Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1814/08.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/24/2024
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
NOTIFICAÇÃO
PROVA
ART. 39.º, N.º 3 DO CPPT
Sumário:I - A nulidade por falta de fundamentação de facto (e de direito) diz respeito à obrigação legal que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes – tanto mais que a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional, cf. art. 205.º, n.º 1 da CRP e legal, cf. arts. 154º, 607º e 663º, todos do CPC -, mas apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto, gera a nulidade da sentença.
II - À mingua de outra prova, e atenta a circunstância de do aviso de receção não constar a identificação do signatário ou a data em que a assinatura foi aposta, revelando-se igualmente ilegível a data constante do carimbo aposto no respetivo canto superior direito, em total contradição com a formalidade exigida no n.º 4 do art. 39.º do CPPT, a referência na base de dados dos serviços CTT ao registo de “entrega conseguida” do objeto é insuficiente, por si só, para dela se retirar a conclusão de que a notificação chegou ao conhecimento da Recorrente naquela data.
III - A circunstância de não ser possível, em face da prova documental existente, estabelecer relação entre o ofício de notificação e o registo identificado pela Recorrida, é suficiente para que se conclua que não se encontra provado nos autos que a notificação do ato impugnado foi efetuada na data em questão.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

Banco S..., S.A., inconformada com a sentença proferida em 2022-02-25 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública do pedido formulado na impugnação judicial que interpôs tendo por objeto o ato de indeferimento da revisão oficiosa da liquidação de retenções na fonte do IRC nº 2005.6420000384 e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2002, no montante de EUR 171.537,70 vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

III. CONCLUSÕES

1.ª A douta sentença recorrida julgou verificada a exceção de caducidade do direito de impugnação judicial, a qual foi deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, proferida no processo n.º 1681/06, apresentado contra o ato de liquidação de retenções na fonte do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2005 6420000384 e juros compensatórios, referente ao exercício de 2002, no montante total de € 171.537,70, absolvendo a Fazenda Pública do pedido;

2.ª Com efeito, o Tribunal a quo concluiu que a data de receção da decisão do pedido de revisão oficiosa corresponde ao dia 05.08.2008, pelo que o termo do prazo para apresentação da impugnação judicial verificou-se no dia 03.11.2008, e não no dia 04.11.2008;

3.ª No entender, do Recorrente a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica da prova, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º, n.º 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;

4.ª Tendo em consideração que o correto preenchimento de todos os campos do aviso de receção é essencial para efeitos de prova da data da notificação, não podia o Tribunal a quo, sem mais, omitir qualquer juízo quanto à circunstância de o aviso de receção não conter a data em que foi assinado, nem a identificação da pessoa que o assinou;

5.ª Pelo que, considera o Recorrente que o aviso de receção (cf. fls. 201 do processo administrativo), não foi criticamente valorado, o que conduz à nulidade da sentença;

6.ª Acresce que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto por errada apreciação da prova produzida, uma vez que não podia o Tribunal a quo dar como provados os factos D) e E) do probatório da sentença, os quais, por esta razão, se impugnam;

7.ª De facto, o ofício n.º 057569 (cf. doc. n.º 3 junto com a p.i.) que comunica a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, não consta nenhuma indicação do número de registo dos CTT por forma a poder concluir-se que tal ofício tem alguma conexão com o aviso de receção com o código alfanumérico RO929760444PT, pelo que, não pode concluir-se, como o fez o Tribunal recorrido, que o referido ofício foi remetido através daquele aviso de receção, podendo este respeitar a qualquer outra comunicação;

8.ª A sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento da matéria de facto decorrente da insuficiência da matéria de facto, uma vez que outros factos deveriam ter sido dados como provados em face de toda a prova produzida nos próprios autos;

9.ª Tendo em consideração a prova documental, considera o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado por provada a seguinte factualidade relevante para a decisão da causa:

1) O aviso de receção não contém a identificação da pessoa signatária, nem a data em que foi assinado (cf. fls. 201 do processo administrativo junto aos autos);

2) A data do carimbo de reenvio aposto no aviso de receção com o código alfanumérico RO929760444PT é ilegível (cf. fls. 201 do processo administrativo junto aos autos);

3) Na impressão da página do site dos CTT é indicado que a carta registada com aviso de receção foi entregue em “Lisboa” (cf. fls. 202 do processo administrativo junto aos autos);

4) Na impressão da página do site dos CTT não consta a identificação da pessoa que assinou o aviso de receção (cf. fls. 202 do processo administrativo junto aos autos).

10.ª De facto, compulsado o aviso de receção conclui-se que o mesmo não contém a identificação da pessoa que o assinou, a data em que foi assinado e o seu carimbo é ilegível, pelo que tais factos devem ser levados ao probatório da sentença recorrida, porquanto se afiguram essencial para aferir da exceção de caducidade do direito de ação;

11.ª Acresce que a informação constante do site dos CTT indica que o mesmo foi entregue em Lisboa, sendo esta (escassa) referência essencial para efeitos da determinação da data em que foi entregue a notificação a que se refere aquele aviso de receção;

12.ª Tendo presente que a Fazenda Pública não logrou infirmar a alegação do Recorrente, não poderá deixar de se dar como provado que: “5. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, remetida através do ofício n.º 057569 foi rececionada nas instalações do Impugnante no dia 05.08.2008.”;

13.ª A sentença incorre, ainda, em erro de julgamento da matéria de direito, uma vez que a prova documental carreada para os presentes autos pela Fazenda Pública não permite extrair de forma inequívoca, para efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 3, do CPPT que a notificação teve lugar no dia 05.08.2008;

14.ª O artigo 39.º, n.º 3 e n.º 4 do CPPT determina que o aviso de receção deve conter: (i) a data em que foi assinado; (ii) a assinatura do destinatário (ou de terceiro); (iii) a identificação do signatário (nome e número de identificação);

15.ª Em primeiro lugar, inexiste qualquer elemento que permita estabelecer uma ligação entre o ofício n.º 057569 e o aviso de receção com o código alfanumérico RO929760444PT;

16.ª Em segundo lugar, o aviso de receção não contém os elementos exigidos pelo artigo 39.º, n.º 3 e n.º 4 do CPPT, uma vez que não está datado e não contém a identificação da pessoa que o assinou (nome e número de identificação);

17.ª Deste modo, tendo em consideração que o aviso de receção não contém os elementos exigidos por lei, não pode considerar-se que a Fazenda Pública logrou cumprir o ónus da prova;

18.ª De facto, somente quando o aviso de receção contém toda a informação exigida por lei (neste caso, no artigo 39.º, n.º 3 e n.º 4 do CPPT) se pode considerar que o mesmo faz prova da notificação e da data em que a mesma foi efetuada, o que no caso em apreço em face da apontada insuficiência de elementos e dados do aviso de receção junto aos autos, tal prova não ocorreu;

19.ª Preterindo-se as formalidades do artigo 39.º, n.º 4, do CPPT – que no caso materializa-se no facto de não ter sido aposta a data da receção da carta , nem a identificação da pessoa que assinou o aviso de receção – degrada-se em formalidade não essencial quando se mostre demonstrado que o destinatário teve conhecimento da notificação, sendo que, neste caso a notificação considera-se efetuada na data em que o destinatário teve conhecimento da notificação, e não na data em que se encontra assinado o aviso de receção (neste sentido, exemplificativamente, o acórdão do STA de 20.04.2016, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário da 20.04.2016);

20.ª O entendimento do Recorrente e corroborado pela jurisprudência não é abalada pelo facto de ter sido junto aos autos um documento consubstanciado na impressão da página do site dos CTT, porquanto a prova da notificação, por carta registada com aviso de receção, deve ser efetuada mediante a apresentação do comprovativo no qual se ateste os dados legalmente exigidos nos termos do artigo 39.º do CPPT, nomeadamente a data e a identificação da pessoa que assinou tal aviso – o que, no caso em apreço, não existe;

21.ª De facto, a informação constante do site dos CTT apenas refere “entrega conseguida”, não constando da mesma qualquer um dos elementos exigidos pelo artigo 39.º, n.º 3 e n.º 4, do CPPT (nome e identificação da pessoa que assinou o aviso de receção), não contendo assim qualquer informação adicional à informação constante do aviso de receção, não sendo, por isso suficiente, para fazer prova da notificação;

22.ª Não pode ter valor probatório uma informação constante no site dos CTT, quando a mesma apenas tem por objeto permitir aos clientes dos CTT acompanhar a entrega de objetos postais, não podendo ser utilizada como meio de prova para atestar, perante o tribunal ou o destinatário da carta, a data da entrega dela ou o signatário do aviso de receção (neste sentido, veja-se a posição do aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 2348/18.5TUIS, datado de 15.06.2021);

23.ª Efetivamente, apesar de ser prática generalizada o recurso à ferramenta disponibilizada pelos serviços dos CTT para aferir a data das notificações, o certo é que, no que se refere às notificações por carta registada com aviso de receção, a lei processual tributária não atribui relevância ou valoração às informações constantes do site dos CTT;

24.ª Contudo, mesmo que tal impressão da página do site dos CTT fosse admitida como meio de prova idóneo – o que só por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder – tal documento nunca poderá ser suscetível de provar a notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa ao Impugnante na data aí indicada, uma vez que da mesma não resulta qual a morada completa do destino da correspondência, o que não permite saber se a notificação foi remetida para o correto domicílio fiscal do contribuinte e assinado por terceira pessoa para efeitos de aferição do cumprimento das formalidades do artigo 39.º, n.º 4 do CPPT (a este respeito, veja-se o entendimento defendido pela jurisprudência do TCA Sul, nos termos do acórdão proferido no processo n.º 08554/15, datado de 27.10.2016);

25.ª Por outro lado, não se depreende qual a informação valorada pelos serviços postais para concluir que a entrega foi conseguida no dia 05.08.2008, uma vez que o aviso de receção não contém qualquer data e, para além disso, o carimbo aposto no aviso de receção, com a data do reenvio, está ilegível;

26.ª Pelo que, não se afigurando possível identificar qual o elemento relevado pelos serviços postais para disponibilizar online aquela data, não se pode concluir, para este efeito, que a decisão foi entregue na sede do Recorrente no dia 05.08.2008, e limitar-se, assim de forma manifestamente infundada, o acesso ao direito e aos tribunais;

27.ª Não pode ter-se por provada a notificação do Impugnante, aqui Recorrente, tendo por base a impressão da página do site dos CTT, porquanto não se mostra inequivocamente provada a efetivação dessa notificação – tanto pela falta de dados quanto ao signatário do aviso de receção como pela falta da morada da sede do destinatário –, notificação essa que é dotada de adicional formalismo em razão da necessidade especial de certeza quanto à ocorrência do ato de entrega da respetiva data;

28.ª Com a decisão ora em crise, o Tribunal a quo negou frontalmente o acesso à justiça ao aqui Recorrente, privando-o de ver a sua pretensão dirimida, sendo certo que o cumprimento do princípio pro actione e da confiança das partes impunha ao Tribunal uma atuação diferente;

29.ª Suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas relativa à avaliação dos pressupostos processuais, deve optar-se pela solução que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo autor (neste sentido, veja-se o acórdão STA de 23.05.2002 no recurso 312);

30.ª Por último, a interpretação que o Tribunal a quo faz relativamente ao artigo 39.º do CPPT em relação ao caso em apreço, não se coaduna com o princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, vertido nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, incorrendo na sua violação, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

31.ª De facto, a interpretação que o Tribunal a quo efetua ao disposto ao artigo 39.º, n.ºs 3 e 4, no sentido de permitir a prova da notificação mediante apresentação de um aviso de receção que não cumpre o formalismo legal, atribuindo ainda credibilidade e eficácia probatória para este efeito a uma informação disponibilizada online, sem que se determine a fonte da mesma, vedando assim o acesso aos meios processuais tributários, por alegada intempestividade da impugnação judicial, sem que para tal estivesse absolutamente provada tal caducidade, conduz à violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais; e

32.ª Em face de todo o supra exposto, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conclua pela tempestividade da impugnação judicial, ordenando-se, ainda, em consequência, a remessa dos autos ao Tribunal de primeira instância para apreciação do mérito da impugnação judicial.

Termina pedindo:

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece de nulidade, por falta de apreciação crítica da prova produzida nos autos, ou de erro de julgamento de facto e de direito, por ter omitido a discriminação de factos provados e não provados essenciais para a solução do pleito, e por ter feito uma incorreta interpretação e subsunção dos factos ao direito, fazendo uma interpretação deficiente do disposto no n.º 3 do art. 39.º do CPPT.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

Para decisão da excepção, dou como provados os seguintes factos e ocorrências processuais:

A) Após realização de uma acção inspectiva, foi emitida, em 26.04.2005, em nome do Impugnante, a liquidação de Retenções na Fonte de IR nº 2005.6420000343, referente ao exercício de 2002, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 171.537,70 (cfr. Doc. 1 junto à p.i. e fls. 149 e 150 do PA apenso);

B) Em 08.06.2006, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa, pedido de revisão oficiosa da liquidação a que se refere a alínea antecedente (cfr. fls. 107 e seguintes do PA apenso);

C) Em 27.05.2008, foi elaborado o projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pela Direcção de Serviços do IRC, o qual veio, por despacho de 30.06.2008, proferido pela Directora de Serviços de IRC, a ser convolado em definitivo (cfr. Doc. 3 junto à p.i. e fls. 190 a 198 do PA apenso);

D) A aludida decisão foi remetida à Impugnante através do ofício nº 057569, de 29.07.2008, por meio de carta registada e aviso de recepção, com código alfanumérico RO929760444PT, expedido a 31.07.2008 (cfr. Doc. 3 junto à p.i. e fls. 199, 200 e 201 do PA apenso);

E) O aviso de recepção a que se refere a alínea anterior foi devolvido assinado (cfr. fls. 201 do PA apenso);

F) Da base de dados dos serviços CTT consta o registo de “entrega conseguida” do objecto com código RO929760444PT a 05.08.2008 (cfr. fls. 202 do PA apenso);

G) A presente Impugnação foi apresentada neste Tribunal, presencialmente, em 04.11.2008 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).


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Inexistem factos não provados com relevo para a decisão.

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MOTIVAÇÃO:

Para fixação da factualidade elencada, a convicção do Tribunal fundou-se na análise critica da prova documental constante dos autos e do PA apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.


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II.2. Fundamentação de Direito

Alega a Recorrente que a sentença sob recurso, que nos presentes autos absolveu a Fazenda Pública do pedido por ter julgado verificada a exceção perentória de caducidade do direito, se encontra ferida de nulidade, por falta de apreciação crítica da prova, e ainda, de erros de julgamento de facto e de direito.

Atenta a sua anterioridade lógica, importará começar pela apreciação da nulidade invocada.

Alega a sociedade Recorrente que a sentença é omissa quanto à apreciação crítica da prova, atendendo a que oportunamente alegou que o aviso de receção referente à notificação da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa em causa nos autos não se encontrava devidamente preenchido, e sobre esta questão nada é referido na apreciação da prova, sendo certo que, e atento o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 39.º do CPPT, para que pudesse ser considerado como meio de prova pertinente para a decisão sobre a tempestividade da notificação, o referido aviso deveria apresentar o preenchimento correto de todos os campos.

Consequentemente, entende a Recorrente que a sentença padece de nulidade, por falta de fundamentação de facto, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT, e dos artigos 154.º e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

Vejamos então.

Tal como vem sendo clarificado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade por falta de fundamentação de facto (e de direito) diz respeito à obrigação legal que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes – tanto mais que a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional - cf. art. 205.º, n.º 1 da CRP - e legal - cf. arts. 154.º, 607.º e 663.º, todos do CPC -, mas apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto, gera a nulidade da sentença (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo STJ em 2021-12-09, no proc. 7129/18.7T8BRG.G1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Ou seja, a falta de fundamentação de facto da sentença só ocorre quando se constate a falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das respetivas razões de facto.

Ora, e sem prejuízo da eventual existência do erro de julgamento de facto imputado à sentença, e que adiante se apreciará, o que se constata da leitura da fundamentação de facto da decisão é que a mesma existe e é percetível, o que de resto se confirma pela circunstância de a Recorrente ter apreendido as razões de facto da mesma e de lhe ter sido possível questioná-las.

Tanto basta que se conclua pela não verificação da nulidade suscitada.

Mais alega a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de facto, pois, e em síntese, atendendo à prova documental existente nos autos o Tribunal não podia ter dado por provados os factos constantes dos pontos D e E do probatório.

E de facto, tem a Recorrente razão.

Com efeito, e compulsado o ofício n.º 57569 de que a Recorrente juntou cópia em anexo à sua PI (como doc. 3, a fls. 34 dos autos), e de que consta também cópia a fls. 199 do PAT, o que se constata é que embora ali tenha sido aposta a a referência “Registado com Aviso de Recepção”, não se vislumbra que do mesmo conste qualquer identificação do número do registo dos CTT, o que inviabiliza a conclusão que é retirada no ponto D, da fundamentação de facto, de que o mesmo terá sido expedido sob o registo com o código alfanumérico RO929760444PT, e, consequentemente, a conclusão retirada no ponto E, de que o aviso de receção que ali se alude diga respeito a este mesmo ofício.

Ora, tanta basta para que se conclua que a sentença padece de erro de julgamento de facto, por ali se ter feito uma incorreta apreciação dos meios de prova disponíveis.

Com efeito, e perante a impossibilidade de estabelecer qualquer relação entre o ofício através do qual a Recorrida comunicou o ato impugnado à Recorrente, e o expediente remetido sob o registo RO929760444PT, não estavam legitimadas as conclusões retiradas nos supracitados pontos D e E da fundamentação de facto, que por esse motivo são eliminados da mesma.

Por outro lado, sempre se dirá que, à mingua de outra prova, e atenta a circunstância de, como bem alega a Recorrente, do aviso de receção não constar a identificação do signatário ou a data em que a assinatura foi aposta, revelando-se igualmente ilegível a data constante do carimbo aposto no respetivo canto superior direito (cf. fls. 201 do PAT), em total contradição com a formalidade exigida no n.º 4 do art. 39.º do CPPT (na redação então em vigor, conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), a referência na base de dados dos serviços CTT ao registo de “entrega conseguida” do objeto com código RO929760444PT a 5 de agosto de 2008, revelar-se-ia igualmente insuficiente, por si só, para dela se retirar a conclusão de que a notificação chegara ao conhecimento da Recorrente naquela data.

De facto, e como vem esclarecendo a jurisprudência deste Tribunal, a “…informação constante no site oficial dos CTT e a função desse serviço é permitir aos clientes dos CTT acompanhar a entrega de objetos postais, não tendo por função certificar, perante o tribunal ou o destinatário da carta, a data da entrega dela(cf. Acórdão proferido por este TCAS em 2021-10-28, no proc. 2399/11.4 BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt), pelo que, por si só, tal informação não tem a virtualidade de certificar a data de entrega da carta.

No entanto, e como já aqui se referiu, a circunstância de não ser possível, em face da prova documental existente, estabelecer relação entre o ofício de notificação e o registo com o código RO929760444PT, é suficiente para que se conclua que não se encontra provado nos autos que a notificação do ato impugnado foi efetuada no dia 5 de agosto de 2008, e que, em consequência, o Tribunal de primeiro conhecimento da causa não estava habilitado a concluir que o termo do prazo para interposição da ação se verificou no dia 3 de novembro de 2008, decorridos que estariam os 90 dias previstos no n.º 1 do art. 102.º do CPPT, na redação então em vigor, e que, assim, a ação foi interposta um dia depois do mesmo.

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente, e revogada a sentença, por se verificar o erro de julgamento de facto que lhe é imputado pela Recorrente.


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Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, porque nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. A nulidade por falta de fundamentação de facto (e de direito) diz respeito à obrigação legal que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes – tanto mais que a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional, cf. art. 205.º, n.º 1 da CRP e legal, cf. arts. 154º, 607º e 663º, todos do CPC -, mas apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto, gera a nulidade da sentença.

II. À mingua de outra prova, e atenta a circunstância de do aviso de receção não constar a identificação do signatário ou a data em que a assinatura foi aposta, revelando-se igualmente ilegível a data constante do carimbo aposto no respetivo canto superior direito, em total contradição com a formalidade exigida no n.º 4 do art. 39.º do CPPT, a referência na base de dados dos serviços CTT ao registo de “entrega conseguida” do objeto é insuficiente, por si só, para dela se retirar a conclusão de que a notificação chegou ao conhecimento da Recorrente naquela data.

III. A circunstância de não ser possível, em face da prova documental existente, estabelecer relação entre o ofício de notificação e o registo identificado pela Recorrida, é suficiente para que se conclua que não se encontra provado nos autos que a notificação do ato impugnado foi efetuada na data em questão.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, e determinar a baixa do processo ao Tribunal de 1.ª instância, para que ali prossiga os seus termos.

Custas pela Recorrida, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo recurso.

Lisboa, 24 de outubro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Tânia Meireles da Cunha – Vital Lopes.