Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1188/10.8BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/30/2022 |
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Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA AÇÃO DE NATUREZA FISCALIZADORA (VAREJO) IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO (IEC) ALARGAMENTO DE ÂMBITO DA INSPEÇÃO |
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Sumário: | I - O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias e aduaneiras, tendo obtido com a redação que lhe foi dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 75-A/2014, de 30/09, a denominação de “Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira”, com a qual passou a regular diretamente o procedimento de inspeção aduaneira. Porém, a aplicação do RCPIT aos procedimentos alfandegários é de natureza supletiva desde a sua entrada em vigor, por força do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12. II - O n.º 2 do artigo 15.º do RCPIT admite que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção possam ser alterados durante o procedimento mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo, o mesmo, ser notificado à entidade inspecionada. Constituindo esta, uma formalidade prevista na lei como formalidade essencial e estruturante do procedimento inspetivo, não tendo sido observada torna-se invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
S.... – V......, LDA., melhor identificada nos autos, não se conformando com o indeferimento de reclamação graciosa, deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) no processo de conferência final n.° 198/2007, instaurado pela Alfândega de Peniche, de que resultou a pagar a quantia de € 14.429,03, apresentou impugnação judicial. O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) Leiria, por decisão de 31 de março de 2015, julgou procedente a impugnação. Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «1. No âmbito das competências da Alfândega, foi realizado um varejo ao entreposto fiscal de produção da Recorrida, e não uma accão de inspeccão. 2. O Varejo, constitui um controlo típico das áreas aduaneira e fiscal de primeiro nível, ao qual não se aplica o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 412/98 de 31 de Dezembro, não se estando vinculado ao preenchimento dos procedimentos nele estipulados. 3. A análise realizada no âmbito do varejo teve por partida os saldos apurados na ação inspectiva n.° 06 - 0103 da Divisão Operacional Sul, com excepção da contabilidade das estampilhas fiscais face à não consagração da mesma na citada acção. 4. Face ao descalabro dos registos das estampilhas especiais apresentados em sede do varejo, foi necessário proceder à elaboração das contas correntes desde o seu início (01/10/2004). Só após a efectiva reconstituição e rectificação de saldos, foi possível a sua contabilização e comparação com os saldos à data do varejo (18/09/2007). 5. Procedimento este realizado no perfeito enquadramento do Regime dos IEC. 6. A análise realizada não foi dirigida ao exercício económico do ano de 2007, o tipo de imposto (IABA), e o que está subjacente ao seu apuramento, não é feito, em termos do exercício anual da actividade desenvolvida, como acontece com o IRC ou IRS, mas sim, com o momento (dia/data) em que é executado o varejo, sendo, em caso de divergências necessário averiguar o factos geradores de imposto, ou seja, a produção, expedição (DAA) ou introdução no consumo (DIC). 7. O apuramento dos Impostos Especiais de Consumo é feito em função do facto e data da sua prática (art.° 7.°, art.° 8.°,art.° 9.° e art.° 10.° todos do CIEC), e não por ano de exercício de actividade. (económico/civil) 8. Todos os procedimentos inerentes ao varejo terminaram com o relatório, existindo um hiato de tempo de 51 dias entre o inicio (18/09/2007) e o seu terminus (08/11/2007). 9. Foi no âmbito do Processo de Conferência Final n.° 198/2007 que foram executados todos os procedimentos para a cobrança do tributo, tendo a Recorrida sido notificada para o exercício do direito de audição, nos termos da alínea a) do n.° 1 do art.° 60.° da LGT. e não ao abriao do art.°60.° do RCPIT o que ocorrería se se tratasse de um acto de ínspecçáo. Facto demonstrativo que a accão não seoue a tramitação efectuada nos termos do RCPIT. uma vez que não foi uma acção inspectiva, mas sim um varejo. 10. Tendo sido também esse o entendimento da Recorrida, uma vez que não fez qualquer alusão a procedimento inspectivo ou a ilegalidade na prossecução do controlo efectuado. 11. Considerando que o controlo efectuado foi um varejo, considerando que não se aplica o RCPIT, considerando que os procedimentos executados foram na prossecução da descoberta da verdade material, consideramos com o devido respeito, que não houve vício de forma no procedimento realizado. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser dado por procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida.» »« A recorrida, S.... – V......, Lda., devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações. »« O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo a sentença manter-se integralmente na ordem jurídica. »« Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. »« 2 – OBJECTO DO RECURSO Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho). Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido. Termos em que a questão sob recurso que importa aqui decidir é a de saber se a sentença padece se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na aplicação que faz das normas do RCPIT ao procedimento de fiscalização (varejo) levado a efeito pela DGAIEC e ao ter considerado que a falta de notificação à entidade inspecionada do despacho fundamentado que alterou o âmbito e a extensão do procedimento inspetivo determina a invalidade do ato de liquidação adicional subsequente por violação dos artigos 15.° e 46.°, n.° 3, c) do RCPIT.
É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida B. Com início em 18.09.2007 e termo em 10.10.2007, a Alfândega de Peniche realizou uma acção de natureza fiscalizadora (varejo) às instalações da Impugnante, que teve como objectivo a verificação do cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, expedição e introdução no consumo de bebidas espirituosas e produtos intermédios, tendo a acção incidido sobre o período de 20.11.2006 a 18.09.2007 (cfr. relatório final a fls. 2 do PAT apendo e informação supra referida, fls. 17 do PAT apenso); C. Através do ofício n° ….91, de 10.10.2007, a Impugnante foi notificada do projecto de conclusões sobre o relatório da acção, tendo exercido o seu direito de audição (cfr. relatório final, a fls. 2 a 15 do PAT apenso, que se dá por integralmente reproduzido); D. Em 08.11.2007, foi elaborado relatório final no qual se concluiu, na parte relevante, p seguinte: Conclusões • Do exposto anteriormente, pode concluir-se que foram detectadas muitas irregularidades no comprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, expedição, circulação e introdução no consumo de Bebidas Espirituosas, bem como no cumprimento das obrigações de selagem previsto no CIEC e em legislação complementar, devidamente descritas no ponto seguinte.• A contabilidade de existências é efectuado manualmente nos livros do IVV, apresentando muitas deficiências, dos quais se destaca a dificuldade em identificar os produtos declarados nas DIC, uma vez que não têm em atenção as datas de introdução no consumo e a falta de menção do destino, da proveniência e do teor alcoólico. Foram ainda detectadas saídas sem o processamento das respectivas DIC, algumas das quais não detectadas na amostra realizada no período analisado na Acção Inspectiva n.° 06-0103. • A empresa apresenta grandes dificuldades em cumprir os prazos legalmente fixados na entrega das declarações (DIC e DAA). No processamento dos DAA referentes às exportações verificou-se vários erros no preenchimento do código da Alfândega de Destino, onde é mencionado com frequência o código 455 da Alfândega de Peniche. • Foi apurada uma dívida (...) de 13.944,00 Euros, a que acresce IVA à taxa normal e juros compensatórios. (…)”. - cfr. relatório final; E. Em 02.01.2008, o relatório final de inspecção referido na alínea antecedente foi objecto de despacho de concordância do Director da Alfândega de Peniche, tendo a Impugnante sido notificada para exercer o seu direito de audição através do ofício n.° ….4, da mesma data (cfr. fls. 16 a 56 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas); F. Em 15.01.2008, a Impugnante exerceu o seu direito de audição, alegando, em suma, que o imposto devido foi efectivamente pago e, quanto às DIC em alegada dissonância com a apresentação de mapas de saídas de produtos, o procedimento que fazia era uma conta corrente de produtos vendidos com sujeição a IEC e, porque existiam devoluções, os mesmos eram abatidos na DIC do dia ou semana seguinte a serem recebidos, indo para uma zona específica do armazém, não sendo válida a conclusão do relatório de inspecção. Argumentou ainda que os mapas da anterior inspecção não podem ser utilizados para o cálculo da contabilidade de existências uma vez que os métodos de inspecção utilizados foram distintos. Juntou 20 documentos (cfr. fls. 77 a 176 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas); G. Em 13.11.2009, foi elaborada Informação na Alfândega de Peniche na qual se afirma, na parte relevante o seguinte: Assim também relativamente à conta corrente da Aguardente Bagaceira Caipirinha- Granel não foram contabilizados 6.848 litros detectados em excesso em 20/11/2006 (Acção Inspectiva n.° 06-0103); O mesmo se verificando com a Conta corrente da Aguardente Bagaceira Caipirinha- Engarrafada, uam fez que não foram contabilizadas (...) as 1314 garrafas de litro detectadas em excesso e as 97 garrafas de 0,70 litros detectadas em falta (Acção Inspectiva n.° 06-0103); 16 - Relativamente às perdas de estampilhas especiais, estas estão calculadas entre o saldo contabilístico e as existências de estampilhas inventariadas em entreposto fiscal, o que torna exigível o (...) (IABA) atento o disposto no n.°1 do art.° 7 e n.° 7 do art. 67.°do CIEC. (...). H. Através do ofício n.° ….01, de 13.11.2009, a Alfândega de Peniche notificou a Impugnante para pagar o valor total de 14.329,03 €, referente a IABA e juros compensatórios (cfr. fls. 238 a 258 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas); I. Notificada da liquidação referida na alínea antecedente, em 10.03.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa, na qual alegou ainda a caducidade do direito de liquidação relativamente a dívidas por DIC mal preenchidas que se reportam a momento anterior a Novembro de 2005 (cfr. fls. 284 a 291 do PAT apenso, que se dá por reproduzida); J. Em 25.03.2010, foi elaborada Informação na Alfândega de Peniche no âmbito da qual conclui, nomeadamente que: “(...) 11.2 - Ora, a Administração obteve o real conhecimento do resultado da acção em 10 de Outubro de 2007 e não antes, assim sendo é esta a data em que tem o preciso conhecimento das várias irregularidades detectadas no cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, circulação e introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC (...). K. Em 28.03.2010, o Director da Alfândega concordou com o teor da informação referida na alínea antecedente, tendo a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.° ….7 de 30.06.2010 (cfr. fls. 294 do PAT apenso e fls. 314 a 326 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas); L. Relativamente às irregularidades detectadas com os DAA, à data, a Impugnante não fazia a comunicação do 3.° exemplar por desconhecimento, mas os exemplares estavam arquivados e não houve nenhum caso em que a mercadoria não tivesse chegado ao destino (cfr. depoimento da testemunha I......); M. Os DAA encontravam-se mal preenchidos por não indicarem o modelo de estampilha, nem as quantidades e por não ser feita a actualização na conta-corrente da Alfândega, mas conseguia-se perceber essa informação pelas quantidades de garrafas neles indicadas, uma vez que todos os enchimentos eram feitos com as estampilhas apropriadas e não saía nenhum carro sem factura (cfr. depoimento da testemunha I......); N. Quanto à contabilidade das existências, em 2007, havia um atraso de 2 ou 3 dias no lançamento em conta-corrente e houve uma situação em que não teve conhecimento do engarrafamento, não tendo dado "baixa” no mapa dos engarrafamentos (cfr. depoimento da testemunha I......); O. No transporte, por vezes, partiam-se garrafas que não eram comunicadas à Alfândega, quer para efeitos de estampilhas, quer para efeitos de engarrafados (cfr. depoimento da testemunha I......); P. No granel, o desperdício que não era contabilizado, por desconhecimento (cfr. depoimento da testemunha I......); Q. Em relação às estampilhas especiais, houve um caso de troca das estampilhas enviadas pelo IVV (cfr. depoimento da testemunha I......); R. Em 2006 e 2007, houve um grande movimento de aguardentes e, nessa data, faziam os DIC com base nas facturas (cfr. depoimento da testemunha I......); S. Nessa altura, não havia uma conta-corrente para as estampilhas e, se uma se estragava, não era registado (cfr. depoimento da testemunha I......); T. Em relação aos DIC, só os emitiam depois de saberem que não havia devoluções, o que gerava desfasamentos entre as datas das facturas e dos DIC (cfr. depoimento da testemunha S......); U. A inspecção de 2006 não incidiu sobre as estampilhas especiais (depoimento da testemunha P......). * FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram outros factos relevantes para a decisão da causa. * MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT, e do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório. »« Ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte facto, por se considerar relevante e, por resultar provado, nos termos que se seguem:
V. O apuramento do imposto considerado em divida, no montante de € 5.360,39, referente às saídas do entreposto fiscal, sem processamento das os respetivos documentos de saída (DIC) a que se refere o ponto D., do probatório reporta-se a dividas dos anos de 2003 a 2007, no montantes que a seguir se discriminam,
»« Assim os pontos B. e H. do probatório passam a ter a seguinte redação: B. Com início em 18.09.2007 e termo em 10.10.2007, a Alfândega de Peniche realizou uma “Acção de Natureza Fiscalizadora (Varejo)” com o n.º ….6/2007 às instalações da Impugnante, que teve como objetivo a verificação do cumprimento do regime fiscal relativo à produção, receção, detenção, expedição e introdução no consumo de bebidas espirituosas e produtos intermédios, tendo a Acão incidido sobre o período de 20.11.2006 a 18.09.2007, cuja categoria de produtos em análise se reportou a “5001 – Produtos intermédios e 6002 – Bebidas Espirituosas (cfr. relatório final a fls. 2 do PAT apendo e informação supra referida, fls. 17 do PAT apenso); H. Através do ofício n.° ….01, de 13.11.2009, a Alfândega de Peniche remeteu à impugnante a «Notificação de Dívida / Processo de Conferência Final n.º 198/2007 / Cobrança “a posteriori” de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) “ S...... - V...., SA” – NIPC 500 …..» para pagar o valor total de 14.429,03 €, referente a IABA e juros compensatórios (cfr. fls. 238 a 258 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas); »« De direito Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) no processo de conferência final n.º …./2007, instaurado pela Alfândega de Peniche. Para assim decidir o TAF de Leiria considerou que o procedimento de inspetivo violou o disposto nos artigos 15.° e 46.°, n.° 3, c) do RCPIT com a consequente nulidade do procedimento de inspeção e determinou a anulação da liquidação impugnada, no que alicerçou a seguinte fundamentação: Porém, adianta-se desde já, que sem razão, senão vejamos: Importa antes de mais ter presente que a correção aos rendimentos tributários da impugnante, aqui recorrida, ocorreu no âmbito da ação de natureza fiscalizadora (varejo) n.º …../2007, entre 18/09/2007 e 10/10/2007, que está na origem da cobrança “a posteriori” de IABA e correspetivos juros compensatórios, no montante global de € 14.429,03, com incidência sobre o período temporal decorrente entre 20/11/2006 a 18/09/2007 (ponto B. do probatório). Recordemos que o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias e aduaneiras, tendo obtido com a redação que lhe foi dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 75-A/2014, de 30/09, a denominação de “Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira”, com a qual passou a regular diretamente o procedimento de inspeção aduaneira. Não obstante, a sua aplicação aos procedimentos alfandegários seja de natureza supletiva desde a entrada em vigor do RCPIT(1), por força do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12(2), estipulando-se ali a aplicação deste regime à DGAIEC “… no que não for incompatível com a natureza dos procedimentos de inspeção de que está legalmente incumbida.” Concluímos assim, do que se deixa dito, pela aplicação do RCPIT em inspeção e fiscalização aduaneira desde a sua entrada em vigor a tudo no que não for incompatível com a própria natureza do procedimento a cargo da DGAIEC. A situação em análise apresenta-se como “Acção de Natureza Fiscalizadora (Varejo)”(3) e visou a verificação do cumprimento das obrigações tributárias, inclusive declarativas, procedendo à análise formal e de coerência das declarações da impugnante (DAAs; DICs) e a sua conformidade como os registos contabilísticos e estampilhas fiscais (contabilidade de existências; conta corrente de estampilhas especiais) culminando com a correção das diferenças encontradas e a correspetiva liquidação de imposto considerado em falta (cobrança “a posteriori” de IABA no valor total de €14.429,03) –ponto H. do probatório por nós alterado. Neste contexto e recuperando as conclusões recursivas, impõem-se concluir que, não descortinamos em que é que a ação de natureza fiscalizadora descrita nos pontos B. e D. do probatório poderá divergir de outros de procedimentos de inspeção a cargo da DGAIEC e em que medida é que possa ser incompatível com a natureza própria desses procedimentos. Com efeito a fundamentação acolhida pela recorrente com propósito de excluir a ação realizada do âmbito de aplicação do RCPIT, parece assentar unicamente no facto de a impugnante “S.... – V......, Lda.,” enquanto “Depositário Autorizado”, junto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, estar sujeita às regras impostas pelo Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 566/99, de 22/12, nomeadamente à alínea d) do n.º 2 do seu artigo 24.º. Porém da norma citada, na redação coeva não se retira a conclusão pretendida pela recorrente, já que o artigo 24.º do CIEC apenas se reporta ao Estatuto de Depositário Autorizado, e no n.º 2 limita-se a enumerar as obrigações que ao mesmo são impostas(4), referindo, nomeadamente, a alínea d) que o depositário autorizado deverá “[P]prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira.”. Como é bom de ver, daqui não se retira a autonomização do “Varejo” como procedimento especial de fiscalização aduaneira, pois nada se diz quanto à formalidade a que o mesmo deve obedecer nem às circunstâncias em que opera, nem tão pouco quanto aos fins que, como o mesmo, se visa obter. Por outro lado, como nos diz Joaquim Freitas da Rocha (5) , “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados é contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar”. Na situação em apreço, independentemente da denominação que lhe foi dada, o procedimento que subjaz as correções em contradita nos autos, consideramos que o procedimento efetuado tem natureza inspetiva e/ou fiscalizadora e, por conseguinte, na ausência de formalismo específico deve ser complementado pelas normas de natureza supletiva do RCPIT, como garantia de maior efetividade e justiça ao processo. É, de resto, o que bem refere o digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, que, na íntegra, acompanhamos e que é o seguinte: “O VAREJO não pode ser um procedimento sem formalismo legal obrigatório, tal procedimento só se justifica com fundamentação excecional. Não tendo previsão legal própria e sendo inspetivo terá de subordinar-se às regras do RCPIT, o PRINCÍPIO da LEGALIDADE só pode ser derrogado com ato jurídico no uso dos poderes constitucionais.” Com efeito, tendo o RCPIT, como sabemos que tem, o objetivo especifico e primordial de regular o procedimento de inspeção tributária ele constitui, nesta matéria, o regime regra, e, porque assim é, deve ser aplicado sempre que não seja afastado por qualquer outro regime especial que se lhe sobreponha. Improcedem assim, sem mais, as conclusões que vimos de apreciar. Argumenta ainda a recorrente que “[A]a análise realizada no âmbito do varejo teve por partida os saldos apurados na ação inspectiva n.° 06 - 0103 da Divisão Operacional Sul, …” e que “… foi necessário proceder à elaboração das contas correntes desde o seu início (01/10/2004). Só após a efectiva reconstituição e rectificação de saldos, foi possível a sua contabilização e comparação com os saldos à data do varejo (18/09/2007).” e bem assim que o procedimento foi realizado no perfeito enquadramento do Regime dos IECs. - concl. 3. a 7. O que, na realidade, não se mostra contrário ao referido na sentença recorrida, nem, em si, se mostra contra legem, de facto, o que foi censurado no texto decisório foi, outrossim, a falta de um ato resolutivo, ou seja de um despacho, proferido pela entidade competente a fundamentar e a possibilitar a correção das declarações (DAAs e DICs) e o apuramento de imposto, referente a períodos temporais diferentes daqueles a que a ação de fiscalização foi dirigida. Com efeito, repete-se, a ação foi dirigida a período decorrente entre 20/11/2006 e 18/09/2007 e as correções reportaram-se a declarações emitidas nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 conforme ponto V., do probatório por nós aditado. Recordamos que o n.º 2 do artigo 15.º do RCPIT admite que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção possam ser alterados durante o procedimento, porém, mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo, o mesmo, ser notificado à entidade inspecionada. Constituindo esta, uma formalidade prevista na lei como formalidade essencial e estruturante do procedimento inspetivo, não tendo sido observada torna-se invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta. Ora, os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, como aqui ocorre, pelo que a omissão do ato procedimental invalida, por anulabilidade que ora se confirma, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do ato de liquidação oficiosa [subsequente], que nele obteve os seus fundamentos legais, conforme decorre do disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), em vigor à data dos factos e aqui aplicável por força do disposto no artigo 4.º do RCPIT (6). Termos em que, acompanhando o que se disse na sentença em conflito, consideramos “… que o procedimento de inspectivo violou o disposto nos arts. 15.° e 46.°, n.° 3, c) do RCPIT, sendo, por isso, procedente o vício de forma que lhe é assacado pela Impugnante.”. e consequentemente, esta não enferma do erro de julgamento que lhe era apontado, impondo-se, antes, a sua confirmação, ao que se promoverá na parte do dispositivo do presente acórdão.
4 – DECISÃO Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. Custas pela recorrente Lisboa, 30 de junho de 2022. Hélia Gameiro Silva – Relatora Ana Cristina carvalho – 1.ª Adjunta Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta
___________________________________ (1) A entrada em vigor de RCPIT foi em 01/01/1999 ex vi do artigo 4.º do Decreto Lei n.º 413/98 de 31/12 (2) Lei que aprovou o RCPIT (3) Ponto B. do probatório (4) Designadamente: “2. O depositário autorizado deverá cumprir as seguintes obrigações: a) Prestar uma garantia em matéria de armazenagem e de circulação, cujas condições serão fixadas pela autoridade aduaneira; b) Manter actualizada uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e elementos relevantes para o cálculo do imposto; c) Apresentar os produtos sempre que tal lhe for solicitado; d) Prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira; e) Submeter os depósitos e os instrumentos de medição ao controlo metrológico da entidade competente e possuir certificado de calibração dentro do prazo de validade; f) Conservar pelo prazo de três anos, em relação a cada operação de recepção ou de expedição, os documentos seguintes: i)Documento de acompanhamento, declarações de introdução no consumo ou declarações aduaneiras de entrada ou saída; ii)Nota de encomenda, factura comercial, guia de remessa ou documento equivalente; iii)Prova identificativa do meio de transporte; g) Comunicar à autoridade aduaneira a alteração dos gerentes ou administradores, bem como qualquer outra alteração dos pressupostos subjacentes à concessão do estatuto; h) Cumprir os demais procedimentos prescritos pela autoridade aduaneira. Na redação que lhe foi dada pelo artº 69º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro. (5) In RCPIT, Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 1ª Edição, pág. 83. (6) Vide neste sentido o acórdão do STA proferido em 19/09/2018 np processo n.º 01460/17, que aqui seguimos, pela sua similitude ao caso em apreciação |