Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1514/18.1BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 05/22/2019 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | PENHORA; FUNDAMENTAÇÃO. |
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Sumário: | I. A penhora é um ato processual de natureza não jurisdicional, praticado pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal, e não um ato tributário. II. No ato de penhora não tem de estar evidenciada a insuficiência do património da devedora originária, dado que a extensão da responsabilidade subsidiária é definida no despacho de reversão |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I. RELATÓRIO
M.... (doravante Recorrente ou Reclamante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 11.03.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal por si apresentada, que teve por objeto o ato de penhora do direito e ação que lhe cabe na herança indivisa, realizado no âmbito dos processos de execução fiscal (PEF) n.ºs 1350201….. e apensos, 13502013….. e apensos, 13502…. e 13502….., nos quais é executada por reversão. Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “1. O presente recurso vem interposto de decisão que julgou totalmente improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal e, em consequência, manteve o acto de penhora em causa. 2. A ora recorrente foi notificada de que o seu direito e acção que lhe cabe na herança ilíquida e indivisa com o NIF 707 …. tinha sido objecto de penhora. 3. Em sede de fundamentação do acto tributário, a lei impõe, quer a fundamentação substancial (existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo), quer a fundamentação formal do acto administrativo. 4. A verdade é que, a notificação da penhora não deu a conhecer nenhum destes elementos, relativos à fundamentação, nem tampouco deu a conhecer ao contribuinte a decisão propriamente dita, os meios de defesa e o prazo para reagir à notificação. 5. E, uma vez que se trata de uma penhora surgida na sequência de uma reversão, deveria constar fundamentado se houve completa excussão do património da devedora originária, tal como dispõe o art. 23º da LGT, por forma a apurar-se a extensão da responsabilidade da executada, ora reclamante. 6. Competia à recorrida fundamentar a insuficiência dos bens da devedora originária, para poder efectuar a penhora do património da devedora subsidiária, dado que, não existe neste âmbito qualquer inversão do ónus da prova. 7. Verifica-se, assim, um erro nos pressupostos de facto, quer por parte da recorrida, quer por parte do Tribunal a quo, ao subscrever a decisão da AT. 8. Realça-se que, não está em causa a reclamante não ter sido informada, mas sim a violação do dever de fundamentação que incumbe à AT quanto à existência/inexistência/insuficiência de bens da devedora originária. 9. Sendo que, embora não se olvide que aqui não está em causa um processo de reversão uma vez que esta já ocorreu, competia, ainda assim, à AT fundamentar o ato de penhora mencionando a (in)existência do património da devedora originária, de modo a aquilatar a legalidade da extensão com que é feita a penhora. 10. Acresce que, a notificação da penhora além de não conter a fundamentação legal, a justificar a penhora, conforme supra referido, também não contém a decisão subjacente ao acto notificado, em virtude da recorrente não ter sido notificada de tal despacho – quando o mesmo existe, conforme advém do ponto 1 dos factos provados. 11. Não só resulta expressamente do art. 150º do CPPT que quer a instauração, quer os actos da execução são praticados mediante despacho, como advém igualmente dos próprios factos provados a sua existência. 12. O certo é que, nem foi notificado o título executivo, nem o mandado emitido para penhora (além de não o ter sido igualmente a sua fundamentação). 13. A Administração Tributária esqueceu-se de que a fundamentação dos seus actos é uma garantia específica do contribuinte, prevista no artigo 268.º, n.º 3 da CRP. 14. Porque, desconhece-se a motivação do acto tributário que, como é sabido, consiste num texto suficientemente revelador do percurso cognoscitivo empreendido para a sua prática. 15. É evidente que estão em falta os seus fundamentos, motivo por que a recorrente não foi validamente notificada, em clara e inequívoca, violação do artigo 36.º, n.º 1 do CPPT – o que gera a nulidade do ato. 16. De modo que, a douta sentença recorrida violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 74.º, n.ºs 1 e 2, 77.º, n.ºs 1 e 2, e 97º, todos da LGT, 152.º, n.º 1, e 153.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPA, 13º, 36°, n.º 1, 150º, n.º 2, e 165º, todos do CPPT, 268º da CRP, 6º, 265º e 411º, todos do CPC, 17. Assim sendo, é evidente que a douta sentença, ao não ter reconhecido os fundamentos invocados, incorreu, salvo o devido respeito, numa errada apreciação de facto e de direito do caso presente, sendo, consequentemente, nula. Sem prescindir e por mera cautela, invoca-se 18. Mesmo que se considerasse que os fundamentos aduzidos não se integravam nos admitidos em sede de reclamação, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo sempre continuaria adstrito à descoberta da verdade material, de acordo com o disposto no artigo 265.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT. 19. Face ao exposto, a douta decisão deve considerar a notificação efectuada nula, ao não tê-lo feito, incorreu em erro de julgamento”. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo. A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência. É a seguinte a questão a decidir: a) Há erro de julgamento em virtude de o ato reclamado padecer de falta de fundamentação, inclusive quanto à ocorrência de excussão prévia do património da devedora originária? II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1. Em 16-10-2018, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 13502012….e apensos, n.º 13502013…. e apensos, n.º 1305020…. e n.º 13502014…. e apensos, foi pelo Chefe do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha emitido mandado de penhora sobre bens móveis ou imóveis pertencentes à Reclamante (cfr. fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 2. Em 17-10-2018 foi elaborado Auto de Penhora pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha através do qual procedeu à penhora do direito e acção da herança ilíquida e indivisa que couber à Reclamante, por óbito do seu pai J…., traduzida em ¼ dos bens constantes da declaração modelo 1, com o seguinte teor: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 28 a 37 dos autos e fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 3. Em 24-10-2018 – foi entregue à Reclamante o ofício n.º 3922 a comunicar a penhora identificada no número antecedente, com o seguinte teor: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) 4. Em 14-11-2018 foi remetido à Reclamante o ofício n.º 4296, em substituição do ofício identificado no número antecedente, a comunicar o auto de penhora identificado no número antecedente e sua nomeação como fiel depositária dos bens penhorados, com o seguinte teor: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) 5. Em 26-11-2018 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha requerimento a solicitar os elementos omitidos na notificação do ofício identificado no número antecedente (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 6. Em 28-11-2018 foi remetido à Reclamante o ofício n.º 4537 em resposta ao requerimento identificado no número antecedente, com o seguinte teor: (“texto integral no original; imagem”) (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 7. Em data concretamente não apurada a Reclamante solicitou junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha a passagem de certidão do procedimento de reversão (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 8. Em 10-12-2018 o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha passou certidão conforme requerido pela Reclamante no número antecedente (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 9. A presente Reclamação foi remetida via fax ao Serviço de Finanças de Caldas da Rainha em 13-12-2018, tendo dado entrada neste Tribunal em 28-12-2013 (cfr. fls. 1 e 3 dos autos). 10. A Oponente deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 1350201…., que corre termos no TAF de Leiria sob o n.º 149/15.5BELRA (facto que se extrai por consulta pública do Tribunal à plataforma SITAF); 11. A Oponente deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 13502012…., que corre termos no TAF de Leiria sob o n.º 150/15.9BELRA (facto que se extrai por consulta pública do Tribunal à plataforma SITAF); 12. A Oponente deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 13502014….., que corre termos no TAF de Leiria sob o n.º 151/15.7BELRA (facto que se extrai por consulta pública do Tribunal à plataforma SITAF); 13. A Oponente deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 13502013….., que corre termos no TAF de Leiria sob o n.º 170/15.3BELRA (facto que se extrai por consulta pública do Tribunal à plataforma SITAF)”.
II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida: “Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”. II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A convicção do tribunal, quanto aos factos elencados nos números 1 a 9, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório. Quanto aos factos elencados nos números 10 a 13, o Tribunal baseou-se na consulta pública, efectuada no exercício das suas funções, da plataforma SITAF, da qual resulta a dedução, por parte da Oponente, de oposições aos processos de execução fiscal identificados nos respectivos números do probatório, os quais são do conhecimento da Reclamante e da Fazenda Pública, pelo que se mostra desnecessária a sua junção, atenta a natureza urgente dos presentes autos”. II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada: 14. As oposições referidas entre 10. e 13. foram deduzidas através de petições iniciais, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (facto que se extrai por consulta pública do Tribunal à plataforma SITAF). 15. Os autos de oposição mencionados em 10. foram apresentados pela reclamante, na sequência de despacho de reversão proferido no SF das Caldas da Rainha, do qual consta designadamente o seguinte: “ (“texto integral no original; imagem”) (“texto integral no original; imagem”) ” [facto que se extrai por consulta do Tribunal à plataforma SITAF, sendo do conhecimento de ambas as partes]. 16. Os autos de oposição mencionados em 11. foram apresentados pela reclamante, na sequência de despacho de reversão proferido no SF das Caldas da Rainha, do qual consta designadamente o seguinte: “ (“texto integral no original; imagem”) ” [facto que se extrai por consulta do Tribunal à plataforma SITAF, sendo do conhecimento de ambas as partes]. 17. Os autos de oposição mencionados em 12. foram apresentados pela reclamante, na sequência de despacho de reversão proferido no SF das Caldas da Rainha, do qual consta designadamente o seguinte: “ (“texto integral no original; imagem”) ” [facto que se extrai por consulta do Tribunal à plataforma SITAF, sendo do conhecimento de ambas as partes]. 18. Os autos de oposição mencionados em 13. foram apresentados pela reclamante, na sequência de despacho de reversão proferido no SF das Caldas da Rainha, do qual consta designadamente o seguinte: “ (“texto integral no original; imagem”) ” [facto que se extrai por consulta do Tribunal à plataforma SITAF, sendo do conhecimento de ambas as partes]. 19. Foi aditada, ao auto de penhora referido em 2., a 06.11.2018, informação com o seguinte teor: “Em tempo se rectifica o presente Auto de Penhora por forma a constar que a quantia indicada para pagamento é de um milhão, seiscentos e cinquenta mil, seiscentos e trinta e seis euros (1.650.636,00 €), bem como custas e juros a contabilizar no final” (cfr. fls. 84 a 203 dos autos em suporte digital). III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento A Recorrente, em síntese, discorda da decisão do Tribunal a quo, em virtude de, em seu entender, o ato reclamado padecer de falta de fundamentação, quer em termos globais quer concretamente no que respeita à não menção à ocorrência da excussão prévia do património da devedora originária. Vejamos. O Tribunal a quo considerou, em resumo, que: a) A penhora não consubstancia a prática de um ato administrativo, logo não se encontra sujeita ao dever de fundamentação que se exige aos atos administrativos; b) Sendo o ato da penhora um ato meramente instrumental inserido no processo de execução fiscal, encontra-se motivada no título em que se alicerça nos termos do preceituado no art.º 162.º do CPPT, pelo que a exigência de fundamentação não se mostraria justificada porque não sendo a penhora ato final, essa motivação seria repetitiva e redundante; c) Nos termos do art.º 215.º do CPPT, findo o prazo posterior à citação sem ter sido efetuado o pagamento, procede-se à penhora. Ou seja, da letra da lei não resulta qualquer evidência de que a penhora dependa de fundamentação ou de qualquer despacho fundamentado; d) A Reclamante através do auto de penhora e da notificação do mesmo apreendeu as circunstâncias em que a mesma foi efetuada, nomeadamente através da identificação dos PEF no âmbito dos quais a penhora foi efetuada, do valor da dívida e da qualidade de revertida da Reclamante nos processos em causa; e) A Reclamante limita-se a alegar que não foi informada sobre a excussão do património da sociedade devedora originária, o que, no seu entender, é motivo suficiente para que o processo de execução seja suspenso e, consequentemente, seja ilegal o ato de penhora reclamado; f) As omissões, inexatidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão, a existirem, são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução; g) A Reclamante em nenhuma das oposições que deduziu aos PEF no âmbito dos quais foi praticado o ato de penhora reclamado colocou em causa a excussão prévia do património da sociedade devedora originária, não podendo vir agora invocar tal argumento em sede de reclamação do ato de penhora. Apreciando. O PEF é um processo de natureza judicial (cfr. art.º 103.º, n.º 1, da LGT), “sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional”. Assim, desde logo, há uma clara distinção entre processo de execução fiscal e procedimento administrativo tributário, configurando realidades distintas. O PEF, como qualquer processo, define-se como uma sucessão ordenada de atos visando a obtenção de um determinado fim, no caso a cobrança coerciva de determinadas dívidas (cfr. o art.º 148.º do CPPT). Assim, atenta a circunscrição constante do mencionado art.º 103.º da LGT, caberá aos Tribunais Tributários a prática, no âmbito destes processos, dos atos de natureza jurisdicional, cabendo aos órgãos da administração tributária os demais(1). A este propósito, é de chamar à colação o disposto no art.º 10.º, n.º 1, al. f), do CPPT, nos termos do qual “… [a]os serviços da administração tributária cabe: (…) f) Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código”. O legislador optou por atribuir a “um órgão administrativo competência funcional para agir como agente ou operador auxiliar do juiz na realização da função executiva, praticando todos os actos inscritos nesse meio processual, tendo em vista a agilização do processo e a obtenção da maior eficácia na arrecadação de receitas do Estado, libertando o juiz de todos os actos que não envolvam uma função materialmente jurisdicional”(2). Neste contexto, os órgãos da administração tributária podem praticar, no âmbito da execução fiscal, atos materialmente administrativos, como resulta do n.º 2 do art.º 103.º da LGT, mas também atos de natureza processual(3). Centrando-nos os atos de natureza processual, os mesmos podem consubstanciar-se em meras operações materiais ou em atos processuais de natureza não jurisdicional. A estes atos de natureza processual não se aplicam, pois, os princípios inerentes ao procedimento tributário, que lhes é estranho, estando sim submetidos aos princípios e normas inerentes à atividade processual. Atendendo à concreta tramitação do PEF, prevista no CPPT, temos assim que, após a sua instauração, são praticados, designadamente, os seguintes atos processuais de natureza não jurisdicional: a) Citação (in casu, pessoal, dado tratar-se de citação de revertido, em relação à qual se exige tal citação) – cfr. art.ºs 188.º e ss. do CPPT; b) Penhora (cfr. art.ºs 215.º e ss. do CPPT); c) Venda. Assim, de entre estes atos processuais de natureza não jurisdicional, inclui-se a penhora. Com efeito, a penhora define-se como a apreensão judicial de bens do executado, com o objetivo último de satisfação do direito do exequente, sendo-lhe reconhecida uma dupla função: a de especificar os bens que hão de ser pela mesma abrangidos e a de dar segurança de que tais bens se conservarão em condições de serem vendidos, por forma a satisfazer o direito de crédito do exequente (4). No âmbito da execução fiscal, a mesma pode assumir igualmente uma função garantística, enquanto estiver, designadamente, pendente oposição à execução fiscal. O ato que ordena a penhora é o mandado de penhora, que se limita a, considerando a dívida exequenda, ordenar diligências no sentido de proceder à realização do mencionado ato. Com efeito, atento o disposto no art.º 172.º, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente, considerando o consignado na al. e) do art.º 2.º do CPPT (atentando, tal como já se referiu supra, que nesta parte os atos em causa são de natureza processual), o mandado é o ato processual através do qual é ordenada a execução de um ato processual. Nos termos do n.º 1 do art.º 215.º do CPPT procede-se à penhora quando, findo o prazo posterior à citação, não tiver sido efetuado o pagamento. Por outro lado, é ainda de considerar o disposto no art.º 52.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, lido em consonância com o art.º 169.º, n.º 1, do CPPT, que preveem que, no caso de existência de oposição à execução fiscal, esta execução fique suspensa até à decisão do pleito, se constituída garantia (art.º 195.º do CPPT) ou prestada nos termos do art.º 199.º do mesmo código ou quando a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda. Como tal, quer a penhora quer o mandado que a ordena têm como pressuposto esta circunstância: a de não ter sido efetuado o pagamento ou não ter sido constituída garantia. Uma palavra se impõe relativamente ao art.º 150.º do CPPT. Com efeito, refere a Reclamante que resulta expressamente desta disposição legal que quer a instauração, quer os atos da execução são praticados mediante despacho. Não se acompanha a interpretação do art.º 150.º, n.º 2, do CPPT, defendida. Com efeito, nos termos da mencionada disposição legal, “[a] instauração e os atos da execução são praticados no órgão da administração tributária designado, mediante despacho, pelo dirigente máximo do serviço”. Ou seja, o despacho referido na segunda parte do n.º 2 do art.º 150.º do CPPT é o despacho que designa o órgão da administração tributária para praticar os atos, interpretação esta que encontra acolhimento na leitura conjugada deste n.º 2 com o n.º 3, no qual se define a regra supletiva, em caso de inexistência do mencionado despacho. Cumpre, então, apreciar. Como já se mencionou supra, considera a Recorrente que a penhora, enquanto ato tributário, não se encontra cabalmente fundamentada, não contendo a sua notificação qualquer desses elementos nem dando a conhecer a decisão propriamente dita, os meios de defesa e o prazo para reagir à notificação. Desde logo, como se pode concluir do já explanado, a Recorrente parte de um pressuposto incorreto, o de que a penhora é um ato tributário, sujeito aos formalismos previstos, designadamente na LGT, no âmbito do procedimento tributário. Ora, como já se referiu supra, a penhora é um ato processual de natureza não jurisdicional, praticado pelo órgão de execução fiscal (OEF) no âmbito do PEF, e não um ato tributário, pelo que é sempre considerando esta premissa que tem de ser o mesmo analisado. Assim, e desde logo, não são neste contexto de aplicar as normas contidas nos art.ºs 77.º, n.ºs 1 e 2, e nos art.ºs 152.º e 153.º do CPA, todos respeitantes à fundamentação de atos (administrativos) tributários, e no art.º 36.º do CPPT(5), atinente à notificação dos atos tributários, nem, naturalmente, sendo aqui pertinente lançar mão do comando decorrente do art.º 268.º da Lei Fundamental, atinente justamente à fundamentação dos atos administrativos. Estabilizado que não lhe é aplicável a disciplina convocada pela Recorrente, há que, então, atender ao facto de que a penhora ocorre, em situações de citação pessoal, como a dos autos, quando, objetivamente, se verifique que, dentro do prazo legalmente previsto para pagamento após a citação e não estando o PEF por algum motivo suspenso, tal pagamento não ocorreu e não houve prestação de garantia, o que in casu nem é posto em causa. Já o mandado de penhora que o preceda é uma mera ordem dirigida a quem tem competência para realizar a penhora propriamente dita, verificado que esteja o circunstancialismo objetivo referido. Não sendo uma ordem dirigida ao executado, não é nem tem de lhe ser notificada, pelo que carece de pertinência o referido a esse propósito pela Recorrente. O que tem de ser notificado à Recorrente é a realização da penhora, tal como aconteceu (cfr. facto 4.), constando de tal notificação, designadamente, a identificação dos PEF, as dívidas a que respeitam bem como a da quantia exequenda e a indicação dos meios e prazo de reação. Como tal, a notificação deu a conhecer os elementos caraterizadores da penhora e os meios de defesa e prazo de reação. Carece de qualquer pertinência o alegado em torno da não notificação do título executivo, porquanto não é com a penhora que este ou os seus elementos têm de ser dados a conhecer ao executado, mas sim com a citação (cfr. art.º 190.º, n.º 1, do CPPT). Neste contexto, invoca ainda a Recorrente que, tratando-se de penhora surgida na sequência de uma reversão, deveria constar do ato reclamado a menção de que houve completa excussão do património da devedora originária. Vejamos. O carácter subsidiário da responsabilidade tributária, assim como a acessoriedade que a carateriza, implica que, à partida, só depois de excutidos os bens do devedor originário possa ser revertida a execução contra o responsável subsidiário – benefício da excussão prévia. No nosso ordenamento jurídico, encontra-se consagrado expressamente este benefício da excussão prévia, decorrendo do disposto no art.º 23.º, n.º 2, da LGT, nos termos do qual “[a] reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”. Por seu turno, determina o n.º 2 do art.º 153.º do CPPT que “[o] chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: // a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; // b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”. Assim, é possível a reversão da execução em casos de insuficiência, ou seja, em casos em que existem bens — penhoráveis ou penhorados — na esfera patrimonial do devedor originário de valor inferior ao da dívida exequenda. Logo, o legislador entendeu que o benefício da excussão não é posto em causa nestas circunstâncias. Este é, pois, um pressuposto da reversão, que deverá estar evidenciado no despacho que a ordena e que antecede a citação do revertido enquanto tal. No despacho de reversão, a este respeito, podem evidenciar-se três situações: a) Concluir-se pela inexistência de bens na esfera patrimonial do devedor originário; b) Concluir-se pela fundada insuficiência quantificada de bens na esfera patrimonial do devedor originário; c) Concluir-se pela fundada insuficiência não quantificada de bens na esfera patrimonial do devedor originário, o que, nos termos do n.º 3 do art.º 23.º da LGT, justifica a suspensão da execução contra o revertido, a partir do termo do prazo para apresentar oposição. No caso, como resulta dos despachos de reversão, foram identificados os bens existentes na esfera patrimonial da devedora originária, bem como o valor atribuído aos mesmos (9.000,00 Eur.) e o valor total da dívida (1.814.418,oo Eur.). Portanto, do que resulta dos autos, considerou a administração tributária (AT), face aos valores envolvidos, estar-se perante uma situação de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário, não tendo havido suspensão ao abrigo do n.º 3 do art.º 23.º da LGT. Ora, perante este quadro, e ao contrário do que refere a Recorrente, não havendo suspensão da execução, não há óbice a que a penhora ocorra. Dos atos praticados em sede de execução resultava já, na perspetiva da AT, a verificação dos pressupostos de reversão. Não tendo ocorrido suspensão da execução nos termos consignados no n.º 3 do art.º 23.º da LGT, não há obstáculo à prossecução para a fase da penhora. Assim, neste contexto, no ato de penhora não está nem tem de estar aferida a questão da insuficiência do património da devedora originária, dado que a extensão da responsabilidade é definida em outros momentos processuais, devendo ser por reação a estes que a mesma deve ser aferida – o que não sucedeu, como mencionado pelo Tribunal a quo, nunca tendo a Recorrente posto em causa, em sede de ataques que fez aos atos de reversão, os termos em que a AT concluiu pela fundada insuficiência do património da devedora originária. Neste contexto, carece de qualquer fundamento ou pertinência a alegada violação ao nível da descoberta da verdade material, em virtude de o alegado pela Recorrente a este propósito extravasar, nos termos já explanados, o objeto dos presentes autos. Como tal, não há qualquer preterição de deveres do Tribunal, porquanto, no âmbito dos autos sob apreciação, não estão em discussão nem poderiam estar os despachos de reversão. Logo, não se vislumbra qualquer violação dos art.ºs 74.º da LGT, 13.º do CPPT e 6.º, 265.º e 411.º, todos do CPC. Finalmente não se alcança de que forma o art.º 97.º da LGT foi violado pelo Tribunal a quo, o que, constando da conclusão 16., não se encontra minimamente consubstanciado nem tal eventual violação se afigura a este Tribunal, que dos autos não extrai nada que possa atentar contra as normas constantes da referida disposição legal. Face ao exposto, a decisão recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados, motivo pelo qual improcede a pretensão da Recorrente. IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 22 de maio de 2019 (Tânia Meireles da Cunha) (Anabela Russo) (Vital Lopes)
----------------------------------------------------------------------------- (1) V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 80/2003, de 12.02.2003. |