Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:728/16.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RESGATE DE SEGURO DE VIDA.
IRS.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA A.
Sumário:Não constitui rendimento de categoria A, de IRS, o montante recebido pelo beneficiário do seguro de vida, constituído pela entidade empregadora, com vista ao complemento de reforma do trabalhador, se tal montante foi percebido por este nos termos e condições previstas no certificado individual do seguro em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
C …………………….. deduziu reclamação para a conferência da decisão sumária proferida pela Juíza relatora em 16/02/2024, por meio da qual foi negado provimento ao recurso que havia interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa prolatada em 23/10/2023, que julgou improcedente a impugnação que deduzira contra o indeferimento da reclamação graciosa que apresentara da liquidação de IRS, referente ao ano de 2013, com o nº ………….385, da qual resultou a pagar o montante de €37.306,89.
Pede que sobre a aludida decisão sumária recaia acórdão, nos termos do nº 2 do artigo 692º do CPC, com os seguintes fundamentos:
1. Entendeu-se na Douta Decisão Sumária que a pretensão recursória do Recorrente não seria merecedora de provimento, pela seguinte ordem de razões, a saber:
a) Que o aditamento ao probatório de o resgate haver sido feito após o Recorrente ter atingido os 65 anos de idade seria irrelevante, uma vez que é pressuposto de tributação a antecipação de disponibilidade do valor a receber e que tal havia sucedido porquanto o resgate se realizou antes do vencimento do Certificado Individual (sic);
b) Que já havia sido prolatado um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em 11/10/2017, no Processo nº 0195/16, em análoga situação à dos presentes autos, pelo que o artigo 8º, nº 3 do CC impunha que aqui se seguisse por idêntico caminho;
c) Depois, atabalhoadamente diga-se, sustenta-se que o Recorrente efectuou o resgate antes de ter atingido os 65 anos de idade, o que faria não relevar fiscalmente que o resgate houvesse sido feito nos termos previstos no contrato.
2. Salvo o devido respeito mas a Douta Decisão Sumária não dispõe de pujança que a permita manter erecta.
3. Impondo-se uma decisão do Colectivo nos presentes autos.
4. Com efeito de uma correcta leitura do contrato retira-se que o resgate podia ser feito aos 60 ou aos 65 anos de idade conforme opção do respectivo beneficiário.
5. Pelo que para se aferir da antecipação ou não da disponibilidade tem de se considerar estas duas datas e conforme opção do beneficiário.
6. Sendo que se o resgate for feito após o beneficiário perfazer os 65 anos a questão nem se coloca,
7. Pois ad nutum está afastada qualquer hipótese de antecipação no recebimento.
8. Dito de outro modo, a data de vencimento do Certificado Individual tem sempre de se compaginar com a opção feita pelo beneficiário em relação à data do resgate.
9. O que, repise-se, in casu nem se coloca uma vez que o resgate foi feito após o Recorrente atingir os 65 anos.
10. Entende, pois, o Recorrente que, no caso da sua ficha biográfica não constar do PAT e no qual se revelava a idade em que resgatou a parte que lhe cabia no fundo, tal havia de ser apurado antes da decisão que viesse a ser tomada.
11. E devendo ser, a Sentença que assim não entendeu, anulada por défice instrutório.
12. E nunca por nunca o recurso improceder nos termos em que a Douta Decisão Sumária o decidiu.
13. Sendo que este entendimento do aqui Recorrente é o propugnado pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo que, no processo nº733/18.5BELRS, numa situação similar à dos presentes autos, afina pelo mesmo diapasão.
14. Também não resiste a uma análise cuidada dos autos a afirmação de que o Recorrente efectuou o resgate antes de ter atingido os 65 anos de idade.
15. Pois que tal não é verdade e por isso mesmo é que o Recorrente pugnava pelo aditamento ao probatório ou, pelo menos, pela anulação da Douta Sentença por défice instrutório.”

Tendo sido notificada, a contraparte não emitiu pronúncia.


X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da procedência da reclamação.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
O teor da decisão sumária reclamada é o seguinte:
«A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A) O Impugnante é associado efetivo do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), desde 23.11.1976, com o nº 257 (cfr. fls. 209 dos autos – numeração do SITAF).
B) Em 28.11.2005 foi celebrada a apólice de seguro nº 480671, do ramo “Reforma Colectiva …….-………….RECOGAN XXI”, entre a “G…………..roupama Seguros de Vida, S.A.” e o Tomador de Seguro “T………-A……, S.A.”, com o seguinte teor:

«Texto no original»

(…)
«Texto no original»

(…)
«Texto no original»

(…)
«Texto no original»

(…)
«Texto no original»

(cfr. fls. 25 a 33 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
C) As Condições Particulares da apólice referida na alínea antecedente preveem como data de vencimento do certificado individual o 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que cada Pessoa Segura atinge os 65 anos (cfr. fls. 25 do processo de reclamação apenso aos autos).
D) O Impugnante, enquanto participante na apólice identificada na alínea antecedente, aderiu à mesma na data da sua celebração, ou seja, 28.11.2005 (cfr. fls. 24 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
E) Em 05.12.2013, a “G…………… Seguros” emitiu o documento denominado “Quitação de Resgate”, na qual identifica o Impugnante como pessoa segura, contendo os seguintes elementos apostos:
Produto: R……….. XXI
Nº Apólice: …………
Efeito: 2005/11/28
Data de Emissão do Recibo: 2013/12/05
Ordem de Pagamento: 201361732
Tomador do Seguro: T.-A. P…………. // (…)
Pessoa Segura: C ………………………….. 00……….. // (…)
A Pessoa Segura abaixo assinado(a), declara pelo presente documento ter recebido da G………………………. SEGUROS DE VIDA, S.A., a importância a seguir descrita, mediante a qual fica estabelecida a operação de RESGATE TOTAL, de conformidade com o Artº.17º das Condições Gerais da Apólice solicitado em 2013/12/05, correspondente ao Certificado Individual da Pessoa Segura acima mencionada.

(cfr. fls. 16 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
F) Em 28.05.2014 o Impugnante apresentou a sua declaração de IRS do ano de 2013, na qual declarou no anexo A os rendimentos de pensões pagos pelo Instituto da Segurança Social no montante de 172.309,38€ e rendimentos da categoria A pagos pela “G……………… Seguros de Vida, S.A.” no montante de 193.338,34€, com retenções nestes últimos incididos de 69.601,80€ (cfr. fls. 9 a 12 do PAT).
G) Com base na declaração referida na alínea antecedente foi emitida em 13.06.2014 a liquidação de IRS do ano de 2013 com o nº ………………..385, que gerou uma nota de compensação no montante a pagar de 37.306,89€ (cfr. fls. 13 a 15 do PAT).
H) Notificado da liquidação referida na alínea antecedente, o Impugnante apresentou em 18.09.2014 reclamação graciosa, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 11 sob o nº ………………….845 (cfr. fls. 1 a 11 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
I) Por despacho da Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 23.10.2015, foi a reclamação graciosa indeferida com a seguinte fundamentação:
I “- INTRODUÇÃO
Vem o contribuinte supra identificado, nos termos do disposto no art.° 68° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), reclamar contra a(s) liquidação(ões) de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa(s) a(os) rendimentos do(s) ano(s) de 2013, respectivamente com o(s) n.°(s) ……………385, efectuada(s) em 13/06/2014 na(s) quantia(s) de € 37.306,89, cujo prazo de apresentação se iniciou em 31/08/2014.
A reclamação em causa, foi apresentada em 18/09/2014, com os fundamentos que se reproduzem resumidamente de seguida:
Alega que em 2013 foi retida na fonte a importância de € 68 018,50, por alegadamente o contrato de seguro celebrado com a G………………. Seguros de Vida, Sa, ser suscetível de ocasionar rendimentos tributáveis em sede de IRS- categoria A. O reclamante entende que o resgate de seguro não é rendimento tributável em sede de IRS, pelo que requer a correção da liquidação reclamada bem como a restituição das retenções na fonte.
Apesar de solicitar a importância de € 68 018,50 no pedido tem-se que o documento de quitação de resgate tem indicação de que foi retido na fonte sobre os rendimentos da categoria A € 69 601,80 e a retenção sobre rendimentos da categoria E € 3 478,55 num total de € 73 080,35.
Solicita o pagamento de juros indemnizatórios.
- ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
A presente reclamação graciosa é legal (art.° 68° do CPPT), tempestiva (n.° 1 do art.° 70° do CPPT), não se tem conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial onde se discuta a(s) liquidação(ões) reclamada(s) e o reclamante tem legitimidade (art.° 65° LGT e art.° 9º do CPPT), pelo que é necessário apreciar do mérito da sua pretensão.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) n.°(s) ………………385 efectuada(s) em 13/06/2014, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:
1 - As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros do ramo "Vida“, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que não constituindo direitos adquiridos ou individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, o recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado, consideram-se rendimentos do trabalho dependente - Categoria A, de acordo com o disposto no n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2º do IRS (CIRS).
2 - No caso em análise, o reclamante alega que o contrato de seguro foi celebrado antes de 1 de janeiro de 1991, através do Sindicato de Pilotos da Aviação Civil (contrato esse que que não foi remetido a estes Serviços) e que tal contrato possui uma cláusula em que o subscritor, tem o benefício de reforma, uma vez que apenas pode conduzir voos até aos 60 anos de idade e só atinge a idade da reforma aos 65 anos.
3 - Alega ainda que, ao tempo da constituição do contrato “antes de 1 de janeiro de 1991”, as importâncias despendidas pela entidade patronal com seguros do ramo “Vida" a benefício dos seus trabalhadores, não estavam abrangidas no âmbito do IRS. Contudo, do documento “Quitação de Resgate da Apólice ………….” junto aos autos consta que os efeitos se reportam a 2005.11.28, sendo os prémios posteriores a 2001.01.01.
4 - Mais alega que figurando como segurados todos os pilotos que cumpram os requisitos, não poderá ser considerado um “direito adquirido”, nos termos do n° 9 do art° 2° do CIRS, que define direitos adquiridos, como sendo “aqueles cujo exercício não depende da manutenção do vínculo laboral do beneficiário com a entidade patronal”, pelo que não lhe poderá ser aplicada a norma estabelecida na 1a parte do n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2° do mesmo preceito.
5 - Considera o direito em causa uma “mera expetativa” pois pressupõe a inexistência de um direito adquirido, apenas se transformando em direito adquirido aquando da ocorrência de determinado evento. Assim, não lhe poderá ser aplicável a segunda parte do n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2° do CIRS, uma vez que as importâncias não foram objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, mas sim, de uma verificação da condição efectiva- a passagem à situação de reforma.
6 - Ora, a última parte do n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2° do CIRS, considera como rendimentos da categoria A, o recebimento em capital, como se pode verificar: “…ou, em qualquer caso, o recebimento em capital (sublinhado nosso), mesmo que estejam reunidos os respetivos requisitos exigidos para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado”.
7 - O reclamante procedeu ao resgate total de conformidade com o art° 17° das Condições Gerais da Apólice …………., correspondente ao Certificado Individual de Pessoa Segura, isto é o próprio.
8 - Não tendo sido tributadas na esfera dos seus beneficiários , as importâncias com seguros ramo “Vida”, quando despendidas pela entidade patronal, quer por estarmos perante “meras expetativas” quer tratando-se de “direitos adquiridos” abrangidos pela isenção prevista no art° 18° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aquando do seu recebimento, a componente capital enquadra-se na Categoria A- n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2º, e a componente rendimento é tributada na categoria E - n° 3 do art° 5º , ambos do CIRS.
9 - Nos termos do n° 3 do art° 18° do EBF, verificando- se o disposto na parte final do n° 3) da alínea b) do n°3 do art°2º do CIRS, beneficia da isenção o montante correspondente a um terço das importâncias pagas ou colocadas à disposição, com o limite de €11 704,70.
10 - Assim, a componente capital enquadra-se na Categoria A, beneficiando de isenção o montante correspondente a um terço das importâncias pagas com o limite de € 11 704,70 (art° 18° n° 3 do EBF). A componente rendimento é tributada na categoria E nos termos do n° 3 do art° 5º do CIRS.
11 - Em resumo, o que releva para a liquidação do imposto, é o período em que o sujeito passivo teve tal incremento patrimonial , sendo irrelevante tratar-se de um contrato duradouro, firmado há vários anos, já que tem direta subsunção na norma do art° 2º, n° 3 alínea b), n° 3 do CIRS, tendo sido tributadas todas as importâncias recebidas pelo trabalhador derivadas da prestação do trabalho dependente ou em razão da mesma, norma esta que abarca todas essas importâncias, tendo por fonte mediata, a relação laboral, e que as visa tributar em IRS, onde de resto veio fazer uma enumeração exemplificativa de todas as situações suscetíveis onde tal tributação se encontra presente, certamente por serem as mais frequentes, como os resgates, neste caso, tal importância desse resgate do seguro, recebido pelo ora reclamante, não pode deixar de integrar o rendimento tributável do período de imposto desse ano de 2013. Um dos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico fiscal, com ressalva nos casos das presunções ou de substituição tributária, assenta no entendimento de que a obrigação de imposto se constitui na efectiva receção dos rendimentos tributáveis. Princípio que tem afloramento na norma do art° 4º da LGT, ao dispor que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da utilização ou do património". O que significa que o que releva para o efeito da obrigação do imposto é o momento em que nasce o rendimento ou utilização do rendimento, uma vez que só aí existe e se manifesta a capacidade contributiva. O facto jurídico relevante para efeitos fiscais, não é o da constituição do seguro, no caso, mas o do recebimento do capital.
12 - Esta análise foi efetuada de acordo com a informação da Direção de Serviços do IRS, n° 932/14, despacho proferido em 05.12.2014, vertido no Processo n° 2014 …………….
13 - No que concerne aos juros indemnizatórios tem-se que nos termos do art° 43° da Lei Geral Tributária é necessário que ocorra erro imputável aos serviços, que seja determinado em reclamação graciosa ou impugnação judicial, e de que desse erro resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No presente caso, não ocorreu erro imputável aos serviços, uma vez que a liquidação se fez de acordo com a declaração de rendimentos entregue pelo contribuinte, identificada por 2013 ………………… P2 em ……………., e de acordo com as normas legais vigentes no ano de 2013, nomeadamente o n° 3 alínea b) 3 do art° 2o do CIRS. De referir que a liquidação ora posta em crise, se encontra em dívida, pelo que não haveria de qualquer modo lugar a pagamento de juros indemnizatórios por incumprimento do n° 5 do art° 61° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No que se refere á retenção na fonte efectuada pela G…………….-Seguros de Vida, Sa, a mesma procedeu correctamente à retenção na fonte relativa à operação de Resgate Total Certificado Individual de Pessoa Segura, do reclamante.
Destarte, sou de parecer que não são devidos juros indemnizatórios.
III- EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO
Assim sendo, e porque se propôs que a presente reclamação graciosa não fosse deferida na totalidade, houve lugar a audição prévia nos termos da alinea b) do n.° 1 do art.° 60° da Lei Geral Tributária, não se tendo, no entanto, obtido qualquer reação do reclamante, sendo assim de manter a decisão previamente notificada. (…)” (cfr. fls. 82 a 87 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
J) Notificado da decisão referida na alínea antecedente, o Impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 29.01.2016 (cfr. fls. 1 dos autos).
x
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, tudo como concretamente e especificadamente referido em cada alínea do probatório.»
*

2. Do mérito do recurso

(…)
2.2. De direito.
É objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo aqui Recorrido contra o indeferimento da reclamação graciosa que teve por objeto a retenção na fonte de IRS (categoria A), referente ao ano de 2013, no montante de € 69.601,80, efetuada aquando do pagamento do resgate total de prémio de Seguro de Vida pela Seguradora G…………….., do montante previsto no contrato de seguro existente entre a referida Seguradora e a T………….(entidade patronal do impugnante, ora recorrido).
A Recorrente discorda da decisão da primeira instância, alegando, em suma, que o Tribunal a quo errou no julgamento que fez por não ter ocorrido uma antecipação de qualquer recebimento em relação à data prevista no contrato, por o Recorrente poder pedir o resgate quando atingisse os 65 anos de idade.
A sentença recorrida, para julgar improcedente a impugnação ponderou o seguinte:
«(…) Assim sendo, está em causa determinar se nos encontramos perante a verificação dos requisitos previstos na 2ª parte do nº 3 da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, ou seja, se estamos perante importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal “com seguros e operações do ramo «Vida», (…) que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado”.
Entende o Impugnante que a única forma de ler este segmento normativo é a de que só são tributáveis como rendimentos de trabalho dependente, as importâncias despendidas pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida» (…), que não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital.
Ou seja, o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas, não possuindo autonomia relativamente a elas, pelo que, não tendo existido antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato não pode haver tributação sobre o montante recebido.
No entanto não se pode concordar com tal posição porquanto a redação da norma é, pelo menos nesta parte final, clara. Com efeito, o texto da norma “ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado”, não pode deixar dúvidas de que sempre existirá lugar a tributação quando haja recebimento em capital por parte da Pessoa Segura, sejam ou não direitos adquiridos, haja ou não antecipação do resgate, esteja o beneficiário ou não em situação de reforma.
Assim sendo, ao contrário do arvorado pelo Impugnante, tendo existido recebimento de capital, verifica-se o preenchimento da norma de incidência tributária prevista no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3, in fine, do CIRS.
Mas no nosso entendimento, não é sequer necessário chegar à parte final da norma para se alcançar a mesma conclusão, porquanto parece claro que no caso dos autos existe uma evidente antecipação do resgate do seguro, ou uma antecipação da disponibilidade de capital.
Com efeito, resulta do contrato de seguro constante da alínea B) do probatório, e da articulação dos seus artigos 1º, 2º e 10º a 12º e 17º, o seguinte:
- a apólice celebrada entre a T……..-A…….Portugal e a G.................. visa garantir o pagamento de um complemento de reforma, ou o pagamento de um seguro de vida se o beneficiário falecer antes do vencimento do seu certificado individual (artigos 1º e 2º);
- o complemento de reforma entra em vigor na data de vencimento do Certificado Individual, cessando a cobertura de morte, e é consubstanciado no pagamento duma renda trimestral, com o número mínimo de cinco anuidades (artigo 10º.1.2.3);
- na data de vencimento do Certificado Individual, a Pessoa Segura tem a faculdade de renunciar ao recebimento do complemento de reforma, podendo optar por receber o montante da poupança constituída até essa data (artigo 12º.2);
- o Tomador do Seguro tem o direito de pedir, a qualquer momento, e até à data de vencimento do Certificado Individual (data de início do complemento de reforma), o pagamento pela Seguradora do valor de resgate, sendo este igual ao montante da poupança constituída e inscrita na conta da Pessoa Segura (artigo 17º).
Quer isto dizer que no caso do Impugnante, este não chegou a receber qualquer complemento de reforma, tendo a ele renunciado e optado por proceder ao resgate antecipado, ou à antecipação da disponibilidade dos valores consubstanciados na poupança constituída até essa data, em seu nome, pela sua entidade patronal.
Ou seja, ocorreu no ano de 2013 a disponibilização efetiva do capital correspondente aos prémios de seguro pagos pela entidade patronal, e não a constituição de complemento de reforma, pago a título de renda periódica, no quadro do contrato de seguro.
Ora, resulta das normas supra que em caso de resgate antecipado ou a antecipação da disponibilidade do capital, a sujeição a IRS subsiste, ainda que os beneficiários preencham, nessa data, os requisitos legais exigidos para a passagem à situação de reforma ou se encontrem, efetivamente, em situação de reforma.
Desta forma, não releva para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado, uma vez que a lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em sede de categoria A do IRS.
Finalmente, o Impugnante alega que a atuação da AT viola o princípio da igualdade porque foram decididas de forma diferente situações fáticas iguais.
Em primeiro lugar, nenhuma das situações invocadas pelo Impugnante são absolutamente similares à sua, designadamente por estarem em causa apólices de seguro distintas, e por isso, não diretamente comparáveis.
Ainda assim se dirá que a violação do direito fundamental de igualdade, extraído do princípio consagrado no artigo 13° da CRP e para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 5º da LGT, só se verifica se o ato administrativo tiver por motivo ou conteúdo um tratamento desigual assente nas categorias que o nº 2 do artigo 13º expressamente refere como fatores de discriminação constitucionalmente ilegítimos, ou se for descaracterizador da ordem de valores que a Constituição consagra, ou seja, se o ofender chocante e gravemente.
A invocação da violação do princípio da igualdade, no presente caso, não se reconduziria, pois, à ofensa do conteúdo essencial deste direito fundamental, geradora de nulidade, pois a discriminação invocada não se fundamenta na afronta a qualquer dos índices discriminatórios constitucionalmente proibidos no referido nº 2 do artigo 13º da CRP, nem na descaracterização da ordem de valores que a Constituição consagra.
Assim, embora o Impugnante invoque o princípio da igualdade, o certo é que, em concreto, apenas imputa ao ato erro na avaliação do mérito da sua pretensão, ou seja, o vício de violação de lei. Termos em que improcede o invocado vício de violação do princípio da igualdade. Concluindo, quer por ter existido recebimento em capital por parte do Impugnante em 2013, quer por ter ocorrido o resgate antecipado ou a antecipação da correspondente disponibilidade do capital, por renuncia ao complemento de reforma e exercício de opção pelo recebimento da poupança constituída pela entidade patronal, está verificada a norma de incidência prevista no artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, sendo por isso legal a liquidação impugnada que efetivou a tributação do montante de 193.338,34€ recebido pelo Impugnante». // Vejamos. // Diga-se, desde já, adiantando o sentido decisório, que a sentença não nos merece qualquer censura.
Sobre questão semelhante já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 11/10/2017, prolatado no processo n.º 0195/16, que embora tem plena aplicação ao caso dos autos, pois, foi apreciada a mesma questão relativamente a um trabalhador (piloto) da T......, com as mesmas funções do Recorrido, que procedeu ao resgate do prémio do contrato de seguro em causa, em análogas condições, embora em anos diferentes, e sendo os factos alegados e dados como provados idênticos. // Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhe-se mos a argumentação jurídica constante do identificado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, e por as questões aqui em análise não deferirem, permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos:
«2.2.2.1 O conceito de rendimento adoptado pelo nosso CIRS – tendencialmente, rendimento-acréscimo (Cfr., desenvolvidamente, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 39 e segs.) – e a regra geral de incidência sobre os rendimentos do trabalho dependente, designadamente o n.º 2 do art. 1.º do Código, levam a que não existam dúvidas de que ficam incluídas no âmbito da aplicação do imposto sobre rendimentos do trabalho dependente todas as vantagens acessórias postas à disposição do trabalhador (fringe benefits), quer em dinheiro quer em espécie.
Estas vantagens acessórias, na definição do corpo da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, são «todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica». Nas diversas alíneas da mesma norma, o legislador ensaiou a construção de uma lista, não exaustiva, de remunerações acessórias do trabalho dependente passíveis de tributação em IRS.
Entre essas alíneas, encontramos, no ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, numa formulação de manifestamente difícil interpretação, «[a]s importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado». // 2.2.2.2 Como deixámos já dito, é em torno da interpretação desta norma que se joga a sorte do presente recurso. // Na verdade, enquanto no acórdão recorrido o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou que a AT fez correcta interpretação do preceito, no sentido que está sujeito a tributação em IRS o montante recebido pelo ora Recorrente da seguradora, este sustenta que o mesmo não se inclui no âmbito da norma de incidência real e está mesmo expressamente dele afastado, por não ter havido antecipação alguma da disponibilidade do capital, que apenas foi recebido na data em que atingiu as condições previstas no contrato.
No caso não se discute que o montante em causa foi recebido no âmbito de um contrato de seguro em que figura como segurada a entidade patronal do ora Recorrente, que foi quem pagou os prémios do seguro.
Ficou também provado que se trata de um seguro de grupo, que prevê que no caso de a pessoa segura ser viva na data do vencimento do seu certificado individual, que no caso foi estipulado que seria no 1.º dia do trimestre seguinte à data em que a pessoa segura atinge os 65 anos, a seguradora pague um complemento de reforma, podendo no entanto o tomador renunciar aos recebimentos do complemento de reforma e optar por receber o montante da poupança constituída até essa data.
De igual modo, está assente que, nos termos do contrato, o tomador do seguro, desde que o prémio referente ao 1.º ano esteja pago, pode pedir «a qualquer momento, e até à data do vencimento do certificado individual (data do início do complemento de reforma), o pagamento por parte da companhia do valor de resgate, sendo este igual ao montante da poupança constituída e inscrita na conta da pessoa segura».
A questão é a de saber se o montante recebido pelo ora Recorrente da seguradora em 2006 está sujeito a tributação em IRS, categoria A, como considerou a AT, num entendimento que foi sancionado pelas instâncias.
O Recorrente sustenta que a única possibilidade de o montante em causa por ele recebido da seguradora poder ficar sujeito a tributação em IRS, recaindo no âmbito da norma de incidência real do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, seria o de ter havido qualquer antecipação do recebimento relativamente à data prevista no contrato de seguro, antecipação que não ocorreu pois que o resgate ocorreu na data prevista no contrato.
2.2.2.3 Regressemos à interpretação do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, em ordem a indagar da sua aplicação ao caso sub judice. // No caso não se discute que as importâncias despendidas pela entidade patronal não constituem “direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários”. Mas, como salienta JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, cujos ensinamentos passaremos a seguir de perto, quando não transcrevermos, «[a] lei, todavia, manda que também incida IRS da categoria A sobre aquelas importâncias sempre que, posto que os produtos financeiros em causa ainda não tenham originado direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários, estes procedam à antecipação da sua disponibilidade, através de resgate, adiantamento, remição, ou recebimento do capital, mesmo que isso se verifique quando os beneficiários já tenham reunido os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou que esta se tenha verificado» (Op. cit., pág. 75.).
Ou seja, como concluiu também o Procurador-Geral Adjunto no parecer que transcrevemos em 1.5, em caso de resgate antecipado a sujeição a IRS subsiste, ainda que os beneficiários preencham, nessa data, os requisitos legais exigidos para a passagem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, em situação de reforma.
Foi o que sucedeu no caso sub judice: sendo certo que o resgate do capital se deu antes de o ora Recorrente ter 65 anos – que era a idade estabelecida nas condições particulares do contrato de seguro como data de vencimento do certificado individual de cada pessoa segura –, não releva, para os pretendidos efeitos fiscais, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro nem que o tomador do seguro estivesse já reformado. A lei considera que, nessas circunstâncias, porque houve antecipação da sua disponibilidade, o montante recebido pelo resgate do seu certificado individual de seguro fica sujeito a tributação em IRS, categoria A.» (disponível em www.dgsi.pt/)
Prosseguindo.
Na situação dos autos, o Recorrente ao abrigo do artigo 17.º das Condições Gerais da apólice de seguro pediu em data anterior ao vencimento do Certificado Individual (data do início do complemento de reforma), o pagamento do valor total do resgate.
Tal pedido de pagamento total resolve o Certificado Individual da Pessoa Segura (cfr. alíneas B) e E) do probatório e documento n.º 16 do procedimento de reclamação graciosa).
Dito por outras palavras, o tomador de seguro renúncia ao recebimento do complemento de reforma.
Com o pedido de resgate total do Certificado Individual da pessoa segura, verifica-se uma antecipação da disponibilidade dos montantes consubstanciados na poupança constituída pela entidade patronal.
Resulta do probatório, que o Impugnante não chegou a receber qualquer complemento de reforma, por ter renunciado a ele ao ter optado por proceder ao resgate total do prémio de seguro, pelo que verifica-se no caso uma antecipação da disponibilidade do capital, sendo irrelevante para efeitos fiscais que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato e que o Recorrente já estivesse reformado.
O resgate antecipado do prémio de seguro de vida constituído pela entidade patronal a favor dos seus trabalhadores é sujeito a tributação em sede de IRS, na categoria A, ainda que os beneficiários à data do resgate reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem já nessa situação, nos termos do ponto 3, da alínea b), do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS (vide Ac. do TCAS de 11/01/2024, processo n.º 973/10.5BELRS, também disponível em www.dgsi.pt/).
Concluímos, assim, pela improcedência de todas as conclusões do recurso. // Pelo exposto, a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento. // * // IV – DECISÃO // Termos em que, face ao exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. // Custas pelo Recorrente
Notifique.”

X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto: K) O reclamante nasceu em 04/10/1947 – cópia de cartão de cidadão junta aos autos.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. Através da presente reclamação para a conferência, o reclamante tem em vista a substituição, por decisão de sentido contrário, da decisão sumária do TCAS que negou provimento ao recurso interposto pelo mesmo contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, prolatada em 23/10/2023, que havia julgado improcedente a impugnação que deduzira contra o indeferimento da reclamação graciosa que apresentara da liquidação de IRS, referente ao ano de 2013, com o nº 2014 5004144385, da qual resultou a pagar o montante de €37.306,89. A sentença e a decisão sumária que a confirmou, rejeitaram o pedido formulado pelo autor, o qual consiste na anulação da liquidação questionada, em concreto no segmento das retenções na fonte, efectuadas ao impugnante, com o inerente reembolso do mesmo, acrescidos dos juros indemnizatórios.
2.2.2. O reclamante assaca à decisão sumária sob escrutínio o vício de erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e quanto ao direito aplicável, porquanto ao não atender à realidade da operação do resgate em causa aplicou regime que não é de aplicar ao caso.
Apreciação. O dissídio entre as partes reside na questão de saber se o resgate efectuado pelo reclamante, em 05.12.2013, do seguro colectivo de que era beneficiário, enquanto piloto da T......, é de reconduzir à norma do artigo 2.º/3)/3), do CIRS, relativa à tributação, em sede de categoria A de IRS, das importâncias recebidas pelos empregados a título de seguro de vida colectivo constituído pela entidade empregadora. Está em causa a liquidação referida em F) e G), do probatório, a título de rendimentos de categoria A), no montante de €193.338,34, a qual foi objecto de retenção na fonte no montante de €69.601,80. Tal significa que a componente da liquidação referente aos rendimentos de pensões pagos pelo Instituto da Segurança Social no montante de 172.309,38€, bem assim como, a retenção relativa aos rendimentos de categoria E do IRS (1), não são questionadas nos autos.
No que se reporta à retenção na fonte do montante de €69.601,80, cumpre referir o seguinte.
A norma do artigo 2.º/3)/3), do CIRS, determinava: «[c]onsideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (…) // [a]s importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado».
Para o reclamante/recorrente o recebimento da quantia em causa não se enquadra no normativo referido, porquanto não existiu qualquer antecipação de capital nem mesmo rendimento, pelo que não existe facto tributário. Para a entidade impugnada, para a sentença e para a decisão sumária sob escrutínio, trata-se de rendimento auferido pelo reclamante, através do resgate do seguro, em apreço, o qual corresponde a remuneração acessória da relação laboral e, como tal, enquadrável na categoria A de IRS (artigo 2.º/3)/3), do CIRS) (2).
Contra a decisão em apreciação e por referência à questão da interpretação do preceito do artigo 2.º/3)/3), do CIRS, o reclamante invoca o seguinte:
i) O referido trecho legislativo só admite a interpretação/leitura segundo o qual só existe rendimento do trabalho dependente e, por isso, tributação das importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários e desde que haja recebimento de capital;
ii) Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital.
iii) Alega que o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e, assim sendo, como inegavelmente o é, tem sempre de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários.
iv) Nota que facilmente se conclui que a situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário pelo que a alínea ii) supra referida fica excluída.
v) Mas para se aplicar a hipótese referida em iii) supra teria que existir sempre uma antecipação do recebimento pois que o preceito legal refere: «sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade.»
vi) Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato, mas não foi isso que se passou, pois, o ora recorrente só recebeu na data prevista no contrato pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista.
vii) Pelo que não se está, efectivamente, perante a ocorrência de facto tributário».
Vejamos.
A este propósito, constitui jurisprudência assente a seguinte:
i) «De acordo com o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A). // Nos termos da mesma norma legal, a incidência mantêm-se ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação» (3).
ii) «Para efeitos fiscais não releva, que o resgate tenha ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro, mas sim a antecipação da disponibilidade do montante recebido pelo resgate do certificado individual de seguro, o que na situação em apreço se verifica sempre que essa disponibilidade ocorra antes do beneficiário do seguro completar os 60 ou 65 anos de idade, consoante opção efetuada na data da adesão ao contrato. // Neste tipo de produtos financeiros, o que constitui pressuposto da incidência tributária, em sede de IRS (Cat. A), é a antecipação da disponibilidade, do resgate, adiantamento, remição, ou recebimento do capital» (4).
iii) «Para efeitos da norma de incidência não relevam as situações de resgate que tenham ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro na modalidade escolhida na data de adesão» (5).
Com relevância para a análise do caso em apreço nos presentes autos, dada a similitude de situações, no Acórdão de 11-10-2017, P. 0195/16, conforme transcrito, o STA afirmou, em síntese, que a norma do ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS tem em vista a tributação do rendimento acréscimo do trabalhador dependente, associado às vantagens acessórias postas à sua disposição e que «[a] lei manda que também incida IRS da categoria A sobre aquelas importâncias sempre que, posto que os produtos financeiros em causa ainda não tenham originado direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários, estes procedam à antecipação da sua disponibilidade, através de resgate, adiantamento, remição, ou recebimento do capital, mesmo que isso se verifique quando os beneficiários já tenham reunido os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou que esta se tenha verificado».
Importa, agora, analisar a situação em exame nos autos.
Do probatório resulta o seguinte:
i) Em 28.11.2005 foi celebrada a apólice de seguro nº 480671, do ramo “Reforma Colectiva G……..-R………… XXI”, entre a “G.................. Seguros de Vida, S.A.” e o Tomador de Seguro “T......- A… P……, S.A.”, com o seguinte teor:
« Texto no original»
(alínea B).
ii) As Condições Particulares da apólice referida na alínea antecedente preveem como data de vencimento do certificado individual o 1º dia do trimestre civil seguinte ao da data em que cada Pessoa Segura atinge os 65 anos (alínea C)).
iii) O Impugnante, enquanto participante na apólice identificada na alínea antecedente, aderiu à mesma na data da sua celebração, ou seja, 28.11.2005 (alínea D)).
iv) Em 05.12.2013, a “G.................. Seguros” emitiu o documento denominado “Quitação de Resgate”, na qual identifica o Impugnante como pessoa segura, contendo os seguintes elementos apostos:
Produto: R………. XXI // Nº Apólice: …………// Efeito: 2005/11/28. // Data de Emissão do Recibo: 2013/12/05. // Ordem de Pagamento: …………… // Tomador do Seguro: T......-A………. Portugal (…)
Pessoa Segura: C …………………… 00……… (…)
A Pessoa Segura abaixo assinado(a), declara pelo presente documento ter recebido da G.................. SEGUROS DE VIDA, S.A., a importância a seguir descrita, mediante a qual fica estabelecida a operação de RESGATE TOTAL, de conformidade com o Artº.17º das Condições Gerais da Apólice solicitado em 2013/12/05, correspondente ao Certificado Individual da Pessoa Segura acima mencionada.

(alínea E).
v) Na data referida na alínea anterior, o reclamante tinha 66 anos – (alínea K).

Da análise dos elementos do probatório verifica-se que o montante percebido pelo reclamante, em 05/12/2013, no valor de €193.338,34, não se enquadra na norma do artigo 2.º/3)/3), do CIRS. Não corresponde a direitos constituídos na sua esfera jurídica, de forma individualizada, bem assim como não corresponde ao resgate antecipado do seguro-vida em apreço. A sua disponibilização ocorre, nos termos do contrato de seguro, concretamente após o vencimento do certificado individual relativo ao recorrente, por preenchimento do limite de idade (v. ii) e v), supra), pelo que não se comprova a alegada relação de acessoriedade de tais pagamentos com a relação laboral do mesmo, a qual, na data do recebimento das quantias em apreço, se mostra, provavelmente, extinta (v. v), supra). Donde resulta que a retenção na fonte, no montante de €69.601,80, por referência ao pagamento em causa é indevida, dado que não existe rendimento enquadrável na categoria A de IRS, a tributar. Não se trata de rendimentos do trabalho dependente ou a ele associados. Não ocorreu o resgate antecipado do seguro em apreço.
A liquidação referida nas alíneas F) e G), do probatório, enferma, assim, de erro de direito, quanto à retenção na fonte efectuada em relação ao montante pago, aquando do resgate do seguro, isto é, em 05/12/2013 (v. supra, iv). Pelo que tal liquidação deve ser anulada na parte respeitante à retenção na fonte indevida, no montante de €69.601,80, ora em exame. (6)
Por conseguinte, impõe-se determinar a anulação do acto tributário, na parte relativa à retenção na fonte indevida (7) e ordenar a restituição do montante indevidamente retido ao reclamante. Determina o preceito do artigo 43.º/1, da LGT, que «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». O montante em causa foi indevidamente pago pelo reclamante. Sem embargo, o erro imputável aos serviços apenas ocorre com a data da instauração da reclamação graciosa, no âmbito do qual foi proferido despacho no sentido da manutenção do acto tributário questionado. Ou seja, desde 18/04/2014, a Administração Fiscal estava na posse dos elementos necessários para reverter a situação fiscal do reclamante e, ainda assim, optou por confirmar o acto tributário reclamado. Donde se extrai que os juros indemnizatórios são devidos, desde 18/09/2014, à taxa legal, até à restituição do montante indevidamente retido.
Do exposto se infere que a sentença e a decisão sumária devem ser substituídas por decisão que determine o antes explicitado.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões rescisórias.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i) Revogar a decisão sumária impugnada e a sentença pela mesma confirmada, julgar procedente a impugnação, determinado a anulação do acto de liquidação referido nas alíneas F) e G), do probatório, na parte relativa à retenção na fonte do montante de €69.601,80.
ii) Condenar a reclamada na restituição do montante referido em i), acrescido dos juros indemnizatórios devidos, desde 18/09/2014, até à restituição do montante em causa.


Custas pela reclamada, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado, nesta instância.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta –Teresa Costa Alemão)

(2 ª. Adjunta - Ana Cristina Carvalho)

(1) Alínea E), do probatório.
(2) V. alínea I), do probatório.
(3) Acórdão do STA, de 11-10-2017, P. 0195/16
(4) Acórdão do TCAS, de 09-07-2020, P. 896/07.5BEALM
(5) Acórdão do TCAS, de 15-02-2024, P. 396/20.8BESNT
(6) V. Alíneas E), F) e G), do probatório.
(7) V. Alíneas E), F) e G), do probatório.