumada, que os atos suscetíveis de produzir a lesão devem ser em potencialidade e não realizados e efetivamente consumados, pois a providência destina-se a evitar o prejuízo e não a repará-lo. X. Ou seja, o processo cautelar é um meio, por essência, destinado a garantir a quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão eminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo principal, XI. De modo que a providência tem de se antecipar à lesão por o requisito do justo receio pressupor que a ofensa não se ache ainda consumada, ou seja, que os atos materiais suscetíveis de produzir a lesão se encontrem em potencialidade e não realizados. XII. Para o decretamento da tutela cautelar, tem o tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas. XIII. Ora, no caso em apreço o Tribunal a quo entendeu e admitiu, conforme já referido, já se verificar a consumação de uma situação lesiva na esfera dos Requerentes/Recorridos, e que tal situação configurava, efetivamente, o requisito do periculum in mora. XIV. No limite, e de modo a acautelar e prevenir efetivamente a ocorrência da situação de facto consumado no caso em apreço, os Recorridos deveriam ter lançado mão concretamente de uma providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de licenciamento do centro logístico, de modo a – aqui sim – evitar, por um lado, a edificação do centro em causa e, por outro lado, nessa decorrência, impedir o início da atividade da empresa naquela localidade. XV. Pelo contrário, tendo optado os Recorridos pela “permissão” da construção do centro logístico e correspondentemente o início da atividade da ora Recorrente no ano de 2021, verifica-se já concretamente uma situação de facto consumado a que se pretendia obviar com o indicado início da atividade da empresa. XVI.E, uma vez que (para além da situação de facto já consumado) não discorreu o Tribunal a quo acerca da existência de prejuízos de difícil reparação que pudessem ainda justificar o requisito do periculum in mora, não se pode dar este requisito por verificado no caso sub iudice. XVII. Além disso, para estarmos perante uma circunstância de impedir a concretização de um facto consumado, para efeitos de se poder deferir a uma providência cautelar, temos de estar perante uma situação, onde seja impossível restabelecer a situação anterior, não sendo este efetivamente o caso. XVIII. Por conseguinte, está em causa o exercício da atividade económica da empresa Recorrente, que utiliza as vias viárias em questão para o trânsito das suas viaturas, que sempre poderá de se deixar de fazer se os Recorridos vierem a ter ganho na causa principal, isto é, não estamos perante uma situação que não possa ser revertida. XIX.O direito à livre iniciativa económica privada contempla a prática de atos e o exercício de qualquer atividade de foro económico por parte de entidades privadas singulares ou coletivas, englobando uma prática isolada de negócios jurídicos e atos materiais com caráter economicista, sendo certo que essa atividade económica poderá ser uma atividade de mera fruição ou administração, como pode ser suscetível de revestir um caráter empresarial. XX. Assim, partindo genericamente do direito fundamental constitucionalmente consagrado e da concretização legislativa desse direito, só poderá haver lugar a diminuição do grau de proteção conferido ao direito mediante uma restrição legítima (quando falamos em restrições estamos a referir-nos a uma ação que implica um enfraquecimento do seu âmbito de proteção). XXI. As restrições dos direitos fundamentais têm sempre um limite, na medida em que não poderá ser ofendido aquele mínimo para além do qual o direito fundamental deixe de o ser, ou seja, um mínimo sem o qual o direito ficaria esvaziado enquanto tal. XXII. Descendo ao caso concreto, afigura-se evidente que a avaliação do Tribunal a quo, a propósito da prevalência, sem mais, dos direitos de personalidade sobre o direito de iniciativa económica da Recorrente, não se afigura correta. XXIII. Ao eleger como prioritários e hierarquicamente superiores os direitos de personalidade dos Recorridos, não logrou tão pouco mesurar sob o ponto de vista do princípio de proporcionalidade o grau de determinabilidade da restrição do direito da Recorrente em prol dos direitos dos Recorridos. XXIV. Note-se que, em sede alguma do aresto recorrido, o Tribunal a quo estabeleceu um critério de limitabilidade de uns direitos em favor de outros; o que, por outras palavras, demonstra e elenca bem a arbitrariedade com que o julgador preteriu os direitos fundamentais da empresa Recorrente. XXV. Rememore-se que, neste âmbito, o Tribunal recorrido pronunciou-se numa medida segundo a qual embora não é de excluir que a atividade da empresa Recorrente possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar os referidos direitos de personalidade, sem que, a respeito, tenha verificado de que modo a atividade económica e profissional da empresa sairia afetada e em que grau de proporcionalidade tal seria juridicamente compaginável sem que tal restrição atingisse o núcleo duro desse direito jusconstitucional. XXVI. Note-se que o Tribunal a quo poderia ter decidido por impor medidas muito menos restritivas à atividade económica e profissional da empresa – e por conseguinte, mais adequadas e proporcionais em face da concordância prática dos dois direitos e interesses em jogo –, como fosse, por exemplo, a imposição de circulação em sentido único nos arruamentos em apreço ou mesmo a adoção da semaforização naqueles, preconizada no próprio processo de licenciamento do empreendimento logístico, de modo a que, por um lado, se pudesse mitigar alegados constrangimentos e assegurar o direito ao sono, descanso, repouso e saúde das pessoas, e por outro lado, pudesse minorar, na esfera jurídica da empresa, as graves e nefastas implicações que uma decisão desta natureza resultará necessariamente na sua atividade e, correspondentemente, na economia local e índices de empregabilidade. XXVII. Contrariamente ao exposto, o Tribunal a quo, decidiu impor medidas que efetivamente, de forma desadequada, desproporcionais e arbitrárias contendem com o núcleo duro do direito fundamental da empresa aqui Recorrente, nomeadamente, preterindo-o (em absoluto no período noturno) em prol do direito de personalidade dos Recorridos, em violação do princípio da proporcionalidade. XXVIII. Não obstante, o critério determinante utilizado pelo Tribunal a quo para considerar, nesta sede, a ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, para efeito de preenchimento do referido pressuposto, encontra-se, ab initio inquinado. XXIX. Por outro lado, a respeito dos prejuízos económico-financeiros resultantes do decretamento da providência (com a consequência de restringir a empresa ao seu normal desenvolvimento profissional) e, consequentemente, resultar em perdas de postos de trabalho, a Recorrente apresentou a devida prova da sua situação económica e financeira e, ainda, do número de trabalhadores alocados e pertencentes ao centro logístico do carregado que residem no concelho. XXX. Apenas se relembrando, a este respeito, que as consequências das restrições impostas pelo Tribunal a quo são manifestamente dramáticas, com a irremediável perda de cerca de 50 % dos postos de trabalho atualmente existentes na plataforma logística do Carregado, que se cifra em 214 trabalhadores. XXXI. Sendo que, a curto prazo e com a vigência/imposição de tais medidas limitativas da atividade económica da empresa, o nível de desemprego terá repercussões nacionais no seio da Recorrente previstos na cifra dos 1000 (mil) postos de trabalho. XXXII. Ou seja, na mensuração do critério da ponderação de interesses, o julgador recorrido evadiu-se a analisar e reconhecer conveniente e adequadamente os dados e elementos juntos aos autos, infirmando tão somente que a atividade da empresa nos termos desenvolvidos desde 2021 seria ilícita à luz do licenciamento conferido – o que não assoma verdade – e que, pura e simplesmente, da prova produzida, em qualquer dos meios de prova apresentados nos autos se consegue perspetivar um efeito pernicioso e corrosivo do ponto de vista económico-financeiro que o decretamento da providência viesses provocar, particularmente, na empresa Recorrente e, de modo mais geral e consequente, no concelho de Alenquer. XXXIII. Ora, como é bom de ver, não só o caso dos presentes autos não preenche este requisito, como é mesmo paradigmático na inversa proporção, ou seja, trata-se de um caso em que, a ver-se decretada a presente providência, serão nefastas as consequências produzidas na esfera jurídica não só da Recorrente como ao nível do interesse público municipal. XXXIV.Com efeito, será, de resto, irrefutável que o eventual decretamento da presente providência cautelar, com a consequente proibição ou restrição ao trânsito das viaturas pesadas terá nefastas consequências do ponto de vista a operabilidade do centro de logística, o que, por sua vez, acometerá graves prejuízos económicos e financeiros à empresa, causando perdas de postos de trabalho. XXXV. Note-se que de acordo com os indicadores contabilísticos e financeiros da Recorrente o centro logístico do Carregado representa uma média mensal de faturação, ao nível da distribuição, de €757.930,00 (setecentos e cinquenta e sete mil novecentos e trinta euros), ao que acresce a faturação logística mensal, no montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), XXXVI. Perfazendo um total de faturação mensal de € 907.930,00 (novecentos e sete mil e novecentos e trinta euros), conferindo uma faturação anual de € 10.895.156,00 (dez milhões oitocentos e noventa e cinco mil e cento e cinquenta e seis euros). XXXVII. Ainda, e umbilicalmente ligado ao acima referido, os danos para a reputação da Recorrente, que a custo de muito trabalho e anos de prestação de serviços de excelência podem vir num ápice por água a baixo, uma vez que o seu centro logístico do Carregado é o polo central de toda a sua atividade comercial na medida em que é daqui que os serviços de logística da empresa servem, no grosso, as necessidades dos respetivos clientes. XXXVIII.O que vale por dizer que o teor do presente aresto causará à Recorrente prejuízos graves e irreparáveis (nem sequer de difícil reparação), colocando-a numa posição muito difícil, designadamente, perante os seus clientes, colaboradores e demais parceiros económicos, redundando esta condição num claro e inegável efeito financeiro nefasto que muito poderá prejudicar a solvabilidade da empresa. XXXIX.É, assim, por demais evidente que esta perturbação abrupta no exercício da atividade levado a cabo pela Recorrente afigura-se sobejamente perniciosa também para o interesse público local, já que se verificará um aumento de desemprego pela necessidade de despedimentos em função da redução de trabalho proporcionalmente à restrição colocada em face do seu normal funcionamento. XL. Neste contexto, torna-se, assim, imperiosa a adoção de medidas tendentes a obstar à consumação de danos na esfera jurídica da Recorrente, os quais decorrem já imediata e automaticamente a partir do início do cumprimento da decisão e, subsequentemente, redução da sua atividade económica. XLI. Uma vez que a empresa, possuindo um volume de trabalho bastante elevado naquele centro logístico desde a sua abertura, vem laborando nessa proporção de capacidade de fluência e, de um momento para o outro (literalmente de um dia para o outro), não poderá, de forma simplesmente automática, simplesmente deixar de exercer a sua atividade ou limitá-la a contingências residuais, sem que sejam adotadas medidas adequadas, estruturadas e cabais, no sentido de mitigar os alegados impactos que da sua atividade decorrem, XLII. Até porque a adoção de uma medida tão drástica quanto a que os Requeridos requestam terá repercussões imediatas e em primeiro grau no exercício da atividade da Recorrente e seus colaboradores, mas também – e sequentemente – ao nível da dimensão social dos serviços prestados pela empresa uma vez que fica gravemente comprometido o transporte e distribuição de bens (entre outros, bens alimentares essenciais) para com os sues clientes e parceiros económicos (hipermercados, mercados, mercados abastecedores e afins). XLIII.É por demais evidente que qualquer perturbação no exercício da atividade levado a acabo pela Recorrente afigura-se sobejamente pernicioso também para o interesse público, mormente, ao nível da imagem do Município de Alenquer, já que verificar-se-á, desde logo, um aumento de desemprego, mas também gerará um desincentivo para qualquer Empreendedor que possa cogitar fixar o seu negócio naquele Município. XLIV. Por outras palavras, gerar-se-á uma sobeja perda de atratividade ou potencialidade económica aliada à maior visibilidade e reputação do Carregado enquanto lugar privilegiado para a instalação de empresas e plataformas logísticas, pelo seu posicionamento geoestratégico. XLV. Sem que disso tire qualquer benefício a o interesse público do próprio Município em sentido lato. XLVI. Fica assim patenteado que o prejuízo que decorre do não decretamento da presente providência é (em muito) superior comparado ao prejuízo que advém do decretamento da mesma, sendo fácil é de concluir que todos os interesses militam no mesmo sentido do não decretamento da providência cautelar. XLVII. Em contrapartida, o Tribunal a quo não identifica prejuízos decorrentes da recusa da providência. XLVIII. Deste modo, é manifesto que os prejuízos que decorrerão da concessão da providência, quer para a Recorrente, quer para os interesses públicos supramencionados, são manifestamente superiores aos que decorreriam da sua não concessão, pelo que, também por isso, a decisão recorrida deve ser revogada”. * A Entidade Requerida, Município de Alenquer, apesar de regularmente notificadao, não apresentou contra-alegações. * Os Requerentes, ora Recorridos, nas suas contra-alegações formularam as seguintes conclusões: I. Não podem concordar os Recorridos com o pedido formulado pela Recorrente no que concerne à atribuição ao Recurso de efeito suspensivo, II. Pois, tal como decorre da Lei e da diversa jurisprudência existente, os presentes autos versam sobre o disposto no artigo 143.º, n.º 2, do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adoção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo, III. A Recorrente não conseguiu provar que a manutenção da sentença proferida, na presente providência cautelar, a impede de exercer a sua atividade económica, IV. Também, não logrou demonstrar de forma concreta e séria qual a medida dos supostos prejuízos que invoca, limitando-se de forma genérica a lançar números sem qualquer suporte, fazendo um melodrama e uma hecatombe de forma a condicionar o Tribunal, V. Acresce que, tal como resulta dos elementos ora carreados para os autos, a Ré, Município de Alenquer, procedeu à colocação da sinalética a delimitar quer o trafego de veículos pesados, quer a velocidade de circulação nessas vias, VI. Dando, assim, razão às queixas dos Autores e restantes moradores, VII. Quanto aos possíveis danos à reputação da Recorrente, também aqui não logrou demonstrar, a Recorrente, em que medida é que esta decisão lhe provoca esses danos, VIII. Sendo certo que, a conduta dos funcionários da Recorrente, ao desrespeitarem de forma clara, incontestável e com total sentido de impunidade a sinalética entretanto colocada, será mais preocupante e com certeza mais devastadora para a imagem da Recorrente, IX. Que, ao longo de todo o seu recurso pretende fazer passar a imagem de uma empresa com elevado sentido de responsabilidade e ética, no entanto, tem ao seu serviço funcionários que desrespeitam completamente a Lei e sem qualquer sentido de civilidade, urbanidade e empatia para com o próximo, X. Tendo, desde a prolação da sentença reiterado os seus comportamentos completamente desajustados e, pior aumentando os mesmos em clara demonstração de desafio e coação sobre os moradores, XI. Também, não podem os Recorridos deixar de frisar de forma completamente clara e inequívoca que, a Recorrente, se vitimiza e quer fazer crer ao Tribunal que esta decisão a impossibilita de exercer a sua atividade económica, XII. Ora, tal é mais uma vez completamente falso, a presente decisão limita o trafego de pesados em determinados períodos e a partir de uma velocidade superior a 20km/hora, XIII. Pelo que, a Recorrente, pode continuar a desenvolver a sua atividade económica, apenas tendo que se adaptar às circunstâncias ora definidas, XIV. Mais, a Recorrente, como a grande empresa multinacional que quer ser, com elevado sentido de estar social e, preocupada com os seus funcionários, talvez devesse ter tido essa preocupação antes de se instalar num meio flagrantemente rural, com vários aglomerados habitacionais e sem vias de acesso que pudessem suportar o seu constante fluxo de camiões, XV. No entanto, a verdade é que esta situação apenas se deve à sua falta de planeamento/estruturação, que não acautelou estas situações, XVI. Empresa multinacional que, parece não ter tido a capacidade de avaliar estes condicionalismos, XVII. Ou quiçá, fiando-se na sua importância, simplesmente os ignorou convencida de que conseguiria fazer o que bem lhe aprouvesse, sem ser questionada, sem ser contestada, XVIII. A douta sentença recorrida, fundamenta a sua decisão nos elementos carreados, à data para os autos e, nos depoimentos das testemunhas ouvidas, XIX. Sendo notório, o cuidado em gerir o direito da Recorrente ao desenvolvimento da sua atividade económica e os direitos dos Recorridos, ao descanso, sossego… XX. Tendo, ao longo da mesma, sopesado os mesmos e encontrado uma solução que permite que cada uma das partes possa ver salvaguardados os seus direitos”. Juntaram 25 documentos. * O DMMP notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), emitiu pronúncia no sentido de improcedência do presente recurso. * * II – Das questões a decidir: Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. As questões que importa resolver incidem sobre: i) a alteração dos efeitos do recurso (questão prévia); ii) a admissão dos (25) documentos juntos com as contra-alegações; iii) o erro de julgamento de Direito quanto ao requisito de periculum in mora e no juízo de ponderação de interesses. Ø Da questão prévia: dos efeitos do recurso jurisdicional Pretende a Recorrente a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 647.º do CPC, invocando que da atribuição de efeito meramente devolutivo resultará, em resumo, que “terá que suportar na sua esfera os efeitos resultantes da restrição abrupta e inesperada da sua atividade económica, incompatível com a prossecução do seu escopo social e com a própria solvabilidade da empresa” O que foi indeferido pelo Tribunal a quo. Apreciando; Em matéria de recursos, como dispõe o artigo 140º, nº 3, do CPTA, regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título. Logo, há que atender ao disposto no artigo 143.º do CPTA, sob a epígrafe Efeitos dos Recursos, sendo que no nº 1, consta como regra geral terem os recursos ordinários efeito suspensivo da decisão recorrida. Excepcionam-se no respectivo n.º 2 os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias, decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes, e decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, que têm efeito meramente devolutivo. O n.º 3 prevê a possibilidade de ser requerido efeito devolutivo ao recurso, quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos. Ao passo que o n.º 4 prevê, no caso da atribuição de efeito devolutivo ao recurso poder causar danos, que o tribunal determina a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação de garantia destinada a responder pelos mesmos. Em complemento, prevê o n.º 5 que deve ser recusada a atribuição de efeito devolutivo ao recurso quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos. Como se afigura evidente, do citado n.º 2 do artigo 143.º expressamente resulta solução legal contrária à propugnada pela Recorrente, posto que aí se prevê que têm efeito devolutivo os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares, sem distinguir se está em causa a recusa ou aceitação da providência. Ora, dos normativos que norteiam a actividade interpretativa da lei, constantes do artigo 9.º do Código Civil, resulta a regra geral de que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, non distinguere debemus), sendo certo que, no caso vertente, não se vislumbra qualquer fundamento para disputar o acerto da solução consagrada, cf. n.º 3 do citado artigo. Nem se invoque o n.º 5 do mesmo artigo 143.º do CPTA, para sustentar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. É que este normativo apenas se reporta aos casos em que foi requerida a atribuição de efeito devolutivo ao recurso, prevista no n.º 3, prevendo-se em seguida, e sequencialmente, os casos em que os danos decorrentes dessa atribuição se mostrem inferiores (n.º 4) ou superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição (n.º 5). Neste sentido, observam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha que “[a]s previsões dos nºs 4 e 5 pressupõem que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do nº 3. Não são, por isso, aplicáveis às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que directamnete decorre do disposto no nº 2, sem dependência de requerimento, e não são, por isso, passíveis de decisão de atribuição ou recusa por parte do juiz. Por outro lado, a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo”, pois a atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso decorre das “razões de especial urgência que estão na base da utilização dos meios processuais em causa (…) e, no que se refere às decisões respeitantes a processos cautelares, também pelo facto de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os n.ºs 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 5ª edição, 2021, p. 1156). Vejam-se ainda, decidindo neste sentido, os acórdãos do STA de 30/10/2014, proc. n.º 0681/14, de 17/09/2015, proc. n.º 0622/15, de 03/12/2015, proc. n.º 0550/15, de 13/10/2016, proc. n.º 0865/16, e do TCAN de 18/06/2009, proc. n.º 1411/08.9BEBRG-A, de 16/09/2011, proc. n.º 973/11.8BEPRT, e de 26/07/2019, proc. n.º 109/19.7BEMDL, disponíveis em http://www.dgsi.pt ). Pelo exposto, confirma-se o indeferimento do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto nos presentes autos pelo Recorrente. * Ø Da admissão de documentos juntos com as contra-alegações Nos termos previstos no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.° do mesmo Código, são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, em função do objecto do litígio, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Do que se depreende do teor das contra-alegações dos Recorridos, tais documentos destinar-se-iam a afastar a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, pelo que não se subsume nos fins visados pelas citadas normas. Em todo o caso, atento o ante decidido sempre tais documentos seriam irrelevantes para a decisão. Termos em que se impõe concluir não ser de admitir a junção aos autos dos referidos documentos, impondo-se o seu desentranhamento e devolução aos Recorridos. * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 DE FACTO O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade que se reproduz na íntegra: 1. O requerente .... (primeiro requerente) reside no prédio urbano sito na Rua .... Alenquer, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 5055, da União das Freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana) – cfr. documentos juntos com o requerimento apresentado em 25/09/2024, constantes de fls. 3366 a 3368 dos autos; facto admitido por acordo (artigo 1.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); 2. O requerente .... (segundo requerente) reside no prédio urbano sito na Rua .... , .... , 2580-061 Alenquer, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 5391, da União das Freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana) – cfr. documento junto com o requerimento apresentado em 25/09/2024, constante de fls. 3361 a 3363, e 3369 dos autos; facto admitido por acordo (artigo 1.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); 3. A requerente .... (terceira requerente) reside no prédio urbano sito na Rua .... , .... Alenquer, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2470, da União das Freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana) – cfr. documento junto com o requerimento apresentado em 25/09/2024, constante de fls. 3359 e 3360, e3372 dos autos; facto admitido por acordo (artigo 1.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); 4. A requerente .... (quarta requerente) reside no prédio urbano sito na Rua .... Alenquer, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 5046, da União das Freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana) – cfr. documentos juntos com o requerimento apresentado em 25/09/2024, constantes de fls. 3364 e 3365, e 3370 dos autos; facto admitido por acordo (artigo 1.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); 5. A Contrainteressada é uma sociedade comercial que tem por objeto a compra e venda de imóveis e tudo o que se relacione com esta atividade, incluindo o arrendamento e a revenda dos adquiridos para esse fim, bem como presta serviços de construção civil e obras públicas e reparação e restauro de imóveis – cfr. documento 3 junto com a oposição da Contrainteressada; 6. A 12/08/2016, a sociedade .... , S.A. (contrainteressada) apresentou junto do Município de Alenquer um pedido de licenciamento para a construção de um centro de logística e muro de vedação, na localidade de Passinha, ao qual foi atribuído o número 01/2016/68 – cfr. documento a fls. 51 do PA apenso aos autos, volume I; 7. Com o respetivo pedido de licenciamento, a Contrainteressada apresentou documento datado de 08/11/2016, emitido pela empresa .... , designado por “Estudo de Tráfego – Centro Logístico no Carregado (Alenquer)”, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se extrai, entre o mais, o seguinte: (…) 1 INTRODUÇÃO O presente documento constitui o Estudo de Tráfego, Circulação e Estacionamento para o projeto do novo Centro Logístico, que se irá localizar num terreno junto à Rua .... , próximo da zona industrial do Carregado, município de Alenquer, para efeitos de licenciamento e apresentação às entidades de tutela, nomeadamente a infraestruturas de Portugal e a Câmara Municipal de Alenquer, O estudo dará resposta às exigências das disposições legais vigentes, tendo como objetivo estimar o impacto decorrente do funcionamento do empreendimento sobre a rede viária na sua envolvente direta, em termos de tráfego rodoviário e de estacionamento, por forma a demonstrar a sua viabilidade técnica e dotação funcional. (…) 4.4.2 Geração de Tráfego A geração de tráfego pelo empreendimento foi calculada com base na informação de procura fornecida pelo promotor do empreendimento. De acordo com os dades fornecidos, estima-se uma procura diária de 8 a 10 veículos ligeiros, pertencentes ao segmento funcionário e outros, enquanto relativamente aos veículos pesados se prevê uma procura diária de 20 veículos diurnos e 6 a 7 veículos noturnos. Assim, foi considerado um cenário crítico, isto é, mais conservativo, assumindo que toda a procura diária ocorrerá na HPMDU, ou seja, 10 veículos ligeiros e 20 veículos pesados, correspondente a um total de 50 unidades de veículos ligeiros equivalentes (uvl). (…) (…) Assim, tendo em conta os pressupostos admitidos, considera-se neste estudo que o empreendimento terá uma geração de 20 uvl a entrar e 30 uvl a sair, na hora de ponta da manhã de um dia útil. A geração engloba os vários segmentos de procura: clientes, funcionários e prestadores de serviços. (…) 5.3 Necessidades Funcionais de Estacionamento A metodologia mais adequada para determinar a capacidade necessária do parque de estacionamento baseia-se, para este ripo de empreendimento, no valor de sua procura e no seu comportamento. Assim, de acordo com este método, o total de lugares de estacionamento necessários resulta do produto do número de veículos gerados/atraídas pelo empreendimento em hora de ponta pela duração média do estacionamento, sendo, portanto, dado pela seguinte expressão: Relativamente ao estacionamento de veículos ligeiros, de acordo com os dados fornecidos pelo promotor, estima-se uma procura máxima de 10 veículos estacionados, no que diz respeito à procura associada a funcionários e visitantes. Assim, o número previsto de lugares de estacionamento no interior do empreendimento (+ 30 lugares) é muito superior à procura máxima estimada de 10 lugares. Relativamente ao estacionamento de veículos pesados, considera-se que cada veículo permanecerá, em média, o equivalente a 2 horas (120 minutos). Para efeitos do dimensionamento do parque, optou-se por aumentar este valor em mais 30 minutos para satisfazer possíveis picos de procura superior. Estima-se que o número máximo de veículos pesados a entrar /sair do empreendimento seja de 20 veículos por hora. Assim, O número de lugares de estacionamento necessários resulta da multiplicação de 20 veículos/h por 150 minutos, o que corresponde a 50 lugares. Assim, o número previsto de lugares de estacionamento para veículos pesados no interior do empreendimento (77 lugares) é superior à procura máxima estimada de 50 lugares, segundo esta metodologia. (…)” – cfr. documento 1 junto com a oposição da Contrainteressada; 8. Em 18/07/2019, pelo Gabinete do Presidente – Núcleo de Trânsito e Mobilidade, do Município de Alenquer, foi elaborada a Informação n.º 7171, referente ao Processo n.º 2016/450.10.212/18, referente ao assunto “Beneficiação dos Acessos ao Centro Logístico Santos e Vale – Rotunda Passinha Junção de elementos – Proc. n.º 01/2016/68”, que aqui se dá como reproduzida e da qual se extrai, entre o mais, o seguinte: «Exmo(a). Senhor(a) Presidente Com referência ao assunto mencionado em epígrafe e no seguimento do documento registado sob o n.º 9350, datado de 11.07.2019, apresentado por .... , SA, onde o mesmo apresenta novos elementos, observa-se: A análise incide sobre o novo Estudo de Tráfego, Circulação e Estacionamento efetuado pela empresa .... em 20.06.2017, para o mencionado projeto. Refere-se que não dispondo a Autarquia de elementos de contagem de tráfego para a rede viária em análise, toma esta entidade como base o estudo apresentado, fazendo fé nos dados levantados em trabalho de campo pela empresa .... . Nesse sentido, após leitura atenta ao documento verifica-se ser proposto: - Nó 1 - O alargamento da faixa, para 7 metros, no troço de circulação bidirecional na Rua .... , entre o entroncamento desta e o acesso proposto ao empreendimento, assim como o aumento do raio de curvatura, para 10 metros, entre a Rua .... e a Rua .... . - Após análise ao proposto e no cenário com empreendimento, de acordo com os dados fornecidos, estima-se uma geração diária de 10 veículos ligeiros (=10 uvl) e 20 veículos pesados em período diurno e noturno (=40 uvl), entre entradas e saídas na (HPM-DU) hora de ponta da manhã/dia útil; - A solução proposta melhora significativamente os movimentos não prioritários, verificando-se condições de circulação com nível de serviço “A" no cruzamento entre a .... , a Rua .... , a Rua .... e a Rua .... , mesmo no cenário com o empreendimento, estimam-se níveis de serviço "A” e "B”, na HPM-DU, o que configura um cenário de quase excelentes condições de circulação. - Nó 2 - A construção de uma rotunda galgável de quatro ramos com um DCI de 24,0 m, para substituição da atual interseção da Rua .... com a Rua dos Casais Novos e na interseção da Rua .... com a Estrada da Torre. (…) - No caderno TRAÇADO / TERRAPLANAGENS, é apresentada uma simulação de circulação de dois veículos pesados de referência, um de 18m e outro de 25m de comprimento, verifica-se que mesmo apresentando a rotunda um DCI pequeno, o facto do ilhéu ser galgável permite que veículos mais longos possam efetuar manobras de viragem à esquerda de forma aceitável (Figura 3 – Simulação das manobras de veículos pesados). (…)» – cfr. documento 20 junto com o requerimento inicial; (…)”, cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial. 9. Em 18/07/2019, pelo Presidente da Câmara Municipal de Alenquer foi exarado despacho sobre a informação identificada no ponto antecedente, com o seguinte teor: “-Usando da competência que me foi delegada por deliberação tomada em reunião de 19.10.2017; / -Concordo com a informação; / -À DU para os devidos efeitos.” – cfr. documento 20 junto com o requerimento inicial; 10. Em setembro de 2020, os Requerentes tomaram conhecimento de que seria instalado, na localidade de Passinha, um centro de logística e transportes, na Rua .... , através dos moradores desta localidade – cfr. declarações de parte; facto admitido por acordo (artigo 4.º do requerimento inicial, e artigo 34.º da oposição do Município de Alenquer); 11. Em 09/10/2020, foi realizada reunião entre o Presidente da Câmara Municipal de Alenquer, em representação do Município de Alenquer, e representantes da população de Passinha, “subordinada à temática do armazém de logística da empresa .... , sito na Rua .... ”, como se alcança da respetiva ata, da qual se extrai, entre o mais, na qual foram informados de que o Município de Alenquer tinha autorizado a sociedade .... , S.A. a construir e instalar um centro de logística na localidade, que aumentaria o tráfego diário em dez (10) veículos ligeiros, e vinte (20) veículos pesados, de acordo com um estudo apresentado por aquela sociedade aquando do respetivo processo de licenciamento – cfr. documentos 6 e 7 juntos com o requerimento inicial; cfr. declarações de parte; facto admitido por acordo (artigos 6.º, 7.º e 9.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer; 12. Na reunião mencionada no ponto antecedente, os representantes da população de Passinha foram também informados de que o Município de Alenquer estava atento a todo o processo de instalação do centro de logística, e que fiscalizaria o cumprimento dos limites de tráfego, como se alcança da respetiva ata – cfr. documentos 6 e 7 juntos com o requerimento inicial; cfr declarações de parte; facto admitido por acordo (artigos 6.º, 7.º e 9.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); 13. Em 28/05/2021, a Câmara Municipal de Alenquer emitiu o documento designado por “Alvará de autorização de utilização n.º 32/2021”, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido e do qual se extrai, entre o mais, o seguinte: “Nos termos do artigo 74.º do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, alterado e republicado pelo decreto-lei n.º 136/2014, de 09 de setembro, é emitido o alvará de autorização de utilização n.º 32/2021, em nome de .... , S.A., pessoa coletiva n.º .... , que titula a autorização de utilização do prédio urbano situado na rua .... , união de freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana), descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Alenquer sob o n.º 923 da freguesia de Triana e inscrito na matriz predial sob o artigo 5916 da união de freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana), correspondente ao Processo de Obras n.º 01/2016/68, em nome de .... , S.A. A utilização foi autorizada por despacho de 26/05/2021 da vereadora com competência delegada e respeita o disposto no Plano Diretor Municipal. (…) (…)” – cfr. documento 4 junto com a oposição da Contrainteressada; 14. Em 18/08/2021 ocorreu um incêndio na Rua .... , em que, estando em causa habitações e as instalações da empresa, e estando a estrada completamente preenchida por veículos pesados que tiveram de parar na via, tiveram de ser pedidos meios aéreos, apesar de se tratar de um incêndio de pequena dimensão – facto admitido por acordo (artigo 30.º do requerimento inicial, e artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); 15. Em 07/10/2022, por moradores da Rua .... , localidade de Passinha, foi requerida a adoção de providência cautelar contra o Município de Alenquer, indicando como contrainteressada a sociedade .... , S.A., autuada neste tribunal com o n.º 3053/22.7BELSB, em cujo requerimento inicial peticionaram o seguinte: “Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente determinará, deve a presente providência cautelar ser considerada procedente, por provados os factos alegados, e consequentemente ser determinadas as seguintes medidas cautelares, apresentadas de forma subsidiária: 1. Regular provisoriamente o tráfego de veículos pesados na localidade de Passinha, sobretudo na Rua .... , não sendo permitida a passagem de veículos pesados, como acontecia antes da edificação e instalação do Centro de Logística da Contrainteressada. 2. Se assim não se entender, e sem conceder, regular a permissão de tráfego de veículos pesados na localidade de Passinha, sobretudo na Rua .... , não sendo permitida a passagem de mais de vinte veículos pesados durante o dia, e não sendo permitida a passagem de veículos pesados no período nocturno. 3. Se assim não se entender, e sem conceder, regular a permissão de tráfego de veículos pesados na localidade de Passinha, sobretudo na Rua .... , não sendo permitida a passagem de mais veículos pesados durante o período nocturno. 4. Fixar o regime de fiscalização por parte do Requerido quanto ao número de veículos pesados a circular na localidade, no caso de ser decretada medida cautelar prevista nos pontos 2 ou 3. Requer-se o decretamento provisório, nos termos do art. 131.º do CPTA por se tratar de situação de especial urgência, passível de dar acusa a uma situação de agravamento da saúde dos AA. e habitantes, sobretudo por ser previsível que no início do mês de Setembro a Contrainteressada passe a realizar a distribuição de bens dos Correios de Portugal.” – cfr. consulta do processo n.º 3053/22.7BELSB, no SITAF; 16. Em 23/05/2023, foi proferida sentença no processo cautelar identificado no ponto antecedente, na qual se decidiu, entre o mais, o seguinte: (…) 3. Procedente a providência cautelar de intimação para adoção de uma conduta, e, em consequência, determino que a empresa contrainteressada, ‘.... , S.A.’, adote o volume de tráfego previsto no «Estudo de Tráfego – Centro Logístico no Carregado (Alenquer)», que apresentou aquando do processo de licenciamento da respetiva atividade, Processo n.º 01/2016/68, consistente na passagem de (8) a (10) veículos ligeiros/dia, pertencentes ao segmento funcionário e outros, e de (20) veículos pesados/dia e (6) a (7) veículos pesados/noite, na via destinada ao trânsito automóvel, da Rua .... , no lugar de Passinha, do concelho de Alenquer; 4. Determina-se a proibição de circulação na via destinada ao trânsito automóvel, da Rua .... , no lugar de Passinha, do concelho de Alenquer, de veículos, ligeiros ou pesados, em número superior ao determinado em (3); 5. Determina-se que o Município de Alenquer proceda, com caráter regular, e de forma documentada, à fiscalização preventiva da atividade económica da empresa contrainteressada, ‘.... , S.A.’, em ordem a verificar o cumprimento do determinado em (3), por força do disposto nos artigos 93.º, 98.º n.º 1 alíneas d), e) e f), e 100.º, ambos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, diploma que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, e artigos 43.º n.º 3 alínea l) e 50.º n.º 5 alíneas b) e c), ambos do Regulamento Orgânico do Município de Alenquer, aprovado pelo Despacho n.º 11790/2020, do Presidente da Câmara Municipal, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 232 — 27 de novembro de 2020, pp. 190 – 233; 6. Improcedente o pedido de proibição de circulação na via destinada ao trânsito automóvel, da Rua .... , no lugar de Passinha, do concelho de Alenquer, de veículos pesados/noite; 7. Condeno a entidade pública requerida e a empresa contrainteressada no pagamento das custas processuais, em partes iguais; (…)” – cfr. consulta do processo n.º 3053/22.7BELSB, no SITAF; 17. O tráfego passou, a partir de 23/05/2023, também a ser realizado pela Rua .... (localidade do Casal Machado), pela .... (localidade de Casais Novos) e continuação desta Avenida (localidade de Passinha) – cfr. declarações de parte, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 18. Nas vias identificadas no ponto antecedente circulam mais de 200 veículos pesados, em 24 horas (dia e noite), todos ao serviço da sociedade contrainteressada, que vêm ou vão para o centro de logística mencionado no ponto 13 supra – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 19. As moradias dos Requerentes situam-se junto às vias identificadas no ponto 17 supra – cfr. documento junto com o requerimento apresentado em 25/09/2024, constante de fls. 3371 dos autos, e declarações de parte dos Requerentes; 20. As vias identificadas nos pontos antecedentes são de dimensão estreita, e inviabilizam o cruzamento, ou passagem de dois veículos pesados em simultâneo – cfr. documentos 11, 12 e 13 juntos com o requerimento inicial, declarações de parte, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 21. Quando, nas vias identificadas no ponto 17 supra, se cruzam dois veículos pesados, um dos condutores tem que ceder a passagem ao outro – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 22. A passagem dos veículos pesados referida no ponto 18 supra implica a produção de um nível de ruído que impede os requerentes, e os demais moradores na Rua .... e na Rua .... , de conseguirem descansar, sobretudo durante o período noturno – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 23. A passagem dos veículos pesados referida no ponto 18 supra implica o estremecer das janelas e portadas – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 24. Os Requerentes, e os demais moradores na Rua .... e na Rua .... / .... , encontram-se em estado de privação de sono, irritabilidade, e em alguns casos com necessidade de recurso a acompanhamento médico e medicação – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 25. A passagem dos veículos pesados referida no ponto 18 supra implica risco para a segurança dos requerentes e transeuntes – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 26. A passagem dos veículos pesados referida no ponto 18 supra provocou danos materiais nas casas localizadas junto à Rua .... e à .... – cfr. declarações de parte dos Requerentes, e depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes; 27. O Município de Alenquer projeta construir uma via destinada ao trânsito automóvel, alternativa à Rua .... , na localidade de Passinha, e à .... , na localidade de Casais Novos, para a circulação de veículos pesados – cfr. documento 2 junto com a oposição do Município de Alenquer; facto admitido por acordo (artigo 26.º do requerimento inicial, artigo 6.º da oposição do Município de Alenquer); cfr. depoimentos das testemunhas arroladas pelo Município de Alenquer; 28. Pelo Município de Alenquer foi lançado um procedimento pré-contratual para “a elaboração de estudo de viabilidade para a circular verde nordeste do Carregado”, tendo em vista permitir a circulação fora dos aglomerados urbanos, ligando a zona industrial do Carregado à EN1 Alenquer – cfr. documentos 3, 4, 5 e 6 juntos com a oposição do Município de Alenquer; 29. No âmbito do procedimento pré-contratual identificado no ponto antecedente foi adjudicada a proposta apresentada pela empresa NRV – Consultores de Engenharia, S.A., pessoa coletiva n.º 501 884 955, que apresentou estudo de viabilidade – cfr. documento 7 junto com a oposição do Município de Alenquer; 30. Foram realizadas diversas reuniões com o proprietário do terreno onde esse nó se equaciona localizar – prédio rústico inscrito sob o artigo matricial n.º 10, da Secção AB, da União de Freguesias de Carregado e Cadafais, com vista à sua aquisição por via de direito privado, no âmbito de processo expropriativo que terá lugar, tendo já sido possível – cfr. documento 8 junto com a oposição do Município de Alenquer; 31. Do Comunicado do Presidente da Câmara Municipal de Alenquer, datado de 19/07/2021, fez-se constar o seguinte: “[n]esse sentido, já reunimos várias vezes com os proprietários da Quinta da Telhada de maneira a acordar os termos que permitirão a construção de uma via alternativa afastada do núcleo urbano e que permita também retirar definitivamente o tráfego de pesados da Rua .... ” – cfr. documento 9 junto com a oposição do Município de Alenquer. FACTOS NÃO PROVADOS: Com relevância para a decisão da causa, não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos: 1. Que nas vias destinadas ao trânsito automóvel, da Rua .... e da .... , nas localidades do Casal Machado e de Casais Novos, circulem veículos pesados de outras empresas com a intensidade de tráfego dos veículos pesados da Contrainteressada (artigos 38.º a 47.º da oposição da Contrainteressada); 2. Que, em termos gerais, uma proibição pura e simples de circulação de veículos pesados nas localidades acima indicadas, uma restrição da sua circulação a certas horas ou mesmo a instituição de um regime de fiscalização de trânsito implicaria uma perda de atratividade do Carregado enquanto lugar privilegiado para a instalação de empresas e plataformas logísticas, pelo seu posicionamento geoestratégico, assim como a perda de riqueza (alegado nos artigos 92.º a 95.º da oposição do Município de Alenquer); 3. Número de trabalhadores, e graves prejuízos económicos e financeiros, ou perdas de postos de trabalho, na esfera jurídica da contrainteressada, na hipótese da adoção da providência requerida (alegado nos artigos 159.º a 172.º da oposição da contrainteressada); * II.2 De Direito Cumpre apreciar e decidir conforme delimitado em I.1. Quanto aos alegados erros de julgamento de Direito da sentença recorrida há que fixar, desde já, duas premissas: a primeira é a de que o juízo do Tribunal a quo no que concerne ao requisito do fumus boni iuris não se mostra disputado, o que significa que foi “aceite” pela Recorrente. A segunda é que a Recorrente não impugnou o julgamento da matéria quer provada (pontos 1 a 31) como não provada (1 a 3). Prosseguindo; Prima facie não podemos olvidar que o recurso aos meios cautelares e o decretamento de uma providência cautelar depende, em geral, da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, tal como resulta do disposto no artigo 120.º do CPTA. Com efeito, do n.º 1, primeira parte, ressalta que as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, com isto se referindo ao requisito do periculum in mora. Exigindo, ainda, este n.º 1, agora 2.ª parte que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, consagrando nestes termos o requisito do fumus boni iuris. Por fim, acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências, instituindo este número o requisito da ponderação de interesses. Assumindo como adquirido a verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris, apreciemos se, como defende a Recorrente, o Tribunal a quo errou ao considerar verificados os demais requisitos. No que concerne ao requisito relativo ao periculum in mora, fundamentou o Tribunal a quo: “ (…) Como foi acima referido, o primeiro critério de decisão é o periculum in mora, i.e., o fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, tal decisão já não venham a tempo de dar uma resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. Em primeiro lugar, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem fundado receio de que, se a providência for recusada, se constituirá uma situação de facto consumado, o que significa que se tornará impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, efetuar a restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. Com relevância para aferir deste pressuposto, alegou a Requerente que não aufere rendimentos, apenas o companheiro recebe subsídio de desemprego e não lhe resta outra alternativa habitacional. Cumpre apreciar. Para se considerar demonstrada a matéria concernente aos padecimentos dos requerentes basta a demonstração de que têm estado sujeitos a tal ruído constante, diário, durante período prolongado, que, no comum das pessoas, provoca os padecimentos que vêm alegados. Não se procura uma certeza absoluta da realidade, antes um grau de probabilidade bastante para as necessidades práticas da vida, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. É a empresa contrainteressada .... , S.A. quem, no exercício do seu direito à iniciativa privada, explora o centro de logística sito na Rua .... (cfr. ponto 13 dos factos provados). Sucedendo que os Requerentes alegaram que a exploração do centro de logística em causa afeta os seus direitos ao descanso – sono e repouso –, ao silêncio e ao sossego, porquanto o ruído provocado pela circulação dos veículos pesados ao serviço da empresa contrainteressada, na Rua .... (localidade do Casal Machado), e na .... (localidade de Casais Novos) e continuação desta avenida (localidade de Passinha), lhe causa, e a outros moradores naquelas ruas, quebra do sono e cansaço, quando certo é que se não estivessem sujeitos aos ruídos causados pela circulação dos veículos ao serviço da empresa contrainteressada, com toda a probabilidade, os requerentes, e os demais, poderiam descansar e repousar. Efetivamente, os Requerentes lograram provar que se encontram em estado de privação de descanso, em concreto, sono e repouso adequados, por conta da factualidade que se levou aos pontos 17, 18, 19, 22 e 24 dos factos provados Neste conspecto, a violação dos direitos ao descanso – sono e repouso –, ao silêncio e ao sossego dos Requerentes decorre de atuação imputável à Contrainteressada, a qual procede à exploração do centro de logística em causa, nos termos referidos nos pontos 17 e 18 dos factos provados – circulação de mais de 200 veículos pesados, em 24 horas (dia e noite), pela Rua .... (localidade do Casal Machado), pela .... (localidade de Casais Novos) e continuação desta Avenida (localidade de Passinha) – provoca ruído que a Contrainteressada tinha obrigação de saber ser passível a lesar os direitos dos Requerentes, e de todos os residentes naquela rua, e até nas imediações, devendo esta adequar a sua atividade ao previsto no «Estudo de Tráfego – Centro Logístico no Carregado (Alenquer)», datado de 08/11/2016, por si apresentado aquando do respetivo pedido de licenciamento, parcialmente reproduzido no ponto 7 dos factos provados o qual se reproduz no segmento que para aqui releva: “De acordo com os dades fornecidos, estima-se uma procura diária de 8 a 10 veículos ligeiros, pertencentes ao segmento funcionário e outros, enquanto relativamente aos veículos pesados se prevê uma procura diária de 20 veículos diurnos e 6 a 7 veículos noturnos.” Acresce ser legítimo exigir que a sociedade Contrainteressada exerça a sua atividade por forma a respeitar os direitos de personalidade de outem, designadamente das pessoas que residem na Rua .... (localidade do Casal Machado) e na .... (localidade de Casais Novos), pois que só nessas condições o seu direito à iniciativa económica privada merece tutela, e, por isso, é exigível que a sociedade Contrainteressada conforme o exercício da sua atividade ao facto de no local já se encontrarem implantadas, em conformidade com o ordenamento jurídico-urbanístico, construções destinadas a habitação. Ou seja, a sociedade Contrainteressada devia ter adequado e harmonizado a sua atividade com o uso habitacional que os terrenos vizinhos já tinham e com os direitos de personalidade de terceiros. Por tal razão, seria expectável que a sociedade Contrainteressada harmonizasse o seu direito à iniciativa económica privada com os direitos de personalidade das pessoas que habitam nas imediações. O quadro factual apurado revela que desde a prolação de sentença no processo cautelar que correu termos, neste tribunal, sob o n.º 3053/22.7BELSB, o tráfego que até aí se concentrava na Rua .... (localidade de Passinha), passou também ser realizado pela Rua .... (localidade do Casal Machado), pela .... (localidade de Casais Novos) e continuação desta Avenida (localidade de Passinha) [cfr. pontos 16 e 17 dos factos provados], sendo que os Requerentes, e outros residentes em tais ruas, em consequência do ruído provocado pela circulação dos veículos ao serviço da Contrainteressada, se encontram em estado de privação de descanso, em concreto, sono e repouso adequados. É, pois, inquestionável que o dano sofrido – prejuízo da saúde geral e a perda da qualidade de vida – tem suficiente gravidade para merecer a tutela do direito. Ora, a privação de descanso, em concreto, sono e repouso adequados, é suscetível de produzir prejuízos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal. Assim, caso não seja decretada a providência cautelar, a situação de privação de descanso em que os requerentes da providência se encontram prolongar-se-á no tempo, até que seja decidida a ação principal, sendo que tal situação, como decorre das regras da experiência comum, é suscetível de gerar prejuízos na sua esfera jurídica pessoal que não são passíveis de reparação (veja-se, aliás, nesse sentido, o decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão de 06/06/2024, proferido no processo n.º 3053/22.7BELSB” (…) Os requerentes, e outros residentes na Rua .... e na Rua das Camélias/.... , encontrando-se na sua habitação, são impedidos de repor as energias físicas, psíquicas e emocionais, de manter o seu equilíbrio, pelo menos, já desde maio de 2023 – com tudo o que isso importa ao nível da qualidade de vida. De particular, no caso em análise, a circunstância do ruído provocado pela atividade da Contrainteressada ser diurno e noturno, produzindo-se durante todos os dias da semana, situação que se arrasta há, praticamente, dois anos, sem que a Contrainteressada e a Entidade Requerida tenham procedido à reposição da legalidade. Não se ignora, tal como resulta dos pontos 27 a 31 dos factos provados, que o Município de Alenquer projeta a construção de uma via destinada ao trânsito automóvel, alternativa à Rua .... , na localidade de Passinha, e à .... , na localidade de Casais Novos, para a circulação de veículos pesados, e ter conduzido um procedimento pré-contratual tendo em vista “a elaboração de estudo de viabilidade para a circular verde nordeste do Carregado”, tendo em vista permitir a circulação fora dos aglomerados urbanos, ligando a zona industrial do Carregado à EN1 Alenquer, estudo esse que, foi efetivamente apresentado. A que acresce a realização de esforços tendo em vista a aquisição do terreno para a construção de tal via. Todavia, a suscetibilidade de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal não se compadece com a expectável morosidade inerente aos procedimentos de contratação pública, tendo em vista a celebração do correspondente contrato de empreitada de obras públicas, e da posterior fase de execução da obra. Deste modo, considerando a factualidade indiciariamente apurada, considerando que a situação de privação de descanso em que os requerentes da presente providência se encontram é atual e se prolonga no tempo, sendo suscetível de causar prejuízos de difícil reparação cujo decretamento da providência cautelar visa evitar, encontra-se preenchido o pressuposto do periculum in mora.”. Com efeito, inexistem fundamentos para afastar os pressupostos de facto em que se baseou a decisão recorrida face ao atrás decidido, nomeadamente no tocante aos factos provados: (….) 17. O tráfego passou, a partir de 23/05/2023, também a ser realizado pela Rua .... (localidade do Casal Machado), pela .... (localidade de Casais Novos) e continuação desta Avenida (localidade de Passinha); 18. Nas vias identificadas no ponto antecedente circulam mais de 200 veículos pesados, em 24 horas (dia e noite), todos ao serviço da sociedade contrainteressada, que vêm ou vão para o centro de logística mencionado no ponto 13 supra - em nome de .... , S.A., pessoa coletiva n.º .... , que titula a autorização de utilização do prédio urbano situado na rua .... , união de freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana)-, 19. As moradias dos Requerentes situam-se junto às vias identificadas no ponto 17 supra 22. A passagem dos veículos pesados referida no ponto 18 supra implica a produção de um nível de ruído que impede os requerentes, e os demais moradores na Rua .... e na Rua .... , de conseguirem descansar, sobretudo durante o período noturno; 24. Os Requerentes, e os demais moradores na Rua .... e na Rua .... / .... , encontram-se em estado de privação de sono, irritabilidade, e em alguns casos com necessidade de recurso a acompanhamento médico e medicação Tais interesses relevam para efeitos do nº 2 do artigo 120º do CPTA, quando aí se alude que, verificados os requisitos de fumus boni iuris e de periculum in mora para o requerente do processo cautelar “a adoção da providência ou providência é recusada quando, devidamente ponderados os interesses público e privado em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados com a adoção de outras providências”. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em: i) indeferir a alteração de efeitos do presente recurso jurisdicional; ii) determinar o desentranhamento dos documentos (25) juntos com as contra-alegações; iii) negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. R.N. Lisboa, 11 de Setembro de 2025 Ana Cristina Lameira (Relatora) Ricardo Ferreira Leite Marta Cação Rodrigues Cavaleira |