Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:197/19.6BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:03/20/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS
REGIME TRANSITÓRIO
ESCRITURA PÚBLICA
PROVA PLENA
Sumário:I - Um documento autêntico faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador, ou seja, dos factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções, mas não fia a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram.
II– A não sujeição da alienação de imóveis a tributação de mais valias depende de o momento da sua aquisição (pelo alienante) preceder ou não a entrada em vigor do Código do IRS.

III- Se o direito de propriedade sobre uma quota-parte do prédio vendido adveio à esfera jurídica do sujeito passivo através de aquisição de uma quota-parte de um prédio que integrava aquele, a qual ocorreu após a entrada em vigor do Código de IRS, a alienação do imóvel está sujeita, quanto a essa quota-parte, a tributação de mais valias.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

F........, doravante Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em 15/10/2024, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2014, com o n.º 20........ no valor total de EUR 69.711,02.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A. A aquisição do imóvel, em questão, inscrito sob os Artigos ........D, rústico, e 3....... urbano, aconteceu em data anterior à entrada em vigor do regime introduzido pelo Código do Imposto das Pessoas Singulares que apenas passou a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 1989, nos termos do disposto no Art° 2 do Dec-Lei n°442-A/88 de 30 de Novembro, devendo ter-se em conta o disposto no Art° 5o do mesmo Diploma por estarmos perante uma operação que não deve ser tributada em sede de Imposto de Mais Valias, já que as Heranças abertas por óbito de J....... e V....... ocorreram em data anterior à entrada em vigor do referido diploma de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.

B. A aquisição "mortis causa", acontecida antes da entrada em vigor do Art° 5o do Dec. Lei N° 442-A/88 de 30 de Novembro e a subsequente venda, após divisão de coisa comum, está isenta do pagamento do Imposto de Mais Valias, tal como foi expressamente lavrado no Art° 38 a folhas 85 da "Escritura Pública de Hipoteca, Partilha, Divisão de Coisa Comum com Constituição de Servidões e Compra e Venda com Hipoteca", cuja cópia foi junta à p.i. (Doc. N°6).

C. O Recorrente adquiriu o imóvel "H......." através de transmissão "mortis causa” no âmbito das sucessões abertas por óbito de J....... e de V......., falecidos, o primeiro, em 26.06.1970 e, a segunda, em 13.02.1983, em tudo nos termos e pela forma que ficou lavrado a folhas 85 Artigo 38° da mencionada escritura pública de partilhas que foi junta à p.i. como Doc. N°6.

D. Por o direito tributário não dispor de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no Art° 11 da Lei Geral Tributária, temos de nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil - Art° 2119, que estabeleceu que: "Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos sem prejuízo do disposto quanto a frutos" e Art° 2031° - "A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicilio dele".

E. O sucessor mortis causa é um verdadeiro adquirente, surgindo como novo titular dos bens deixados pelo "de cujus", os quais ingressam assim na sua esfera jurídica com todos os efeitos que daí possam decorrer, sendo a data desta aquisição (abertura da sucessão) que releva para aferir da aplicabilidade do regime transitório previsto no artigo 5o do Dec-Lei n°442-A/88, de 30 de Novembro, cujas datas aconteceram em 26.06.1970 e 17.02-1983, em ambos casos em momento anterior ao inicio da vigência do Decreto Lei N° 442- A/88 de 30 de Novembro.

F. As mais valias realizadas na alienação de prédios urbanos ou rústicos só estão sujeitas a tributação quando resultem de transmissão de bens que tenham sido adquiridos pelo transmitente depois da entrada em vigor do CIRS, ou seja, após 1 de janeiro de 1989, não sendo manifestamente o caso "sub judice" pois, o imóvel misto alienado foi adjudicado nas datas em que faleceram J....... e de V....... ocorridas, respetivamente, em 26.06.1970 e 13.02.1983.

G. O Recorrente, por força do disposto nos Artigos 2031 e 2032, ambos, do C.Civil, é forçoso concluir-se que adquiriu o imóvel "H......." por transmissões "mortis causa" ocorridas exatamente em 26.06.1970 e 13.02.1983, não estando sujeito na sua alienação onerosa à tributação de mais-valias, em sede de IRS do ano de 2014 por força do disposto nos Art° 2o e 5o, n°l do Dec-Lei n°442-A/88 de 30.11.

H. A decisão recorrida, tal como aquela outra proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelos motivos e fundamentos invocados pelo Meritíssimo Juiz recorrido, desenvolvidos no Relatório do Procedimento de Inspecção (Doc. N° 5 junto à p.i.), que manteve e determinou a correcção dos rendimentos declarados pelo recorrente, referentes ao ano de 2014, foi elaborada - sentença recorrida - com violação da legislação civil e tributária atrás invocada, incorrendo em vicio de erro sobre os pressuposto de facto, dando lugar a "errónea qualificação e quantificação dos rendimentos" do recorrente (Art° 99 alínea a) do C.P.P. Tributário) sofrendo de vício de violação de lei na sua formação (erro de julgamento).

I. O Recorrente não está obrigado nem tem de indicar no Anexo G1 a alienação do imóvel inscrito sob o Art° 1....... da matriz urbana da freguesia de São João Baptista do concelho de Campo Maior por não ser titular nem sequer proprietário de tal imóvel situado em Campo Maior.

J. O recorrente não alienou o imóvel inscrito sob o Artigo 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do Concelho de Campo Maior, pelo que, também por este motivo, pelo motivo obvio de que não é nem foi proprietário de tal imóvel.

K. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, tendo sido o recorrente incorrectamente tributado pelo Serviço de Finanças de Campo Maior, com a notificação da Nota de Liquidação junta como Doc. N° 1 à p.i. tendo a sentença recorrida e, necessariamente , a decisão impugnada, nesta parte, sido também elaborado com vicio de erro sobre os pressupostos de facto e com errónea qualificação e quantificação dos valores por que se lhe tributou por mais-valias, no ano de 2014, também quanto ao identificado imóvel urbano sito em Campo Maior.

L. A Sentença recorrida, - subsidiariamente - se o seu sentido decisório fora o da confirmação da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira/Repartição de Finanças de Campo Maior, sempre o Meritíssimo juiz recorrido deveria ter permitido e convocado, em audiência de julgamento, a produção de prova, peio recorrente, no que respeita à prova da data da aquisição dos direitos que lhe permitiram adquirir a "H...... e C......." por sucessão por morte de J....... e V........., bem assim de que nunca foi proprietário de um Imóvel urbano inscrito sob o Art° 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do Concelho de Campo.

Termos em que:

Deve o presente recurso ser julgada procedente por provado, nos termos que se invoca nas conclusões anteriores, revogando-se a decisão recorrida proferida pelo Tribunal Administrativa e Fiscal de Castelo Branco e anulando-se a Nota de Liquidação (Doc. N°1 junto à p.i.) Demonstração de Acerto de Contas (Doc. N°2 junto à p.i.) e Liquidação de Juros (Doc. N°3 junto à p.i.), notificadas ao recorrente, por cometimento na sua elaboração de vício de fundamentação da Lei, vicio de erro sobre os pressupostos de facto e erro de julgamento na interpretação da factualidade - pressupostos de facto - em apreciação, não se tendo aplicado corretamente as normas legais reguladoras da matéria em discussão, com todas as consequências legais, assim se fazendo

JUSTIÇA!

Regularmente notificada do presente recurso, a Recorrida não apresentou contra-alegações.


***

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos artigos 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis por força do disposto no artigo 281.º do CPPT.

Como tal, recai sobre o recorrente o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida – cfr. acórdão do STJ de 30/11/2023, processo 2861/22.3T8BRR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

· Apurar se existe insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, em virtude de a sentença não conter os factos pertinentes à decisão da causa e os autos não fornecerem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, por ter sido dispensada a inquirição das testemunhas arroladas pelo Impugnante;

· Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto:

i) ao ter concluído que 5/32, dos 15/32 da propriedade alienada pelo Recorrente (prédio misto denominado “H.........”, sito na freguesia de São João Baptista, concelho de Campo Maior) foram adquiridos por este após a entrada em vigor do código do IRS;

ii) ao ter concluído que o montante da mais valia apurada em relação ao prédio urbano sito na freguesia de Caia, S. Pedro e Alcáçova, concelho de Elvas, inscrito na matriz sob o artigo 1......., está em conformidade com o que resulta da respectiva escritura de compra e venda.

III– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«1. Em 31.12.1992, M........., na qualidade de primeiro outorgante, F........ e mulher M.J........., na qualidade de segundo outorgante, T......... e L........., respetivamente, director e procurador, ambos em representação da “C......... de Campo Maior, C......... Limitada, na qualidade de terceiro outorgante, e I........., na qualidade de quarto outorgante, outorgaram a escritura pública de “Compra e venda e mútuo com hipoteca” – cfr. escritura pública de fls. 92 a 100 do inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

2. Pela escritura identificada no ponto anterior do probatório, entre o mais, o primeiro outorgante vendeu à segunda outorgante, e esta aceitou, um oitavo do prédio misto sito ou denominado H..... G......... e H……. C….., freguesia de São João Batista, concelho de Campo Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Campo Maior sob o n.º 0….., inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo ….. da secção D e na matriz urbana sob o artigo 7….. – cfr. escritura pública de fls. 92 a 100 do inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

3. Em 31.03.2014, entre F........, na qualidade de primeiro outorgante, G........., na qualidade de segundo outorgante, A........, na qualidade de terceiro outorgantes, J.G........, na qualidade de quarto outorgante, J.M........ e C........ como administrador e empregado com delegação de poderes da “C......... de Elvas e Campo Maior, C.R.L.” na qualidade de quinto outorgante, O........ e marido J.C........, na qualidade de sexto outorgante, foi celebrada “Escritura pública de hipoteca, partilha, divisão de coima comum com constituição de servidões, e compra e venda com hipoteca”, com o teor que aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:

(…)


“(texto integral no original; imagem)”

(…)” – cfr. escritura de fls. de fls. 35 a 76 do processo administrativo inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

4. Em 23.05.2014, P......., por si e como procurador de sua mulher, M.L......., como procurador de seu irmão e cunhada, J.A....... e mulher M.P........., como procurador de seu irmão e sobrinhos, F........, G......... e J.G........, na qualidade de primeiro outorgante; M.A......... e mulher M.R........., na qualidade de segundo outorgante; A........, na qualidade de terceiro outorgante; J.B.........., na qualidade de quarto outorgante, outorgaram “Escritura pública de compra e venda”, os primeiro, segundo e terceiro outorgantes venderam ao quarto outorgante o prédio urbano, sito na Rua da ….., inscrito na matriz da freguesia de Caia, São Pedro e Alcáçova, concelho de Elvas, sob o artigo 1....... – cfr. escritura de fls. 77 a 87 do processo administrativo inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

5. Em 31.10.2018, o diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, Divisão de Pessoas Singulares, elaborou o ofício com o n.º 2676, elaborado sob o assunto “Projeto relatório da inspecção tributária – artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA)”, destinado a notificar o Impugnante para exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária anexo – cfr. ofício de fls. 3 do processo administrativo inserto de fls. 291 a 402 do processo em suporte electrónico.

6. Em 31.10.2018, o Impugnante foi pessoalmente notificado, por inspector tributário do quadro da Autoridade Tributária e Aduaneira, em serviço na Unidade dos Grandes Contribuintes, do teor do ofício que antecede, que contém cópia do projecto de relatório de inspecção, elaborado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201800194, de âmbito parcial (IRS), para o período de 2014, para os efeitos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária – cfr. certidão de fls. 4 do processo administrativo inserto de fls. 291 a 402 do processo em suporte electrónico.

7. Em 19.11.2018 o inspector tributário da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou, no âmbito da acção de inspecção realizada ao sujeito passivo F........, o “Relatório / conclusões (art.º 62.º do RCPITA)” cuja cópia aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(…)


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”

(...) – cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 34 inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

8. Em 22.11.2018 o Director Adjunto da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, substituto legal do Director Adjunto daquela Unidade, exarou, sob o relatório melhor identificado no ponto anterior do probatório e o parecer confirmativo do Coordenador de Equipa, despacho de concordância com as conclusões alcançadas – cfr. despacho exarado na primeira página do relatório de fls. 17 a 34 do processo administrativo inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

9. Em 22.11.2018 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar o Impugnante do relatório de inspecção tributária acima identificado – cfr. ofício e registo postal de fls. 14 a 16 do processo administrativo inserto a fls. 147 a 288 do processo em suporte electrónico.

10. Em 27.11.2018 foi emitida, em nome do Impugnante, a liquidação de IRS referente ao ano de 2014, no valor de EUR 43.593,48 – cfr. nota de liquidação de fls. 33 do processo em suporte electrónico (documento 1 junto com a petição inicial).

11. Feito o acerto de contas entre a liquidação identificada no ponto anterior do probatório, a liquidação dos respectivos juros compensatórios e a anterior liquidação emitida para o ano de 2014, foi apurado saldo a pagar, até 07.01.2019, no valor de EUR 37.612,88 – cfr. demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas de fls. 34 e 35 do processo em suporte informático (documentos 2 e 3 juntos com a petição inicial).»


*

Em sede de motivação da matéria de facto, consta o seguinte da decisão recorrida:

«A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante do processo administrativo e dos autos conforme discriminado supra no probatório.».

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

· Da dispensa de produção de prova testemunhal

No entendimento do Recorrente, “o Meritíssimo juiz recorrido deveria ter permitido e convocado, em audiência de julgamento, a produção de prova, pelo recorrente, no que respeita à prova da data da aquisição dos direitos que lhe permitiram adquirir a "H...... e C......." por sucessão por morte de J....... e V........., bem assim de que nunca foi proprietário de um Imóvel urbano inscrito sob o Art° 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do Concelho de Campo”.

Constitui jurisprudência consolidada que o juízo feito pelo tribunal de 1ª instância sobre a necessidade ou não de produção de prova pode ser sindicado em sede do recurso interposto da sentença: “[a]í, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 2.º, alínea e), do CPPT)” – acórdão do TCA-Sul de 07.03.2006, processo 01186/03, disponível em www.dgsi.pt.

Com efeito, no processo tributário de impugnação são admitidos os meios gerais de prova (artigo 114º nº 1 do CPPT), incluindo a prova testemunhal, cabendo, no entanto, ao juiz um papel decisivo na aceitação e rejeição de meios de prova requeridos, só devendo admitir as provas que considere necessárias e idóneas para o apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa.

No presente caso, o Recorrente defende que se impunha a produção de prova testemunhal para apurar o seguinte:

· A data da aquisição dos direitos que lhe permitiram adquirir a "H...... e C......." por sucessão por morte de J....... e V.........;

· Que nunca foi proprietário de um Imóvel urbano inscrito sob o Art° 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do Concelho de Campo.

Relativamente à aquisição por via de sucessão mortis-causa, importa chamar à colação o disposto no artigo 2050.º do Código Civil, segundo o qual o domínio e posse dos bens da herança se adquirem pela aceitação, independentemente da sua apreensão material, retroagindo os efeitos daquela ao momento da abertura da sucessão. Por sua vez, a sucessão, dispõe expressamente o artigo 2031.º do Código Civil, abre-se no momento da morte do seu autor.

Conforme resulta da sentença proferida nos autos, as datas do falecimento dos referidos J....... e V......... constam da escritura lavrada em 31.03.2014 (ponto 3 dos factos provados) e do relatório de inspecção (ponto 7 dos factos provados), correspondendo às datas indicadas na petição inicial (cfr. artigo 28º), pelo que tal matéria não carece de prova, por não se mostrar controvertida.

Relativamente à questão de “nunca ter sido proprietário do imóvel urbano inscrito sob o Art° 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do Concelho de Campo”, trata-se de uma asserção conclusiva que deve decorrer dos factos provados ou não provados, não podendo ela mesma ser objecto de prova.

Em consonância com o exposto, é de concluir que, nesta parte, o presente recurso não merece procedência.


*

· Do erro sobre o julgamento de facto, quanto ao prédio misto denominado “H.........”

Considerou, em síntese, o Tribunal a quo que o prédio alienado foi adjudicado ao Impugnante para preenchimento da sua quota no património conjugal e hereditário, quota essa que integrava não só a parte adquirida, na constância do casamento, por sucessão, antes de 01.01.1989, ou seja, antes da entrada em vigor do DL 442-A/88 de 30 de novembro, como também a parte adquirida, por contrato de compra e venda, após aquela data, daí concluindo que a AT actuou em conformidade com a lei ao apurar a mais valia sobre o valor de realização correspondente à parcela que o Impugnante adquiriu após 01.01.1989.

O Recorrente não se conforma com o decidido, reafirmando que adquiriu o imóvel “H.........” através de transmissão “mortis causa” no âmbito das sucessões abertas por óbito de J....... e de V..........., falecidos, o primeiro, em 26.06.1970 e, a segunda, em 13.02.1983, em ambos os casos em momento anterior ao início da vigência do DL 442-A/88 de 30 de novembro, tudo nos termos e pela forma que ficou lavrado a folhas 85 – artigo 38º - da escritura pública lavrada em 31.03.2014.

Sobre a cláusula em causa, o tribunal recorrido discorreu conforme segue:

«Na adjudicação, ficou exarado, na escritura (cláusula 38.º), o seguinte:

sendo que a seu expresso pedido declaram que este prédio lhe é adjudicado, desde logo, para preenchimento do direito por ele adquiridos aquando da sucessão por morte de seu sogro ocorrida em vinte e seis de junho de mil novecentos e setenta e aquando da sucessão por óbito da sua referida tia V....... falecida em treze de fevereiro de mil novecentos e oitenta e três.”

É com fundamento nesta cláusula que o Impugnante sustenta a sua posição nestes autos, de que o prédio alienado (que corresponde ao prédio misto que lhe foi adjudicado) foi adquirido em data anterior a 01.01.1989. Ora, esta cláusula tem de ser lida e devidamente interpretada de acordo com o demais clausulado na escritura que vimos a analisar. Nesse exercício (de interpretação) não se pode olvidar que aquela cláusula está integrada na parte da escritura referente à divisão de coisa comum, ou seja, à divisão do prédio misto designado “H.G........... e H.C.......” cuja propriedade estava inicialmente inscrita em comum e sem determinação de parte, na proporção de ¼ para os filhos do Impugnante, e de ¾ para o Impugnante e seus filhos, divisão essa que foi feita na sequência de partilha do património conjugal e da sucessão por óbito de M.J........., cônjuge do aqui Impugnante.

Como é consabido, no regime de propriedade dos bens comuns do casal os contitulares não têm direito a uma quota ideal sobre cada um dos bens que integra a comunhão, mas sim “o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, como é o direito à meação do património do casal, apenas concretizável pela partilha” – cfr. ponto 1 do sumário do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.04.2021, proferido no âmbito do processo n.º 17294/18.8T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. Esse património corresponde a todo o activo e passivo adquirido e contraído na pendência do matrimónio. Do mesmo modo, os co-herdeiros de um património comum não são proprietários de cada um dos bens que integra o acervo hereditário, mas sim titulares de um direito sobre a herança (composta por activo e passivo) que incide sobre uma quota, sem que se conheçam os bens que preenchem tal quota.

De facto, na sequência do óbito do sogro do Impugnante, J......., em 26.06.1970, e de V........, em 13.02.1983, o casal – Impugnante e sua esposa, casados em comunhão geral de bens – adquiriu, por sucessão, parte do prédio primitivo, na proporção, respectivamente, de 1/8 e de 1/2. Não há dúvida de que, nesta parte, o prédio foi adquirido antes de 01.01.1989. Porém, em 31.12.1992, o Impugnante e sua esposa, adquiriram, por compra e venda, a M........., 1/8 do mesmo prédio, como decorre de forma expressa da alínea f) da cláusula 3.ª da escritura (cfr. ponto 3 do probatório). No conjunto, o casal ficou então proprietário de 3/4 indivisos do referido prédio: 1/8 + 1/2 adquiridos antes de 01.01.1989 e 1/8 adquirido depois daquela data.

À partilha, operada pela escritura em apreço, foi a totalidade do património conjugal que, no que respeita ao referido prédio, integrava os 3/4 do mesmo, ou seja, não só a parte do prédio adquirido por sucessão do sogro e tia do Impugnante (1/2 + 1/8), mas também a parte adquirida na constância do casamento (1/8). O valor atribuído à totalidade do património conjugal – que incluía não só o identificado prédio misto, como também duas participações sociais – foi divido ao meio, sendo metade a meação do Impugnante (ou seja, a parte que lhe correspondia no património conjugal), e a outra metade, correspondente à meação a falecida M.J........, foi dividida em quatro partes iguais, das quais uma parte corresponde ao valor que o Impugnante tem direito na qualidade de herdeiro do seu cônjuge. E foi neste contexto, para preenchimento do direito que lhe coube por dissolução do património conjugal e sucessão por óbito de M.J........, que ao Impugnante foi atribuído 45/96 indivisos do dito prédio primitivo. Seguidamente, com o intuito de pôr fim à compropriedade, o prédio primitivo foi dividido em quatro novos prédios, e foi atribuído ao Impugnante o prédio que este veio a alienar (pela mesma escritura, como decorre do ponto 3 do probatório, cláusulas 49.ª a 51.ª) para a composição da parcela total de 45/96 que o mesmo tinha no prédio primitivo.

Em suma, não há dúvida alguma, de que o prédio alienado foi atribuído ao Impugnante para preenchimento da sua quota no património conjugal e hereditário, quota essa que integrava não só a parte adquirida, na constância do casamento, por sucessão, antes de 01.01.1989, como também a parte adquirida, por contrato de compra e venda, após aquela data. A cláusula acima citada não pode, de forma alguma, contrariar tudo o que decorre da escritura no clausulado anterior; tanto mais que a mesma surge integrada na parte da divisão de coisa comum, em momento posterior à partilha, ou seja, quando a meação e o quinhão hereditário já estavam preenchidos e atribuídos ao cônjuge sobrevivo e demais herdeiros (Impugnante e seus filhos).»

Concordamos inteiramente com a análise e com as conclusões a que chegou o tribunal de 1ª instância, acrescentando apenas, relativamente ao teor da cláusula 38º, em que se apoia a alegação do Recorrente, que um documento autêntico, como é o caso da referida escritura pública, faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador, ou seja, dos factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art. 371º, nº 1, 2ª parte, do CCiv.), mas “não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09/01/2018, processo 8470/15.6T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.)

Por conseguinte, a referida cláusula apenas atesta que os outorgantes declararam que o prédio “H.........” era adjudicado ao aqui Recorrente para preenchimento dos direitos por ele adquiridos aquando da sucessão por morte de seu sogro e da sucessão por óbito da sua referida tia V......., quando, na realidade, do probatório resulta que esse prédio integrava um prédio maior denominado “H.G........... e H.C.......” e que foi adquirido em parte (1/8) pelo aqui Recorrente, e o seu cônjuge na altura, em 31.12.1992 (ou seja, posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), o que significa que o direito de propriedade sobre o prédio vendido adveio à sua esfera jurídica não só por via da sucessão mortis-causa, mas também por via contratual e da comunhão conjugal.

E, assim, bem decidiu o tribunal de 1ª instância ao concluir pela improcedência do invocado vício de erro sobre os pressupostos de facto e, em consequência, pela manutenção da liquidação impugnada.

Termos em que não se verifica o erro de julgamento imputado à sentença recorrida, no segmento em análise.


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Insurge-se, ainda, o Recorrente contra a sentença de 1ª instância, na parte em que esta se pronunciou sobre a existência da mais-valia correspondente à alienação do prédio urbano sito na freguesia de Caia, S. Pedro e Alcáçova, concelho de Elvas, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1....... e que se passa a transcrever:

“O Impugnante limita-se a alegar que não vendeu o prédio indicado pela Autoridade Tributária porquanto não é proprietário do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de São João Baptista, concelho de Campo Maior, sob o artigo 1......., indicado por aquela, era, sim, comproprietário do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Caia e S. Pedro e Alcáçova, concelho de Elvas, sob o indicado artigo 1........ Ora, como se constata, esta alegação do Impugnante não tem qualquer suporte no texto do relatório de inspecção – e, por consequência, no montante da mais valia apurada – que, aliás, está em conformidade com o que resulta da escritura de compra e venda (cfr. ponto 4 do probatório).”

Neste âmbito, o Recorrente alega que não aceita ter “de pagar quaisquer Mais Valias relativas à venda do Imóvel inscrito sob o Artº 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do concelho de Campo Maior, por não ser titular de quaisquer direitos, nem sequer proprietário de tal imóvel situado em Campo Maior, que nunca possuiu nem vendeu”, (…) “pelo que, também por este motivo, a sentença recorrida padece de erro de julgamento”.

Vejamos.

Do ponto 4. do probatório, ressalta que, por escritura pública outorgada em 23.05.2014, o Impugnante, juntamente com os restantes comproprietários, vendeu o seguinte imóvel: “prédio urbano, sito na Rua da Caldeirona, ….., inscrito na matriz da freguesia de Caia, São Pedro e Alcáçova, concelho de Elvas, sob o artigo 1.......”.

No relatório de inspecção tributária, que fundamenta o acto de liquidação, consta o seguinte quanto à alienação em causa:


“(texto integral no original; imagem)”

Não há dúvidas, pois, de que o imóvel considerado para efeitos de tributação em sede de mais-valias é o prédio urbano sito na freguesia de Caia, São Pedro e Alcáçova, concelho de Elvas, sob o artigo 1....... e que foi alienado através da referida escritura pública outorgada em 23.05.2014.

Daí que não se compreenda a alegação do Recorrente de que nunca foi proprietário “do Imóvel inscrito sob o Artº 1....... da matriz urbana da freguesia de S. João Baptista do concelho de Campo Maior”, por não estar em causa um imóvel situado no concelho de Campo Maior, mas sim em Elvas.

Alegação essa que, como bem concluiu o tribunal recorrido, “não tem qualquer suporte no texto do relatório de inspecção – e, por consequência, no montante da mais valia apurada – que, aliás, está em conformidade com o que resulta da escritura de compra e venda”.

Em consonância com o exposto, improcedem todas as conclusões do presente recurso.

E, nos termos do nº 7 do artigo 663º do CPC, formulamos as seguintes conclusões/Sumário:

I - Um documento autêntico faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador, ou seja, dos factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções, mas não fia a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram.

II – A não sujeição da alienação de imóveis a tributação de mais valias depende de o momento da sua aquisição (pelo alienante) preceder ou não a entrada em vigor do Código do IRS.

III - Se o direito de propriedade sobre uma quota-parte do prédio vendido adveio à esfera jurídica do sujeito passivo através de aquisição de uma quota-parte de um prédio que integrava aquele, a qual ocorreu após a entrada em vigor do Código de IRS, a alienação do imóvel está sujeita, quanto a essa quota-parte, a tributação de mais valias.


V. Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA.

Condena-se o Recorrente em custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 20 de março de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Maria da Luz Cardoso, em substituição)

(Isabel Silva)