Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1.1 J.....(adiante Recorrente, Contribuinte ou Impugnante) veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo (TCA) da sentença que julgou improcedente a impugnação por ele deduzida contra a liquidação adicional de IVA que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1997, do montante de esc. 3.971.760$00 (() Embora na petição inicial o ora Recorrente refira como acto impugnado «a liquidação de IVA do ano de 1997 do montante de 2.703.110$00», este montante refere-se, não ao valor do acto impugnado, mas à diferença entre este e o montante de IVA que o Impugnante admite em falta, como resulta claramente dos arts. 12.º e 13.º da petição inicial.), na sequência do acordo obtido em sede de reunião da Comissão de Revisão que deliberou sobre a reclamação que ele deduzira contra a fixação da matéria tributável.
1.2 Na petição da impugnação o Impugnante, alegou, em síntese, o seguinte:
- tendo sido notificado de que, na sequência da fiscalização de que foi alvo e com base no relatório elaborado pelos Serviços de Fiscalização Tributária (SFT), lhe havia sido fixado IVA do montante de 3.971.760$00 com referência ao ano de 1997, deduziu reclamação ao abrigo do art. 84.º do Código de Processo Tributário (CPT);
- ulteriormente, foi notificado «que relativamente ao referido ano de 1997, tinha sido fixado imposto de IVA, no montante de 3.971.760$00, “em resultado de acordo encontrado entre os respectivos vogais” e que poderia deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artºs. 95 e 120, respectivamente» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.);
- reclamou graciosamente e, sem que nada lhe tenha sido comunicado quanto a esta reclamação, «a D.G.C.I. notificou o impugnante da liquidação de IVA, relativamente a 1997, do montante de 3.971.760$00, com limite da data de pagamento para 30/04/99 e que dessa liquidação poderia apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial no prazo de 90 dias, de harmonia com os artºs 97 e 123 do C.P.T.»;
- é «ao abrigo dessa notificação que é apresentada a presente impugnação» e «por mera cautela» que vem impugnar, pois «há manifesta preterição de formalidades legais, uma vez que a Administração Fiscal procedeu à referida liquidação sem previamente notificar o impugnante do resultado da reclamação» graciosa, sendo certo que, nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPT, «em caso de indeferimento da reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 8 dias após a notificação»;
- seja como for, a liquidação «é ilegal em virtude de - como já se salientou na reclamação - ter sido efectuado um cálculo aleatório sobre o consumo do gasóleo para determinar o volume dos serviços prestados» e, como «resulta do teste efectuado às viaturas e máquinas do impugnante, os consumos a ter em consideração são os constantes da referida reclamação e não os presumidos pela fiscalização», motivo por que «[o] IVA relativo a 1997 deveria ser reduzido para o montante de 1.268.650$00», montante que o Contribuinte aceitou como sendo o do IVA em falta em relação ao ano de 1997.
1.3 Na sentença recorrida, que julgou a impugnação improcedente, enunciaram-se como questões a apreciar e decidir «as de saber se o facto de o impugnante ter sido notificado da liquidação, depois de ter deduzido uma reclamação graciosa e antes de esta decidida, constitui preterição de qualquer formalidade legal, e, não constituindo, se ele pode vir discutir a quantificação da matéria colectável, tendo chegado a acordo sobre ela, na comissão de revisão para que reclamou».
Depois, considerou o Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga
- quanto à invocada preterição de formalidade legal:
«Em 23.11.98, o impugnante foi notificado da fixação do imposto e de que a poderia impugnar ou reclamar dela nos 90 dias seguintes ao termo do prazo que lhe viesse a ser fixado (destaque nosso) para pagar voluntariamente aquele imposto.
De sorte que foi o impugnante quem, por antecipação (antes de lhe ser fixado aquele prazo), deduziu reclamação contra a fixação do imposto, não podendo tirar, como é óbvio, qualquer proveito dessa antecipação.
A fixação do imposto foi comunicada à DGCI, que, por sua vez, fixou o prazo para pagamento.
Não há nisto qualquer anomalia, devendo a impugnação, por aqui, improceder»;
- quanto à possibilidade de discutir a quantificação da matéria colectável, em síntese:
- que o vogal do contribuinte na comissão de revisão é um representante deste, «havendo mesmo um mandato com representação», nos termos do art. 1178.º, n.º 1, do Código Civil (CC), não relevando o facto de o art. 86.º, n.º 3, do CPT, na redacção do Decreto-Lei (DL) n.º 47/95, de 10 de Março, impor aos vogais o dever de agirem com imparcialidade e independência técnica, tanto mais que expressões similares se encontram no Estatuto da Ordem dos Advogados e estes são representantes dos seus constituintes;
- que o art. 86.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), veio confirmar esse entendimento;
- que, «tendo o vogal do impugnante acordado, na reunião da comissão de revisão, quanto ao valor da matéria colectável, não pode (“pacta sunt servanda”), agora, o impugnante fazer letra morta desse acordo».
1.4 O Recorrente apresentou as alegações de recurso, que concluiu nos seguintes termos:
«1 - Tendo o recorrente reclamado da liquidação do IVA de 1997 do montante de 3.971.760$00, nos termos do art. 95.º do C.P.T., após a notificação dessa liquidação pela Comissão de Revisão da Matéria Colectável, deveria ter sido notificado da respectiva decisão - se é que a houve - a fim de deduzir, no respectivo prazo, impugnação judicial, nos termos do art. 123.º, n.º 2, do mesmo C.P.T.;
2 - Ao ter sido notificado da liquidação efectuada pela D.G.C.I, sem essa notificação, foi cometida uma ilegalidade, que inquina a liquidação, por preterição das respectivas formalidades legais (art. 120.º al. d), do C.P.T.); uma vez que
3 - o recorrente ignorava, como ignora, qual a decisão sobre a aludida reclamação (violando o princípio da decisão - art. 9.º do C.P.A.) e, consequentemente se a mesma tinha sido ou não considerada procedente, uma vez que aquela se destina a dar possibilidade à Administração de rever a sua posição quanto ao acto tributário praticado.
4 - Não se trata, salvo o devido respeito, de beneficiar de uma reclamação por antecipação, tal como se entendeu na douta sentença recorrida, mas de usar o meio que a lei faculta ao contribuinte para pôr em causa o acto de liquidação, como lhe foi notificado, e obter uma decisão a esse respeito.
5 - Por outro lado, tendo o recorrente alegado, quer na reclamação (de que não houve decisão) quer na impugnação judicial, erro quanto aos pressupostos de facto em que se baseou a liquidação, designadamente quanto ao cálculo aleatório do consumo de gasóleo das máquinas retroescavadoras, que serviram de base à presunção do volume de serviços prestados, que não foram vertidos na douta sentença recorrida apesar de haver prova quanto a eles, enferma esta sentença de nulidade por omissão de pronuncia.
6 - Por outro lado, não é válida a tese da douta sentença recorrida de que o vogal indicado pelo contribuinte para a Comissão de Revisão da Matéria Colectável é um seu representante, pelo que o "acordo" havido entre ele e o vogal indicado pela Fazenda Pública impede a impugnação da liquidação em causa;
7 - Na verdade, os vogais dessa Comissão agem com "imparcialidade e independência técnica" (art. 86.º, n.º 3, do C.P.T.), de harmonia com o princípio da imparcialidade da Administração, esteado no n.º 1, do art. 266.º da CRP e cuja actuação, tendo em vista o interesse público, reclama o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé (art. 266.º n.º 2, da mesma CRP).
8 - Assim, o referido vogal não é mandatário nem representante do contribuinte, atento o interesse público em causa, cujos princípios constitucionais de actuação se encontram concretizados no C.P.A., como é disso exemplo os seus art.s 44.º a 51.º relativos às garantias subjectivas de imparcialidade e art. 94.º e segs. quanto à avaliação feita por peritos, e resulta de tudo quanto é expendido pelos tratadistas nesta matéria, referidos nestas alegações e que aqui se dá por reproduzido;
9 - Assim, o recorrente não está subordinado à posição que esse vogal tomou na deliberação da Comissão, sendo-lhe lícito questionar os pressupostos de facto em que a mesma se baseou para presumir o volume de negócios;
10 - Quanto à analogia com os advogados (que são mandatários e independentes) não é a mesma sustentável, atenta a função de interesse público prosseguida pelo advogado, como "servidor do direito e da justiça" (art. 76.º, n.º 1, do E.O.A) e "elemento essencial à administração da justiça" (art. 208.º da CRP), colaborante do Poder Judicial e pugnando pela defesa da lei e do primado do direito, sob a superintendência da Ordem dos Advogados (organismo de direito público).
11 - Finalmente, também não é aplicável, nem directamente (por não estar em vigor à data da impugnação), nem indirectamente (por analogia), o disposto no art. 86.º, n.º 4, da L.G.T., quando interpretado no sentido de impedir a impugnação contenciosa do acto de liquidação pela existência de "acordo" entre os vogais da Comissão de Revisão, por manifesta inconstitucionalidade desta interpretação, com violação do art. 268.º, n.º 4, da CRP.
12 - Na verdade, o recurso contencioso de anulação, conjugado com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP, à luz do art. 17.º e da vinculação e da força jurídica afirmada no art. 18.º da mesma lei fundamental, obsta a que toda e qualquer via redutora dessa tutela jurisdicional entra em colisão com tais normas constitucionais (conforme é, aliás, jurisprudência uniforme de Tribunal Constitucional);
13 - Assim, a impugnação contenciosa de actos administrativos (como de liquidação de tributos), designadamente quanto à sua legalidade, é um desiderato constitucional que não pode ser limitado, seja por que forma for.
Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida em ordem a ser ordenada a baixa do processo à 1.a Instância para, incluindo os factos (alegados) em falta, e, ser proferida, de seguida, sentença de mérito, com as legais consequências».
1.5 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.6 O Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga sustentou o decidido (() É questionável que haja lugar a despacho de sustentação nos casos, como o presente, em que o recurso é interposto de uma sentença (isto é, de decisão final que conheça do mérito da causa ou julgue alguma excepção peremptória, como resulta dos disposto nos arts. 156.º, n.º 2, 493.º, n.º 3, e 691.º, do CPC) e não de outra decisão, designadamente de despacho de indeferimento liminar ou interlocutório. Na verdade, não havendo a possibilidade de “reparar o agravo” de uma sentença, que no processo civil está sujeita a apelação e não a agravo, poderá argumentar-se que também não fará sentido sustentá-lo. Admitimos, no entanto, que, nesses casos, o despacho “de sustentação” sirva, não só para o Juiz sustentar o decidido, como também para reconhecer a razão do recorrente, se bem que esteja impedido de alterar a decisão.).
1.7 O Magistrado do Ministério Público junto deste TCA emitiu parecer do sentido de que seja dado provimento ao recurso. Para tanto, teceu os seguintes considerandos:
«Como refere o Meretíssimo juíz [sic], no seu despacho de fls. 86 a 87, “a notificação de fls. 20 teve como escopo apenas dar a conhecer, ao recorrente, os termos do acordo a que haviam chegado” na reunião da comissão de revisão e não de qualquer liquidação.
Quanto à segunda questão, em nosso entender, e seguindo a jurisprudência dominante, assiste razão ao recorrente.
«.A deliberação da Comissão de revisão, proferida ao abrigo do disposto no art.º 84º do CPT – antes das alterações introduzidas pelo DL 24/98 --, quando por acordo dos intervenientes que a compõem, não tem, do ponto de vista formal, por força vinculativa que impeça o contribuinte de, por causa dela, deduzir impugnação judicial, ainda que com suporte nos mesmos pressupostos em que formulou a reclamação que constitui o procedimento administrativo culminado com aquela decisão» (Acord. TCA, de 27/3/01, Processo. Nº 1837/99)» .
1.6 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
1.7 As questões sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões do Recorrente, são as seguintes:
1.ª - indagar se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, porque, «tendo o recorrente alegado, quer na reclamação (de que não houve decisão) quer na impugnação judicial, erro quanto aos pressupostos de facto em que se baseou a liquidação, designadamente quanto ao cálculo aleatório do consumo de gasóleo das máquinas retroescavadoras, que serviram de base à presunção do volume de serviços prestados», os factos pertinentes «não foram vertidos na douta sentença recorrida, apesar de haver prova quanto a eles» (cfr. conclusão com o n.º 5);
2.ª - saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por ter considerado que não se verificava a invocada preterição de formalidade legal por ter sido notificado para pagar o IVA liquidado sem que tenha sido decidida a reclamação graciosa que deduziu contra a fixação da matéria tributável e do imposto (() Como é sabido, em sede de IVA estes dois actos confundem-se.) (cfr. conclusões com os n.ºs 1 a 4); na negativa
3.ª - saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que considerou que o vogal do contribuinte na comissão de revisão é um representante daquele, motivo por que o acordo a que este chega quanto à fixação da matéria tributável vincula o contribuinte obstando a que esta questão possa ser suscitada e discutida em sede de impugnação judicial (cfr. conclusões com os n.ºs 6 a 13); na afirmativa
4.ª - verificar se deve ou não conhecer-se em substituição do mérito da impugnação judicial e, na afirmativa, se o Impugnante logrou demonstrar o invocado erro na quantificação da matéria tributável.
* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«
1. Relativamente ao IVA de 1997, que lhe foi fixado na sequência de uma inspecção da administração fiscal (AF) à sua contabilidade, o impugnante reclamou para a comissão de revisão respectiva, em cuja reunião, em 05.11.98, os vogais dele e da FP chegaram a acordo acerca da quantificação da matéria colectável - cópia da acta da reunião daquela comissão, a fls. 18;
2. O impugnante foi notificado, em 23.11.98, daquele acordo, do IVA fixado na sequência dele e ainda de que poderia reclamar ou impugnar nos 90 dias seguintes ao termo do prazo que lhe viesse a ser fixado para pagamento voluntário do imposto - cópia do ofício de notificação e do aviso de recepção correspondente, a fls. 20 e verso;
3. Em 09.02.99, o impugnante reclamou da fixação daquele imposto - processo apenso;
4. Sem que esta reclamação estivesse decidida, foi o impugnante notificado, pela Direcção Geral de Impostos (DGCI), de que deveria pagar o imposto, até 30.04.99 - "prints" informáticos de fls. 21 e 22».
2.1.2 Atento o disposto no art. 712.º do Código de Processo Civil (CPC), consideramos agora provados os seguintes factos, alguns dos quais também dados como assentes na sentença recorrida, mas que ora sujeitamos a diferente redacção e a alíneas, referindo os respectivos meios probatórios entre parêntesis e a seguir a cada uma das alíneas:
a) No ano de 1997 o Contribuinte exercia a actividade de comércio por grosso de materiais de construção e aluguer de máquinas de terraplanagem, encontrando-se sujeito ao regime normal de periodicidade trimestral para efeitos de IVA (cfr. a identificação do Contribuinte na informação elaborada pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Distrito de Braga na sequência de visita de fiscalização ao Contribuinte, com cópia de fls. 13 a 17);
b) Na sequência de uma acção de fiscalização, os Serviços da AT elaboraram uma informação, datada de 26 de Maio de 1998, na qual concluíram que a contabilidade do Contribuinte não merecia credibilidade, nem permitia a quantificação directa da matéria tributável, motivo por que procederam à sua quantificação por métodos indirectos, propondo a alteração da matéria tributável declarada, para mais esc. 23.363.288$00, de que resultaria IVA do montante de esc. 3.971.760$00 (cfr. a já referida informação, com cópia de fls. 13 a 17);
c) Para concluírem pela falta de credibilidade da contabilidade do Contribuinte os Serviços da AT tiveram em conta que
- o controlo físico das existências relativamente aos materiais de construção comercializados revelava divergências no que respeita ao cimento e telhas, que, no ano de 1997, revelavam omissões nos termos do seguinte quadro:
«...
1997 |  | 1997 |  |
Telha |  | Cimento |  |
Ex. Inicial | 27.094 | Ex. Inicial | 8.125 |
Compras | 58.577 | Compras | 22.795 |
Vendas | 50.742 | Vendas | 14.217 |
Ex. Final | 10.500 | Ex. Final | 9.100 |
Omitidas | 24.429 | Omitidas | 7.603 |
...»;
- o controlo da aquisição de gasóleo revelava os seguintes resultados:
«...
Anos | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 |
Compra | 48.100 | 76.954 | 90.000 | 103.300 |
...»;
- o controlo da prestação de serviços, em número de horas, de máquinas e camiões, revelava os seguintes resultados
«...
Anos | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 |
Nº de horas | 3.276 | 4.469 | 3.999 | 2.651 |
...»;
- o confronto entre os dois quadros anteriores revelava que «a maior consumo de gasoil, corresponde menor número de horas» (cfr. a referida informação, com cópia de fls. 13 a 17, maxime fls. 14/15);
d) Para determinação das vendas consideradas omitidas em 1997 os Serviços da AT tiveram em conta o preço de cada telha de esc. 72$00 e de cada saco de cimento de esc. 760$00, pelo que, em relação a esse ano, presumiram um volume de vendas omitidas de esc. 7.333.288$00 (22.374 telhas x 72$00 + 9.436 sacos de cimento x 760$00) (cfr. ainda a mesma informação, maxime fls. 15/16);
e) Para determinação dos serviços prestados considerados omitidos os Serviços da AT admitiram, nas suas palavras «em benefício do contribuinte», que este utiliza 70% do gasóleo adquirido na prestação de serviços, que o consumo médio por camião ou máquina utilizados é de 10 litros/hora e que o preço por hora é de esc. 3.500$00 e, assim, presumiram um volume de serviços prestados omitidos em 1997 de esc. 16.030.000$00, de acordo com o seguinte quadro, de que ora apenas reproduzimos os valores respeitantes a 1997:
«...
 | 1994 | 1995 | 1996 | 1997 |
Aquis. Gasoil | ... | ... | ... | 103.300 |
Al. Máq/Horas | ... | ... | ... | 2.651 |
Consumo/Hora | ... | ... | ... | 10 litros |
Cons/H/decl. | ... | ... | ... | 26.510 L |
Diferença | ... | ... | ... | 76.790 |
30% | ... | ... | ... | 30.990 |
Gasoil/omitido | ... | ... | ... | 45.800 |
Horas omitidas | ... | ... | ... | 4.580 |
Preço/hora | ... | ... | ... | 3.500$ |
S.P. omitidos | ... | ... | ... | 16.030.000$ |
...»
(cfr. a referida informação, maxime fls. 16);
f) Na determinação do consumo médio utilizado no cálculo dos serviços prestados que consideraram omitidos os Serviços da AT basearam-se nas declarações do Contribuinte, de que, em média, o consumo por camião ou máquina utilizados não excede os 7 litros por hora (cfr. a mesma informação, maxime fls. 15);
g) O Contribuinte foi notificado da determinação da matéria tributável considerada em falta e dela reclamou para a Comissão de Revisão, ao abrigo do disposto no art. 84.º do CPT (cfr. documento de fls. 18: cópia da acta da reunião da Comissão em que foi decidida a reclamação);
h) A Comissão de Reclamação deferiu parcialmente a reclamação, mas apenas no que respeita aos anos de 1995 e 1996, fixando a matéria tributável e o IVA em falta do ano de 1997 em esc. 3.971.760$00 (cfr. o mesmo documento de fls. 18);
i) Da acta da reunião da Comissão de Revisão consta, para além do mais, o seguinte:
«Apreciado o processo, a comissão decidiu por acordo entre as partes [...]» (cfr. cópia da acta a fls. 18);
j) O Director Distrital de Finanças de Braga, por despacho de 12 de Novembro de 1998, homologou o acordo (cfr. cópia do despacho a fls. 19);
k) Para notificar o Contribuinte do resultado da reclamação a Direcção Distrital de Finanças de Braga remeteu-lhe ofício com o n.º 43.452, datado de 18 de Novembro de 1998, registado e com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 23 de Novembro de 1998 (cfr. cópias do ofício e dos respectivos talão de registo e aviso de recepção, a fls. 20, frente e verso);
l) Nesse ofício, para além de se dar conta da fixação da matéria tributável e do IVA em esc. 3.971.760$00, dizia-se:
«Mais fica Vª Exª notificado de que, querendo, poderá deduzir Reclamação Graciosa ou Impugnação Judicial nos termos dos artºs 95º e 120º, respectivamente, do Código de Processo Tributário, nos 90 dias seguintes ao termo do prazo que lhe vier a ser fixado, para pagamento voluntário do imposto» (cfr. cópia do ofício a fls. 20);
m) Em 9 de Fevereiro de 1999 o Contribuinte fez dar entrada na 2.ª Repartição de Finanças de Guimarães uma petição, dirigida ao Director Distrital de Finanças de Braga e na qual, depois de no intróito deixar escrito que «tendo sido notificado pelo ofício nº 43.452, de 18/11/98 - recebido em 23/11/98 - de que com recurso a métodos indiciários lhe foi corrigido o IVA respeitante ao ano de 1997» e de, a final, dizer que «o valor do Imposto sobre o Valor Acrescentado em falta relativo ao ano de 1997 é de 1.268.650$00» concluiu pedindo:
«deve a apresente reclamação ser considerada procedente e, em consequência, deverá proceder-se à revisão da decisão, fixando-se o montante do imposto no valor atrás indicado» (cfr. a reclamação em apenso);
n) O Contribuinte foi notificado para pagar o IVA liquidado adicionalmente com referência ao ano de 1997, do montante de esc. 3.971.760$00, e respectivos juros compensatórios até 30 de Abril de 1999 (cfr. documentos extraídos do sistema informático da DGCI, a fls. 21 e 22);
o) Em 30 de Julho de 1999 o Contribuinte veio impugnar judicialmente a liquidação de IVA dita em n) (cfr. a petição de fls. 2 a 4).
2.1.3 Não ficou provado que a média de consumo de gasóleo por camião ou máquina utilizados pelo Contribuinte seja superior a 10 litros por hora.
Na verdade, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a o Contribuinte incorre num lapso quando supõe que a AT considerou um consumo médio de 10 litros por hora para os camiões e máquinas dele em conjunto, ou seja, funcionando todos ao mesmo tempo. O que a AT considerou foi um consumo médio de 10 litros por hora para cada um desses camiões e máquinas, como resulta claramente do quadro que transcrevemos em e).
Assim, o valor do consumo/hora considerado pela AT para quantificar a matéria tributável é compatível com os valores apresentados pelo Contribuinte na impugnação por remissão para os documentos de fls. 5 e 6. Vejamos:
No primeiro destes documentos, os consumos médios dos camiões utilizados pelo Contribuinte são dados em litros por cada 100 Kms e não em litros por hora, sendo que, para estabelecer uma correspondência entre esses valores seria necessário saber qual a velocidade média dos camiões. No entanto, face às condições aí genericamente descritas, é de presumir que a velocidade média seria necessariamente baixa, não nos permitindo aquele documento de forma algum concluir que o consumo médio dos camiões por hora seja superior a 10 litros ou que este consumo surja como desadequado. Se alguma dúvida houvesse a esse respeito, ela dissipar-se-ia face ao depoimento da testemunha Eduardo Clemente Oliveira Pereira, engenheiro mecânico que elaborou o documento de fls. 5, onde ficaram consignados os valores de consumo dos camiões do Contribuinte em diversas situações e que foram achados na sequência dos testes por ele efectuados. Segundo esta testemunha, estará «próximo da realidade um valor de cerca de 6 a 7 litros/hora por cada um dos veículos e cada uma das máquinas, ou seja, no conjunto cerca de 36 a 42 litros/hora, sem prejuízo do que tem de falível uma relação deste tipo, posto que quer os veículos quer as máquinas não têm uma utilização uniforme» (cfr. o depoimento a fls. 38). Aliás, o próprio Contribuinte, em declarações prestadas à AT quando da fiscalização, adiantou um valor de consumo médio por camião e máquina de 7 litros por hora.
No documento de fls. 6, respeitante às retroescavadoras do Contribuinte o valor médio do consumo por hora é de 10,16 litros.
Assim, afigura-se-nos que a prova produzida não permite de forma alguma considerar um valor médio de consumo por veículo ou máquina superior a 10 litros, sendo que mesmo este valor surge, face àquela prova, como elevado.
2.2 DE DIREITO
2.2.2 DA NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
O Recorrente sustenta que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, porque, «tendo o recorrente alegado, quer na reclamação (de que não houve decisão) quer na impugnação judicial, erro quanto aos pressupostos de facto em que se baseou a liquidação, designadamente quanto ao cálculo aleatório do consumo de gasóleo das máquinas retroescavadoras, que serviram de base à presunção do volume de serviços prestados», os factos pertinentes «não foram vertidos na douta sentença recorrida, apesar de haver prova quanto a eles» (cfr. conclusão com o n.º 5).
Nos termos do art. 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), «[c]onstituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
O juiz deve conhecer de toda as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a sentença ficar ferida de nulidade (cfr., para além do já referido art. 125.º, n.º 1, do CPPT, os arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC).
Como é jurisprudência pacífica (() Vide, por todos, os acórdãos do Pleno da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Junho de 1995 e de 6 de Dezembro do mesmo ano, proferidos nos recursos com os n.ºs 5239 e 5780, publicados no Apêndice ao Diário da República de 31 de Março de 1997, págs. 36 a 40, e de 14 de Abril do mesmo ano, págs. 159 a 166.), a omissão de pronúncia verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas. Assim, e porque o conceito de “questões”, não se confunde com o de “argumentos” ou “razões”, o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» (art. 660.º, n.º 2, do CPC), não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
Na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pela Impugnante – quais sejam as de saber se houve preterição de formalidade essencial no procedimento administrativo-tributário por o Contribuinte ter sido notificado para pagar o imposto liquidado antes de decidida a reclamação graciosa que deduziu contra a fixação da matéria tributável e se o mesmo acto padece do vício de violação de lei por a AT, para apurar a matéria tributável, o que fez com recurso a métodos indirectos, ter partido de um facto (valor do consumo/hora por cada camião e máquina) que não corresponde à realidade – e já não de escalpelizar todos os argumentos aduzidos em favor da tese expendida pela Impugnante nem conhecer de todos os factos alegados e que o Impugnante repute relevantes.
Saber se os factos em relação aos quais o Recorrente considera que houve omissão de pronúncia deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, designadamente para serem julgados provados ou não provados, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada aquela factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.
Mesmo que se considere que a alegação do Recorrente é no sentido de que na sentença não foi apreciada a questão de saber se os factos de que partiu a AT para presumir a matéria tributável não correspondem à realidade, sempre haverá que ter em conta que, em relação às questões suscitadas pelo contribuinte, só há obrigação de conhecer daquelas cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC).
Ora, como resulta do que ficou dito supra, em 1.3, considerou-se na sentença recorrida que o Impugnante estava impossibilitado, em sede de impugnação judicial da liquidação, de discutir a quantificação da matéria tributável em virtude de o seu vogal na comissão de revisão ter chegado a acordo.
Daí que a questão de saber se corresponde ou não à realidade o valor de consumo/hora considerado pela AT para apurar, com recurso a métodos indirectos, a matéria tributável e o imposto em falta tenha sido considerada prejudicada (ainda que implicitamente) pela solução que foi dada à questão da impugnabilidade, não tendo o Juiz do Tribunal a quo chegado a conhecer do mérito da impugnação.
Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
2.2.2 DO ERRO DE JULGAMENTO POR A SENTENÇA TER CONSIDERADO QUE NÃO SE VERIFICAVA O INVOCADO VÍCIO DE PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL POR O CONTRIBUINTE TER SIDO NOTIFICADO PARA PAGAR O IVA ANTES DE NOTIFICADO DA DECISÃO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA QUE DEDUZIU CONTRA A FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL E DO IMPOSTO
Alega o Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento na medida em que considerou que não se verificava a invocada preterição de formalidade legal por ter sido notificado para pagar o IVA liquidado sem que tenha sido decidida a reclamação graciosa que deduziu contra o acto de fixação da matéria tributável (() Que, como ficou já dito, em sede de IVA, se confunde com o acto de fixação do imposto.) (cfr. conclusões com os n.ºs 1 a 4).
Já na petição inicial o Impugnante alegara existir preterição de formalidades legais «uma vez que a Administração Fiscal procedeu à referida liquidação, sem previamente notificar o impugnante do resultado da reclamação referida no artº 4º desta petição, uma vez que, nos termos do artº 123, nº 2, do C.P.T., “em caso de indeferimento da reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 8 dias após a notificação”» (cfr. art. 8.º da petição inicial).
Considerou-se na sentença recorrida «Em 23.11.98, o impugnante foi notificado da fixação do imposto e de que a poderia impugnar ou reclamar dela nos 90 dias seguintes ao termo do prazo que lhe viesse a ser fixado (destaque nosso) para pagar voluntariamente aquele imposto.
De sorte que foi o impugnante quem, por antecipação (antes de lhe ser fixado aquele prazo), deduziu reclamação contra a fixação do imposto, não podendo tirar, como é óbvio, qualquer proveito dessa antecipação».
Salvo o devido respeito, não vislumbramos qual a formalidade que poderá ter sido preterida.
O Contribuinte deduziu reclamação graciosa contra o acto de fixação do IVA ainda antes de notificado do prazo para o pagamento do imposto. Tal reclamação não tem qualquer efeito suspensivo sobre a fixação daquele prazo, como é óbvio.
Assim, abriam-se ao Contribuinte duas possibilidades para suscitar o controlo contencioso do mesmo acto mediante impugnação judicial:
- deduzir, como deduziu, impugnação judicial dentro do prazo fixado pelo art. 123.º, n.º 1, alínea a), do CPT, ou
- aguardar a decisão daquela reclamação graciosa e, caso esta fosse indeferida, deduzir impugnação judicial no prazo de oito dias a contar da notificação (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPT) (() Poderia ainda o Contribuinte recorrer hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação e, caso o recurso não fosse atendido, recorrer contenciosamente da decisão, a menos que entretanto tivesse deduzido impugnação judicial (cfr. art. 100.º, n.ºs 1 e 2, do CPT), mas trata-se de hipótese que ora não importa considerar.).
O Contribuinte optou pela primeira possibilidade e, consequentemente, a reclamação graciosa foi apensada à impugnação.
Na verdade, nos casos em que a reclamação seja apresentada antes da impugnação, mas não esteja ainda decidida (tal como nos casos em que a reclamação seja apresentada depois da impugnação, mas antes da remessa do processo a tribunal), a reclamação deverá ser apensada ao processo de impugnação e o director distrital de finanças pronunciar-se-á sobre o pedido formulado neste processo, tendo em conta também a reclamação graciosa (cfr. n.º 6 do art. 130.º do CPT (() Se bem que no n.º 6 do art. 130.º do CPPT apenas se preveja a situação de apresentação da reclamação graciosa apresentada depois da impugnação, mas antes de esta ser remetida a tribunal, afigura-se-me que o regime nele fixado é também aplicável, por identidade de razão, aos casos em que a apresentação da reclamação antecedeu a da impugnação, mas não estava ainda decidida.)).
Não vislumbramos onde reside a preterição de formalidade legal invocada. Por certo o Contribuinte não pretenderá que a AT não lhe podia fixar prazo para pagar o imposto em virtude de, como bem se explicou na sentença recorrida, ele ter antecipado a dedução da reclamação graciosa.
Não se verifica preterição de formalidade alguma e, consequentemente, não pode ser dado provimento ao recurso com fundamento em erro de julgamento por na sentença se ter considerado inexistir tal vício.
2.2.3 DA IMPUGNABILIDADE CONTENCIOSA DA LIQUIDAÇÃO COM FUNDAMENTO EM ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL NO CASO DE O VOGAL DO CONTRIBUINTE NA COMISSÃO DE REVISÃO TER CHEGADO A ACORDO COM O VOGAL DA FAZENDA PÚBLICA
Na sentença recorrida considerou-se que «tendo o vogal do impugnante acordado, na reunião da comissão de revisão, quanto ao valor da matéria colectável, não pode (“pacta sunt servanda”), agora, o impugnante fazer letra morta desse acordo», pois que o vogal do contribuinte na comissão de revisão é um representante deste, «havendo mesmo um mandato com representação», nos termos do art. 1178.º, n.º 1, do CC, não assumindo qualquer relevância o facto de o art. 86.º, n.º 3, do CPT, na redacção do DL n.º 47/95, de 10 de Março, impor aos vogais o dever de agirem com imparcialidade e independência técnica, pois expressões similares encontram-se no Estatuto da Ordem dos Advogados, e ninguém põe em causa que estes são representantes dos seus constituintes. Mais se argumentou, no sentido daquela tese, que o art. 86.º, n.º 4, da LGT, veio confirmar esse entendimento.
Foi com esse fundamento que o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga considerou que a impugnação não podia proceder.
O Recorrente insurge-se contra esse entendimento e, a nosso ver, com inteira razão.
Vejamos:
O Contribuinte reclamou da fixação da matéria tributável e do imposto para a Comissão de Revisão ao abrigo do disposto no art. 84.º do CPT, reclamação que se lhe impunha como condição prévia para poder sindicar a quantificação da matéria tributável em sede de impugnação judicial da consequente liquidação (cfr. arts. 84.º, n.º 3, 89.º, n.ºs 1 e 2, e 136.º, n.º 1, do mesmo código).
Verificada essa condição, o direito de impugnar a liquidação com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável não sofria, no âmbito da redacção inicial do CPT, qualquer restrição. Neste sentido, ficou dito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Junho de 1999 (() Proferido no recurso com o n.º 22.335, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2129 a 2133.):
«...várias normas deste Código [de Processo Tributário] inculcavam a ideia de que tal direito de impugnação não deixava de ser assegurado, em nenhum caso, pois era globalmente assegurado sem a ressalva de qualquer excepção.
Era isso que sucedia com as seguintes normas:
- n.º 3 do art. 84.º, que prevê que a reclamação aí referida é condição da impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável;
- n.º 1 do art. 89.º, em que se prevê que «o acto de fixação da matéria tributável não é susceptível de impugnação judicial autónoma, salvo se não der origem à liquidação de imposto»;
- n.º 2 do mesmo artigo, em que, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 24/98, de 9 de Fevereiro, se estabelecia que «na reclamação ou impugnação do acto tributário de liquidação, pode ser invocada qualquer ilegalidade praticada na determinação da matéria tributável ou a errónea quantificação desta»;
- art. 120.º, alínea a), em que se prevê a errónea quantificação dos rendimentos como fundamento de impugnação judicial;
- n.º 1 do art. 136.º em que se prevê como única limitação à impugnabilidade dos actos tributários com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável, a reclamação prévia referida no art. 84.º.
Por outro lado, se, no caso referido, se pretendesse restringir o direito dos cidadãos acederem aos tribunais, que lhes é constitucionalmente assegurado de forma generalizada, com a categoria de direito fundamental (art. 20.º, n.º 1, da C.R.P.), decerto se teria inserido uma disposição expressa nesse sentido».
Só com a redacção que foi dada pelo DL n.º 24/98, de 9 de Fevereiro, ao art. 89.º, n.º 2, do CPT, a lei passou a prever um caso de impossibilidade de sindicar judicialmente a decisão da comissão de revisão: quando o contribuinte tivesse requerido a nomeação de um perito independente e, em matéria de facto, a decisão da comissão fosse conforme com o parecer deste. Mesmo em relação a esta limitação, é sustentável a sua «duvidosa constitucionalidade à face do direito de impugnação contenciosa de todos os actos lesivos e do direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos, garantido pelo n.º 4 do art. 268.° da C.R.P.» (() Neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, LGT Comentada e Anotada, 2.ª edição, nota 8 ao art. 86.º, pág. 364/365.).
É certo que este regime se alterou com a entrada em vigor da LGT, em 1 de Janeiro de 1999, no entanto a lei aplicável à data a que se reportam os factos era o CPT e é à luz deste código, de acordo com o princípio tempus regit actum, que devemos apreciar a situação.
Argumentou o Juiz do Tribunal a quo que o vogal do contribuinte, como representante deste que é, vincula-o ao acordo obtido na comissão de revisão, impedindo-o, por força do princípio pacta sunt servanda de vir ulteriormente pôr em causa o acordo obtido. Salvo o devido respeito, no domínio da vigência do CPT, o vogal do contribuinte na comissão de revisão não é representante deste. Nada na lei o diz e, bem pelo contrário, a nomeação do vogal pelo contribuinte «não envolve sequer um mandato para representação dos seus interesses», pois «os vogais que intervêm na comissão, todos eles, têm o dever de agir com imparcialidade e independência técnica (n.º 3 do art. 86.º do C.P.T., na redacção que dada pelo Decreto-Lei n.º 47/95, de 10 de Março), pelo que não poderão ser considerados como representantes dos interesses dos contribuintes perante a comissão» (() Cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Junho de 1999.). Assim, «não havia justificação razoável para vincular este pela actuação de alguém que não o representava» (() DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e loc. cit. ).
É certo que a esta argumentação, contrapôs o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga, que se referiu expressamente ao citado acórdão, que também no Estatuto da Ordem dos Advogados se referem expressões similares às utilizadas no n.º 3 do art. 86.º do CPT, na referida redacção, «e é claro que estes representam os seus constituintes». Mas, salvo o devido respeito, a analogia com o advogado não é adequada, pois enquanto este é mandatário e representante do seu constituinte, o vogal não o é.
Mesmo que se aceitasse a tese de que o vogal do contribuinte na comissão de revisão era um representante deste, sempre haveria que verificar se a sua actuação se continha dentro dos limites dos poderes que lhe tivessem sido conferidos ou que viessem a ser por este ratificados, expressa ou tacitamente (arts. 258.º, n.º 1, e 268.º, n.º 1, aplicáveis ex vi do art. 1178.º, n.º 1, e 1163.º, todos do CC) (() Cfr. o já citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Junho de 1999.).
Como ficou no acórdão cuja exposição vimos seguindo, a nomeação do vogal pelo contribuinte para integrar a comissão de revisão prevista no CPT «destina-se a dar às referidas comissões, que são dirigidas e maioritariamente integradas por pessoas nomeadas pela Administração Fiscal, garantias de imparcialidade em relação a esta e de isenção na aplicação dos critérios técnicos que elas têm por função aplicar, não se destinando a fazer valer perante esta as perspectivas dos contribuintes sobre a definição dos seus direitos ou interesses».
Podemos, pois concluir, com o citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que, no domínio do CPT, o contribuinte não é representado na comissão de revisão pelo vogal por ele nomeado, pelo que não pode aceitar-se que as decisões que aquele tome no seio da comissão se repercutam na esfera jurídica deste, designadamente impedindo-o de impugnar contenciosamente a decisão da comissão.
Nem se argumente com o art. 86.º, n.º 4, da LGT, que, manifestamente não tem carácter interpretativo, pois esta lei, quando comparada com o CPT, introduz uma mudança radical no regime que vimos de expor. Na LGT «deixou de fazer-se qualquer referência a deveres de imparcialidade e independência técnica da pessoa nomeada pelo sujeito passivo para participar na avaliação indirecta, aludindo-se a relação de representação entre o sujeito passivo e o perito por si designado (art. 91.º, n.º 1).
Configurando-se esta relação como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil)» (() DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e loc. cit.).
A diversidade de regimes não permite, pois, estabelecer qualquer paralelismo.
Significa isto que a sentença, que considerou que o Contribuinte não podia impugnar a liquidação com fundamento no erro na quantificação da matéria tributável, por ter havido acordo quanto a esta em sede de comissão de revisão, enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado pelo Recorrente e, consequentemente, que deve ser revogada, como se decidirá a final.
2.2.4 DO MÉRITO DA IMPUGNAÇÃO
Revogada a sentença, que não conheceu do mérito da impugnação com o fundamento que ficou exposto no ponto anterior, cumpre agora, ao abrigo do disposto no art. 715.º, n.º 2, do CPC, conhecer a questão de saber se o Impugnante logrou demonstrar o invocado erro na quantificação da matéria tributável e sobre a qual o Impugnante e o Representante da Fazenda Pública tiveram possibilidade de se pronunciar em sede de alegações na impugnação, sendo que só aquele o fez.
Sustenta o Recorrente que o consumo de gasóleo com base no qual a AT concluiu pela existência de omissão na contabilidade de serviços prestados e que lhe serviu para proceder ao cálculo dos mesmos não é correcto e propõe em sua substituição o por ele avançado na reclamação que deduziu contra a fixação da matéria tributável e do imposto (() Que pensamos seja idêntico ao que consta da reclamação com cópia de fls. 42 a 46, respeitante à fixação do lucro tributável para efeitos de IRC: 22 litros por hora.).
É certo que nada obsta (() Verificada que está a condição prevista nos arts. 84.º, n.º 3, e 136.º, n.º 1, do CPT.) a que o Impugnante questione em sede de impugnação da liquidação do IVA a fixação da matéria tributável com base em erro na quantificação, designadamente por erro quanto aos pressupostos de facto em que esta assentou.
No entanto, porque essa quantificação foi feita com recurso a métodos indiciários e não sendo posta em causa a decisão de recorrer a esses métodos, é sobre o Contribuinte que recai o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero desta quantificação (art. 121.º, n.º 3, do CPT), não bastando que o mesmo crie dúvida sobre a quantificação do facto tributário. Dúvida sobre a quantificação existe sempre quando se recorre aos métodos indirectos.
Como adverte SALDANHA SANCHES, «o regime de dúvida razoável aplicado à prova indirecta levaria longe de mais, na medida em que a avaliação indirecta é sempre menos exacta da que é feita, nos termos legais, pelo contribuinte» (() Ob. cit., pág. 281.). Bem se compreende que assim seja. Como ficou dito no acórdão deste Tribunal de 22 de Maio de 2001, proferido no recurso com o n.º 4016/00, esta posição menos favorável do contribuinte compreende-se «porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante».
Ora, como resulta da matéria de facto que foi dada como assente, o Recorrente não logrou provar a existência de qualquer erro na quantificação efectuada por presunção. Sustentando embora que o consumo de gasóleo a considerar deveria ter sido outro, toda a prova produzida vai no sentido de demonstrar que o valor adoptado pela AT – de 10 litros/hora em média e por camião ou máquina – só pode pecar por excesso, nunca por defeito. Veja-se o que ficou dito no ponto 2.1.3.
Assim, a impugnação, que imputa à fixação da matéria tributável o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, não pode proceder, como se decidirá a final.
2.2.5 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:
I – Saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal, ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada aquela factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
II – Só há obrigação de conhecer das questões cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC).
III – Considerando-se na sentença que, em sede de impugnação da liquidação, o contribuinte não pode pôr em causa a decisão da comissão de revisão que fixou a matéria tributável e o imposto em falta porque tal decisão foi obtida com o acordo do seu vogal, a questão de saber se os factos de que partiu a AT para presumir a matéria tributável não correspondem à realidade (violação de lei por erro nos pressupostos de facto) deverá ter-se por prejudicada.
IV – Ainda que o contribuinte tenha deduzido reclamação graciosa antes de notificado do prazo para pagar o imposto que lhe foi fixado, mas depois de notificado do acto de fixação do imposto, é manifesto que a AT não tinha que decidir tal reclamação antes de o notificar para o pagamento.
V – Deduzida impugnação antes daquela reclamação ter sido decidida, deve a mesma ser apensada ao processo de impugnação,
VI – No domínio da vigência do CPT, o contribuinte não é representado na comissão de revisão pelo vogal por ele nomeado, pelo que não pode aceitar-se que as decisões que aquele tome no seio da comissão se repercutam na esfera jurídica deste, designadamente impedindo-o de impugnar contenciosamente a decisão da comissão.
VII – Tendo a AT recorrido a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso àqueles métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
VIII – Nesse caso, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados (cfr. art. 121.º do CPT).
IX – O contribuinte não demonstra o erro na quantificação do lucro tributável se não consegue provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados – o consumo médio por hora de cada camião e máquina utilizados – excede o realmente verificado e, pelo contrário, a prova por ele apresentada confirma o acerto desse facto.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, conhecendo em substituição do mérito da impugnação, julgar esta improcedente, assim mantendo a liquidação impugnada.
Custas pelo Recorrente, mas apenas em 1.ª instância. *
Lisboa, 12 de Novembro de 2002 |