Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1188/10.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
AÇÃO DE NATUREZA FISCALIZADORA (VAREJO)
IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO (IEC)
ALARGAMENTO DE ÂMBITO DA INSPEÇÃO
Sumário:I - O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias e aduaneiras, tendo obtido com a redação que lhe foi dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 75-A/2014, de 30/09, a denominação de “Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira”, com a qual passou a regular diretamente o procedimento de inspeção aduaneira.
Porém, a aplicação do RCPIT aos procedimentos alfandegários é de natureza supletiva desde a sua entrada em vigor, por força do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12.
II - O n.º 2 do artigo 15.º do RCPIT admite que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção possam ser alterados durante o procedimento mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo, o mesmo, ser notificado à entidade inspecionada. Constituindo esta, uma formalidade prevista na lei como formalidade essencial e estruturante do procedimento inspetivo, não tendo sido observada torna-se invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


1 – RELATÓRIO

S.... – V......, LDA., melhor identificada nos autos, não se conformando com o indeferimento de reclamação graciosa, deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) no processo de conferência final n.° 198/2007, instaurado pela Alfândega de Peniche, de que resultou a pagar a quantia de € 14.429,03, apresentou impugnação judicial.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) Leiria, por decisão de 31 de março de 2015, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1. No âmbito das competências da Alfândega, foi realizado um varejo ao entreposto fiscal de produção da Recorrida, e não uma accão de inspeccão.

2. O Varejo, constitui um controlo típico das áreas aduaneira e fiscal de primeiro nível, ao qual não se aplica o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 412/98 de 31 de Dezembro, não se estando vinculado ao preenchimento dos procedimentos nele estipulados.

3. A análise realizada no âmbito do varejo teve por partida os saldos apurados na ação inspectiva n.° 06 - 0103 da Divisão Operacional Sul, com excepção da contabilidade das estampilhas fiscais face à não consagração da mesma na citada acção.

4. Face ao descalabro dos registos das estampilhas especiais apresentados em sede do varejo, foi necessário proceder à elaboração das contas correntes desde o seu início (01/10/2004). Só após a efectiva reconstituição e rectificação de saldos, foi possível a sua contabilização e comparação com os saldos à data do varejo (18/09/2007).

5. Procedimento este realizado no perfeito enquadramento do Regime dos IEC.

6. A análise realizada não foi dirigida ao exercício económico do ano de 2007, o tipo de imposto (IABA), e o que está subjacente ao seu apuramento, não é feito, em termos do exercício anual da actividade desenvolvida, como acontece com o IRC ou IRS, mas sim, com o momento (dia/data) em que é executado o varejo, sendo, em caso de divergências necessário averiguar o factos geradores de imposto, ou seja, a produção, expedição (DAA) ou introdução no consumo (DIC).

7. O apuramento dos Impostos Especiais de Consumo é feito em função do facto e data da sua prática (art.° 7.°, art.° 8.°,art.° 9.° e art.° 10.° todos do CIEC), e não por ano de exercício de actividade. (económico/civil)

8. Todos os procedimentos inerentes ao varejo terminaram com o relatório, existindo um hiato de tempo de 51 dias entre o inicio (18/09/2007) e o seu terminus (08/11/2007).

9. Foi no âmbito do Processo de Conferência Final n.° 198/2007 que foram executados todos os procedimentos para a cobrança do tributo, tendo a Recorrida sido notificada para o exercício do direito de audição, nos termos da alínea a) do n.° 1 do art.° 60.° da LGT. e não ao abriao do art.°60.° do RCPIT o que ocorrería se se tratasse de um acto de ínspecçáo. Facto demonstrativo que a accão não seoue a tramitação efectuada nos termos do RCPIT. uma vez que não foi uma acção inspectiva, mas sim um varejo.

10. Tendo sido também esse o entendimento da Recorrida, uma vez que não fez qualquer alusão a procedimento inspectivo ou a ilegalidade na prossecução do controlo efectuado.

11. Considerando que o controlo efectuado foi um varejo, considerando que não se aplica o RCPIT, considerando que os procedimentos executados foram na prossecução da descoberta da verdade material, consideramos com o devido respeito, que não houve vício de forma no procedimento realizado.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser dado por procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»


»«

A recorrida, S.... – V......, Lda., devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

»«

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo a sentença manter-se integralmente na ordem jurídica.

»«

Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido.

Termos em que a questão sob recurso que importa aqui decidir é a de saber se a sentença padece se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na aplicação que faz das normas do RCPIT ao procedimento de fiscalização (varejo) levado a efeito pela DGAIEC e ao ter considerado que a falta de notificação à entidade inspecionada do despacho fundamentado que alterou o âmbito e a extensão do procedimento inspetivo determina a invalidade do ato de liquidação adicional subsequente por violação dos artigos 15.° e 46.°, n.° 3, c) do RCPIT.


3 - FUNDAMENTAÇÃO
De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida
« A. A Impugnante, "S.... – V......, S.A.”, constitui-se como depositário autorizado junto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, com o n.° PT ……682, e é titular do entreposto fiscal de produção n.° PT …..201 (cfr. informação datada de 02.01.2008, no processo de conferência final n.° 198/2007, a fls. 16 a 32 do PAT apenso, que se dá por integralmente reproduzido);

B. Com início em 18.09.2007 e termo em 10.10.2007, a Alfândega de Peniche realizou uma acção de natureza fiscalizadora (varejo) às instalações da Impugnante, que teve como objectivo a verificação do cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, expedição e introdução no consumo de bebidas espirituosas e produtos intermédios, tendo a acção incidido sobre o período de 20.11.2006 a 18.09.2007 (cfr. relatório final a fls. 2 do PAT apendo e informação supra referida, fls. 17 do PAT apenso);

C. Através do ofício n° ….91, de 10.10.2007, a Impugnante foi notificada do projecto de conclusões sobre o relatório da acção, tendo exercido o seu direito de audição (cfr. relatório final, a fls. 2 a 15 do PAT apenso, que se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 08.11.2007, foi elaborado relatório final no qual se concluiu, na parte relevante, p seguinte:
DAA:
· “Preenchimento incorrecto do DAA (...) onde não faz a menção à quantidade e modelo de estampilhas especiais (...);
· (…);
· A empresa expediu para o Luxemburgo, 180 garrafas de Aguardente Bag. Caipirinha 100cl a 40% (DAA n.° 2004/6832) seladas com estampilhas especiais de modelo B, que foram irregularmente expedidas por violarem o disposto no n.° 14 da Portaria n.° 701/2003, de 1 de Agosto.
· A empresa exportou para o Canadá, 120 garrafas de Aguardente Vínica “Rota do Sol’’ (...) que foram irregularmente expedidas por violarem o disposto no n.° 14 da Portaria n.° 701/2003, de 1 de Agosto.
· Apresentou 51 DAA fora dos prazos legalmente fixados na alínea a) do n.° 2 do art. 35.°do CIEC, não cumprindo a antecedência mínima de 6 horas úteis em relação à partida do meio de transporte. (...).
· O expedidor não tem efectuado a comunicação prevista nos termos do disposto no n.° 8 do art. 35.° do CIEC, relativas a situações de não apuramento. No local foram detectados 33 DAA Web-Form, com mais de dois meses, a contar da data de expedição, que não se encontravam apurados. (...).
• No local foram detectados os exemplares 3 dos DAA n.° 2004/6832 e n.° 2006/72130, mas a empresa não procedeu à confirmação electrónica após a recepção do exemplar 3. O apuramento destes DAA, por confirmação electrónica, ocorreu após os responsáveis pelo entreposto fiscal serem alertados para este facto. (...).
• No local não foi detectado o exemplar 3 do DAA n.° 2007/118760 mas a empresa procedeu à confirmação electrónica após a recepção do exemplar 3 no dia 26 de Setembro de 2007.
• Relativamente aos DAA n.° 2007/1616188, 2007/16542 e 2007/17182, com destino ao entreposto fiscal n.° …..801, pertencente ao depositário autorizado “C.... – I......, Lda”, verifica-se que o destinatário das mercadorias constante nestes DAA não cumpriu com o estipulado na alínea b) do n.°2 do art. 35.°do CIEC. Isto é, nos dia 26,29 e 30 de Janeiro de 2007(...) recepcionou a mercadoria constante destes DAA, no entanto só efectuou a recepção electrónica destes DAA no dia 19 de Setembro de 2007,
• Relativamente aos DAA n°s. 2005/ 5022, 18094, 45849, 45920, 87258, 109324, 164763, 164791, 177591, 180193 e 206850, n.°s 2006/23031 e 23040 e n.°s 2007/ 12873, 38481, 54444, 63338, e 102678 não apurados foram efectuadas diligências junto das estâncias aduaneiras de saída nacionais (...). Até à presente data, não houve resposta, nem apuramento dos DAA (...).
• Relativamente aos DAA n°s. 2007 / 130671, 130701, 135380 e 158401 não apurados foram efectuadas diligências junto das estâncias aduaneiras de saída nacionai s (...). Até à presente data, não houve resposta, nem apuramento dos DAA (...).
• Relativamente aos DAA n.°s 2007/169420 e 169520 não apurados foram efectuadas diligências junto das estâncias aduaneiras de saída nacionais (...). No dia 19 de Setembro de 2007 o Posto Aduaneiro de Xabregas remeteu cópia dos exemplares 2 visados, em virtude de a casa 4 do DAA estar mal preenchida com o código 020-Alfândega do Aeroporto do Porto (...).
• Relativamente aos DAA n.°s 2007 / 13870, 27943, 56757, 56692, 70059 e 160619, o Posto Aduaneiro de Xabregas remeteu cópia dos exemplares 2 visados, em virtude de o código da Alfândega de destino estar mal preenchido com o código 455 da Alfândega de Peniche.
• Apresentou 671 DAA fora dos prazos legalmente fixados (...).
• No decurso do direito de audição e até à data de elaboração do presente relatório foram apurados os DAA n.° 2007/13870, 2007/27943, 2007/38481, 2007/54444, 2007/56692, 2007/56757, 2007/63338, 2007/70059, 2007/102678, 2007/130671, 2007/130701, (...) 2007/160691, 2007/169420 e 169560 permanecendo por apurar 16 DAA constantes no mapa anexo.
• Face ao exposto e considerando que se mantêm a situação de não apuramento dos 16 DAA com mais de 2 meses a contar da data da expedição, foi elaborado o mapa resumo de todos os DAA não apurados até à presente data, uma vez que não foram apresentadas provas alternativas para o apuramento destes DAA e que nos termos do n.° 9 do art.0 35.° do CIEC, compete à estância aduaneira competente liquidar o imposto respectivo.
DIC
• Na DIC 2005/16702 (...) foi declarada como data de introdução ao consumo, o dia 06/12/2005, quando na realidade refere a várias introduções ao consumo que ocorreram no período de 22/04/2005 a 12/08/2005 (...).
• Além da irregularidade detectada atrás (...), verificou-se de acordo com o mapa em anexo a apresentação de 322 DIC fora do prazo estipulado no art.° 8.°do CIEC.
• (...)
• A DIC 2007/38040 diz respeito a 24 garrafas de Bagaceira “Valegrande” (...) quando na realidade saíram do entreposto fiscal 36 garrafas;
• (...)
• Preenchimento incorrecto das DIC n.° 2004/41074, 2004/82296 (...) 2005/146793 onde faz a menção a estampilhas do modelo B, quando na realidade dizem respeito a estampilhas especiais do modelo A;
Contabilidade das Existências
• Da análise à contabilidade de existências verificou-se que esta apresentava incorrecções, inexactidões, erros e omissões, que a seguir se descrevem:
(...)
• Da confrontação entre os saldos contabilísticos e as existências em entreposto de bebidas espirituosas e produtos intermédios a granel, apuraram-se diferenças para menos, de acordo com o mapa de apuramento em anexo. Aqui verifica-se que foram ultrapassadas as franquias por perdas na produção nos termos dos art.°s 37.° e 38.° do CIEC, tornando exigível IABA no valor de 3.377,61 € (...). A taxa de IABA em vigor será a do ano 2007 (...).
• Apuraram-se diferenças para menos entre o saldo contabilístico e as existências de produtos engarrafados. As diferenças para menos de produtos engarrafados, constituem quebras que não beneficiam de franquia, sendo portanto exigível o (...) IABA no montante de 4.620,49 € (...).
• Constataram-se saídas do entreposto fiscal em apreço, sem que tivesse sido processadas os respectivos documentos de saída (DIC) (...). Neste sentido apurou -se uma dívida (...) no montante de 5.360,39 Euros (...).
• Neste sentido, verificou-se que a empresa não manteve actualizada uma contabilidade de existências, organizada em sistema de inventário permanente com saldo à vista (...).
Estampilhas Especiais
• (...)
• Após elaboração do mapa de apuramento de estampilhas especiais constante em anexo, foram constatadas perdas (extravios) de estampilhas especiais, aquando do inventário realizado a 18 de Setembro de 2007, calculadas entre o saldo contabilístico devidamente rectificado das situações incorrectas, já enunciadas, e as existências de estampilhas especiais inventariadas em entreposto fiscal. Relativamente aos extravios, sem justificação, de estampilhas especais torna-se exigível o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) pela aplicação do disposto no n.° 1 do art. 7.° e n.° 7 do art.° 67.° ambos do CIEC, que nos termos do n.°8 e n.°9 do art.° 67.°do CIEC, a taxa de IABA prevista, de acordo com o n.° 2 do art.° 57.° do CIEC, será aplicada em função do produto a que as estampilhas em falta se destinavam e do teor alcoólico desse produto, habitualmente comercializado pelo operador. A taxa de IABA em vigor será a do ano 2007, aplicada nos termos do n.° 2 do art.° 57.° em conjugação com o n.° 4 do art.° 7.° do mesmo diploma legal, em função do produto em falta e do teor alcoólico desse produto, apurando-se uma divida (...) de 584,52 Euros (…)’.
(…)

Conclusões
• Do exposto anteriormente, pode concluir-se que foram detectadas muitas irregularidades no comprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, expedição, circulação e introdução no consumo de Bebidas Espirituosas, bem como no cumprimento das obrigações de selagem previsto no CIEC e em legislação complementar, devidamente descritas no ponto seguinte.
• A contabilidade de existências é efectuado manualmente nos livros do IVV, apresentando muitas deficiências, dos quais se destaca a dificuldade em identificar os produtos declarados nas DIC, uma vez que não têm em atenção as datas de introdução no consumo e a falta de menção do destino, da proveniência e do teor alcoólico. Foram ainda detectadas saídas sem o processamento das respectivas DIC, algumas das quais não detectadas na amostra realizada no período analisado na Acção Inspectiva n.° 06-0103.
• A empresa apresenta grandes dificuldades em cumprir os prazos legalmente fixados na entrega das declarações (DIC e DAA). No processamento dos DAA referentes às exportações verificou-se vários erros no preenchimento do código da Alfândega de Destino, onde é mencionado com frequência o código 455 da Alfândega de Peniche.
• Foi apurada uma dívida (...) de 13.944,00 Euros, a que acresce IVA à taxa normal e juros compensatórios.
(…)”.
- cfr. relatório final;

E. Em 02.01.2008, o relatório final de inspecção referido na alínea antecedente foi objecto de despacho de concordância do Director da Alfândega de Peniche, tendo a Impugnante sido notificada para exercer o seu direito de audição através do ofício n.° ….4, da mesma data (cfr. fls. 16 a 56 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);

F. Em 15.01.2008, a Impugnante exerceu o seu direito de audição, alegando, em suma, que o imposto devido foi efectivamente pago e, quanto às DIC em alegada dissonância com a apresentação de mapas de saídas de produtos, o procedimento que fazia era uma conta corrente de produtos vendidos com sujeição a IEC e, porque existiam devoluções, os mesmos eram abatidos na DIC do dia ou semana seguinte a serem recebidos, indo para uma zona específica do armazém, não sendo válida a conclusão do relatório de inspecção. Argumentou ainda que os mapas da anterior inspecção não podem ser utilizados para o cálculo da contabilidade de existências uma vez que os métodos de inspecção utilizados foram distintos. Juntou 20 documentos (cfr. fls. 77 a 176 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);

G. Em 13.11.2009, foi elaborada Informação na Alfândega de Peniche na qual se afirma, na parte relevante o seguinte:
“(...) 13 - Relativamente aos 16 DAA’s que se encontravam por apurar à data da elaboração do Relatório da acção de fiscalização - 08/11/2007 - verifica-se que entretanto foram, apurados nas seguintes datas: DAA n.°s 2005/ 5022 em 13/03/2008, 18094 em 13/03/2008, 45849 em 13/03/2008, 45920 em 13/03/2008, 87258 em 27/03/2008, 109324 em 13/03/2008, 164783 em 28/02/2008,1 64791 em 28/02/2008, 177591 em 27/03/2008, 180193 em 13/03/2008 e 206850 em 13/03/2008, n.°s 2006/ 23031 em 13/03/2008 e o 23040 em 13/03/2008 e n.°s 2007/12873 em 07/03/2008, o 0135380 em 08/04/2008 e o 0158401 foi apurado em 11/11/2008.
14 - Quanto às saídas de entreposto sem que fossem processadas as respectivas Declarações de Introdução no Consumo (...), a empresa (...) protestou juntar as facturas (...).
Contudo, para além de não terem sido juntas quaisquer facturas, o que é certo, é que os DAA juntos, não vêem alterar os resultados a que se chegou no relatório, estes provam a existência de vendas em suspensão de imposto, mas não justificam as divergências apresentadas entre as quantidades de produtos que foram introduzidos no consumo e os declarados através das DIC, divergências essas que constam do mapa de apuramento elaborado pela Autoridade Aduaneira, até porque não há identidade entre os declarados em DIC e os produtos expressos nos DAA apresentados.
(...)
Acerca da divergência entre as quantidades declaradas em DIC e as efectivamente introduzidas ao consumo, a própria empresa reconhece que “se fazia uma conta corrente de produtos vendidos com sujeições a IEC (...).
Ora os produtos devolvidos com iec já pago, não podem ser “DESCONTADOS” nas DIC seguintes, como o operador alega ter procedido, uma vez que deturpa a correspondência necessária das quantidades que efectivamente são introduzidas no consumo naquele dia, com as quantidades expressas nas DIC, correspondência esta obrigatória por lei. Por outro lado a lei é expressa ao estabelecer que os produtos após introduzidos no consumo só podem reentrar em entreposto mediante autorização da autoridade aduaneira, (n.°3 do art.°26.°do CIEC) o que não se verificou.
Contudo, as referidas devoluções (...) foram tidas em conta pela Administração (...).
15 - Quanto à Contabilidade de existências, preceitua o art.° 37.° do CIEC, que “beneficiam de franquia de imposto as perdas ocorridas em regime de suspensão, durante a produção, armazenagem e circulação, bem como por caso fortuito ou de força maior..”
Contudo ao prever este regime de franquia para as perdas, o CIEC apenas as admite quanto ao produto a granel, não beneficiando as perdas que ocorram no produto engarrafado, como resulta do art. 39.° do CIEC (...). Contudo o legislador, apenas previu as franquias por perdas para o produto a granel, “dado que só estes produtos estão sujeitos a evaporação” - “Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo” Anotado - A.Brigas Afonso.
Pelo que, relativamente ao produto engarrafado, verificadas as diferenças para menos entre o saldo contabilístico e as existências de produtos engarrafados (...), foi calculado o (,..)(IABA) tendo em conta a capacidade das garrafas, o volume de álcool e a taxa prevista para aqueles produtos constante no art.° 55.° e 57.°do CIEC, no montante de 4.620,49€.
Relativamente ao produto a granel (...) as perdas que ultrapassem as franquias concedidas estão sujeitas a imposto (...).
Alega ainda a empresa que “não tem sentido trazer para esta acção de inspecção os resultados das inspecção do ano anterior para a partir daí continuar o cálculo da contabilidade de existências”. Contudo a al. b) n.° 2 art.°24.° do CIEC, dispõe que o depositário autorizado tem o dever de “manter uma contabilidade de existências em sistema de inventário permanente”, pelo que verificadas diferenças através da Acção Inspectiva n.°06-0103, as contas correntes dos produtos deveriam ter sido rectificadas para ficarem actualizadas, pelo depositário o que não aconteceu.
Por exemplo no vinho abafado a granel, foram detectadas pela Acção Inspectiva n.°06-0103 um excesso de 183 litros, mas na conta corrente do produto não foi contabilizado esse excesso detectado, assim como na conta corrente do vinho abafado engarrafado não foram contabilizadas as 121 garrafas de litro detectadas em excesso e as 54 garrafas de 0,75 litros detectadas em falta na Acção inspectiva 06-0103. Pelo que na presente acção inspectiva não foi possível partir dos saldos das referidas contas correntes (...) sem antes proceder às respectivas rectificações apuradas na acção anterior.

Assim também relativamente à conta corrente da Aguardente Bagaceira Caipirinha- Granel não foram contabilizados 6.848 litros detectados em excesso em 20/11/2006 (Acção Inspectiva n.° 06-0103);

O mesmo se verificando com a Conta corrente da Aguardente Bagaceira Caipirinha- Engarrafada, uam fez que não foram contabilizadas (...) as 1314 garrafas de litro detectadas em excesso e as 97 garrafas de 0,70 litros detectadas em falta (Acção Inspectiva n.° 06-0103);

16 - Relativamente às perdas de estampilhas especiais, estas estão calculadas entre o saldo contabilístico e as existências de estampilhas inventariadas em entreposto fiscal, o que torna exigível o (...) (IABA) atento o disposto no n.°1 do art.° 7 e n.° 7 do art. 67.°do CIEC. (...).
17 - Atento o atrás exposto, mantêm-se os valores em dívida (...)”.
- cfr. informação a fls. 216 a 234 do PAT apenso que se dá por reproduzida;

H. Através do ofício n.° ….01, de 13.11.2009, a Alfândega de Peniche notificou a Impugnante para pagar o valor total de 14.329,03 €, referente a IABA e juros compensatórios (cfr. fls. 238 a 258 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);

I. Notificada da liquidação referida na alínea antecedente, em 10.03.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa, na qual alegou ainda a caducidade do direito de liquidação relativamente a dívidas por DIC mal preenchidas que se reportam a momento anterior a Novembro de 2005 (cfr. fls. 284 a 291 do PAT apenso, que se dá por reproduzida);

J. Em 25.03.2010, foi elaborada Informação na Alfândega de Peniche no âmbito da qual conclui, nomeadamente que:

“(...) 11.2 - Ora, a Administração obteve o real conhecimento do resultado da acção em 10 de Outubro de 2007 e não antes, assim sendo é esta a data em que tem o preciso conhecimento das várias irregularidades detectadas no cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, circulação e introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC (...).
11.3 - Sendo esta a data (10/10/2007), sobre a qual recai conhecimento dos factos por parte da Administração (...).
11.4 - Pelo que não existe caducidade do direito à liquidação, nos termos do n.° 1 do art. 45.°da Lei Geral Tributária (...).
(...)
15 - Sou de parecer, que deverá ser mantido o acto recorrido (...). ”
(cfr. fls. 294 a 310 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);

K. Em 28.03.2010, o Director da Alfândega concordou com o teor da informação referida na alínea antecedente, tendo a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.° ….7 de 30.06.2010 (cfr. fls. 294 do PAT apenso e fls. 314 a 326 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);

L. Relativamente às irregularidades detectadas com os DAA, à data, a Impugnante não fazia a comunicação do 3.° exemplar por desconhecimento, mas os exemplares estavam arquivados e não houve nenhum caso em que a mercadoria não tivesse chegado ao destino (cfr. depoimento da testemunha I......);

M. Os DAA encontravam-se mal preenchidos por não indicarem o modelo de estampilha, nem as quantidades e por não ser feita a actualização na conta-corrente da Alfândega, mas conseguia-se perceber essa informação pelas quantidades de garrafas neles indicadas, uma vez que todos os enchimentos eram feitos com as estampilhas apropriadas e não saía nenhum carro sem factura (cfr. depoimento da testemunha I......);

N. Quanto à contabilidade das existências, em 2007, havia um atraso de 2 ou 3 dias no lançamento em conta-corrente e houve uma situação em que não teve conhecimento do engarrafamento, não tendo dado "baixa” no mapa dos engarrafamentos (cfr. depoimento da testemunha I......);

O. No transporte, por vezes, partiam-se garrafas que não eram comunicadas à Alfândega, quer para efeitos de estampilhas, quer para efeitos de engarrafados (cfr. depoimento da testemunha I......);

P. No granel, o desperdício que não era contabilizado, por desconhecimento (cfr. depoimento da testemunha I......);

Q. Em relação às estampilhas especiais, houve um caso de troca das estampilhas enviadas pelo IVV (cfr. depoimento da testemunha I......);

R. Em 2006 e 2007, houve um grande movimento de aguardentes e, nessa data, faziam os DIC com base nas facturas (cfr. depoimento da testemunha I......);

S. Nessa altura, não havia uma conta-corrente para as estampilhas e, se uma se estragava, não era registado (cfr. depoimento da testemunha I......);

T. Em relação aos DIC, só os emitiam depois de saberem que não havia devoluções, o que gerava desfasamentos entre as datas das facturas e dos DIC (cfr. depoimento da testemunha S......);

U. A inspecção de 2006 não incidiu sobre as estampilhas especiais (depoimento da testemunha P......).


*

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos relevantes para a decisão da causa.


*

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT, e do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
As testemunhas arroladas pela Impugnante, I...... e S......, demonstraram ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foram inquiridas, responderam com clareza e objectividade, tendo o seu depoimento merecido credibilidade.
A testemunha da Alfândega de Peniche, P......, confirmou, no essencial, as informações constantes no relatório final de inspecção.”

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Ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte facto, por se considerar relevante e, por resultar provado, nos termos que se seguem:

V. O apuramento do imposto considerado em divida, no montante de € 5.360,39, referente às saídas do entreposto fiscal, sem processamento das os respetivos documentos de saída (DIC) a que se refere o ponto D., do probatório reporta-se a dividas dos anos de 2003 a 2007, no montantes que a seguir se discriminam,
1- Total em dívida IABA 2003 (EUR)
71,85
2 -Total em dívida IABA 2004 (EUR)
178,94
3 - Total em dívida IABA 2005 (EUR)
3.923,96
4 -Total em dívida IABA 2006 (EUR)
1.141,71
5 -Total em dívida IABA 2007 (EUR)
45,93
6 - Total em dívida IABA 1+2+3+4+5 (EUR)
5.360,39
- cfr. consta de fls. 10 a 13 do PA junto aos autos


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Ainda nos termos da mesma norma legal, complementa-se a redação dada aos pontos B. e H. do probatório, com a identificação da ação de natureza fiscalizadora (varejo) em conflito nos autos e bem assim do processo de cobrança a que esta deu origem.
Assim os pontos B. e H. do probatório passam a ter a seguinte redação:
B. Com início em 18.09.2007 e termo em 10.10.2007, a Alfândega de Peniche realizou uma “Acção de Natureza Fiscalizadora (Varejo)” com o n.º ….6/2007 às instalações da Impugnante, que teve como objetivo a verificação do cumprimento do regime fiscal relativo à produção, receção, detenção, expedição e introdução no consumo de bebidas espirituosas e produtos intermédios, tendo a Acão incidido sobre o período de 20.11.2006 a 18.09.2007, cuja categoria de produtos em análise se reportou a “5001 – Produtos intermédios e 6002 – Bebidas Espirituosas (cfr. relatório final a fls. 2 do PAT apendo e informação supra referida, fls. 17 do PAT apenso);
H. Através do ofício n.° ….01, de 13.11.2009, a Alfândega de Peniche remeteu à impugnante a «Notificação de Dívida / Processo de Conferência Final n.º 198/2007 / Cobrança “a posteriori” de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) “ S...... - V...., SA” – NIPC 500 …..» para pagar o valor total de 14.429,03 €, referente a IABA e juros compensatórios (cfr. fls. 238 a 258 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);

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De direito

Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) no processo de conferência final n.º …./2007, instaurado pela Alfândega de Peniche.

Para assim decidir o TAF de Leiria considerou que o procedimento de inspetivo violou o disposto nos artigos 15.° e 46.°, n.° 3, c) do RCPIT com a consequente nulidade do procedimento de inspeção e determinou a anulação da liquidação impugnada, no que alicerçou a seguinte fundamentação:
“(…)
A Administração, no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, encontrando-se submetida ao princípio da legalidade.
O procedimento de inspecção visa, em regra, confirmar o cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção de infracções, estando subordinado aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação (cfr. art. 5.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).
A extensão do procedimento deve ser a indicada na ordem de serviço (cfr. arts. 14.°, n° 3 e 46.°, n° 3, b) do RCPIT), que é objecto de comunicação ao contribuinte na respectiva carta- aviso (cfr. art. 49.° do diploma).
Decorre do n.° 1 do art. 36.° do referido diploma que o procedimento de inspecção deverá iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação ou do procedimento de inspecção, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.
No que se refere à alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento, prevê o n.° 1 do art. 15.° do (RCPIT) que:
“Os fins e extensão do procedimento tributário podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado”.
No caso objecto de análise, não se encontra junta aos autos a carta-aviso, nem a ordem de serviço que ordenou a realização da acção inspectiva, no entanto, decorre do relatório final da inspecção, e não é controvertido, que o período em análise no presente procedimento inspectivo foi de 20.11.2006 a 18.09.2007 (cfr. alínea B. dos factos provados) e que não houve qualquer despacho fundamentado a alterar o seu âmbito ou extensão.
Incidindo a inspecção sobre o mencionado período temporal, podia a Alfândega de Peniche consultar os documentos em poder da Impugnante relativos a outros exercícios, nos termos do referido n.° 1 do art. 36.° do RCPIT, mas já não podia incidir as correcções sobre um período temporal não abrangido na acção inspectiva, sem antes obter um despacho fundamentado da entidade competente a alargar o período temporal da inspecção.
Diga-se a este respeito que não procede a argumentação da Alfândega de Peniche de que foram analisados documentos anteriores pelo facto de a Impugnante não ter actualizado a contabilidade das existências em resultado dos elementos apurados na acção inspectiva anterior.
Com efeito, nesta sede, os inspectores podiam/deviam ter partido dos saldos apurados na acção inspectiva anterior, para efeitos, designadamente da contabilização das existências, sem, no entanto, apurarem imposto relativamente a DAA e DIC relativos a períodos temporais para os quais não estavam devidamente credenciados.- fim de citação
Inconformada com o entendimento sufragado na sentença, no que respeita ao procedimento de fiscalização ou inspeção realizado, a Fazenda Publica (FP) vem dizer que “[N]no âmbito das competências da Alfândega, foi realizado um varejo ao entreposto fiscal de produção da Recorrida, e não uma accão de inspeccão”, e acrescenta que “[O]o Varejo, constitui um controlo típico das áreas aduaneira e fiscal de primeiro nível, ao qual não se aplica o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 412/98 de 31 de Dezembro, não se estando vinculado ao preenchimento dos procedimentos nele estipulados.” – concl 1. e 2.

Porém, adianta-se desde já, que sem razão, senão vejamos:

Importa antes de mais ter presente que a correção aos rendimentos tributários da impugnante, aqui recorrida, ocorreu no âmbito da ação de natureza fiscalizadora (varejo) n.º …../2007, entre 18/09/2007 e 10/10/2007, que está na origem da cobrança “a posteriori” de IABA e correspetivos juros compensatórios, no montante global de € 14.429,03, com incidência sobre o período temporal decorrente entre 20/11/2006 a 18/09/2007 (ponto B. do probatório).

Recordemos que o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias e aduaneiras, tendo obtido com a redação que lhe foi dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 75-A/2014, de 30/09, a denominação de “Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira”, com a qual passou a regular diretamente o procedimento de inspeção aduaneira.

Não obstante, a sua aplicação aos procedimentos alfandegários seja de natureza supletiva desde a entrada em vigor do RCPIT(1), por força do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12(2), estipulando-se ali a aplicação deste regime à DGAIEC “… no que não for incompatível com a natureza dos procedimentos de inspeção de que está legalmente incumbida.

Concluímos assim, do que se deixa dito, pela aplicação do RCPIT em inspeção e fiscalização aduaneira desde a sua entrada em vigor a tudo no que não for incompatível com a própria natureza do procedimento a cargo da DGAIEC.

A situação em análise apresenta-se como “Acção de Natureza Fiscalizadora (Varejo)”(3) e visou a verificação do cumprimento das obrigações tributárias, inclusive declarativas, procedendo à análise formal e de coerência das declarações da impugnante (DAAs; DICs) e a sua conformidade como os registos contabilísticos e estampilhas fiscais (contabilidade de existências; conta corrente de estampilhas especiais) culminando com a correção das diferenças encontradas e a correspetiva liquidação de imposto considerado em falta (cobrança “a posteriori” de IABA no valor total de €14.429,03) –ponto H. do probatório por nós alterado.

Neste contexto e recuperando as conclusões recursivas, impõem-se concluir que, não descortinamos em que é que a ação de natureza fiscalizadora descrita nos pontos B. e D. do probatório poderá divergir de outros de procedimentos de inspeção a cargo da DGAIEC e em que medida é que possa ser incompatível com a natureza própria desses procedimentos.

Com efeito a fundamentação acolhida pela recorrente com propósito de excluir a ação realizada do âmbito de aplicação do RCPIT, parece assentar unicamente no facto de a impugnante “S.... – V......, Lda.,” enquanto “Depositário Autorizado”, junto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, estar sujeita às regras impostas pelo Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto - Lei n.° 566/99, de 22/12, nomeadamente à alínea d) do n.º 2 do seu artigo 24.º.

Porém da norma citada, na redação coeva não se retira a conclusão pretendida pela recorrente, já que o artigo 24.º do CIEC apenas se reporta ao Estatuto de Depositário Autorizado, e no n.º 2 limita-se a enumerar as obrigações que ao mesmo são impostas(4), referindo, nomeadamente, a alínea d) que o depositário autorizado deverá “[P]prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira.”.

Como é bom de ver, daqui não se retira a autonomização do “Varejo” como procedimento especial de fiscalização aduaneira, pois nada se diz quanto à formalidade a que o mesmo deve obedecer nem às circunstâncias em que opera, nem tão pouco quanto aos fins que, como o mesmo, se visa obter.

Por outro lado, como nos diz Joaquim Freitas da Rocha (5) , “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados é contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar”.

Na situação em apreço, independentemente da denominação que lhe foi dada, o procedimento que subjaz as correções em contradita nos autos, consideramos que o procedimento efetuado tem natureza inspetiva e/ou fiscalizadora e, por conseguinte, na ausência de formalismo específico deve ser complementado pelas normas de natureza supletiva do RCPIT, como garantia de maior efetividade e justiça ao processo.

É, de resto, o que bem refere o digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, que, na íntegra, acompanhamos e que é o seguinte: “O VAREJO não pode ser um procedimento sem formalismo legal obrigatório, tal procedimento só se justifica com fundamentação excecional. Não tendo previsão legal própria e sendo inspetivo terá de subordinar-se às regras do RCPIT, o PRINCÍPIO da LEGALIDADE só pode ser derrogado com ato jurídico no uso dos poderes constitucionais.”

Com efeito, tendo o RCPIT, como sabemos que tem, o objetivo especifico e primordial de regular o procedimento de inspeção tributária ele constitui, nesta matéria, o regime regra, e, porque assim é, deve ser aplicado sempre que não seja afastado por qualquer outro regime especial que se lhe sobreponha.


Improcedem assim, sem mais, as conclusões que vimos de apreciar.

Argumenta ainda a recorrente que “[A]a análise realizada no âmbito do varejo teve por partida os saldos apurados na ação inspectiva n.° 06 - 0103 da Divisão Operacional Sul, …” e que “… foi necessário proceder à elaboração das contas correntes desde o seu início (01/10/2004). Só após a efectiva reconstituição e rectificação de saldos, foi possível a sua contabilização e comparação com os saldos à data do varejo (18/09/2007).” e bem assim que o procedimento foi realizado no perfeito enquadramento do Regime dos IECs. - concl. 3. a 7.

O que, na realidade, não se mostra contrário ao referido na sentença recorrida, nem, em si, se mostra contra legem, de facto, o que foi censurado no texto decisório foi, outrossim, a falta de um ato resolutivo, ou seja de um despacho, proferido pela entidade competente a fundamentar e a possibilitar a correção das declarações (DAAs e DICs) e o apuramento de imposto, referente a períodos temporais diferentes daqueles a que a ação de fiscalização foi dirigida.

Com efeito, repete-se, a ação foi dirigida a período decorrente entre 20/11/2006 e 18/09/2007 e as correções reportaram-se a declarações emitidas nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 conforme ponto V., do probatório por nós aditado.

Recordamos que o n.º 2 do artigo 15.º do RCPIT admite que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção possam ser alterados durante o procedimento, porém, mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo, o mesmo, ser notificado à entidade inspecionada.

Constituindo esta, uma formalidade prevista na lei como formalidade essencial e estruturante do procedimento inspetivo, não tendo sido observada torna-se invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta.

Ora, os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, como aqui ocorre, pelo que a omissão do ato procedimental invalida, por anulabilidade que ora se confirma, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do ato de liquidação oficiosa [subsequente], que nele obteve os seus fundamentos legais, conforme decorre do disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), em vigor à data dos factos e aqui aplicável por força do disposto no artigo 4.º do RCPIT (6).

Termos em que, acompanhando o que se disse na sentença em conflito, consideramos “… que o procedimento de inspectivo violou o disposto nos arts. 15.° e 46.°, n.° 3, c) do RCPIT, sendo, por isso, procedente o vício de forma que lhe é assacado pela Impugnante.”. e consequentemente, esta não enferma do erro de julgamento que lhe era apontado, impondo-se, antes, a sua confirmação, ao que se promoverá na parte do dispositivo do presente acórdão.

4 – DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente

Lisboa, 30 de junho de 2022.


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Ana Cristina carvalho – 1.ª Adjunta

Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta


___________________________________
(1) A entrada em vigor de RCPIT foi em 01/01/1999 ex vi do artigo 4.º do Decreto Lei n.º 413/98 de 31/12
(2) Lei que aprovou o RCPIT
(3) Ponto B. do probatório
(4) Designadamente:
“2. O depositário autorizado deverá cumprir as seguintes obrigações:
a) Prestar uma garantia em matéria de armazenagem e de circulação, cujas condições serão fixadas pela autoridade aduaneira;
b) Manter actualizada uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e elementos relevantes para o cálculo do imposto;
c) Apresentar os produtos sempre que tal lhe for solicitado;
d) Prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira;
e) Submeter os depósitos e os instrumentos de medição ao controlo metrológico da entidade competente e possuir certificado de calibração dentro do prazo de validade;
f) Conservar pelo prazo de três anos, em relação a cada operação de recepção ou de expedição, os documentos seguintes:
i)Documento de acompanhamento, declarações de introdução no consumo ou declarações aduaneiras de entrada ou saída;
ii)Nota de encomenda, factura comercial, guia de remessa ou documento equivalente;
iii)Prova identificativa do meio de transporte;
g) Comunicar à autoridade aduaneira a alteração dos gerentes ou administradores, bem como qualquer outra alteração dos pressupostos subjacentes à concessão do estatuto;
h) Cumprir os demais procedimentos prescritos pela autoridade aduaneira.

Na redação que lhe foi dada pelo artº 69º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

(5) In RCPIT, Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 1ª Edição, pág. 83.
(6) Vide neste sentido o acórdão do STA proferido em 19/09/2018 np processo n.º 01460/17, que aqui seguimos, pela sua similitude ao caso em apreciação