Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório
G........ (doravante A., Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a ação administrativa urgente de ato praticado no âmbito de procedimento de proteção internacional contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo - AIMA (doravante R., Entidade Requerida ou Recorrida), visando impugnação da decisão do Diretor Nacional de não admissão do seu pedido de proteção internacional, peticionando “deverá a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência ser:
A) declarada a nulidade ou anulação do despacho de falta de fundamento, proferido pelo Diretor Nacional da AIMA, no âmbito do pedido de proteção internacional apresentado ao Estado português e,
B) a condenação a praticar os atos devidos, nomeadamente, de admissão do pedido de asilo em Portugal, concedendo ao Autor o estatuto de refugiado conforme postulado pelos números 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 05.05. ou, em alternativa, de concessão de proteção subsidiária.”
Por sentença proferida em 24 de outubro de 2024, o referido Tribunal julgou totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada do pedido.
Inconformado, o Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
A) O Tribunal a quo não deveria ter absolvido o recorrido dos pedidos.
B) Estão preenchidos os requisitos para a concessão de asilo.
C) Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo deveria ter concedido asilo ou em última rácio, concedesse autorização de residência por proteção subsidiária, dando benefício da dúvida.
D) Salvo melhor opinião, o recorrente reúne os requisitos para a concessão de asilo, artigo 3 da Lei 27/2008 de 30 de Junho.
E) O recorrente sofreu actos de perseguição, pelos agentes de perseguição, provocando assim um nexo de causalidade, existindo um risco sério e real.
F) O recorrente continua a afirmar a violação dos direitos humanos ou o risco de sofrer ofensa grave, caso volte ao seu país de origem ou ao estado
G) Pugna-se pela nulidade ou anulação do despacho de falta de fundamento, proferido pelo Diretor Nacional da AIMA, no âmbito do pedido de proteção internacional apresentado ao Estado português
E
H) a condenação a praticar os atos devidos, nomeadamente, de admissão do pedido de asilo em Portugal, concedendo ao Autor o estatuto de refugiado conforme postulado pelos números 1 e 2 do artigo 3.2 da Lei n.2 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.2 26/2014 de 05.05. ou, em alternativa, de concessão de proteção subsidiária.
NESTES TERMOS,
e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta,
assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
A Entidade Requerida, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas do aludido parecer, as partes nada disseram.
II. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.
III. Fundamentação de facto
III.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:
A. O autor é natural da República dos Camarões e nacional da República Federativa do Brasil (cf. pp. 11 e ss. do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos);
B. A 15 de julho de 2024, o autor apresentou, junto da AIMA, um pedido de proteção internacional, que veio a dar origem ao processo de proteção internacional n.° 1751/24 (cf. pp. 3 e ss. e 48 do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos);
C. A 19 de julho de 2024, o autor prestou declarações perante a AIMA, tendo respondido da seguinte forma em relação ao seguinte conjunto de questões que lhe foram colocadas (cf. pp. 53 do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos):
«(...)
6. Por que motivo está a solicitar proteção internacional?
Eu estou a pedir proteção internacional, por causa da minha mulher e dos meus filhos. No meu país nos Camarões, a minha irmã mais velha morreu e o marido dela ficou viúvo, existe um sistema de crenças que é imposto aos mais pobres e menos poderosos que diz que o meu cunhado viúvo tinha que casar com a minha outra irmã, ele era mais velho 40 anos que a minha outra irmã, ela recuou-se e eu apoiei. A partir desse momento, começaram as ameaças à minha família, um tio nosso ajudou a minha irmã a fugir para a Tailândia, em 2012 eu fui ter com ela pois a pressão era muito grande para mim, durante o tempo que eu estive lá tudo estava a correr bem eu era professor de inglês a minha mulher viajou para a Tailândia em 2014 e em 2017 voltamos para o Camarões para nos casarmos, já tinha passado 7 anos, depois voltamos para a Tailândia, nessa altura eu recebi uma mensagem de ameaça, expliquei o que tinha acontecido à minha mulher à [s/c] 7 anos atrás com as minhas irmãs e tentei rasteirar junto da operadora do telemóvel qual foi o numero [s/c] que me mandou essas ameaças, não foi possível mudei de número e a vida continuou normalmente. Em abril 2021 o meu irmão mais velho morreu e eu recebi uma nova mensagem de ameaça, desta vez falava da minha vida e da vida da minha família, uma vez que eu não aceitei dar a minha irmã para casar toda a família tinha que morrer, eu falei com a minha mãe que me disse que eles estavam a tentar rastrear toda a nossa família, nessa altura a minha mulher tinha um emprego no Brasil para ensinar inglês na área de negócios, nós fomos para o Brasil em 2021 e foi lá que nasceu o nosso segundo filho e nos naturalizamos enquanto brasileiros. Quando vivíamos no Brasil, em 2022 a minha mulher recebeu uma mensagem em de ameaça desta vez eles mandaram a mensagem a ela, que dizia o meu nome e que por causa de mim a vida dela estava em risco se ela não dissesse onde eu estava, ela mostrou essa mensagem no trabalho e eles aconselharam-nos a ir a operadora tentar descobrir qual o número que nos ligou eu fui eles não conseguiram descobrir, eu disse que a minha
mulher que podia ter sido uma mensagem ao acaso, mudamos de número e tudo estava ok até ao momento que decidimos viajar para passar férias, nessa altura que estávamos planear as férias recebemos notícia que a minha mãe morreu, por causa deste stress em abril de 2024, nós mantivemos a viajem pois já tínhamos comprado os bilhetes, a nossa primeira opção era ir para a Áustria fomos do Brasil para Frankfurt, em Frankfurt apanhamos um comboio para Áustria, depois fomos para Itália, voltamos para Áustria e fomos para Frankfurt para viajar para Paris de Paris nós vínhamos para Lisboa, quando estávamos no autocarro ela foi ler os emails para confirmar a reserva de hotel aqui em Lisboa, e abriu um email com novas ameaças onde descreviam a roupa que ela usava quando nós estávamos na estação de Frankfurt, a blusa as calças, o que mostrava que eles sabiam exatamente onde nós estávamos, nesse email eles mencionaram também as mortes do meu irmão e da minha mãe que ocorreram ambas no mês de abril, disseram também que ela não podia colocar mais os pés no Brasil e que matariam a ela e aos meus filhos. Eles são tudo o que eu tenho, eu perdi o meu irmão a minha mãe e a minha irmã não temos contacto neste momento eu não sei onde ela está. Nesse momento quando chegamos aqui eu decidi ir à polícia que me disseram para vir cá. Nós precisamos de proteção para viver em paz, nós não tínhamos problemas no Brasil, mas nossa vida está em risco.
[Durante a leitura da entrevista acrescenta: Na altura em que a minha mulher recebeu a primeira mensagem no Brasil o numero [s/c] foi hackeado e foi automaticamente removido do grupo de WhatsApp do trabalho, foi ai que eles tiveram conhecimento do que se passou e disseram-nos para ir à operadora]
Quem eram estas pessoas que alega que lhe ameaçaram?
Era a família do homem com quem a minha irmã mais velha se casou, eles tinham poder porque eles tinham dinheiro e controlavam a vila. Eles ameaçam a minha família desde essa altura até agora.
Acredita que sejam responsáveis pela morte da sua mãe e irmão?
Sim a 100%.
Disse anteriormente que ela morreu pelo stress?
Sim, mas causado por esta situação ela perdeu o filho não me podia ver a mim e à minha irmã. A minha irmã podia se entregar, mas ela não pode casar com uma pessoa 40 ou 50 anos mais velha que ela, ela tem os seus próprios sonhos, nós somos cristãos.
Quando é que ocorreram as ameaças/perseguição?
Começaram em 2010, para mim a minha mulher não sabia, para ela as ameaças começaram no Brasil, quando eles descobriram que eu tinha uma mulher.
7. Vivia em que cidade Brasil?
No Brasil em Florianópolis Santa Catarina.
Em que cidade vivia nos Camarões?
Mamfe.
9. Ponderou mudar de cidade para evitar essa ameaça/perseguição?
Na verdade, quando eu estava em Mamfe depois da minha irmã morrer, houve uma grande luta e eu fui para Yaounde, vivi lá 2 anos até ir para a Tailândia.
[Durante a leitura da entrevista acrescenta: Foi depois da minha irmã sair do país e ir para a Tailândia eu mudei-me para Yaounde]
10. Sofreu alguma ameaça em Yaounde?
Claro, nessa altura eu não tinha telemóveis, o meu colega disse-me que duas pessoas que ele nunca tinha visto tinham ido atrás de mim e caso ele soubesse onde eu estou eles lhe dariam dinheiro. O meu amigo disse-me que teve um mau pressentimento e que eu tinha que proteger a minha vida foi aí que procurei o meu tio que tinha ajudado a minha irmã a fugir para a Tailândia e ele ajudou-me também.
11. Fez queixa às autoridades do seu país de origem?
Nessa altura eu era muito novo, eu saí de casa sem ninguém notar, eu não cheguei a ir à polícia.
12. E no Brasil fez queixa às autoridades das ameaças que estava a receber?
Não, apenas fomos à operadora tentar rastrear o número.
13. Se regressasse ao seu país de origem, o que aconteceria?
Eu não posso garantir, pois eles estão a falar das vidas dos meus filhos e da minha mulher, eles falaram das mortes do meu irmão e da minha mãe. Eu tenho muito medo do que lhes possa acontecer a minha família precisa de proteção.
14. Se regressasse ao Brasil, o que aconteceria?
Toda a gente à minha volta está morta, eles são tudo o que eu tenho.
[Durante a leitura de entrevista acrescenta: Se eu voltar para o Brasil a minha família pode morrer eles mencionaram o número do CPF (NIF) do Brasil, eles sabem onde nós estamos.]
15. Quando saiu do seu pais de origem?
Eu saí dos Camarões em 2012.
Quando é que saiu do Brasil?
Saímos a 4 de maio de 2024.
E quando chegou a Portugal?
Cheguei dia 13/07/2024.
16. Qual o trajeto que fez até chegar a Portugal? (por que países passou e quanto tempo esteve em cada um deles)
Camarões fui para Tailândia onde fiquei 9 anos, depois fui para o Brasil onde estive 3 anos, depois fui para Frankfurt só fiquei um dia fui para Áustria, ficamos 1 mês, depois fomos para Itália onde ficamos 2 dias, depois voltamos para Áustria ficamos 1 mês, depois fomos para Frankfurt mas no mesmo dia fomos para Paris, ficamos 2 duas noites e viemos para Portugal.
17. Que meio de transporte usou para entrar em Portugal?
Autocarro, flexibus.
18. No caso de ter entrado em Portugal por terra, em que zona do país entrou?
Lisboa.
19. Tendo passado por outros países, pediu proteção internacional nos mesmos? Se não, por que motivo?
Não, pois quando a minha mulher recebeu as ameaças no Brasil nós t[r]ocamos de número e tudo ficou bem, mas quando a minha mulher recebeu o email no caminho para aqui eu disse não isto nós não podemos aguentar mais, então eu decidi pedir proteção aqui.
20. Onde estava alojado/a antes de ter feito o presente pedido proteção internacional?
Ficamos num hotel por 2 noites.
21. Dispõe de elementos de prova que confirmem as presentes declarações?
Eu tenho a mensagem que recebemos agora, as outras eu posso procurar.
(…)»
D. A 24 de julho de 2024, o Conselho Português para os Refugiados dirigiu mensagem de correio eletrónico à AIMA, a pedido do autor, mediante a qual remeteu as alegações deste, contendo esclarecimentos e correções às suas declarações, das quais se destaca o seguinte (cf. pp. 122 e ss. do processo administrativo, incorporado a fls. 49 a 148 dos autos):
«(…)
a) Na resposta à questão 6. "Por que motivo está a solicitar proteção internacional?" (p. 1), o requerente esclarece que:
- No seu país de origem, os Camarões, as terras e comunidades mais pobres são controladas por "chefes", que herdam essa posição de autoridade dos seus ascendentes e impõem um sistema de crenças e tradições, que aceita, entre outras, a poligamia (homens com várias mulheres com grandes diferenças de idade comparativamente àqueles);
- O requerente e a sua família não se identificam com as crenças e tradições impostas à sua comunidade, tendo como mais importante a sua fé cristã, o que não é bem aceite pelo chefe;
- Este sistema está intrínseco na sociedade camaronesa e regula o seu funcionamento, pelo que a hierarquia que impõe não pode ser desrespeitada, o que impede os menos privilegiados de denunciar ou recusar as práticas e ordens dos seus chefes;
- O governo camaronês aceita esta autoridade/sistema de poder e negligencia as regiões anglófonas do país (noroeste e sudoeste), de onde o requerente é original, o que está na base da falta de proteção sentida pelo mesmo, sentimento que é, desde logo, transversal à sua comunidade e a todas as comunidades mais pobres e vulneráveis;
- Após o falecimento da sua irmã mais velha, em 2008, foi exigido à sua família que disponibilizasse a sua irmã mais nova para casar com o seu cunhado viúvo, substituindo a irmã falecida, o requerente e a sua família recusaram essa ordem, priorizando a liberdade e futuro da primeira, o que foi visto como um desafio à sua autoridade;
- A gravidade da recusa da imposição do chefe colocou em risco o requerente, que se posicionou contra o casamento, de forma expressa e clara, e a sua família e marcou a respetiva linhagem, tendo em conta que este tipo de problemas e conflitos passa de geração em geração, o que significa que, ao voltar para os Camarões, os seus filhos e a sua esposa também estarão em perigo;
- Depois destes acontecimentos, como a pressão para realizar o casamento começou a aumentar, a sua irmã mais nova viajou para a Tailândia, em 2010, com a ajuda do seu tio, que optou por não se manifestar abertamente contra os líderes da comunidade, mas forneceu discretamente este apoio;
- Quando os líderes descobriram que a sua irmã fugiu do país, a pressão e as ameaças ao requerente e à sua família aumentaram e aquele também decidiu mudar-se para Yaounde, a capital dos Camarões, onde vivia com dois amigos;
- Numa ocasião, em que saiu de casa para fazer exercício, os seus amigos contaram-lhe que dois homens apareceram na casa a perguntar por si, o que o levou a contactar o mesmo tio, que também o ajudou a viajar até à Tailândia, em 2012;
- Voltou aos Camarões, quando decidiu casar com a sua esposa, para obter a bênção do avô da mesma e, após regressar à Tailândia, recebeu uma mensagem onde o ameaçavam, dizendo que sabiam onde o requerente estava e que iriam descobrir onde vivia, pelo que percebeu que, mesmo passados 7 anos do acontecimento supra descrito, a sua vida continuava em risco, assim como a vida da sua família;
- O requerente perdeu contacto com a sua irmã mais nova, que decidiu afastar-se de todas as pessoas, deforma a não ser encontrada e, consequentemente, preservar a sua segurança.
b) Relativamente à questão 11. "Fez queixas às autoridades das ameaças que estava a receber?" (p. 2), o requerente reitera que o sistema de poder instaurado não é compatível com a intervenção das autoridades, uma vez que as mesmas consideram e incentivam a que as famílias e membros da comunidade resolvam os conflitos entre si.
c) Quanto à questão 21. "Dispõe de elementos de prova que confirmem as presentes declarações?"(p. 3), o requerente junta a este requerimento a certidão de casamento, que data o ano de 2017 (Doc. 1), as fotografias de duas publicações do requerente nas redes sociais a relatar a morte da sua mãe e do seu irmão (Doc. 2 e Doc.
3), os bilhetes da viagem de Paris para Lisboa (Doc. 4), o email com ameaças recebido pela sua esposa (Doc. 5), fotografia da sua esposa com o casaco azul (Doc. 6), o cartão da sua esposa com número CPF (Doc. 7) e o Auto de Denúncia da PSP (Doc. 8).
d) No âmbito da questão 23. "Deseja acrescentar alguma outra informação, que seja relevante para a apreciação do seu pedido de proteção internacional?" (p. 3), o requerente retifica que gostaria de realçar que quando chegou a Portugal foi diretamente à polícia para reportar a ameaça que a sua mulher recebeu por email.»
E. Em anexo à mensagem de correio eletrónica mencionada na alínea anterior, o Conselho Português para os Refugiados remeteu, nomeadamente, cópia dos seguintes documentos: (i) mensagem de correio eletrónico dirigida para o endereço de correio eletrónico e...@gmail.com, a 10 de julho de 2024, do qual consta uma ameaça de morte em relação ao respetivo destinatário e aos seus dois filhos caso regressem ao Brasil, referindo a roupa que tinha vestida, a referência ao número de identificação fiscal brasileiro terminando em 24 e alusão à morte do irmão e da mãe de seu marido; (ii) cartão de identificação fiscal brasileiro, titulado por N........, com número …….24; (iii) bilhetes de autocarro de França para Portugal, em nome do autor, de N........, de M........ e de T........, com data de viagem de 12 de julho de 2024; (iv) participação criminal apresentada por N........, junto das autoridades policiais portuguesas, denunciando a receção de mensagem de correio eletrónico mencionada no ímpeto (i) (cf. pp. 100 e ss. do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos);
F. A 26 de agosto de 2024, os serviços da AIMA elaboraram a informação com a referência 19067/CNAR- AIMA/2024, da qual consta, nomeadamente, o seguinte (cf. pp. 125 do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos):
«RELATÓRIO:
1. Em 15/07/2024 a pessoa requerente apresentou no Centro Nacional de Asilo e Refugiados da Agência para Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AlMA, I.P.) o pedido de proteção internacional registado com o número supramencionado;
2. Em cumprimento do n.° 3, do art° 13° da Lei n.° 27/08, de 30/06, na sua atual redação, foi comunicado ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) a apresentação do atual pedido de proteção internacional, não se tendo pronunciado;
3. No dia 19/07/2024 e em cumprimento do disposto no n.° 1, do art.° 16°, da Lei n.° 27/08, de 30/06, na sua atual redação, a pessoa requerente foi ouvida quanto aos fundamentos do seu pedido de proteção internacional.
FACTOS E A SUA APRECIAÇÃO:
4. Face à prova constante nos autos, em particular o inquérito preliminar respondido pela pessoa requerente acima identificada, as declarações prestadas pela mesma no cumprimento do disposto no n.° 1, do art° 16°, da Lei n.° 27/2008, de 30 de junho, na sua atual redação, conforme fls. 1 e ss. dos autos, a documentação que juntou ao processo e a informação recolhida em fontes internacionais sobre a situação atual no país de
origem, tendo em consideração as orientações da Agência da União Europeia para o Asilo (EUAA), verifica-se que:
a) A pessoa requerente alega ter efetuado o presente o presente pedido de proteção internacional por ser ameaçado desde 2010 nos Camarões e agora no Brasil, país do qual também é nacional;
b) Concretamente refere que nos Camarões tinha uma irmã que era casada e que faleceu, e que na sequência do falecimento desta o seu viúvo e respetiva família, apoiados pelo chefe da aldeia, exigiam que a irmã mais nova do requerente substituísse a irmã mais velha casando-se com o viúvo;
c) Alega o requerente que tendo a sua irmã recusado tal matrimónio com o apoio do requerente, por o noivo ter mais 40 anos do que esta e por não se identificarem com as crenças e tradições impostas àquela comunidade, fez com que sofressem ameaças,
d) De acordo com as declarações do requerente que a sua irmã terá logrado fugir para a Tailândia em 2012, e o próprio requerente logo, em 2010 terá fugido para de Mamfe para Yaounde, e posteriormente por sentir muita pressão nos Camarões o requerente terá decidido juntar-se à sua irmã na Tailândia;
e) Uma vez na Tailândia terá conhecido a sua esposa, também ela camaronesa, e em 2017 terá voltado aos Camarões para se casarem, tendo de seguida voltado à Tailândia, altura em que, já na Tailândia, recebeu uma nova ameaça, tendo por isso contado à sua esposa o que ocorrera cerca de 7 anos antes;
f) De acordo com o relato apresentado, o requerente terá tentado saber, junto da operadora qual a identidade da pessoa que lhe enviou a mensagem, sem sucesso pelo que mudou de número de telemóvel;
g) Alega ainda que em 2021, por altura da morte do seu irmão mais velho terá recebido nova ameaça, na qual era mencionada a sua vida e a da sua família, uma vez que não aceitou dar a sua irmã para casar, e que toda a sua família teria de morrer, tendo na época a sua mãe dito que aquelas pessoas o tentavam rastrear;
h) De acordo com as declarações do requerente, terá decidido emigrar para o Brasil, em 2021, uma vez que a sua esposa tinha trabalho no Brasil, tendo ambos os filhos do casal nascido no país, o que permitiu a naturalização do casal como brasileiros;
i) Já em 2022, refere o requerente que a sua mulher terá recebido uma mensagem de ameaça, na qual era referido o nome do requerente e que, caso a sua esposa não dissesse onde ele estava a sua vida estava em risco, tendo além disso o telemóvel sido hackeado e a sua esposa automaticamente removida do grupo de WhatsApp. A esposa do requerente terá mostrado a mensagem no seu local de trabalho onde a aconselharam a ir à operadora no sentido de descobri o número do qual foi contactada, não tendo a operadora logrado descobrir;
j) Nessa sequência o requerente terá dito à sua esposa que era uma mensagem ao acaso tendo mudado de número de telemóvel;
k) Seguidamente relata o requerente que em 2024 o agregado familiar veio de férias para a Europa e quando vinham de Paris para Lisboa a sua esposa acedeu à sua caixa de email a fim de confirmar a reserva de hotel em Lisboa, altura em que viu um email com ameaças onde era descrita a roupa que esta vestira na estação de Frankfurt, demonstrando que as pessoas que lhe enviaram o email sabiam onde estava e mencionavam as mortes do irmão e mãe requerente, e que a sua esposa não poderia voltar para o Brasil, sob pena de ser morta;
l) O requerente alega ainda que quando chegou a Portugal apresentou queixa junto das autoridades;
m) De acordo com as alegações prestadas as ameaças terão sido enviadas pela família do homem com quem a sua irmã iria casar;
O requerente alega que ao recusar a imposição do chefe do local viviam, colocou em risco a sua vida, passando esse conflito de geração em geração e colocando toda a linhagem em risco;
Questionado o requerente se na Tailândia e no Brasil apresentara queixa sobre as ameaças que recebera referiu que não apresentou queixa em nenhum dos países, alegando ainda que o governo camaronês não protege pessoas na sua situação, uma vez que aceita o sistema de hierarquias existente nas comunidades;
De acordo com as declarações e alegações prestadas o requerente teme voltar ao seu país de origem, por as pessoas que lhe enviaram mensagens terem falado dos seus filhos estando a sua família em risco, caso volte para o Brasil a sua família pode morrer pois mencionaram o CPF da sua esposa;
O agregado familiar terá saído do Brasil no 04/05/2024 e chegado a Portugal a 13/07/2024;
A família terá ido em direção a Frankfurt, daí terá ido para a Áustria, onde ficou 1 mês, dali foi para Itália, de Itália voltaram para a Áustria onde ficaram mais um mês e depois voltaram para Frankfurt, daí para Paris e desta cidade para Portugal, não tendo efetuado pedido de proteção internacional em outros países por apenas ter visto o email dentro do autocarro que se dirigia para Portugal;
Junto do pedido formulado pelo requerente foi apresentado um requerimento subscrito pela sua esposa, sobre o qual não iremos discorrer por quer a entrevista, quer as alegações terem versado sobre os mesmos factos,
Consultadas as fontes internacionais em matéria de asilo verifica-se que:
i) As fontes indicam que a prática do casamento forçado varia de região para região
(Camarões, 26 de março de 2013; Professor; 27 de março de 2013). O Professor de Antropologia Africana da Universidade de Amesterdão acrescentou que, de um modo geral as mulheres são independentes, móveis e livres de se divorciarem (ibid). No entanto, o funcionário do Ministério do Empoderamento da Mulher e da Família declarou que "existe o noivado precoce, o casamento precoce/forçado ou arranjado e a prática do levirato ou sorarato para viúvas e viúvos"
(https://www.ecoi.net/en/document/1276813.html);
ii) O Brasil não está envolvido em nenhum conflito interno ou internacional. Não há registo de deslocamentos internos causados por conflitos, O Brasil é considerado no geral um país seguro (https://freedomhouse.org/countru/brazil/freedom-world/2024);
5. Notificada do relatório previsto no artigo 17.°, n.° 2, da Lei 27/08, de 30/02, na sua atual redação, veio a pessoa requerente, nas datas de 22/07/2024 e 24/07/2024, apresentar alegações e proceder à junção dos seguintes documentos:
> Certidão de casamento;
> print de duas publicações do requerente na rede social Facebook uma sobre a morte do seu irmão e da sua mãe;
> comprovativo dos bilhetes de autocarro de Paris para Lisboa;
> email com ameaças para a esposa do requerente;
> Fotografia da sua esposa com casaco azul;
> Cartão com número CPF da esposa;
> auto de denúncia junto da PSP.
6. Assim, conclui-se que:
a) Da consulta a fontes internacionais foi possível apurar que quanto aos Camarões, não existem evidências que suportem as alegações do requerente, já que de facto existe a tradição do sororato, no entanto, não foram encontrados relatos dos efeitos da recusa da prática do mesmo para a família da noiva, apenas para esta diretamente;
b) O requerente saiu há cerca de 12 anos do seu país de origem, primeiro para a Tailândia e depois para o Brasil, tendo, no entanto, nesse lapso temporal regressado aos Camarões para contrair matrimónio em 2017;
c) Do relato apresentado, verifica-se que durante a sua estadia no ano 2017, nada lhe aconteceu, nem recebeu qualquer ameaça pelo que não se compreende que alguém que esteja a ser perseguido e ameaçado e que tivesse fundado receio que mal lhe acontecesse, retorne ao país onde corria risco de vida e onde houvesse uma busca ativa pelo seu paradeiro, para celebrar um evento público como é o caso do matrimónio;
d) Decorre ainda do relato efetuado que durante a sua estadia na Tailândia nada lhe aconteceu, tendo apenas alegadamente recebido uma mensagem ameaçadora, quando já estava de volta à Tailândia. Contudo o requerente não apresentou queixa junto das autoridades tailandesas e apenas tentou saber a origem daquela mensagem junto da operadora;
e) De igual forma não se compreende como é que a esposa do requerente, ainda no Brasil, recebe uma ameaça no seu telemóvel, onde era citado o nome do requerente, sendo o telemóvel inclusivamente hackeado, sem depois ter apresentado qualquer queixa junto das autoridades brasileiras, pois, mesmo que se admita que as autoridades camaronesas, compactuassem com as ameaças que lhe eram dirigidas, por de acordo com as alegações do requerente "o sistema de poder instaurado não é compatível com a intervenção das autoridades,, uma vez que as mesmas consideram e incentivam a que as famílias e membros da comunidade resolvam o conflito entre si", no Brasil o mesmo não aconteceria, podendo este país investigar os factos e conceder-lhe proteção interna;
f) Consideramos que caso o requerente tivesse de facto receio pela sua segurança, teria de imediato denunciando a situação às autoridades do Brasil, o que não fez, tendo-se limitado, por conta própria a contactar a empresa de telecomunicações;
g) Verifica-se que pese embora, o alegado receio do requerente este mantém as suas redes sociais ativas e acessíveis a qualquer pessoa;
h) Ademais basta uma simples pesquisa na internet com o nome do requerente para ter acesso a uma morada e email como sendo deste, sendo por isso fácil os autores das referidas ameaças entrarem em contacto com o requerente, o que não fizeram;
i) Analisado o teor da mensagem enviada à esposa do requerente extrai-se em súmula, que a esposa do requerente usaria um casaco azul aquando da sua entrada no comboio, mas também que iriam causar sofrimento ao seu marido através das pessoas que este ama dizendo qual o dois últimos números do seu CPF, e que, por isso esta não deveria voltar a entrar no Brasil, considerando por isso que as pessoas que teciam ameaças tinham acesso a informação exclusiva, no entanto, tal não é o caso, pois através de uma simples pesquisa de internet, não só conseguimos obter o numero de CPF da esposa do requerente como a morada desta;
j) Acresce que do teor do email não se retira que tal ameaça esteja relacionada com os factos ocorridos nos Camarões;
k) Ademais confrontadas as declarações do requerente, com as da sua esposa também ela requerente de asilo (PPI 1752), verifica-se que ambos apresentam versões contraditórias quanto à primeira ameaça recebida no Brasil, pois de acordo com o relato do requerente na mensagem datada de 2022, a sua esposa terá recebido uma ameaça onde era mencionado o nome do requerente e que, caso a sua esposa não dissesse onde este estava o requerente a sua vida estava em risco. Já a sua esposa apresenta uma versão completamente diferente referindo que em 2022 enviaram-lhe uma mensagem ameaçadora, onde era descrito o local onde esta se encontrava, que iriam atrás desta. Ora, mesmo admitindo que com a passagem do tempo a memória tenha falhas, estamos a falar de contradições de fundo já que um dos requerentes afirma que a mensagem o menciona a si próprio, e a outra requerente em momento algum refere que a mensagem mencionava o marido mas sim a própria;
l) O requerente, alega sentir receio devido às mensagens espaçadas no tempo que foi recebendo, mas facto é que nunca fez nada para tentar que os seus responsáveis fossem encontrados e punidos, apenas tendo apresentado queixa crime em Portugal, nunca o tendo feito nem na Tailândia nem no Brasil, o que nos demonstra que não tem fundado receio que mal lhe aconteça, nem na concretização das mesmas
m) O requerente poderia e deveria ter lançado mão da proteção interna no Brasil, sendo que quanto à mensagem recebida em solo europeu, nada o impedia de assim que chegasse ao Brasil, e ainda no aeroporto apresentar queixa junto das autoridades brasileiras, pelo que não encontramos qualquer justificação válida para não recorrera proteção interna do seu país;
n) Consideramos que o que está em causa é matéria de exclusiva competência das autoridades polícias, não se vislumbrando do relato apresentado pela pessoa requerente, qualquer perseguição ou ameaça efetiva contra si, que apenas pudesse ser afastada através do mecanismo de proteção internacional;
o) Concluímos da análise dos factos que o presente pedido não se coaduna com o escopo da proteção internacional, tratando-se sim, devido ao tipo de ameaças em causa, matéria criminal;
p) Analisadas as declarações prestadas, verifica-se que o relato da pessoa requerente, não cumpre os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.° 4 do artigo 18° da Lei 27/2008, de 30 de junho, uma vez que não efetuado um esforço para fundamentar o seu pedido, nem foram sido facultados os elementos ao seu dispor, sendo as declarações por si apresentadas pouco coerentes e plausíveis, sem que tenha sido apresentada uma explicação satisfatória para os factos por si alegados;
q) A pessoa requerente além da nacionalidade camaronesa é também nacional do Brasil, país este considerado seguro, para os efeitos do presente pedido (https://freedomhouse.org/country/brazil/freedom-world/2024);
r) Da exposição efetuada pela pessoa requerente, consideramos que a mesma não é perseguida por nenhum dos fatores previstos no n.° 2 do artigo 3° da Lei n.° 27/2008, de 30 de junho, nomeadamente em razão da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social;
s) Também não se encontram previstos os pressupostos para a atribuição de proteção subsidiária, porquanto não estará em causa uma violação sistemática de violação de direitos humanos que acarrete para o requerente o risco de sofrer uma ofensa grave, nos termos previstos no artigo 7.° da Lei n.° 27/2008, de 30 de junho, na sua atual redação;
t) Pelo exposto conclui-se que a pessoa requerente fez declarações que não se mostram pertinentes para a análise do cumprimento das condições para se ser refugiado ou pessoa elegível para proteção Internacional, e que o requerente provém de um país de origem seguro, o Brasil.
III. DIREITO:
7. Pelo exposto, considera-se o pedido de proteção internacional infundado, nos termos das alíneas e) e f), do n.° 1, do artigo 19°, da Lei n° 27/08, de 30 de junho, na sua atual redação, onde se prevê:
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária, e;
f) O requerente provém de um país de origem seguro.
DA PROPOSTA:
Propõe-se que o pedido de proteção internacional seja considerado infundado, nos termos das alíneas e) e f), do n.° 1, do artigo 19°, da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, na sua atual redação, e que a pessoa seja notificada da decisão proferida»
G. A 26 de agosto de 2024, o Conselho Diretivo da AIMA proferiu decisão de concordância com a informação dos serviços mencionada na alínea anterior, pronunciando-se no sentido de o pedido de proteção internacional apresentado pelo autor ser considerado infundado (cf. pp. 125 do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos);
H. A decisão mencionada na alínea anterior foi comunicada ao autor a 28 de agosto de 2024 (cf. pp. 153 e ss. do processo administrativo, incorporado a fls. 57 a 220 dos autos).
III.2. A respeito dos factos não provados consignou-se na sentença recorrida,
“Inexiste matéria de facto alegada não provada com relevância para a decisão da causa.”
III.3. Mais se consignou na sentença recorrida quanto à motivação da matéria de facto:
“A convicção do Tribunal para dar os presentes factos como provados assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes do processo administrativo e dos restantes documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes e relativamente aos quais não há indícios que ponham em causa a respetiva genuinidade, de acordo com o indicado em cada uma das alíneas do probatório.”
IV. Fundamentação de direito
1. Do erro de julgamento de direito
Sustenta o Recorrente que, na sequência de ter recusado que a sua irmã mais nova casasse com o viúvo da sua irmã mais velha, o autor e a sua família foram alvo de ameaças contra as respetivas vidas, as quais se mantêm desde 2010. Entende que sofreu atos de perseguição, por agentes de perseguição, existindo um risco sério e real de violação dos direitos humanos ou o risco de sofrer ofensa grave, caso volte ao seu país de origem ou ao estado responsável, pelo que tem direito à concessão de asilo por preencher os respetivos requisitos, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, ou, em ultima ratio, deveria o Tribunal ter concedido autorização de residência por proteção subsidiária.
O artigo 19.º estabelece a tramitação acelerada da “análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, considerando-se o pedido infundado, quando, com relevo aos autos, se verifique que “[a]o apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária” [n.º 1 al. e)] e “[o] requerente provém de um país de origem seguro” [al. f)].
Prevê-se no art.º 3.º da Lei n.º 27/2008 que,
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
(…)
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”
O art.º 5 deste diploma, epigrafado “Atos de perseguição”, estipula que,
“1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.
2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:
a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;
b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;
c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;
d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;
e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.
3 – (…)
4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”
Nos termos da al. n) do art.º 2, n.º 1 deste diploma, os “motivos da perseguição” que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido “devem ser apreciados tendo em conta as noções de raça, religião, nacionalidade e grupo que resultam das alíneas i) a v) do normativo, considerando-se agentes de perseguição, conforme o n.º 1 do art.º 6.º, o Estado [al. a)], os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território [al. b)] e “os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição” [al. c)], considerando-se “que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva” (art.º 6.º, n.º 2 ).
Por seu turno o art.º 7.º prevê a proteção subsidiária, nos seguintes termos,
“1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
Cumpre considerar que recai sobre o requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária o ónus da prova dos factos que alega, cabendo-lhe “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB), isto é “sendo-lhe exigível que nas declarações que preste ao SEF apresente um relato coerente, consistente e credível” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB).
Resulta do probatório que o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente se mostra assente na alegação de que, na sequência do seu apoio à recusa da sua irmã mais nova casar com o viúvo da sua irmã mais velha, este e a sua família foram alvo de ameaças contra as respetivas vidas pela família do cunhado, que sustenta terem poder e controlo sobre a vila. Alega que viajou para a Tailândia em 2012 e a sua mulher em 2014, regressando em 2017 aos Camarões onde casou. Posteriormente regressou à Tailândia onde recebeu uma mensagem de ameaça, o que voltou a suceder em abril de 2021, após a morte do irmão mais velho. Em 2021 foi para o Brasil, onde nasceu o segundo filho e se naturalizaram, tendo vindo em 2022 a mulher a receber nova mensagem ameaçadora, sem que lograssem descobrir quem a tinha enviado e mudaram de número. Em 2024 foram do Brasil para Frankfurt, daí para a Áustria, depois Itália, novamente Áustria, Frankfurt e Paris, e quando viajavam para Lisboa, a esposa recebeu nova mensagem com ameaças e que revelava que sabiam onde estavam, tendo apresentado queixa na polícia.
Considerando o exposto, bem se vê que os fundamentos em que assenta a pretensão do A./Recorrente, não revelam em termos de pertinência e relevância a consubstanciação de (i) sujeição a grave ameaça ou efetiva prática de atos de perseguição nos termos do art. 5.º daquele diploma, pelos agentes de perseguição identificados no art. 6.º, e (ii) que a motivação da perseguição se prenda com uma atividade por si desenvolvida a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou, ainda, por virtude da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, apreciada segundo as noções elencadas nas várias subalíneas da al. n) do n.º 1, do art. 2.º, do mesmo diploma.
Com efeito, a alegada perseguição de que o Recorrente aduz ser vítima não é consubstanciada em moldes que, em conformidade com o artigo 5.º, constituam “pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais” ou que se traduzam num “conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais”, nem tão pouco é, à luz do artigo 3.º, motivada pela atividade que este desenvolve “a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” (n.º 1) ou pelas suas opiniões políticas (n.º 2).
Na realidade, consubstancia-se essa alegada perseguição em ameaças e comunicações ameaçadoras temporalmente muito espaçadas (2010, 2017, 2022 e 2024), que aduz serem provenientes da família do viúvo da irmã mais velha, mas que, não obstante, não o terão impedido de regressar em 2017 aos Camarões, país onde se encontram os alegados perseguidores e onde sustenta correr risco de vida, para contrair matrimónio e sem que, quanto a esse período, tenha relatado qualquer episódio ameaçador. Refira-se, ainda, que, não obstante alegar ter recebido mensagens ameaçadoras na Tailândia e no Brasil, país de que (também) é nacional, não apresentou qualquer participação às autoridades, o que coloca em dúvida o alegado receio pela sua segurança e da sua família, desde logo, porque não existem evidências, nem a sua alegação o revela, de que no Brasil não goze de proteção pelas autoridades policiais.
Ora, à luz das suas declarações, o Requerente nunca alega qualquer ativismo em prol da defesa dos princípios democráticos, da liberdade, da paz e dos direitos humanos, por motivo do qual tivesse sido sujeito ou ameaçado de perseguição. E o seu relato não revela que o Recorrente foi sujeito a ameaças ou a atos objetivos de natureza persecutória contra a sua pessoa, que traduzam de forma objetiva um receio de ser vítima de perseguição, que torne a sua permanência no Brasil insustentável a ponto de ter de abandonar o mesmo e a ele não poder regressar.
As circunstâncias que o Requerente enunciou não revelam, de forma consistente e assente em factos objetivos, um receio plausível e razoável.
Acresce que não resultando que essa perseguição tenha sido perpetrada por agentes do Estado ou dos partidos ou organizações que o controlam, estando em causa agentes não estatais, das declarações colhidas ao Requerente, nem sequer resulta que, tendo tentado obter ajuda das forças policiais - camaronesas ou, posteriormente, tailandesas ou brasileiras -, esta não lhe tenha sido concedida, por falta de vontade ou capacidade do aparelho judiciário do Estado. Ou seja, não existem elementos que indiciem que o sistema jurídico do seu país não se afigure eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir tais atos em consonância com o n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2008.
Neste sentido, porque do seu relato não decorre que os agentes da perseguição sejam estatais ou partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território, impor-se-ia que a alegação evidenciasse que o A./Recorrente tenha recorrido às autoridades ou que estas, caso o A. a elas se dirigisse, não viessem a adotar medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática contra o A. dos atos que esta receia. O que, in casu, não sucede, nada emergindo quanto à ineficácia do sistema judiciário brasileiro para prevenir os alegados atos de ameaça de que o Recorrente alega ser vítima. Como se nota na sentença recorrida “[i]mporta ainda sublinhar que a situação descrita se traduz num caso que poderia ter sido reportado às autoridades policiais do país de origem, nada tendo sido invocado pelo autor que permita concluir que, caso regressasse ao Brasil, não poderia apresentar imediatamente denúncia criminal àquelas ou que as mesmas seriam incapazes de proporcionar proteção ao autor e à sua família em relação a quem lhes dirige tais ameaças. É, aliás, incompreensível que o autor, apesar de alegar recear pela sua vida, nos 14 anos em que foi sendo ameaçado, nunca tenha apresentado queixa às autoridades policiais locais tailandesas ou brasileiras” (fls. 18).
Em suma, os elementos existentes não são aptos a infirmar o juízo realizado pelo Tribunal a quo quanto ao entendimento de que o A./Recorrente não aduz questões pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado pessoa elegível para lhe ser concedido o direito de asilo e obter o estatuto de refugiado.
Como ademais, assim também é quanto ao alegado direito a proteção subsidiária dado que não se vislumbra que em causa esteja um qualquer impedimento ou impossibilidade de o Autor regressar ao Brasil, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave, não podendo, por conseguinte, ser-lhe atribuída proteção subsidiária, por autorização de residência, por força de tal facto.
Com efeito, o direito à proteção subsidiária (art. 7.º) depende de o requerente sentir-se impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, em razão (i) da sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique ou (ii) por correr o risco de sofrer ofensa grave.
Ora, recordando-se que o Requerente é nacional do Brasil, a situação invocada não configura, nem revela uma sistemática violação generalizada e indiscriminada dos direitos humanos no Brasil, que permitissem sustentar o impedimento ou impossibilidade de regresso e permanência àquele país.
Tão pouco do relatado resulta que exista risco de, ao regressar ao seu país de origem, possa vir o Recorrente a ser sujeito a uma ofensa grave na aceção da Lei do Asilo.
Com efeito, o risco de ofensa grave assenta, como emerge do elenco exemplificativo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei 27/2008, em hipóteses que objetiva e marcadamente se prendem com o receio pela vida ou pela segurança física do requerente, o que não se limita à circunstância de o requerente ser alvo de alegadas comunicações ameaçadoras, relativamente às quais nem sequer procurou obter proteção interna do seu país de origem, tão pouco alegou ou demonstrou que o Brasil não tenha capacidade para a proporcionar.
A ser assim, não há fundamento que justifique a concessão da proteção subsidiária ao A., ou seja, nenhuma destas circunstâncias se revela bastante para ultrapassar o crivo de pertinência ou relevância mínima contido na supracitada alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Asilo e que lhe permite ser concedido o direito que se arroga.
Acresce que o pedido do Recorrente foi, também, considerado infundado por aplicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, ou seja, fruto do entendimento de que o requerente provém de um país de origem seguro.
O Recorrente nada aduz que permita considerar que o Brasil, país de que é nacional, não dispõe de condições de segurança, incluindo as necessárias a garantir a sua proteção e da sua família. Pelo que não se pode aceitar que o Recorrente provém de um país de origem não seguro e, consequentemente, que o seu pedido deveria ter sido admitido e apreciado nos termos do artigo 18.º da Lei 27/2008.
Nesse sentido, também com tal fundamento deveria ser considerado infundado o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente.
À luz do exposto, não padece a sentença recorrida de erro de julgamento de direito.
2. Da condenação em custas
Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
b. Sem custas.
Mara de Magalhães Silveira
Marta Cavaleira (em substituição)
Ana Cristina Lameira |