Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07119/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/28/2011
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROCESSO CAUTELAR- PROVAS- CADUCIDADE DO PROCESSO
Sumário:1.Só são de indeferir os requerimentos de prova em processo cautelar português quando o juiz os considerar fundadamente desnecessários.

2. A caducidade do processo (ou procedimento) cautelar relativamente a um acto administrativo anulável, que não está prevista no CPTA, resulta da aplicabilidade, ex vi art. 1º do CPTA, do art. 389º-1-a) do CPC conjugado com os arts. 58º e 59º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

FLORBELA …………., com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de Lisboa um processo cautelar contra o MUNICIPIO DE LISBOA, pedindo a suspensão da eficácia do despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa de 16.06.2010 que determina a dispensa de nova audiência preliminar, mantém uma decisão anterior de exclusão da A. do direito ao realojamento com fundamento na falta de residência permanente, atribui-lhe urna indemnização por sacrifício e determina a desocupação coerciva do local.

Após os articulados, por despacho daquele tribunal foi decidido julgar improcedente o processo cautelar.

Inconformada, vem FLORBELA ……………… recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES (inutilmente longas):

a) A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quando:

- Indefere a produção de prova testemunhal requerida por ambas as Partes;

- Faz tábua rasa do Atestado de Residência passado pela Junta de Freguesia de ……….;

- Interpreta erradamente o teor do despacho n. 8/GVHR/2010, de 13 de Maio, publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa, bem como de todos os restantes documentos junto aos autos, decretando a caducidade do direito à acção;

- Julga a matéria de facto, dando como provados factos controvertidos;

- Faz um juízo antecipatório sobre a improcedência da acção principal.

b) A douta sentença considerou como provado que, em 19/3/2009, foi elaborado pela Polícia Municipal a informação de fls. 26 e 27 do P.A .... que refere que a A. já não reside no Parque (documento 67 dos autos), porquanto foi realizada uma fiscalização à morada correspondente ao 1.° Direito do n. …. da Rua ………….. “…foi dito por um vizinho que no 1º direito vivem, há cerca de cinco anos, a mãe e duas filhas… “.

c) A esta informação respondeu a ora Recorrente na reclamação de 6/10/2009, onde refere que tem passado algum tempo em cada das filhas, pois uma das filhas padece de doença depressiva, mas referiu não pernoitar na casa das filhas, mas sim na sua - roulotte.

d) A Meritíssima Juiz não considerou o conteúdo das Reclamações e deu como provada a informação prestada por vizinhos, os quais não disseram que a ora Recorrente pernoitava ou vivia de forma permanente e, em economia comum, na casa das suas filhas.

e) Aliás, nem poderiam saber, pois não têm conhecimento directo de quem está dentro de casa e quem lá pernoita, apenas podendo indicar que, eventualmente, num ou noutro dia vêem-na a sair ou entrar na casa.

f) Contudo, a vida pessoal e familiar deverá ser preservada, conforme a parte final do n. 1 do artigo 65° da Constituição da República Portuguesa e artigo 80° do Código Civil.

g) Este é um princípio fundamental violado pelo órgão administrativo aquando da indicação, em documento escrito constante de procedimento administrativo, de depoimentos anónimos que serviram para, alegadamente, fundamentar factos que, por violação legal, não têm qualquer validade jurídica no nosso ordenamento jurídico.

h) Face a estes factos, a Meritíssima Juiz a quo não podia dar como indiciariamente provado esses factos, porquanto existe factual idade contraditória.

i) A sentença derroga um dos direitos e meios de prova processuais elementares - a prova testemunhal - invocando "... a circunstância das partes sustentarem a maior parte das alegações remetendo para prova documental.

j) A Meritíssima Juiz a quo, ao rejeitar liminarmente a prova testemunhal apresentada na P.I. violou o princípio do contraditório, constante do artigo 3° do Código de Processo Civil, bem como o princípio da igualdade das partes consagrado no artigo 6° do CPTA.

k) Sendo certo que a produção de prova testemunhal seria, no caso em apreço, essencial para a averiguação da "residência permanente" (conceito previsto no n. 2, 2.° travessão despacho publicado no Boletim Municipal de 13 de Maio de 2010) da ora Recorrente no Parque ………………...

I) A douta sentença considerou, entre outros, a informação elaborada pela Polícia Municipal a 19/3/2009, a qual refere-se a "depoimentos anónimos”: os quais não servem como meios de prova de quaisquer factos, por serem anónimos, conforme alegado nas respostas às excepções.

m) O Tribunal a quo sustenta a caducidade do direito à acção, no despacho de 28/10/2009 da Vereadora Ana Sara de Brito, não fundamentando os factos que consubstanciam a caducidade do direito.

n) A Meritíssima Juiz refere "... que tem razão o R. quando alega a caducidade do direito da A. a intentar um pedido de suspensão relativamente a um despacho já inimpugnável por já ter decorrido o prazo previsto no artigo 58, n. o 2, alínea b) do C.PT.A para essa impugnação".

o) Com todo o respeito, que é muito, o Tribunal entendeu o despacho de 28/10/2009 como decisório e executório.

p) Discordamos, pois o mesmo foi tacitamente revogado pelo despacho de 18/5/2010 exarado pela Sra. Vereadora Helena Roseta, no qual instruiu os serviços a reanalisarem a situação dos moradores do Parque dos Artistas, incluindo a ora Recorrente, à luz do seu despacho n. 8/GVHR/10, tendo aprovado novos critérios de realojamento, após audição dos interessados nas reuniões que ocorreram entre Fevereiro e Março de 2010.

k) Não compreendemos como poderá o despacho da vereadora Ana …………….., ser decisório, pois corria prazo para o impugnar até finais de Março de 2010, prazo esse interrompido com a notificação de 8/2/2010 da entidade administrativa ­Vereadora ……………. - para reunião no dia 25 desse mês.

r) Para tal reunião, o ora Recorrido notificou a ora Recorrente para no dia 2/06/2010 comparecer na Junta de Freguesia de Carnide para se pronunciar, oralmente, perante a entidade administrativa.

s) Assim sendo, não é aceitável o vertido no despacho referente à INF/568/DMH/DGSPH/DGPHM/09 e na sentença recorrida, em que a juiz a quo determina serem todos os despachos posteriores "... meramente confirmativo do acto anterior”

t) Porque, após o acto administrativo ser considerado como acto final na douta sentença ora recorrida - acto praticado pela Vereadora Ana ………….. a 28/10/2009 - foram estipulados novos critérios de realojamento publicados no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa.

u) Esses novos critérios de realojamento do "Parque ……………………………. II foram delineados no despacho n. 8/GVHR/2010 publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa de 13 de Maio de 2010, conforme doc. 27, já junto aos autos pela Requerida.

v) Esse despacho, publicado no Boletim Municipal a 13 de Maio de 2010 (aprovado a "6/5/2010 pela Vereadora da Habitação Helena ………..'') refere expressamente no 9.° parágrafo da "Introdução": "... a decisão da Vereadora Ana …………, tornada pública na reunião descentralizada de 200B/09/03, foi decidido iniciar-se o estudo socioeconómico e habitacional das famílias residentes no Parque dos …………., a fim de se retomar e concluir o processo de realojamento…”

w) No 10.° parágrafo é expressamente referido "No actual mandato, optou-se por realizar uma série de reuniões de informação aos moradores do Parque, com a presença da Vereadora Helena Roseta … as quais tiveram lugar na Junta de Freguesia nos dia 25 de Fevereiro e 9, 11, 16 e 18 de Março”(de 2010).

x) Na sequência da reunião de 2/6/2010, a Vereadora Helena ………… proferiu despacho datado de 16/6/2010, este sim, decisório e executório sobre a exclusão do direito ao realojamento e atribuição de uma indemnização por sacrifício.

y) De todo o exposto, conclui-se que o despacho administrativo de 16/6/2010 revogou tacitamente todos os despachos anteriores, ao decidir no ponto 1. "Dispensar nova audiência dos interessados, ao abrigo do disposto na alínea a) do n. o 2 do artigo 1030 do Código de Procedimento Administrativo e no ponto 3 atribuir-lhe uma indemnização por sacrifício.

z) Ora, este despacho consubstancia um acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo pelo Município de Lisboa e traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta' (Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Coimbra, 2001, Volume II).

aa) Este acto administrativo, e só este, configura um acto final, decisório e executório.

ab) Com efeito, contrariamente ao decidido na douta sentença, o acto foi impugnado em tempo, logo, não padecendo de nenhum vício processual, nomeadamente a caducidade.

ac) Assim sendo, a Meritíssima Juiz a quo, na douta sentença, quando fundamenta a decisão na alínea a) do n. 1 do artigo 1200 do CPTA, mais propriamente na "evidência da improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal': faz um errado juízo de prognose sobre a decisão principal da situação.

ad) Atendendo a toda a factualidade supra exposta, não existe qualquer vicio de caducidade do direito de impugnação do acto administrativo, pois só é acto administrativo definitivo e executório, o despacho datado de 16/6/2010 e proferido pela Vereadora Helena ………...

ae) Nessa sequência, a providência cautelar não padece, conforme decidido em primeira instância, de "fumus malus', pois existe (aparência) e, mais, Direito que, clara e evidentemente fazem proceder a acção principal, atendendo aos factos e documentos apresentados pela ora Recorrente na providência cautelar.

af) Por tudo o exposto, discordamos da sentença quando refere "na presente providência cautelar é, pois, clara, evidente, facilmente apreensível a falta de aparência do bom direito, improcedendo, inequivocamente, a acção principal que venha a ser proposta".

ag) A Meritíssima Juiz a quo só refere a " ... falta de aparência do bom direito': que no caso concreto, será o direito ao realojamento, porquanto fez tábua rasa de todos os factos e documentos apresentados pela ora Recorrente.

ah) Expressa a sua clarividência e "facilidade de falta de aparência do bom direito" sem justificar os factos que consubstanciaram essas duas conclusões.

aj) Sendo certo que, na providência cautelar existe "fumus boni iuris", na medida em que é, por demais evidente, a legalidade e a procedência da acção principal, a qual funciona como fundamento determinante da concessão da providência cautelar em crise.

Termos em que deve a douta sentença ser revogada por violação dos artigos 3.° e 3.°_ A do Código de Processo Civil aplicável ex vi do n. 2 do artigo 35° do C.P.T.A., parte final do n. 1 do artigo 65° Constituição da República Portuguesa e do artigo 80° do Código Civil, e artigo 371°, n.º 1 do Código Civil, artigo 52°, n.º I, artigo 120°, n. 1, alínea a) e 58, n. 2, alínea b) todos do C.P.T.A. e n. 4 do artigo 712° do Código Processo Civil ex vi do artigo 140° do C.P. T.A.

O M.L. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES:

1. O acto suspendendo foi notificado à Recorrente em 28 de Junho de 2010 (doc. 1 da petição inicial - p.i.) e a providência cautelar requerida em 15 de Julho (c/r. recibo aposto no mesmo articulado).

Declara-se no intróito da p.i. que a providência é requerida como preliminar de acção administrativa especial. Não tendo sido apontado vício específico ao mesmo acto, a eventual invalidade de que o mesmo padeceria quadraria no regime geral da anulabilidade (artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo). Por conseguinte, o prazo para instaurar a respectiva acção de anulação é de três meses sobre a data da sua notificação (artigo 58.°, n. 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPT A).

A data da apresentação destas alegações, mais de cinco meses decorridos sobre a notificação do acto suspendendo à Recorrente, o Recorrido ainda não havia sido citado para a acção principal, a qual deveria ter sido apresentada em juízo até 28 de Setembro.

2. Se, efectivamente, a Recorrente ainda não instaurou a acção administrativa especial que declara pretender, então, este recurso fica sem objecto porquanto a providência já caducou (artigo 123.°, n. 1, alínea a), do CPTA). Este é o entendimento que resulta claro da lei e é pacífico na jurisprudência. A ausência da acção principal significa que o particular se desinteressou da tutela definitiva que adviria da sentença proferida nos autos principais.

A prática de actos inúteis é proibida no processo (artigo 137. ° do Código de Processo Civil CPC ex vi artigo 1. ° do CPTA). Se a Recorrente não instaurou a acção principal a decisão deste recurso torna-se inútil, porquanto, mesmo que viesse a ser deferido, a baixa dos autos à 1.3 instância para a realização da requerida prova já iria ter lugar depois de caducado o direito de acção. Sem acção a providência cautelar não sobreviveria.

3. Ao juiz compete zelar pela integridade do processo expurgando-o de tudo quanto seja inútil (artigo 265. °, n. 1, do CPC), assistindo-lhe o poder de ordenar as diligências necessárias à sua regular e célere tramitação. Como decorre do processado destes autos, não se encontra termo de apensação à acção principal cfr, artigo 113. °, n. 3 do CPTA).

Como o conhecimento do recurso acaba por ser dependente do conhecimento da apresentação da acção administrativa especial em juízo, assistindo ao juiz o poder de manter a instância regular, é-lhe lícito, até para economia dos actos processuais e da movimentação dos processos nos tribunais, e afigura-se oportuno, salvo melhor juízo, notificar a Recorrente para informar os autos se instaurou a acção administrativa de que este processo constitui dependência e, no caso afirmativo, onde se encontra a mesma a correr.

CONCLUSÕES:

A. Independentemente da fase processual em que se encontra, o processo cautelar deve ser extinto se a acção principal de que depende não foi apresentada em juízo no prazo de três meses a contar da notificação do acto suspendendo;

B. Encontrando-se os autos da providência cautelar pendentes de recurso e sem que, decorrido aquele prazo, neles se mostre cotada a apensação, o recorrente deve ser notificado para informar se instaurou a acção principal;

C. Este acto de notificação impõe-se atendendo à caducidade da providência, à proibição de actos inúteis, à economia processual e é legitimado pelo poder de o juiz realizar as diligências que repute adequadas para manter a regularidade da instância;

D. A omissão da indicação da ilegalidade do acto suspendendo e a falta de indício de um direito subjectivo do requerente constituem fundamentos suficientes para indeferir a providência;

E. Quando a falta de aparência de um direito se afirma evidente, é lícito e manifestamente legítimo decidir que a acção principal quedará improcedente e, por consequência, indeferir a providência;

F. O juízo de prova é sumário e baseia-se nos indícios da aparência do direito trazida pelas partes aos autos;

G. Quando ao juiz é exigido que pondere o pedido da providência cautelar em relação com a acção principal de que aquela dependerá, não surpreende que aquele decida sem a inquirição de testemunhas quando os autos já contenham os elementos que lhe permitam formular aquele juízo;

H. O acto administrativo que, em 2009, foi notificado à Recorrente para desocupar o terreno e que por ela não foi impugnado, não foi revogado com um procedimento subsequente que apenas visou redefinir o seu direito a um realojamento ou a uma indemnização;

I. Qualquer alusão posterior ao conteúdo desse acto por parte do Recorrido apenas tem o significado de acto confirmativo e sem que dai resulte prejuízo para aquele acto anterior na sua definitividade e na sua inimpugnabilidade;

J. Por consequência, mesmo que fosse decretada a suspensão do acto suspendendo, nem por isso a Recorrente estaria desobrigada a desocupar o terreno.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve este recurso ser indeferido e confirmar-se a sentença impugnada.

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA).

*

Sem vistos nos termos legais, importa agora em conferência apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA

“(…)”.

Ao abrigo do art. 712º do CPC, acrescenta-se o seguinte facto:

23. A acção principal deste processo cautelar entrou em 15-11-2010 e tem o nº 2476/10… no TAC de Lisboa (v. SITAF).

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A)

O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado por quem recorre nas conclusões das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso).

B)

A requerente intentou no T.A.C. de Lisboa este processo (e não”providência”) cautelar contra o MUNICIPIO DE LISBOA, pedindo a suspensão da eficácia do despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa de 16.06.2010 que
· determina a dispensa de nova audiência preliminar,
· mantém uma decisão anterior de exclusão da A. do direito ao realojamento com fundamento na falta de residência permanente,
· atribui-lhe urna indemnização por sacrifício e
· determina a desocupação coerciva do local.

A decisão cautelar recorrida, após prescindir de prova testemunhal, considerou em síntese:

Através da presente providência a A. vem pedir a suspensão de eficácia do despacho da Vereadora da C. Municipal de Lisboa de 16.06.2010 que determina a dispensa de nova audiência preliminar, mantém uma decisão anterior de exclusão da A. do direito ao realojamento com fundamento na falta de residência permanente, atribui­r-lhe uma indemnização por sacrifício e determina a desocupação coerciva do local.

O R. alegou que o presente procedimento cautelar é inútil quanto à exclusão do direito ao realojamento e à atribuição de uma indemnização, por a requerida suspensão não produzir qualquer efeito útil. Tem razão o R. Com a suspensão de eficácia do acto suspendendo nenhum efeito útil alcança 3. A., salvo no que concerne à suspensão da autorização desocupação coerciva do local. A suspensão do despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa de 16-06-20 10 não conduz à concessão, mesmo que provisória, do direito ao realojamento. Mais alega o R. a caducidade do direito a requerer a providência por o acto que não reconhecer à A. o direito ao realojamento e ordenou a desocupação do terreno, designadamente o despacho da Vereadora da CML de 07.09.2009, ter-lhe sido notificado em 01.10.2009. Dos factos provados resulta que a decisão de excluir a A. do realojamento já havia sido tomada em 28-10-2009 pela Vereadora Ana ……, através do despacho aposto sob a …:- despacho que foi comunicado à A. - que assinou o aviso de recepção - para a casa sita na R. …………….., 10 Dto., n. 153, em Lisboa, em 07.12.2009. Assim sendo, o despacho suspendendo, na parte em que mantém uma decisão anterior de exclusão da A. do direito ao realojamento com fundamento na falta de residência permanente, não inova na ordem jurídica, sendo meramente confirmativo do acto anterior. A PI da presente acção foi enviada por correio em 12.07.2010. Ou seja, tem razão o R. quando alega a caducidade do direito da A. a intentar um pedido de suspensão relativamente a um despacho já inimpugnável por já ter decorrido o prazo previsto no artigo 58°, n° 2, alínea b) do CPTA para essa impugnação. Estando verificada a caducidade do direito de acção com relação a um processo principal em que a A. vise a impugnação da decisão exclusão do direito ao realojamento com fundamento na falta de residência permanente - designadamente em que vise a impugnação do despacho de 28.10,2009 da Vereadora Ana ………….., porquanto o despacho da Vereadora Helena …………. 16.06.2010 é meramente confirmativo nessa parte - também estará caducado o direito de acção desta acção cautelar que visa salvaguardar apenas o periculum in mora daquela.

Mas se assim não se entendesse, sempre se teria de considerar que a presente acção cautelar improcede por não visar assegurar a utilidade de urna lide principal e ser manifestamente improcedente a pretensão a formular naquela lide, por estar caducado o direito de acção.

Contudo, através da presente providência, a A. vem pedir a suspensão de eficácia do despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa de 16.06.2010, que para além de manter a anterior decisão, atribui-lhe ainda uma indemnização por sacrifício e determina a desocupação coerciva do local. Ora, quanto à parte do despacho suspendendo - relativa à atribuição da indemnização e à desocupação coerciva do local - já não se verifica a caducidade do direito de acção. Acontece, que a A. constrói a sua causa de pedir sem imputar um único vicio ao acto suspendendo. Apenas diz, sem alicerçar as suas alegações com quaisquer fundamentos de direito, que não é verdade que não vivesse no Parque dos Artistas do Circo. Se se considerar que com essa alegação a A. quis imputar ao acto suspendendo um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, mesmo assim a sua pretensão queda. Tal vício só pode ser imputado à parte do despacho que a exclui do realojamento. Quanto a essa parte há caducidade do direito de acção, corno se expôs. Não são alegados quaisquer vícios imputáveis à parte do despacho que consiste na atribuição da indemnização e na ordem de desocupação coerciva do local. Cai, portanto, a presente acção na a) do n. o 1 do artigo 1200 do CPTA, sendo manifesta a improcedência da pretensão a formular no processo principal.

Mais se diga, que uma vez estabilizada na ordem jurídica a decisão que determinou a exclusão da A. do realojamento, a ordem de desocupação é um mero acto de execução daquela ordem, que só pode ser impugnada por vícios próprios.

Na presente providência cautelar é pois, clara, evidente, facilmente apreensível a falta de aparência de bom direito, improcedendo, inequivocamente, a acção principal que venha a ser proposta.

Existe aqui urna situação de fumus malus, que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1200 do CPTA, determina a improcedência da presente providência.

C)

É evidente que o tribunal a quo fez bem em desconsiderar os factos invocados nos arts. 24 ss da resposta às excepções, pois que o CPTA não permite nos arts. 112º ss um 3º articulado, sem prejuízo do art. 3º-3 CPC. Mas a requerente foi além disto nos arts. 24 ss, como numa réplica.

D)

Está aqui em causa o cit. despacho de 16/Junho/2010 e não o cit. despacho de Out/2009 – v. facto nº 15.

Entendeu o tribunal a quo: «A circunstância de as partes sustentarem a maior parte das suas alegações remetendo para prova documental, e considerando, ainda, que o actual estado do processo, designadamente os documentos juntos, permitem, sem necessidade de mais provas, o conhecimento do mérito da causa». É isso o que o tribunal deve ponderar e demonstrar, sem leviandade e sem pressas, pois um juiz lento e bem definidor das situações é sempre melhor do que um juiz rápido e quase-definidor das situações.

Quanto a este indeferimento (prévio) da prova testemunhal (contra o facto nº 2), sendo verdade que o despacho podia ser mais concreto, a verdade é que o mesmo respeita o art. 118º-3 CPTA e o dever de fundamentação suficiente e racional no contexto deste processo, além do que os factos 2 e 3 conjugados são claros e assentes em documentos suficientes, conduzindo ao facto de a A. já não residir no local, sendo ainda certo que tudo se relaciona com um despacho eficaz não impugnado aqui, o de 2009 (que determinou a exclusão da A. do direito ao realojamento com fundamento na falta de residência permanente), e assim irrelevando um atestado de residência agora.

E)

Por outro lado, o teor do despacho de 2010, com novos critérios para futuro, não é de facto inovador quanto ao despacho de 2009 e sua decisão. Nada revogou quanto ao anteriormente decidido contra a requerente.

F)

F.1)

Quanto ao “juízo antecipatório” feito e exigido no art. 120º-1-a) CPTA, também a contrario, que o tribunal a quo fez, o mesmo está completo, correcto e é lícito.

As medidas ou providências cautelares referidas no art. 112º CPTA (umas típicas (1), outras não) visam,
× com base num julgamento muito sumário da questão de direito donde se conclua pela aparência do direito invocado (fumus boni iuris),
× assegurar que o tempo do julgamento do processo principal não determine a inutilidade da sentença nele proferida (periculum in mora; prejuízo específico e particular) e, consequentemente, impedir
× que o Requerente, aquando do fim do processo principal, fique numa situação de facto consumado (situação em que se tornará depois impossível, no caso de o processo principal proceder, operar a reintegração factual da situação conforme à legalidade) ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter à situação que existiria se a ilegalidade (por ora, meramente aparente) não tivesse sido cometida (situação em que se tornará depois impossível, no caso de o processo principal proceder, operar a reintegração factual da situação conforme à legalidade).

Têm, afinal, o propósito de evitar a deterioração do equilíbrio de interesses existente à partida, procurando que ele se mantenha, a título provisório, até que a questão de fundo seja dirimida no processo principal.

O prejuízo decorrente para o direito que se visa acautelar da demora normal do processo principal é, pois, o thema-regra de qualquer processo cautelar (ISABEL FONSECA, Processo Temporalmente Justo…, p. 1013).

De acordo com a lei (CPTA: arts. 112º-1 e 120º-1), as providências são conservatórias ou antecipatórias. É a tradicional divisão, com base na função conservatória ou de manutenção do status quo do requerente (que visa tutelar situações finais, estáticas ou opositivas) ou antecipatória ou de alteração do status quo do requente (que visa tutelar situações instrumentais, dinâmicas ou pretensivas) (2). Releva a teleologia da medida cautelar, tendo como ponto de referência a situação existente no momento imediatamente anterior ao da eclosão do litígio (cfr., por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA et al., Comentário…, anot. ao art. 112º, e jurisprudência e autores aí citados). Normalmente a providência antecipatória acorre ao periculum de retardamento (suprindo provisoriamente a falta de uma resolução definitiva do litígio, antecipando provisoriamente os efeitos de uma possível sentença favorável) e a conservatória acorre ao periculum in mora de infrutuosidade (evitando a destruição ou a modificação do statu quo ante, garantindo provisoriamente a manutenção do estado de coisas preexistente).

Outra coisa, bem distinta, é a análise estrutural e de conteúdo da concreta medida cautelar, a que o CPTA não atribui especial consequência (3).

São 3 as características essenciais da tutela cautelar:

1ª) A sua instrumentalidade em relação a um processo principal (v. arts. 112º-1, 113º-1 e 123º CPTA), pelo que a tutela cautelar só se justifica se for condição sine qua non da utilidade e da eficácia da decisão a proferir no processo principal;

2ª) A sumariedade da apreciação jurisdicional, i.e., o tribunal deve proceder a apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, quer para efeitos de apreciação do fumus boni iuris, quer de apreciação do periculum in mora, sendo por isso um processo urgente (4); portanto, o juiz não pode fazer apreciações ou análises exaustivas. E daqui também a conclusão, quanto à al. a) cit., de que ali se tratam de situações em que a normal apreciação perfunctória que, em sede de processo cautelar, cumpre ao juiz realizar, permite identificar um ou mais casos de evidência que autorizem a formulação de um juízo de muito forte probabilidade de êxito do processo principal;

3ª) A provisoriedade das providências cautelares decretadas (v. art. 124º CPTA), ou seja, a sua duração é provisória e o seu conteúdo é provisório, sendo proibido antecipar a resolução definitiva do litígio ou prejudicar o sentido da decisão principal e o interesse no julgamento da causa principal (i.e., a decisão cautelar não pode ter efeitos de direito irreversíveis).

Os requisitos para a sua decretação no CPTA (art. 120º) são:
1. O periculum in mora, perigo na demora normal do processo principal, perigo de dano: fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado (ou perigo da infrutuosidade) ou fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal (ou perigo do retardamento) (5); o CPTA, ao contrário do art. 381º CPC, não exige que o prejuízo seja grave; (6)
2. O fumus boni iuris: não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal (fumus non malus iuris ou fumus boni iuris suave) ou da existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, se a providência em causa tiver função conservatória; ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, se a providência em causa tiver função antecipatória (tem o alcance de antecipar provisoriamente a constituição de uma situação jurídica nova, que é a que se pretende obter a título definitivo com a sentença a proferir no processo principal; o requerente pretende provisoriamente que as coisas mudem a seu favor) (fumus boni iuris normal);
3. A ponderação global dos interesses específicos e concretos apurados e dos danos específicos e concretos apurados, num mesmo patamar, alcançando uma decisão justa, proporcional e equilibrada. comparação do peso relativo dos interesses em presença, comparação a fazer à luz do circunstancialismo fáctico do caso concreto, cumprindo assegurar que, entre dois prejuízos, a decisão cautelar seja aquela que objectivamente provoque prejuízos em menor grau. Limitando-se eventualmente o requerente a alegar meros juízos ou conclusões, recorrendo a generalidades e a conceitos indeterminados, sem concretizar através de factos e exemplos da vida corrente os específicos prejuízos que advirão da execução do acto, não está preenchido o requisito referido. Esta ponderação judicial é feita com referência directa aos danos ou prejuízos em jogo e não com referência directa aos interesses;
4. A suficiência (e necessidade) da providência concreta relativamente ao fim a que legalmente se destina.

A específica norma contida no art. 120º-1-a) do CPTA presume iuris tantum a utilidade da tutela cautelar (7) (8) quando haja uma aparência muito forte de uma ilegalidade simples: o presumível conteúdo favorável da sentença de mérito a emitir no processo principal é incontestável, não admite dúvida e é quase automático.

Esta situação, teoricamente mais rara (9) no âmbito genérico do art. 120º CPTA, significa que o tribunal deve conceder a providência cautelar se ficar facilmente convencido (num raciocínio quase automático), aquando da decisão cautelar, que é simples e evidente que, naquelas circunstâncias de facto e de direito, o processo principal irá proceder (é certo e simples para o juiz cautelar que o processo principal irá ser julgado procedente: fumus boni iuris muito intenso) (10).

As considerações do interesse público (o interesse geral de uma comunidade, ligado à satisfação das necessidades colectivas desta, o bem comum) predeterminado pela Administração são aqui irrelevantes. (11)

Portanto e quanto ao “acto manifestamente ilegal” referido no art. 120º-1-a) CPTA, se certo facto aparentemente ilegal necessitar, ou tiver necessitado, por parte do juiz cautelar de indagação jurisdicional probatória ou jurídica que não seja muito simples e de resultado imediatamente óbvio, a situação respectiva não caberá na cit. al. a).

O Requerente não está, assim, impedido de invocar dezenas de manifestas ilegalidades aparentes e o tribunal não está, obviamente, dispensado de as analisar superficialmente (sumaria cognitio), de forma a aferir da simplicidade e evidência (12) de, pelo menos, uma delas (anulabilidade incluída (13)). E não será pelo facto de, eventualmente, existir a prova (clara e simples) de só uma aparente ilegalidade manifesta, de entre muitas ilegalidades invocadas, que não se aplicará a al. a) àquela. (14) Bastará que uma das ilegalidades aparentes invocadas necessite apenas de indagação probatória e de direito muito simples e com resultado imediatamente óbvio por parte do tribunal com vista ao assentimento da convicção a formular, para aí se preencher a previsão do art. 120º-1-a) CPTA.

É lógico e imperativo, no entanto, que haja um mínimo de indagação jurisdicional do fumus boni iuris, pressuposto da situação regulada na citada alínea a). Não poderia, em coerência, o CPTA falar em “acto manifestamente ilegal” se o juiz cautelar não tivesse de aferir, “à maneira cautelar” (sumaria cognitio: análise breve ou perfunctória), a ilegalidade: em sede cautelar, “acto manifestamente ilegal” só pode ser um acto (aparentemente) viciado por uma ilegalidade simples e patente.

Enfim, o deferimento imediato do meio cautelar, previsto no art. 120º, n.º 1, al. a), do CPTA, deve resultar de alguma ilegalidade flagrante, capaz de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante da procedência da acção principal. A qualidade de cognição exigida pelo artº 120º nº 1 a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão «evidente procedência da pretensão formulada» mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (quase automática, imediata) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar. (15)

No fundo, ali, a “aparência do bom direito” é de tal forma intensa e imediata que se impõe facilmente a todos os sujeitos processuais do processo cautelar; a questão de facto e a questão de direito são muito simples, independentemente dos obstáculos jurídicos manifestamente infundados alegados pelos demandados.

Mas, atenção: não se trata, evidentemente, dum juízo de fundo como previsto no art. 121º CPTA ou no processo principal normal. É um juízo perfunctório de simplicidade e evidência.

O nº 3 do art. 120º é também aplicável à situação cit. de fumus boni iuris muito intenso.

Nesta sede ainda, i.e. de ilegalidade simples e evidente, deve ser recusada a providência cautelar se o tribunal concluir que existe o risco sério de a mesma causar um prejuízo excepcional ao interesse público (v. arts. 45º-1, 49º e 120º-5 CPTA) ou se a entidade requerida demonstrar que existe o risco sério de se provocar grave prejuízo àquele interesse (v. arts. 163º e 120º-5 CPTA) (assim: Ac. do STA de 6.3.2007, Rec. nº 01143/06). Não se compreenderia, dum ponto de vista lógico e ao abrigo do art. 9º-1 CC, que fosse possível desconsiderar na tutela cautelar um excepcional ou grave prejuízo para o interesse público que se teria de considerar na tutela principal. O juízo de proporcionalidade cede perante a exigência da célere reposição da legalidade, salvo se ocorrer o risco sério de a providência cautelar em causa implicar um prejuízo para o interesse público ou o bem comum conforme referido nos arts. 45º-1 e 163º CPTA (v. ainda o art. 120º-5).

Quanto ao perigo na demora normal do processo principal e ao interesse processual ou necessidade objectiva de tutela jurisdicional, relação de difícil elaboração teorética, a prática às vezes exige uma diferenciação de grau por causa da al. a) do nº 1 do art. 120º CPTA, de molde a se identificar um interesse processual geral ou suave, que não coincida com o periculum in mora (cfr. assim MÁRIO AROSO DE ALMEIDA et al., Comentário ao CPTA, 3ª ed., 2010, anot. 1 ao art. 120º, pp. 796-797; e ainda O Novo Regime do Processo…, 4ª ed., p. 41-43 (16)). Parece-nos, no entanto, algo de forçado, pois a realidade é que a tutela cautelar existe, precisa e unicamente, para acautelar uma necessidade que resulta directa e imediatamente do perigo de infrutuosidade ou de retardamento. Isto é, sem a invocação ou prova deste perigo não existe aquela necessidade de vir a juízo (interesse processual). Afinal, nesta sede, o interesse processual não é um pressuposto processual, mas sim uma condição de procedimento do pedido (condição da acção; assim A. VARELA et al., Manual de P.C., 2ª ed., p. 189). Exigir o periculum in mora é, pois, o mesmo que exigir o interesse processual ou a necessidade de tutela jurisdicional cautelar.

Dali resulta que, na verdade, a excepcional al. a) do nº 1 do art. 120º CPTA configura uma tutela especial principal sumária (admitindo esta hipótese, cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo…, 2005, 4ª ed., p. 307-308).

F.2)

É claro que aqui o acto administrativo impugnável (v. arts. 120º CPA e 51º CPTA) para a A., quanto à desocupação da casa, foi o de 2009 e não este de 2010, que se limita a executar o de 2009 e ao qual não se atribuem vícios próprios no r.i., pelo que fumus malus intenso.

Este é o fundamento principal da decisão a quo e da presente deliberação deste TCAS.

O acto de 2009, esse sim altamente desfavorável e inovador contra a A., não foi impugnado no prazo legal fixado no art. 58º CPTA para os actos anuláveis, sendo certo que nesta r.i. não se invoca contra aquele acto, ou contra o de 2010, qualquer vício de nulidade ou de anulabilidade. Assim, caducou o direito de agir em juízo, principal ou cautelarmente, contra a decisão de 2009, que de facto não é aqui a constante do pedido.

O acto de Junho/2010, o agora suspendendo, impugnável por vícios próprios na parte em que pretende executar a decisão de 2009 e atribuir uma indemnização (art. 51º CPTA), também não foi impugnado em acção principal no prazo legal cit. (só o foi em 15-11-2010), o que significa, sem mais, que entretanto caducou o direito de tutela cautelar contra o acto de 2010. Não se trata de caducidade de providência cautelar (que ainda não foi decretada) – art. 123º CPTA, mas sim de sobrevinda caducidade do direito de tutela cautelar por perda do direito de acção principal correspondente com referência ao prazo de 3 meses previsto no art. 58º-2-b) do CPTA.

A decisão cautelar recorrida (e não “sentença”) entendeu: «Mas se assim não se entendesse, sempre se teria de considerar que a presente acção cautelar improcede por não visar assegurar a utilidade de urna lide principal e ser manifestamente improcedente a pretensão a formular naquela lide, por estar caducado o direito de acção». Este caso pode ser reconduzido, a nosso ver, à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide cautelar, pois que esta não tem e não poderá ter o objecto da sua instrumentalidade, a acção principal. Mas, a verdade é que também se de pode falar de caducidade do processo ou procedimento cautelar, aplicando a aqui o princípio geral do art. 389º-1-a) do CPC ex vi art. 1º do CPTA. É o que têm feito implicitamente este TCAS e expressamente o STA. Cfr. assim:

- Ac. do STA de 9-8-06, pr. nº 528/06;

- Ac. do STA de 3-10-2006, pr. nº 598/06.

III. DECISÃO

Pelo que, com esta fundamentação, acordam os juizes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da ora recorrente.

Lisboa, 28-4-2011


Paulo Pereira Gouveia (relator)

Fonseca da Paz (em substituição)

António Vasconcelos


(1) Por exemplo, entre outros (suspensão de eficácia), o pedido cautelar de intimação de alguém para que provisoriamente se abstenha de um certo comportamento, alegadamente violador de normas de direito administrativo, supõe que haja um vazio decisório, isto é, que não exista ou subsista uma qualquer pronúncia justificativa de tal comportamento (Ac. do STA de 10.1.2008, Rec. nº 0675/07). Sobre este tema, ver: FREITAS DO AMARAL, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 43, e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA et al., Comentário ao CPTA, 3ª ed., notas ao art. 112º.

(2) Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-2004, P. nº 1011/04: «A providência é conservatória quando o Interessado pretenda manter ou conservar um “ direito”, ou seja, aqui o que se almeja é manter o status quo, procurando que ele se não altere. A providência é antecipatória quando o Interessado vise alterar o status quo, mediante a antecipação de uma situação que não existia anteriormente.»

(3) É algo exposto por ISABEL FONSECA, in Introdução ao Estudo Sistemático da Tutela Cautelar…, 2002. Esta autora socorre-se a pp. 125 ss da obra cit. de um autor italiano, TOMMASEO, hoje juiz no Tribunal Administrativo Regional (TAR) da Lazio, em Roma.

(4) Não obstante, o CPTA admite todos os meios de prova estritamente necessários e úteis ao esclarecimento sumário do caso concreto objecto de tutela cautelar. O CPC (v. arts. 384º-3 e 303º) e o CPTA (arts. 1º, 114º-3-g e 118º-2) não parecem permitir a aplicabilidade do art. 523º-2 CPC.

(5) Por exemplo, constituem prejuízos de difícil reparação os danos morais cuja especial intensidade desaconselhe que o lesado os sofra, podendo ser deles livrado, bem como aqueles cuja indemnização só seja atingível por um processo de cálculo mais árduo, problemático e controverso do que é usual nos danos dessa espécie.

(6) Da qualificação do perigo de dano como causa de pedir, e não como pressuposto processual, decorre que a sua falta de alegação dá lugar a ineptidão do r.i. por falta parcial da causa de pedir e a sua falta de prova dá lugar a absolvição do pedido (RUI PINTO, A Questão de Mérito na Tutela Cautelar…, pp. 588 ss, maxime p. 598).

(7) Cfr. assim ANA GOUVEIA MARTINS, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo…, 2005, p. 508.

(8) Cfr. ainda MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 2010, notas ao art. 120º, onde os autores tentam lidar com a (necessária?) restrição à aplicação da al. a) (falam em «“evidência palmar”, sem necessitar de quaisquer indagações»).

O mesmo se passa na 4ª edição, de 2005, de O Novo Regime..., de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (nº 11.5.1), onde o autor fala em “especial evidência” e onde se explica que esta al. a) é uma norma derrogatória do regime de que depende em circunstâncias normais a concessão de providências normais, em que o único propósito é proteger quem se afigure evidente que tem razão no processo principal.

(9) Dizemos “teoricamente”, porque existem áreas jurídicas em que, devido ao tipo de legislação em causa e suas violações mais frequentes, a nulidade com base em simples prova documental será algo de comum. É o caso, por ex., de institutos regulados no DL 380/99 (RJIGT) e no DL 555/99 (RJUE).

(10) Já os casos normais, previstos nas al. b) e c) do nº 2 do art. 120º CPTA, têm outra formulação quanto ao direito invocado (além do periculum in mora):

- na al. b) (providências conservatórias), o juiz conclui que há uma improbabilidade de inêxito do processo principal, fumus non malus iuris ou fumus boni iuris suave;

- e na al. c) (providências antecipatórias), o juiz conclui que há probabilidade de êxito da causa principal, fumus boni iuris (normal).

(11) Cfr. PAULO H. PEREIRA GOUVEIA, As realidades da nova tutela cautelar administrativa, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 55.

(12) Se a questão jurídica for discutível ou duvidosa, não há tal evidência.

Tal pode acontecer, por exemplo, nalgumas relações entre leis nacionais e leis regionais. Sobre relações entre leis nacionais e leis regionais, cfr. PAULO H. PEREIRA GOUVEIA, Estudo sobre o Poder Legislativo das Regiões Autónomas, ed. Almedina, 2003.

(13) Quanto mais não fosse, a total ausência de fundamentação de um acto administrativo lesivo.

Aqui, a lei não distingue a violação da CRP (anulabilidade, regra geral) da violação dum PDM (nulidade).

(14) V. assim MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime…, 4ª ed., p. 302 nº 11.4.2 e p. 306 nº 11.5.1. Concordamos com este autor quando afirma: «o preceito só deve intervir em situações de especial evidência, que seja manifesta a todas as luzes e sem necessidade de grandes indagações»; o que é diferente de “nenhuma indagação”.

Cfr., ainda, PAULO H. PEREIRA GOUVEIA, As realidades da nova tutela cautelar administrativa, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 55.

(15) Ac. do TCAS de 28.6.2007, P. nº 02225/07.

(16) Para este autor, em sede de art. 55º-1-a) CPTA, “interesse directo” é interesse processual ou actual e “interesse pessoal” é legitimidade processual. Mas, ANA G. MARTINS, in A Tutela Cautelar…, 2005, pp. 369-370, dá notícia de que “interesse directo” tem a ver com a relação de causalidade entre acto impugnado e prejuízo sofrido, bem como à imediatividade e actualidade do interesse na anulação.