Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:43/22.3 BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/22/2022
Relator:LINA COSTA
Descritores:INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL,
RESTRIÇÕES AO ACESSO
SEGREDO PROFISSIONAL
RESERVA DA VIDA PRIVADA
PODERES DO JUIZ
Sumário:I - O direito à informação não procedimental, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP e densificado no artigo 17º do CPA e na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, de acesso aos documentos que constam dos arquivos das entidades públicas administrativas visa assegurar a transparência da respectiva actuação na prossecução do interesse público que por lei lhes está cometido;
II - Na acção administrativa prevista no artigo 104º do CPTA apenas cumpre ao juiz verificar se não foi dada satisfação integral a pedido/s formulado/s ao abrigo da informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, em observância do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 268º da CRP, especificado nos artigos 82º a 85º e 17º, respectivamente, do CPA e na LADA, e, atendendo ao caso concreto, se deve intimar no pedido ou julgar a acção improcedente (caso não se verifique qualquer questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da pretensão);
III - Não tinha o tribunal recorrido que ter em consideração a alegação de que existe um extenso histórico de litigância entre a Recorrida e a Recorrente [por extravasar o âmbito da presente acção], o presente litígio se reveste de caracter persecutório, vexatório e está a ser usado para a prossecução de interesses pessoais daquela, para subverter as normas da concorrência nos procedimentos concursais em que são concorrentes [por falta de enquadramento nas restrições ao direito de acesso, previstas no artigo 17º do CPA e nos artigos 6º a 8º da LADA], em manifesta violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2º, 3º e 18º da CRP [por não especificada a violação destes princípios no âmbito do regime do direito à informação não procedimental];
IV - O conceito de documento administrativo, previsto no artigo 3º da LADA pressupõe a pré-existência deste na posse da entidade requerida e não documento a elaborar;
V - O segredo profissional do advogado, previsto no artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, vincula o advogado relativamente a factos cujo «conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços» e não o seu cliente, no caso a Entidade requerida;
VI - A informação referente às fontes de financiamento da entidade requerida e às condições desse financiamento, designadamente a taxa de juro aplicável, é susceptível de enquadramento na subalínea iii), da alínea a), do nº 1 do artigo 3º da LADA - documento administrativo relativo à gestão orçamental e financeira daquela -, pelo que o direito de acesso pode ser expresso pelo particular em requerimento ao abrigo do artigo 5º da mesma Lei, sem necessidade de enunciar qualquer interesse e, consequentemente, de juntar autorização escrita para o efeito, nos termos do invocado nº 6 do artigo 6º, idem;
VII - Se a entidade requerida entender que os concretos documentos que contêm a informação peticionada estão abrangidos por uma das restrições previstas na legislação aplicável, deve, no prazo de 10 dias, comunicar por escrito as razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 15º da LADA;
VIII - A omissão dessa comunicação e a alegação genérica e conclusiva, no respectivo articulado, de que a informação em referência preenche o conceito normativo de documentos administrativos sobre a vida interna de uma empresa, consagrado do nº 6 do artigo 6º da LADA, não constitui justificação legalmente aceitável;
IX - Do disposto no artigo 5º do CPC resulta que o juiz só não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas está quanto à alegação dos factos essenciais, que é um ónus da parte [nºs 1 e 3].
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Municípia – Empresa de Cartografia e Sistemas de Informação, E.M., S.A., entidade requerida nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurados por S..., Lda., inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 1.4.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu julgar a presente intimação procedente e, em consequência, intimou a Entidade requerida a, no prazo de 10 (dez) dias, emitir certidão de cada um dos documentos administrativos cujo acesso foi requerido pela Requerente em 22 de Dezembro de 2021, se existentes, e/ou certidão negativa, caso esses documentos não existam.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. O presente Recurso de Apelação, vem interposto da decisão proferida na data de 01.04.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra a ora Recorrente, no âmbito do processo n.º 43/22.3BESNT.
B. A sentença objeto do presente recurso condenou a Recorrente a dar satisfação integral aos pedidos formulados pela Autora S... ..., Lda. (“Autora”).
C. A Recorrente não se conforma com o entendimento e decisão do Tribunal a quo.
D. A Recorrente entende, com o devido respeito, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de ilegalidade por erro na aplicação do direito, nomeadamente, por interpretar erroneamente os artigos 3.º e 6.º, nº 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (“LADA”) e por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (“EOA”). Escalpelizemos,
E. Existe um extenso histórico de litigância entre a Recorrente e a Autora que antecede o presente litígio.
F. O presente litígio reveste-se de caráter persecutório e vexatório.
G. O direito de informação dos administrados não é absoluto pelo que carece de ser considerado no quadro do princípio da proporcionalidade e do conflito de direitos.
H. A Autora instrumentaliza o regime de acesso a documentos administrativos consagrado na LADA, bem como os princípios da administração aberta e da transparência consagrados na CRP aos seus interesses pessoais e com o propósito de subverter as mais basilares normas da concorrência.
I. A violação manifesta dos princípios constitucionais é suficiente para julgar totalmente improcedentes os pedidos da Autora e nesse sentido revogar a decisão do Tribunal a quo por manifestamente ilícita por efeitos da violação dos artigos 2.º, 3.º e 18.º da CRP.
J. No que diz respeito aos elementos requeridos relativamente ao procedimento de contratação pública que esteve na base da emissão do parecer jurídico emitido pelo Professor Doutor P..., o conceito de documento administrativo vertido na alínea a), do nº 1 do artigo 3.º da LADA, impõe que os documentos aos quais se requer acesso sejam “documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração.”
K. Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo quando decidiu genericamente que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, quando manifestamente não podem ser considerados como tal à luz do conceito normativo aplicável.
L. Em caso algum poderiam estar materializados, e nesse sentido não se consideram documentos administrativos, os elementos requeridos nas alíneas 5. a [“a. A razão para a não publicação do contrato no portal dos contrato públicos, basegov.pt;”]. e b5 [“b. Considerando que nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º 3, do CCP, a publicitação naquele portal é condição de eficácia do respetivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos, se já procederam ao pagamento dos honorários.».
M. Pelo que quanto ao referidos, incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3.º da LADA, por não se tratar de “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”.
N. Quanto aos restantes elementos requeridos, não pode colher a argumentação esgrimida pelo Tribunal a quo, considerando que está em causa um procedimento para a emissão de parecer por Advogado, ficando os respetivos documentos protegidos pelo segredo profissional consagrado no artigo 92.º do EOA.
O. O segredo profissional é a regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos.
P. Além do mais é historicamente considerado um dos deveres fundamentais a ser cumprido não só para o advogado como também pelos demais intervenientes judiciários, de forma a assegurar o adequado funcionamento do sistema judicial.
Q. Como pode ler-se a este respeito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/2/2018, Proc. n.º 1130/14.7TVLSB.L1. S1, disponível em www.dgsi.pt:
“O dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público.
A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.
Isso mesmo foi afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2017: “A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.
Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. [Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes].”
R. Quando estando em causa o segredo profissional, impõe-se ao julgador pugnar pela tutela e respeito do mesmo uma vez que se trata de um pilar do sistema judicial, com consagração constitucional nos artigos 208.º, 20.º, n.º 2 e 32.º, n.º 8 da CRP.
S. O Tribunal a quo aparenta defender que sendo os elementos a que a Autora requereu acesso anteriores à contratação ficam excluídos do âmbito do segredo profissional.
T. Trata-se manifestamente de uma interpretação incompatível com o espírito bem como com os princípios que subjazem ao segredo profissional, e consequentemente merecedora de censura.
U. O facto de o autor do parecer não ser mandatário da Recorrente não tem relevância para a vertente análise uma vez que fica vinculado ao dever de segredo profissional pela sua qualidade de Advogado e não de mandatário.
V. Ainda que o autor do parecer não seja mandatário forense da Recorrente é Advogado.
W. O parecer foi proferido no exercício das suas funções.
X. Nessa medida encontra-se sujeito ao dever de segredo profissional.
Y. Estão em causa documentos relativos a um procedimento para a contratação da emissão de um parecer por Advogado que foi utilizado no âmbito de uma ação judicial em que a Autora é parte contrária à Recorrente.
Z. Os documentos/informações a que o Tribunal a quo decidiu conceder acesso determinam o âmbito do apoio jurídico prestado à Recorrente uma vez que deles constam informações da relação jurídica a estabelecer entre a Recorrente e o autor do parecer, bem como detalhes sobre a relação controvertida entre a Recorrente e a Autora.
AA. Entende a Recorrente que a tutela concedida pelo regime jurídico do segredo profissional é manifestamente extensível aos documentos a Autora requereu acesso, pelo que não se compreende a argumentação do Tribunal a quo quando vem dizer que não a restrição ao “livre acesso depende da fundamentação das razões da recusa (cfr. artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da LADA)”.
BB. Em sede de resposta/contestação a Recorrente trouxe à colação de forma clara, concisa e enxuta a tutela garantida pelo segredo profissional.
CC. Reitera-se que da mesma forma que o acesso aos documentos administrativos constitui um direito fundamental, também o segredo profissional se encontra constitucionalmente tutelado.
DD. Na situação vertente, pugna a Recorrente pela prevalência do segredo profissional, ao abrigo de ponderação jurídica que atravesse o crivo do princípio da proporcionalidade.
EE. Por efeitos de os documentos relacionados com a emissão do parecer jurídico estarem cobertos pelo segredo profissional a sua disponibilização constituiria uma violação grosseira do segredo profissional.
FF. Ademais, conceder acesso aos elementos requeridos seria conceder uma vantagem infundada à Autora no âmbito da ação judicial em que o parecer foi proferido, desta forma constituindo violação do direito de defesa da Recorrente.
GG. Perante todo o exposto, padece a decisão do Tribunal a quo de erro na aplicação do direito por erroneamente ter aplicado o conceito de documento administrativo vertido no artigo 3.º da LADA e por efeitos da violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade e sigilo profissional, consagrados, nos artigos 3.º, 18.º, 208.º, 20.º, n.º 2 e 32.º, n.º 8 da CRP e 92.º do EOA.
HH. Relativamente ao pedido de informações a respeito do financiamento da Recorrente está em causa o acesso a informação intimamente ligada com a situação económica da Recorrente, modelo de organização financeira e forma como prossegue a sua atividade uma vez que está em [causa] o modelo de financiamento da mesma.
II. Informação que manifestamente preenche o âmbito objetivo do nº 6 do artigo 6.º do LADA, pelo que merece restrição ao direito de acesso.
JJ. Trata-se de informação que não tem valor económico intrínseco, porém, a ser conhecida por terceiros, designadamente uma concorrente de mercado que ademais é parte interessada na lide com interesses conflituantes aos da Recorrente, é manifestamente suscetível de causar danos à mesma no âmbito judicial, bem como gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial.
KK. Conceder acesso à informação requerida pela Autora seria distorcer, igualmente à revelia das normas da concorrência e da boa-fé, as regras de mercado uma vez que a Autora obteria informação privilegiada no que a aspetos da situação e estratégia económico-financeira da Recorrente diz respeito.
LL. Desta forma, concedendo benefícios ilegítimos à Autora em detrimento e às custas da Recorrente.
MM. Assim, tratando-se sem espaço para dúvidas, de segredo da vida interna da empresa, resulta manifestamente da interpretação literal do nº 6 do artigo 6.º do LADA que caberia à Autora o ónus de demonstrar estar “munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
NN. Facto que a Autora manifestamente não logrou provar.
OO. O Tribunal a quo fez uma aplicação errada do direito através de inversão metodológica nos termos da qual inverte o ónus da prova do interesse em aceder à informação requerida, distorcendo-o de forma a fazer pender sobre a ora Recorrente o ónus de provar que a Autora não tem um interesse ou direito que fundamente o acesso, à revelia dos pressupostos de aplicação presentes na norma sob análise.
PP. Além do mais, não pode proceder a argumento do Tribunal a quo nos termos da qual defende que a Recorrente se limitou a invocar o regime de “restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA”, o que não se concebe.
QQ. Todavia, ainda que assim não se entenda, o Tribunal a quo sempre estaria obrigado a julgar segundo o direito e ainda que houvesse uma putativa omissão de fundamentação por parte da Recorrente no que a questões de direito diz respeito.
RR. Ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito, que se exprime no brocado latino iura novit curia, o Tribunal a quo estaria vinculado a apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes.
SS. Uma vez que resulta da aplicação dos conceitos presentes nas próprias transcrições da sentença proferida pelo Tribunal a quo estamos perante informação sujeita a restrição nos termos do artigo 6.º, nº 6 da LADA, competia ao tribunal aplicar o direito aos factos.
TT. O que levaria à conclusão de que sendo informação objetivamente sujeita a restrição, caberia à Autora fazer prova de estar “munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
UU. Considerando que a Autora não logrou fazer prova de qualquer interesse, destarte, não preenchendo os pressupostos normativos de aplicação, outra solução não restará senão pugnar pela revogação da sentença ora recorrida uma vez que o Tribunal a quo em erro na aplicação do direito e consequente violação do princípio da legalidade por efeitos de ter invertido o ónus da prova ao fazer uma interpretação do artigo 6.º, nº 6 da LADA incompatível com o elemento literal da disposição normativa.»

Notificada para o efeito, a Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. No passado dia 22 de dezembro de 2021, a aqui Recorrida enviou uma carta à Recorrente a solicitar, ao abrigo do disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (doravante LADA), cópia de toda a documentação/informação relativa ao procedimento de formação de um contrato que esta celebrou com o Prof. P..., para elaboração de um parecer jurídico. Nesta mesma carta, a Recorrida solicitou ainda a informação de quais são as entidades que a financiam e qual a taxa de juro aplicada para que o valor dos juros inscritos no relatório e contas de 2020 sejam superiores a metade do financiamento obtido.
2. Como a Recorrente não se dignou a responder, a Recorrida viu-se obrigada a intentar a presente ação de intimação para prestação de informações, mormente para que lhe fosse disponibilizada a documentação/informação solicitada.
3. A douta sentença do Tribunal a quo julgou procedentes os pedidos de acesso formulados e, em consequência, intimou a Recorrente a disponibilizar a documenta/informação solicitada pela Recorrida. Pelo que, inconformada, a Recorrente apresentou recurso desta decisão.
4. A Recorrente inicia as suas alegações de recurso afirmando que “O extenso elenco de processos judiciais nos quais as partes têm interesses antagónicos” demonstram “o caráter persecutório e vexatório das várias intimações para prestação de informações e passagem de certidões propostas pela Autora contra a ora Recorrente”.
5. De facto, a Recorrente e a Recorrida exercem a sua atividade no sector da produção de cartografia, topografia e outros análogos, e, não raras vezes, participam nos mesmos procedimentos de contratação pública. Pelo que, é normal que sejam partes em algumas ações urgentes de contencioso pré-contratual, com posições antagónicas.
6. No entanto, por um lado, as ações de contencioso pré-contratual, não têm qualquer relação com o pedido de acesso à informação/documentação realizado pela Requerente, e muito menos com os presentes autos, e as ações de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões intentadas pela Recorrida são consequência da falta de resposta da Recorrente aos pedidos de informação administrativa apresentados pela Recorrida.
7. Assim, vir novamente alegar que o pedido realizado pela Recorrida ao abrigo da LADA demonstra “categoricamente, o caráter persecutório e vexatório das várias intimações para prestação de informações e passagem de certidões propostas pela Autora contra a ora Recorrente” é um completo absurdo que carece, mais uma vez, de concretização e de sustentação legal e factual.
8. Na verdade e com o devido respeito, a fundamentação de facto e de direito (se é que lhe podemos chamar assim) das alegações de recurso da Recorrente são um emaranhado de afirmações inócuas e conclusivas, sem qualquer sequência lógica e correspondência com o regime jurídico previsto na LADA, que caem invariavelmente numa constante e repetida acusação de a Recorrida pretender, com os pedidos de informação que realizou, provocar danos na sua atividade através da obtenção de informação privilegiada.
9. Conclui-se, portanto, que com presente recurso a Recorrente pretende somente obstaculizar o acesso à informação administrativa, pois nunca tenta sequer, ao longo do seu argumentário, concretizar aquilo que alega. Ao invés, demonstra um alheamento completo do regime da LADA e um esquecimento deliberado da sua natureza e do seu financiamento exclusivamente público, e da sua consequente sujeição ao cumprimento dos deveres de transparência e de sindicância pública (o artigo 48.º, n.º 2, da CRP) ou jurisdicional, no que à despesa pública e à contratação administrativa diz respeito.
10. Assim, é por demais evidente que a sentença do Tribunal a quo não viola qualquer tipo de norma, muito menos os artigos 2.º, 3.º e 18.º da CRP que contêm os princípios fundamentais do Estado Direito democrático, da Soberania e da Legalidade e o princípio geral da Força Jurídica e que nunca foram chamados à colação pela Recorrente.
11. A Recorrente vem ainda alegar que “andou mal o Tribunal a quo decidir genericamente que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, quando manifestamente não podem ser considerados como tal à luz do conceito normativo aplicável”, porquanto “Conforme resulta notoriamente do exaustivo elenco dos elementos solicitados pela Autora, vários dos pedidos formulados em caso algum poderiam estar materializados, justamente por não serem documentos, nem tampouco documentos administrativos”. Mas sem razão.
12. Não só toda a documentação/informação solicitada pela Recorrida consta de documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração, como se insere no conceito de «Documento administrativo» constante do artigo 3.º da LADA.
13. A informação/documentação requerida está na posse da Recorrente e respeita à sua atividade comercial, à sua gestão financeira e orçamental e ainda à execução de um contrato público, pelo que o conhecimento da informação solicitada deve ser possível a todos, em nome dos princípios da transparência e do escrutínio público da atividade administrativa. É, pois, ao contrário do que alega a Recorrente, informação administrativa, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 da LADA, devendo a mesma ser devidamente prestada à Recorrida.
14. A Recorrente alega ainda que a documentação/informação relativa à formação do contrato com o Prof. P...s é documentação/informação referente à relação contratual entre a Recorrente e o referido advogado, pelo que está coberta pelo segredo profissional consagrado no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (“EOA”)”. Não tem, contudo, razão.
15. O segredo profissional é um dever profissional de natureza deontológica, que vincula o advogado e não o cliente (neste caso a Recorrente). O pedido de acesso em causa foi dirigido à Recorrente (cliente) e não ao advogado. Pelo que, à documentação/informação solicitada aplica-se a regra geral em matéria de direito de acesso à informação administrativa prevista no artigo 5.º da LADA.
16. Por outro lado, maior parte da informação/documentação solicitada pela Requerente é relativa ao procedimento de formação dos contratos celebrados entre a Recorrente e o cocontratante, ou seja, é informação/documentação anterior à constituição da relação contratual. Com efeito, não existindo qualquer relação contratual durante o procedimento de contratação pública, também não existia qualquer dever de segredo profissional por parte do cocontratante.
17. Acresce que, face ao objeto e às conclusões do Parecer, nem se consegue vislumbrar em que medida é que os documentos procedimentais possam conter, como alega a Recorrente, “elementos de facto e de direito da relação controvertida entre a Autora e a Recorrente”; a sua disponibilização possa constituir “uma limitação ao direito de defesa da Recorrente” ou “conceder uma vantagem infundada à Autora no âmbito da ação judicial em que o parecer foi proferido, desta forma constituindo violação do direito de defesa da Recorrente”, porquanto o Prof. Pedro Goncalves não é o mandatário da Recorrente em nenhum das ações em que esta e a Recorrida são partes.
18. Em relação à informação referente ao seu financiamento, a Recorrente vem invocar a restrição de acesso aos documentos administrativos prevista no n.º 6 do artigo 6.º da LADA, alegando que “a ser conhecida por terceiros, designadamente uma concorrente de mercado que ademais é parte interessada na lide com interesses conflituantes aos da Recorrente, é manifestamente suscetível de causar danos à mesma no âmbito judicial, bem como gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial”.
19. No entanto, por um lado, não concretiza minimamente, nem prova que segredos contem a documentação/informação que se recusa a disponibilizar. E por outro, face à natureza da documentação, não se verifica qualquer tipo de restrição.
20. Se se verificar algum dos motivos indicados no artigo 6.º da LADA, o acesso aos documentos administrativos pode ser restringido. As situações de restrição, nomeadamente as do artigo 6.º, n.º 6, da LADA são situações que fogem à regra prevista no artigo 5.º, por isso, quando existem, devem ser bem delimitadas e concretizadas. Tem, em cada caso, de se perceber onde e em que consiste o elemento restritivo, a específica razão de recusa, algo que a Recorrente não logrou fazer nos presentes autos
21. Na verdade, a documentação/informação solicitada jamais possibilitará à Recorrida aceder “a segredos comerciais e industriais e da vida interna” da Recorrente.
22. Pelo que, na circunstância, os elementos solicitados pela Recorrida não contêm matéria sujeita a restrição, tratando-se apenas de acesso a elementos decorrentes de procedimento administrativos de formação de contratos já findos.
23. Por outro lado, invocando a existência de segredos comerciais, é à Recorrente (e não à Recorrida) que compete, “primeiro no procedimento administrativo, por decorrência do artigo 14º, alínea c), da Lei n.º 46/2007, de 24/08, e depois no processo judicial, por aplicação dos artigos 264.º, n.º1, in fine, 490.º do CPC, 83.º do CPTA e 342.º, n.º, 2 do CC, alegar e provar quais eram as concretas matérias contidas nos documentos supra indicados que configuravam esses segredos.” Algo que esta não logrou fazer.
24. Por fim, a Recorrente vem defender que “Ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito, que se exprime no brocado latino iura novit curia, o Tribunal a quo estaria vinculado a apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes”. Sem razão.
25. Porque, a restrição de acesso foi alegada pela Recorrente e o Tribunal a quo decidiu em conformidade com o previsto na LADA. Portanto, a alegação de que, face à simples invocação desta restrição, o Tribunal a quo teria, ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento, de encontrar uma razão ou gizar uma fundamentação para indeferir o pedido da Recorrida é um completo absurdo, porquanto este princípio apenas oferece aos tribunais a liberdade de decidir sem estarem limitados às alegações das partes no que tange à indagação, interpretação e aplicação de regras de direito. O que não tem aplicação ao caso vertente.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, o processo vem à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de direito quanto (i) aos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2º, 3º e 18º da CRP, (ii) à interpretação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto (LADA), (iii) ao segredo profissional, mormente ao sigilo profissional do advogado previsto no artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), e (iv) ao segredo sobre a vida interna da empresa e o regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6º, nº 6 da LADA, que determinaram que o pedido de intimação fosse julgado improcedente.

A sentença recorrida considerou, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos provados:

1) Em 22 de Dezembro de 2021, a Requerente remeteu à Entidade requerida um ofício com o seguinte teor:
«Assunto: Pedido de informação administrativa - Contrato para emissão de Parecer Jurídico celebrado com o Prof. Dr. P...
Exmo. Senhores,
A S... - …., LDA. (DORAVANTE S...), (…) vem expor e requerer o seguinte:
1. A MUNICÍPIA, EMPRESA DE CARTOGRAFIA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, E.M., S.A. (doravante Municípia) celebrou um contrato de prestação de serviços com o Prof. Dr. P..., para emissão de um parecer jurídico relativo ao impedimento legal de participar em procedimento de contratação pública que pende sobre a v/ empresa, nos termos do disposto na alínea l), do n.º 1, do artigo 55.º do CCP.
2. A Municípia apresentou este parecer em dois processos de contencioso pré-contratual que correm termos no TAF de Beja e no TAC de Lisboa, nos quais a S... é parte.
3. No entanto, apesar do artigo 127.º do CCP obrigar as entidades adjudicantes a publicar os contratos no portal dos contratos públicos (basegov.pt), V.Exas. ainda não se dignaram a cumprir o disposto neste preceito.
4. Deste modo, considerando os princípios gerais da atividade administrativa da transparência, da boa-fé, da boa administração e da administração aberta, previstos nos artigos 1.º-A do CCP, e 5.º e 17.º do CPA, aos quais a Municípia se encontra legalmente vinculada, serve a presente para REQUERER a V.Exas., toda a documentação/informação relativa ao procedimento concursal suprarreferido, designadamente:
a. Justificação da necessidade de contratar;
b. Decisão de contratar;
c. Fundamentação da definição do preço base, com o respetivo cálculo ou, caso tenha resultado de consulta ao mercado, solicita-se igualmente toda a correspondência e/ou trocados com as entidades consultadas para apoio à definição desse valor do preço base;
d. Fundamentação da escolha do tipo de procedimento;
e. Caderno de Encargos e Convite;
f. Todas as propostas apresentadas pelas concorrente;
g. Relatório(s) Preliminar(es) e relatório final;
h. Decisão de adjudicação;
i. Documentos de Habilitação;
j. Contrato;
k. Toda a documentos referentes a eventuais serviços complementares.
l. Faturas/recibos e datas de pagamento.
m. Caso o contrato tenha sido publicado no portal dos contratos públicos, basegov.pt, prova dessa publicação.
5. Mais se solicita que V.Exas. informem o seguinte:
a. A razão para a não publicação do contrato no portal dos contratos públicos, basegov.pt;
b. Considerando que, nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º 3, do CCP, a publicitação naquele portal é condição de eficácia do respetivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos, se já procederam ao pagamento dos honorários.
6. Por fim, compulsado o relatório e contas de 2020 da v/ empresa, verifica-se que, apesar de o financiamento obtido ser no valor de € 1.036.006,16, os juros e gastos similares suportados são no valor de € 624.996,21.
7. Ora, considerando esta discrepância, solicita-se ainda que V.Exas. informem quais são as entidades que financiam a Municípia e qual a taxa de juro aplicada para que os juros cobrados sejam superiores a metade do financiamento obtido.
8. Os documentos devem ser enviados para o seguinte e-mail juridico@S....pt e são solicitados ao abrigo do disposto nos artigos 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 1.º-A do CCP, e 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), 4.º, n.º 1, alínea e), 5.º, n.º 1, 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, alíneas a) e c), todos da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa (doravante LADA).
9. Designadamente, o artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da LADA, dispõe que esta lei se aplica aos órgãos das empresas regionais, municipais, intermunicipais ou metropolitanas, bem como de quaisquer outras empresas locais ou serviços municipalizados públicos;
10. E os artigos 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), e 5.º, n.º 1, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, determinam o seguinte:
‘Artigo 3. °
Definições
1 - Para efeitos da presente lei, considera-se:
a) ‘Documento administrativo qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
‘Artigo 5. °
Direito de acesso
1 - Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.
11. Ora, das normas suprarreferidas resulta claro que os documentos solicitados constituem documentos administrativos (subalínea ii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º), e que, por isso, a Requerente tem direito de acesso aos referidos documentos (artigo 5.º, n.º 1).
12. No sentido da disponibilização dos documentos ora requeridos e da gratuitidade dos mesmos, vejam-se os Pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos n.º 253/2020 e n.º 177/2020, respetivamente, disponíveis em https://www.cada.pt/pareceres.
13. As cópias dos documentos deverão ser enviadas para o endereço de email acima indicado no prazo legal de 10 dias, sob pena de instauração da competente ação de intimação junto do Tribunal Administrativo competente» − cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial (registo SITAF n.º 006441776), que se dá por reproduzido);

2) A Entidade requerida recebeu o ofício transcrito no parágrafo anterior em 28 de Dezembro de 2021 – cfr. documentos n.os 5 e 6 juntos com a petição inicial (registos SITAF n.os 006441777 e 006441778), que se dão por reproduzidos;

3) Até à presente data, a Entidade requerida não respondeu ao pedido de informação apresentado pela Requerente – admitido por acordo das partes (cfr. artigo 12.º da petição inicial, não impugnado pela Entidade requerida).

*
Considera-se não provada, conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.
*
Motivação da decisão sobre a matéria de facto:

A decisão sobre a matéria de facto vertida nos parágrafos 1) e 2) do probatório foi formada com base no exame crítico dos documentos constantes dos autos, não impugnados. O facto provado inscrito no parágrafo 3) do probatório resulta da posição assumida pelas partes nos seus articulados.».

Apreciando o recurso,

(i) Da violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade

Alega a Recorrente, em suma, que: existe um histórico de litigância entre as partes do presente litígio, correndo várias acções de contencioso pré-contratual no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja e de intimação, como a presente, junto do TAF de Sintra, ilustrativas aquelas da relação de concorrência e incompatibilidade entre as mesmas, e estas do seu carácter persecutório e vexatório para si; não sendo o direito à informação absoluto, deveria o tribunal a quo ter considerado toda a factualidade subjacente à relação material controvertida, ponderando e hierarquizando os princípios em confronto - da administração aberta, publicidade e transparência com os da liberdade de iniciativa económica, concorrência e segredo profissional – para a justa composição do litígio, o que não fez, desconsiderando que a Recorrida instrumentaliza o regime da LADA e os princípios subjacentes ao direito de informação aos seus interesses pessoais, sem invocar qualquer direito ou interesse na informação peticionada, com o objectivo de subverter as normas da concorrência, pelo que a decisão recorrida descaracteriza os princípios da proporcionalidade, legalidade e boa-fé por ser conivente com a actuação da Recorrida, em manifesta violação dos artigos 2º, 3º e 18º da CRP.

Na sentença recorrida foi efectuado o seguinte enquadramento jurídico do direito à informação administrativa nas suas duas vertentes:
“Dispõe o artigo 268.°, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa que:
«1 - Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2 – Os cidadãos têm também direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».
No preceito do n.º 1 da referida disposição constitucional encontra previsão o direito à informação dos interessados num procedimento administrativo – o designado direito de informação procedimental, que pressupõe a qualidade de interessado directo num procedimento administrativo em curso. Que se contrapõe ao princípio do arquivo aberto, da administração aberta, ou open file – o designado direito de informação não procedimental, consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 268.º da Constituição, e que pressupõe a inexistência de um procedimento administrativo. São estes os dois planos do direito fundamental à informação administrativa – direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, de cujo regime beneficia nos termos dos artigos 17.º e 18.º da Constituição [cfr., neste sentido e por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Maio de 1996 (processo n.º 40120), disponível em www.dgsi.pt; Sérvulo Correia, “O Direito à Informação e os Direitos de Participação dos Particulares no Procedimento e, em especial, na Formação da Decisão Administrativa”, in Cadernos de Ciência de Legislação, n.º 9/10, Janeiro – Junho de 1994, p. 140].
Cada uma dessas vertentes do direito à informação está submetida a um regime jurídico próprio, desenvolvido para concretizar e conferir operatividade àqueles princípios constitucionais. Assim e sem prejuízo da existência de regimes especiais, (i) enquanto o CPA estabelece o regime jurídico do acesso procedimental, à luz do n.º 1 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, (ii) já a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (doravante, “LADA”), aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto − em transposição da Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, e da Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro −, estabelece, à luz do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, o regime do acesso a informação não procedimental.
A garantia contenciosa deste direito fundamental, na sua dupla vertente, é, em qualquer caso, assegurada pelo disposto no n.º 1 do artigo 104.º do CPTA, nos termos do qual, perante a falta de satisfação integral dos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação judicial da entidade administrativa competente [cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 4.ª edição, 2017, p. 855]. Fazendo jus à tipificação das condutas capazes de satisfazer o direito à informação procedimental pelo legislador do CPA – a saber, a informação directa (n.º 2 do artigo 82.º), a consulta do processo (artigo 83.º) e a passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos (artigos 83.º e 84.º) –, o legislador do contencioso administrativo manteve esta tríade na conformação do meio jurisdicional, designando-o por «intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões».
A procedência do pedido de intimação judicial regulado nos artigos 104.º a 108.º do CPTA depende da verificação cumulativa de duas condições substantivas: (i) ter sido validamente formulado um pedido de informação, procedimental ou não, junto de uma entidade legalmente obrigada a prestar tais informações; e (ii) não ter sido dada integral satisfação a esse pedido por parte da autoridade administrativa competente.
(…)
A norma do artigo 17.º do Código do Procedimento Administrativo consagra o princípio da administração aberta, conferindo a «todas as pessoas […] o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga directamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas». Pressupondo a vigência desse princípio, o artigo 5.º, n.º 1, da LADA, prevê que:
«Todos sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».
E tanto é o que basta para que, à partida e contrariamente ao que pretende a Entidade requerida, o pedido de acesso a documentos administrativos formulado pela Requerente não tenha que ser acompanhado da invocação de qualquer direito ou interesse especificamente a tutelar por via desse acesso. Com efeito, qualquer pessoa tem direito de acesso aos «documentos administrativos», compreendendo designadamente a sua consulta e reprodução, sem que para tanto tenha que fundamentar esse seu interesse ou, sequer, invocar a existência de um qualquer interesse conexo com os registos ou documentos a que pretende aceder. Esta é uma decorrência dos princípios da transparência e da publicidade, inscritos no artigo 2.º, n.º 2, da LADA; a que a Entidade requerida está sujeita em atenção à sua natureza jurídica.
(…).” [sublinhados nossos].

Com efeito, o direito à informação, neste caso, não procedimental, de acesso aos documentos que constam dos arquivos das entidades públicas administrativas visa assegurar a transparência da respectiva actuação na prossecução do interesse público que por lei lhes está cometido. A saber, se do teor ou conteúdo desses documentos resulta evidenciado que agiram em observância das suas competências/atribuições e das normas legais, regulamentares, de natureza substantiva, procedimental, técnica, financeira, etc., que lhes são aplicáveis.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 2º da LADA, que aí consagra o princípio da administração aberta, o acesso à informação administrativa é assegurado pelos órgãos e entidades indicados no artigo 4º, com os demais princípios da actividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares.
E o direito [dos particulares] a esse acesso, por regra, pode ser exercido por toda e qualquer pessoa, bastando que o requeira, sem necessidade de indicar os motivos pessoais que lhe subjazem – não porque estes não existam [resulta da experiência comum que quando alguém pergunta alguma coisa, tem interesse em aceder à informação constante da resposta, ainda que tal interesse possa não ser evidente, perceptível para os demais], mas porque o legislador pretende que cada particular se sinta motivado a actuar como um “controlador” da actividade administrativa do órgão ou entidade a que dirigiu o seu pedido de informação.
De acordo com o disposto no artigo 17º do CPA só quando as informações não procedimentais se prendem com matérias relativas à segurança interna e externa do Estado, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas, tal direito de acesso sofre restrições.
Estas e outras restrições encontram-se densificadas nos artigos 6º a 8º da LADA.
Na acção administrativa prevista no artigo 104º do CPTA apenas cumpre ao juiz verificar se não foi dada satisfação integral a pedido/s formulado/s ao abrigo da informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, em observância do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 268º da CRP, especificado nos artigos 82º a 85º e 17º, respectivamente, do CPA e na LADA, e, atendendo ao caso concreto, se deve intimar no pedido ou julgar a acção improcedente (caso não se verifique qualquer questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da pretensão).
O mesmo é dizer que esta acção não é o meio processual próprio para apreciar e decidir, por exemplo, se o procedimento pré-concursal que precedeu a celebração do contrato de aquisição/prestação de serviços jurídicos, em referência nos autos, devia, por força de lei, ter sido publicado no portal dos contratos públicos Basegov.pt, ou sequer se a Requerente/recorrida, com o pedido de informação sobre a razão porque tal publicação não ocorreu, apenas visa dificultar a defesa da Recorrente na correspondente acção de contencioso pré-contratual ou mesmo subverter as normas da concorrência, mas tão só verificar se tal informação consta de documento administrativo na posse, em arquivo da Entidade requerida/reclamante e, se existe, se esta permitiu o acesso ao seu conteúdo, se não o fez se apresentou justificação legal e aceitável para o efeito, se não existe [o documento], se informou a requerente em conformidade e/ou deve a Reclamante ser intimada a permitir o acesso.
Em face do que não pode proceder a alegação de que o tribunal recorrido errou ao não ter em consideração que existe um extenso histórico de litigância entre a Requerente/recorrida e a Recorrente [por extravasar o âmbito da presente acção], o presente litígio se reveste de caracter persecutório, vexatório e está a ser usado para a prossecução de interesses pessoais daquela, para subverter as normas da concorrência nos procedimentos concursais em que são concorrentes [por falta de enquadramento nas restrições ao direito de acesso, nos termos que resultam infra], em manifesta violação dos princípios constitucionais da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2º, 3º e 18º da CRP [por não especificada a violação destes princípios no âmbito do regime do direito à informação não procedimental, até porque a Reclamante é a entidade administrativa a quem foi dirigido o pedido de acesso e a quem cumpre velar pela sua observância no contacto com os particulares, nos termos do nº 1 do referido artigo 2º da LADA].

(ii) Da interpretação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3º da LADA

Alega a Recorrente, em suma, que: está em causa o procedimento de contratação pública que esteve na base da emissão do parecer jurídico emitido pelo Professor Doutor P...; o tribunal recorrido intimou-a a prestar todas as informações solicitadas por qualquer delas integrar o conceito de documento administrativo; com o que não concorda por este, de acordo com o disposto no artigo 3º da LADA, pressupor a existência de documento em formato materializável, o que não se verifica designadamente nos pedidos sobre a razão da não publicação do contrato no portal dos contratos públicos e se já procederam ao pagamento de honorários.

Da sentença recorrida extrai-se a este propósito o seguinte:
“O acesso regulado pela LADA depende, porém, da qualificação do conteúdo a aceder como «documento administrativo». A esse propósito, dispõe o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA que documento administrativo é:
«qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte [o artigo 4.º, que define o âmbito subjectivo de aplicação da LADA, nos termos atrás expostos], seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente aqueles relativos a:
i) Procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
iii) Gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades;
iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas».
A documentação/informação a que a Requerente pretende aceder respeita:
(i) Ao procedimento de formação do contrato de aquisição de serviços jurídicos com o Professor P... [parágrafo 4. do ofício remetido à Entidade demandada em 22 de Dezembro de 2021 – cfr. parágrafo A) do probatório];
(ii) À (falta de) publicação desse contrato no portal dos contratos públicos basegov.pt e à consequente (in)eficácia financeira do contrato [parágrafo 5. do ofício remetido à Entidade demandada em 22 de Dezembro de 2021 – cfr. parágrafo A) do probatório];
(iii) Às fontes de financiamento da Entidade requerida e condições desse financiamento [parágrafos 6. e 7. do ofício remetido à Entidade demandada em 22 de Dezembro de 2021 – cfr. parágrafo A) do probatório].
Atenta a natureza exemplificativa do elenco inscrito no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA, qualquer das informações cujo acesso foi requerido pela Requerente integra o conceito de «documento administrativo». Aliás, o presente pedido de acesso respeita (i) em parte, a procedimentos de contratação pública, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), da LADA, (ii) noutra parte à execução de contrato público e (iii) numa terceira parte, a informações/documentos que se integram no âmbito da gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea iii), da LADA. Donde, não se verificando os pressupostos de aplicação de qualquer restrição legal de acesso, a Entidade requerida estará obrigada a permitir, nas suas várias formas, o acesso da Requerente a esta documentação.
Ainda assim, cabe referir que o direito de acesso pressupõe a pré-existência dos documentos na posse da Administração, neste caso da Entidade requerida. Com efeito, dispõe o artigo 13.º, n.º 6, da LADA, que:
«A entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extratos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos».
Dito de outro modo: o direito de acesso tutelado pela LADA abrange apenas documentos administrativos já existentes e não, já, documentos administrativos a elaborar, quer essa elaboração se traduza na produção de informação original, quer corresponda à compilação em novo documento de informação resultante de outros documentos pré-existentes. E é precisamente por isso que, inexistindo na posse da Entidade requerida «qualquer conteúdo ou parte desse conteúdo» de que conste a informação a que a Requerente pretende aceder, o dever de informação não procedimental considera-se cumprido com a emissão de certidão negativa da existência de «qualquer conteúdo ou parte desse conteúdo» com a informação a que a Requerente pretende aceder.
Donde, se, como alega a Entidade requerida, a informação relativa à (falta de) publicação desse contrato de prestação de serviços jurídicos no portal dos contratos públicos basegov.pt e à consequente (in)eficácia financeira desse contrato – a que a Requerente pretende aceder – não consta de qualquer documento ou parte de documento pré-existente na posse da Entidade requerida, esta não pode simplesmente abster-se de responder ao pedido de informação não procedimental que lhe foi apresentado. Antes, deve emitir certidão negativa da existência de «qualquer conteúdo ou parte de conteúdo» do qual resulte a informação visada pela Requerente, a saber:
(i) A razão para a não publicação do contrato no portal dos contratos públicos, basegov.pt; e
(ii) O pagamento dos honorários devidos ao abrigo do referido contrato de aquisição de serviços jurídicos.” [sublinhados nossos].

Do que resulta evidente que tribunal recorrido não decidiu de forma genérica que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, como alega a Recorrente.
Antes admitiu, em função do alegado pela Entidade requerida na sua resposta, que os pedidos relativos à razão da não publicação do contrato em referência no portal dos contratos públicos e à sua ineficácia financeira, mormente aos pagamentos dos honorários devidos ao abrigo do mesmo, não constam de qualquer documento, nos termos previstos no artigo 3º da LADA, cumprindo “satisfazer” o pedido de acesso formulado mediante a emissão de certidão negativa da existência de tais elementos.
A saber, a falta de resposta a um pedido de informação não procedimental, sem mais, conduz a considerar que o mesmo não foi satisfeito – porquanto o particular requerente não sabe se o motivo que subjaz à inércia da entidade administrativa requerida tem justificação legal e, consequentemente, passa a ter fundamento para instaurar a acção prevista no artigo 104º do CPTA.
Razão pela qual, no dispositivo, foi decidido intimar a Entidade requerida a, no prazo de 10 (dez) dias, emitir certidão de cada um dos documentos administrativos cujo acesso foi requerido pela Requerente em 22 de Dezembro de 2021, se existentes, e/ou certidão negativa, caso esses documentos não existam [sublinhado nosso].
Pelo que também não procede este fundamento do recurso.

(iii) Do segredo profissional, mormente ao sigilo profissional do advogado previsto no artigo 92º do EOA

Alega a Recorrente, em síntese, que: o segredo em causa é uma regra de ouro da Advocacia; princípio deontológico e dever fundamental a ser cumprido pelo advogado e pelos demais intervenientes judiciários para assegurar o bom funcionamento do sistema judicial, previsto nos artigos 208º, 20º, nº2 e 32º nº 8, da CRP; o tribunal a quo aparenta defender que os elementos pedidos ficam excluídos do âmbito do segredo profissional; com o que não concorda; assim como um advogado não fica desvinculado do sigilo quanto ao que tomou conhecimento na consulta jurídica, por lhe terem sido trazidos em momento anterior ao início da prestação de serviços, o mesmo se passa na situação em apreciação; para o que também não releva o facto de o autor do parecer não ser seu mandatário, porque fica vinculado ao segredo por ser advogado e, no exercício das suas funções ter emitido parecer, e não por ser mandatário; dos documentos em referência constam informações da relação jurídica entre a Recorrente e o autor do parecer, bem como detalhes sobre a relação controvertida com a Recorrida, podendo esta obter uma vantagem infundada no âmbito da acção judicial em que o parecer foi proferido, em violação do direito de defesa da Recorrente.

A este propósito extrai-se da sentença recorrida:
“O direito de acesso a documentos administrativos, corolário do princípio da administração aberta, não é um direito absoluto. Bem ao contrário, o legislador disciplinou as situações em que podem ocorrer restrições ao direito de acesso (cfr. artigo 6.º da LADA).
O artigo 92.º, n.os 1 a 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados dispõe o seguinte:
«1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo».
A Entidade requerida alega que o contrato de prestação de serviços a que a Requerente pretende ter acesso define o âmbito do apoio jurídico a ser prestado à Entidade requerida. E que o conteúdo da relação profissional entre a Entidade requerida e o prestador de serviços jurídicos está coberta por segredo profissional. Bem como que a tutela conferida por esse segredo deve estender-se a todos os restantes documentos a que a Requerente pretende aceder referentes à documentação do procedimento de formação do contrato de aquisição de serviços jurídicos com o Professor P... [parágrafo 4. do ofício remetido à Entidade demandada em 22 de Dezembro de 2021 – cfr. parágrafo A) do probatório], porque deles constam elementos que integram a relação de apoio jurídico.
Sucede que o conteúdo e as condições da relação contratual de aquisição de serviços jurídicos não são factos típicos sujeitos a sigilo profissional por parte de advogado nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 92.º, n.os 1 e 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados. Com efeito, os advogados estão obrigados a sigilo profissional relativamente a factos cujo «conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços» (cfr. artigo 92.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados). E os documentos que estão em causa no presente pedido de acesso − relativos ao procedimento de formação do contrato de aquisição de serviços jurídicos com o Professor P... − são, na sua larga maioria, anteriores ao início da prestação dos serviços jurídicos, pelo que não se percebe como podem conter factos de que o jurisconsulto contratado tenha tido conhecimento durante a prestação desses serviços.
Por outro lado, a Entidade requerida defende que, por via do presente pedido de acesso, a Requerente pretende, em manifesto abuso de direito e em violação dos princípios da boa fé, da proporcionalidade e da adequação, obter informação privilegiada sobre a estratégia processual da Entidade requerida no âmbito do processo judicial em que foi junto aos autos o aludido parecer e em que a Requerente também é parte, com interesses antagónicos aos da Entidade requerida.
Sucede que, dos autos resulta, que o Jurisconsulto e Advogado cujos serviços foram contratados no âmbito do referido procedimento pré-contratual público a que a Requerente pretende aceder não é, sequer, o mandatário forense da Entidade requerida nesse dito processo judicial (o processo n.º 112/21.7BEBJA, tramitado no TAF de Beja). Donde, uma vez mais, não se compreende a que informações sobre a estratégia processual da Entidade requerida nesse processo poderia a Requerente aceder por via da consulta e reprodução do procedimento administrativo de formação desse contrato de prestação de serviços jurídicos.
Está em causa (a) a justificação da necessidade de contratar, (b) a decisão de contratar, (c) a fundamentação da definição do preço base, com o respetivo cálculo ou, caso tenha resultado de consulta ao mercado, toda a correspondência e/ou trocados com as entidades consultadas para apoio à definição desse valor do preço base, (d) a fundamentação da escolha do tipo de procedimento, (e) o caderno de encargos e o convite, (f) todas as propostas apresentadas pelas concorrentes, (g) o(s) relatório(s) preliminar(es) e relatório final, (h) a decisão de adjudicação, (i) os documentos de habilitação, (j) o contrato, (k) toda a documentação referente a eventuais serviços complementares e (l) faturas/recibos e datas de pagamento (cfr. parágrafo A) do probatório). Ou seja, a Requerente pretende aceder ao (eventual) procedimento administrativo pré-contratual, que antecedeu a celebração do referido contrato de prestação de serviços, no qual estarão os seus documentos preparatórios, as propostas apresentadas, as avaliações que recaíram sobre essas propostas, as decisões finais e o contrato. Elementos que, atenta a natureza jurídica da Entidade requerida, são, em boa verdade, de acesso público e generalizado (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii), da LADA).
O afastamento desse livre acesso depende da fundamentação das razões da recusa (cfr. artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da LADA). E, estando em causa uma restrição a um direito fundamental de acesso aos documentos administrativos com assento constitucional, essa fundamentação não pode limitar-se a uma formulação vaga, genérica, abstracta e global, no caso, sobre a alegada coberta da informação em causa por sigilo profissional de advogado. Bem ao contrário, a decisão de recusa de acesso a essa documentação sempre exigiria uma mínima concretização factual, realizada em relação a cada um dos documentos cujo acesso é requerido pela Requerente, apontando os motivos pelos quais o acesso a cada um desses documentos afectaria os valores (segredo profissional de advogado) que a recusa pretende proteger [cfr., neste sentido, Pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (doravante, “CADA”) n.º 422/2018, de 23 de Outubro, n.º 267/2019, de 15 de Outubro, n.º 17/2021, de 20 de Janeiro, e n.º 305/2021, de 10 de Novembro, disponíveis em www.cada.pt].
Mais ainda, nos termos do artigo 6.º, n.º 8, da LADA:
«8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada».
Donde, a existir algum segmento da documentação cujo acesso é visado pela Requerente no parágrafo 4. do ofício remetido à Entidade demandada em 22 de Dezembro de 2021 (cfr. parágrafo A) do probatório] que se encontre, de facto, a coberto de segredo profissional de advogado, a Entidade requerida continua obrigada a conferir à Requerente o acesso à demais documentação elencada no pedido de acesso. Bastando para tal expurgá-la, ocultando a informação efectivamente sujeita a sigilo profissional de advogado.” [sublinhados nossos].

E o assim bem decidido é para manter até porque em sede de recurso a Reclamante limita-se a repetir os argumentos expendidos na sua resposta, discordando da apreciação e decisão de não procedência que o tribunal recorrido deles efectuou.
Para além de, como evidencia a Recorrida nas suas contra-alegações, o segredo profissional em questão vincular o advogado e não o seu cliente [no caso a Recorrente, a quem foi dirigido o pedido de informação], é de salientar que, mais uma vez, o tribunal admite [na falta de concretização do eventual fundamento da restrição] que, se algum segmento dos documentos que os contêm possa efectivamente encontrar-se a coberto desse segredo, poderá/deverá a mesma justificar a existência dessa restrição, expurgando/ocultando o referido segmento do acesso permitido.
Em face do que também não procede este fundamento do recurso.


(iv) Do segredo sobre a vida interna da empresa e o regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6º, nº 6 da LADA

Alega a Recorrente, em suma, que: as informações a respeito do seu financiamento estão intimamente ligadas com a respectiva situação económica, modelo de organização financeira e forma como prossegue a sua actividade pelo que, preenchendo o objectivo do nº 6 do artigo 6º da LADA, merece restrição ao direito de acesso; ainda que não tenha valor económico intrínseco, a ser conhecida por uma concorrente de mercado que ademais é parte interessada na lide com interesses conflituantes os seus, é manifestamente susceptível de lhe causar danos no âmbito judicial, bem como gravemente afectar a respectiva capacidade ou interesse concorrencial; conceder o acesso à Recorrida seria distorcer, igualmente à revelia das normas da concorrência e da boa-fé, as regras de mercado uma vez que aquela obteria informação privilegiada sobre aspectos da sua situação e estratégia económico-financeira; não tendo a Recorrida logrado demonstrar estar munida de autorização sua para aceder a tais informações, o tribunal a quo inverteu o ónus da prova do interesse em aceder às mesmas; a proceder o entendimento do tribunal de que se limitou a invocar o regime da restrição do nº 6 do artigo 6º, sempre o mesmo estaria obrigado a julgar segundo o direito, ao abrigo do princípio da oficiosidade, por a informação estar objectivamente sujeita a restrição.

Da fundamentação da sentença recorrida consta sobre esta matéria o seguinte:
“Já quanto à informação referente às fontes de financiamento da Entidade requerida e às condições desse financiamento, designadamente a taxa de juro aplicável [parágrafos 6. e 7. do ofício remetido à Entidade demandada em 22 de Dezembro de 2021 – cfr. parágrafo A) do probatório], a Entidade requerida invoca a verificação da restrição de acesso prevista no artigo 6.º, n.º 6, da LADA.
De acordo com essa disposição legal:
«6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação».
No entendimento da Entidade requerida, a documentação em causa respeita «à vida interna da empresa», nos termos e para os efeitos do citado preceito legal.
Como decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 16 de Junho de 2016 (extraído no processo n.º 13191/16 e disponível em www.dgsi.pt):
«A materialização do que se deve entender por segredo comercial, industrial ou sobre a vida interna de uma empresa deve ter em conta os seguintes parâmetros:
− O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos – de que a LADA constitui um desenvolvimento normativo – está consagrado no artigo 268º, nº 2 CRP, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe aplicável o regime próprio destes (cfr. artigos 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa). Deste modo, uma vez que o segredo configura uma limitação ao exercício do direito de acesso, apenas nas situações em que esse segredo seja acolhido pela CRP, sob a forma de direitos ou interesses por esta reconhecidos, pode ter como consequência uma tal limitação (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);
− A restrição de acesso prevista no artigo 6.º, n.º 6 da LADA tem como pressuposto que os documentos sujeitos à mesma contenham informação secreta, uma vez que nem toda a informação comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas tem essa natureza. Por isso, qualquer interpretação diversa desta será contrária à lei, por colocar em causa o princípio da administração aberta e a sua aplicação a entidades empresariais públicas, a entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos e ainda a outras criadas para satisfazer, de modo específico, necessidades de interesse geral;
− A norma que protege o segredo tem como finalidade impedir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos constitua uma maneira de colher, a coberto duma maior abertura dos arquivos da Administração, indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo dessa forma as regras do mercado».
A propósito deste conceito, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 9 de Maio de 2019 (extraído no processo n.º 882/18 e disponível em www.dgsi.pt) o seguinte:
«Em ordem a compreender o conteúdo das expressões normativas ‘segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa e seguindo a doutrina da especialidade, ‘(...) torna-se importante separar as duas principais componentes da noção, tal como fez a CADA no Parecer n.º 197/2010 [disponível em www.cada.pt]:
a) Segredos comerciais ou industriais (segredos de negócios) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (actual ou potencial) e sejam objecto de medidas no sentido de as manter secretas [neste mesmo sentido, veja-se art.º 318.º do Código da Propriedade Industrial]
b) Os segredos da vida interna das empresas, em regra, não são apropriáveis e não têm um valor de mercado. Não são passíveis de replicação, mas o seu conhecimento por terceiros pode acarretar prejuízos (…) [citando Sérgio Pratas, A (nova) lei de acesso aos documentos administrativos, Almedina/2018, págs.76 a 78].
Em sentido conformativo próximo, ‘(...) o segredo económico é objectivo, ao contrário da vida interna das empresas, sendo isso o que os distingue. Ou seja, o segredo económico tem valor económico em si mesmo. Um método de fabrico, um modo especial de organização que não é do conhecimento comum, uma forma de proceder ou de funcionar que é sob o ponto de vista técnico nova ou pouco divulgada.
Já a vida interna das empresas pode ter valor económico, mas apenas e só na medida em que se refere a esta empresa concreta. A situação económica desta empresa concreta, o facto de esta empresa concreta ter adoptado este ou aquele modelo de organização, modelos em si, e em abstracto que podem ser mesmo banais, só não sendo público o facto de que uma empresa concreta adoptou este ou aquele modelo. (...) [citando Alexandre Brandão da Veiga, Acesso à informação da administração pública pelos particulares, CMVM, Almedina/2007, págs. 110-111]».
Ainda sobre este conceito, entende a CADA em sucessivos pareceres que «a vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas [cfr. os Pareceres da CADA n.º 23/2013, de 15 de Janeiro, n.º 170/2013, de 18 de Junho, e n.º 226/2013, de 16 de Julho, disponíveis em www.cada.pt].
É justamente com base nestas coordenadas, que, em caso de recusa de acesso, cabia à Entidade requerida concretizar, ainda que de modo sintético, por que considera estarem em causa documentos referentes à sua «vida interna» nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA. Sucede que, uma vez mais, a Entidade requerida limita-se a alegar, de forma genérica e conclusiva, que a documentação em causa respeita à sua «vida interna». E como resulta do disposto no artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da LADA, o afastamento do livre acesso a qualquer «documento administrativo» depende da fundamentação das razões da recusa. E, nesse contexto, é «exigível que a entidade requerida concretize, de forma fundamentada, quais são os documentos sujeitos a limitação de acesso. Nessa fundamentação não poderá, simplesmente, referir-se que o conhecimento dessa documentação por parte de um terceiro interfere com determinado tipo de valores. Haverá que indicar o ‘porquê’ dessa decisão, apontando os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afectaria esses valores [cfr., neste sentido, Pareceres da CADA n.º 422/2018, de 23 de Outubro, n.º 267/2019, de 15 de Outubro, n.º 17/2021, de 20 de Janeiro, e n.º 305/2021, de 10 de Novembro, disponíveis em www.cada.pt].
Ora, a informação referente às fontes de financiamento da Entidade requerida e às condições desse financiamento, designadamente a taxa de juro aplicável [parágrafos 6 e 7 do ofício enviado à Entidade requerida em 22 de Dezembro de 2021] respeita à «gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades», cuja acessibilidade é, em princípio, garantida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subalínea iii), da LADA. E a mera invocação do regime de restrição de acesso à informação previsto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, sem explicar em que termos a divulgação das informações pretendidas pela Requerente afecta de forma grave/séria o interesse concorrencial e o segredo sobre a vida interna da empresa, não permite, sem mais, concluir que a divulgação da documentação possa gravemente afectar de forma juridicamente relevante a capacidade ou interesse concorrencial da Entidade requerida.
Por último, importa sublinhar que, ainda que algum segmento da documentação referente às fontes e condições de financiamento da Entidade requerida respeite a segredo da «vida interna da empresa», a Entidade requerida não fica desobrigada de, no remanescente, conferir à Requerente o acesso à documentação identificada nos parágrafos 6. e 7. do ofício de 22 de Dezembro de 2021 (cfr. parágrafo A) do probatório). Bastando para tal expurgá-la, ocultando a informação efectivamente restringida (cfr. artigo 6.º, n.º 7, da LADA).” [sublinhados nossos].

E mais uma vez nenhuma razão assiste à Recorrente.
Explicitando,
A informação peticionada, referente às fontes de financiamento da entidade requerida/Recorrente e às condições desse financiamento, designadamente a taxa de juro aplicável, é susceptível de enquadramento no disposto na subalínea iii), da alínea a), do nº 1 do artigo 3º da LADA, ou seja, de estar compreendida em documento administrativo relativo à gestão orçamental e financeira daquela, pelo que o direito de acesso pode ser expresso pelo particular em requerimento, como o que está em causa nos autos, ao abrigo do artigo 5º da mesma Lei, sem necessidade de enunciar qualquer interesse e, consequentemente, de juntar autorização escrita para o efeito, nos termos do invocado nº 6 do artigo 6º, idem.
Contudo, como também resulta da fundamentação da sentença recorrida, se a entidade requerida entender que os concretos documentos que contêm a informação peticionada estão abrangidos por uma das restrições previstas na legislação aplicável, deve, no prazo de 10 dias, comunicar por escrito as razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento, bem como quais as garantias de recurso administrativo e contencioso de que dispõe o requerente contra essa decisão, nomeadamente a apresentação de queixa junto da CADA e a intimação judicial da entidade requerida - cfr. a referida alínea c) do nº 1 do artigo 15º.
O que a entidade requerida/Recorrente não fez.
Mais, na resposta que apresentou na acção, limitou-se, de forma genérica e conclusiva, a alegar que a informação em referência preenche o conceito normativo de documentos administrativos sobre a vida interna de uma empresa, consagrado do nº 6 do artigo 6º da LADA, pelo que caberia à requerente/Recorrida o ónus de demonstrar ser titular de um interesse especial, nos termos aí indicados e, não o tendo feito, o seu pedido teria de improceder [v. artigos 30º a 34º].
Em sede de recurso conclui que: “Relativamente ao pedido de informações a respeito do financiamento da Recorrente está em causa o acesso a informação intimamente ligada com a situação económica da Recorrente, modelo de organização financeira e forma como prossegue a sua atividade uma vez que está em [causa] o modelo de financiamento da mesma. // Informação que manifestamente preenche o âmbito objetivo do nº 6 do artigo 6.º do LADA, pelo que merece restrição ao direito de acesso // Trata-se de informação que não tem valor económico intrínseco, porém, a ser conhecida por terceiros, designadamente uma concorrente de mercado que ademais é parte interessada na lide com interesses conflituantes aos da Recorrente, é manifestamente suscetível de causar danos à mesma no âmbito judicial, bem como gravemente afetar a respetiva capacidade ou interesse concorrencial. // Conceder acesso à informação requerida pela Autora seria distorcer, igualmente à revelia das normas da concorrência e da boa-fé, as regras de mercado uma vez que a Autora obteria informação privilegiada no que a aspetos da situação e estratégia económico-financeira da Recorrente diz respeito. // Desta forma, concedendo benefícios ilegítimos à Autora em detrimento e às custas da Recorrente. // Assim, tratando-se sem espaço para dúvidas, de segredo da vida interna da empresa, resulta manifestamente da interpretação literal do nº 6 do artigo 6.º do LADA que caberia à Autora o ónus de demonstrar estar “munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse (…).” [conclusões HH. a MM.]
A saber, veio expender toda uma argumentação nova para justificar a pretendida restrição, que por não ter sido invocada perante o tribunal a quo nem ser de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida pelo tribunal ad quem.
Donde, não tendo observado o ónus procedimental de comunicação e processual de alegação, que sobre a Recorrente, enquanto entidade requerida, impende, quanto às razões concretas da pretendida recusa de acesso à informação não procedimental em referência, bem andou o juiz a quo ao considerar a mesma legalmente injustificada.
Apesar do que, entendeu voltar a esclarecer que ainda que algum segmento da documentação referente às fontes e condições de financiamento da Entidade requerida respeite a segredo da «vida interna da empresa», o acesso deve ser facultado, expurgando ou ocultando da documentação a parte que lhe respeita, com a devida justificação (cfr. artigo 6º, nº 7 da LADA).

Por fim, a Recorrente parece confundir os poderes de cognição do tribunal quanto ao direito aplicável aos factos alegados pelas partes e provados nos autos, com o dever deste de julgar segundo o direito ainda que houvesse uma putativa omissão de fundamentação da sua parte no que a questões de direito diz respeito [conclusão QQ.].
O que resulta do disposto no artigo 5º do CPC é que o juiz só não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas está quanto à alegação dos factos essenciais [v. os nºs 1 e 3].
O mesmo é dizer que se estiverem alegados e provados os factos essenciais o juiz poderá, considerando ou não, outros factos instrumentais e/ou complementares, alterar o enquadramento jurídico apresentado pelas partes.
O que não pode é ratificar a solução de direito avançada nos autos sem a alegação dos factos essenciais que a suportem, a qual constitui ónus da parte.

Em face do que não procede o presente recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 22 de Setembro de 2022.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)