Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:119/23.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/21/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS APÓS ALEGAÇÕES DE RECURSO
LEGITIMIDADE ACTIVA E INTERESSE DIRECTO EM DEMANDAR
CONTRAINTERESSADOS
EXCEPÇÃO DILATÓRIA SUPRÍVEL
Sumário:I - A junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações, e não posteriormente.
II - A demandante é titular de um interesse directo na suspensão e na anulação do licenciamento de um clube constante da lista de classificação da Liga Portugal 2 se, embora tenha ficado em terceiro lugar na lista de clubes despromovidos de tal liga, alega que os dois que estão à sua frente não reúnem condições para ocuparem a vaga que decorra da procedência da acção e que a mesma tem essas condições.
III - A bondade e o acerto das razões alegadas pela demandante para concluir que a vaga a ficar disponível em caso de procedência da presente acção deveria ser pela mesma ocupada é aferida em sede de apreciação do mérito da sua pretensão, não contendendo com os pressupostos processuais, designadamente com a legitimidade processual (e não substantiva) da demandante.
IV - Os clubes despromovidos da Liga 2 que se encontram à frente da demandante devem ser demandados como contrainteressados pois que a procedência da acção, com a inclusão da demandante na lista classificativa da Liga 2, prejudica-os directamente, na medida em que se traduz na sua preterição – em favor da demandante - na ocupação da vaga do clube cuja despromoção a demandante pretende, o mesmo não acontecendo com os demais clubes integrantes da lista classificativa, cuja situação não é afectada com a procedência da acção, mantendo-se os mesmos apurados para as competições.
V - A falta de identificação dos contrainteressados consubstancia uma situação de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, sendo uma excepção dilatória suprível, nos termos do disposto no artigo 87.º, n.º s 1, alínea a), 2 e 7, do CPTA, através da intervenção dos contrainteressados em falta, devendo, para o efeito, ser proferido despacho a convidar o autor a identificá-los, e só se o autor não aceder a tal convite, se concluirá pela procedência da excepção dilatória, com as consequências legais.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

S… – FUTEBOL SDUQ, LDA, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de Desporto, em 21.07.2023, no âmbito dos processos n.ºs 49 e 49A/2023 (principal e cautelar), que absolveu da instância por ilegitimidade activa a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
As suas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1ª A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, porquanto a mesma fez errada aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.
2ª Expressa o art.º 52.° da LTAD que “tem legitimidade para intervir como parte em processo arbitral necessário no TAD quem for titular de um interesse direto em demandar ou contradizer”.
3ª A existência de interesse é directo quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado.
4ª A Demandante tem legitimidade e interesse direto para a ação principal, pois a repercussão é imediata.
5ª A Demandante, S… - Futebol, SDUQ, Lda, ficou classificada em 18º lugar na Liga Portugal 2, ou seja, no último lugar, enquanto que a B… e a C… - Futebol, SAD classificaram-se em 16º e 17º lugares, respetivamente, e todas as equipas desceram para a Liga 3.
6ª O processo de licenciamento da Federação estipula uma série de critérios “desportivos, infraestruturais, administrativos e recursos humanos, legais e financeiros” que devem ser obrigatoriamente cumpridos por cada clube que pretenda participar nas competições organizadas pela entidade.
7ª Ora sucede que, tal como já previamente alegado, as Sociedades Desportivas no decorrer da época de 2022-2023 iniciaram o seu procedimento de licenciamento para a época desportiva de 2023-2024, quer no âmbito das competições organizadas pela Demandada, mas também para a Liga 3, competição organizada pela Federação Portuguesa de Futebol.
8ª No dia 20 de Junho de 2023, foi publicado pela Federação Portuguesa de Futebol mediante CO 877, a listagem dos clubes e Sociedades Desportivas admitidas a participar na Liga 3. (Documento 11 da p.i.)
9ª Dessa lista, das Sociedades Desportivas que competiram na Segunda Liga Portuguesa de Futebol Profissional na época de 2022-2023, consta apenas a Demandante e a C… Futebol SAD. (Documento 11 da p.i.)
10ª Ou seja, a B… não reúne condições para competir na Liga 3, e consequentemente também não reunirá para competir na Segunda Liga Portuguesa de Futebol Profissional, conforme veiculado pelos media. (Documento 12 da p.i.)
11ª Com efeito, a fusão entre a B… e C… não foi licenciada pela F.P.F. para jogar na Liga 3.
12ª Na verdade, a B… não cumpre os requisitos da F.P.F. para competir na Liga 3, sendo que a B… é um clube sem estádio, sem terra e sem futuro.
13ª Quanto à C… Futebol SAD, é de conhecimento geral, que o clube fundador desta Sociedade Desportiva se encontra a passar por um período de extrema dificuldade financeira, que coloca em risco existência da Sociedade, bem como a estabilidade necessária às competições que a Demandada regula e organiza (Documento 13 da p.i.)
14ª Na realidade, três antigos jogadores pediram a insolvência do T… por dívidas superiores a 300 000,00 €. (Documento 13 da p.i.)
15ª Com efeito, os jogadores C… e E… pedem a insolvência do clube, de acordo com uma ação entregue em Tribunal. (Documento 13 da p.i.)
16ª Como o próprio clube aceita, estes ex-atletas alegam que ao longo das épocas de 2008 e 2012, o Clube Desportivo T… não liquidou montantes relativos aos seus direitos, num valor a rondar os 320 000.00 €, acrescido de juros, os referidos atletas alegam ter o direito a receber uma quantia superior a 460 000,00 €. (Documento 13 da p.i.)
17ª Acresce que a sociedade desportiva tem dívidas na ordem dos 2 000 000,00 €.
18ª Para além disso, como resulta do alegado nos autos, o Jogador quando resolveu o contrato com a Contra-interessada tinha em dívida a quantia de 4 500,00 €, referente a dois salários, sendo que a Contra- interessada efetuou o recibo como lhe aprouve e ficou de pagar os 4 500,00 € relativos aos 2 meses em falta ao atleta, pelo que deve a Contra-interessada ser notificada para juntar aos autos todos os recibos emitidos a favor do Jogador desde o início do contrato, onde constem todos os valores pagos ao atleta e os descontos efetuados para a Segurança Social, incluindo os 2 meses em causa, assim como todos os demais meses em que durou a relação contratual. 
19ª Concluindo-se que, pelo disposto no artigo 23, n° 6 e n° 7 do Regulamento das Competições, a Demandante é a única Sociedade Desportiva que garante estabilidade e condições para competir na Segunda Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
20ª A Demandante deduz providências antecipatórias que visam prevenir um dano, obtendo adiantadamente o gozo de um benefício a que pretende ter direito, mas que lhe é negado, ou seja, antecipam uma situação que não existia, havendo um interesse pretensivo, daí a legitimidade e interesse em agir da Demandante também para a providência cautelar requerida.
21ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 52°, n° da LTAD, e 23°, nºs 6 e 7 do Regulamento de Competições da Liga Portugal.”
Por requerimento, constante de fls. 87 do SITAF, a recorrente veio juntar documento, alegando que o mesmo visa demonstrar que “a C… Futebol SAD se encontra a passar por um período de extrema dificuldade financeira, que coloca em risco existência da Sociedade, bem como a estabilidade necessária às competições que a Demandada regula e organiza”, que “reforça a legitimidade ativa e o interesse em agir da Demandante” e “somente agora adveio ao conhecimento e domínio da Demandante”.
Notificada das alegações apresentadas, a contrainteressada, L… – Futebol SAD, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“-I- Questão Prévia: da junção extemporânea de documento
A. É legalmente inadmissível a junção de documentos após a interposição do recurso e apresentação das alegações, pelo que deve a pretensão da Recorrente ser indeferida.
B. O art, 651.º do CPC (aplicável ex vi art. 140.°, n.° 3 do CPTA, e ex vi art 61.° da Lei do TAD) é taxativo quanto à impossibilidade de apresentação de documentos após aas alegações, entendimento que vem sendo confirmado pela nossa Jurisprudência, designadamente, no Acórdão do STJ, proferido em 12.09.2019, no âmbito do Processo n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2, e no Acórdão do TRG, proferido em 30.04.2020, no âmbito do Processo n.º 1441/16.7T8BRG.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
-II- Do âmbito do Recurso
C. Sustenta a Recorrente no presente Recurso que “deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a que a Recorrente tem Legitimidade processual activa e interesse em agir, tanto para a acção principal como para a providência cautelar […]”, entendendo que “o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 52°. n° da LTAD. e 23°. n°s 6 e 7 do Regulamento de Competições da Liga Portugal”.
D. Este é o objecto do Recurso, delimitado pela Recorrente, nas suas Alegações, o qual improcede, em absoluto, não merecendo o Acórdão do TAD qualquer censura, devendo o Recurso ser julgado improcedente, com confirmação integral da Decisão recorrida.
-III- Das questões apreciadas e decididas pelo TAD
E. Concluiu o TAD - e bem - que devia “proceder a excepção da ilegitimidade activa tanto na ação cautelar, como na ação principal, quanto aos pedidos nelas formulados, absolvendo-se a Demandada e Contrainteressada da instância”; julgou “procedente esta excepção, o conhecimento das demais exceções ficou prejudicado face à procedência da exceção que foi objeto de decisão, tornando-se inútil apreciar as restantes exceções invocadas e considerou “procedente. tanto na ação cautelar, como na ação principal, a exceção de falta de legitimidade ativa da Recorrente e, consequentemente, absolver a Demandada da instância arbitral, quer no processo principal, quer no processo cautelar”.
-IV- Da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Direito
F. Sustenta a Recorrente, sem razão, que o TAD fez uma errada aplicação do disposto “nas disposições conjugadas dos artigos 52° n° da LTAD, e 23°, n°s 6 e 7 do Regulamento de Competições da Liga Portugal”.
G. Dispõe o art. 52.°, n.° 1, da Lei do TAD que “Tem legitimidade para intervir como parte em processo arbitral necessário no TAD quem for titular de um interesse direto em demandar ou contradizer”.
H. Conforme o TAD veio a concluir, a Recorrente não tem legitimidade e/ou interesse em agir quanto à situação fáctico-jurídica dos Autos, porquanto, mesmo que obtivesse vencimento de causa, não teria direito a ocupar a vaga da Contra-lnteressada.
I. A Recorrente e a Contra-lnteressada, na época desportiva 22/23, participaram ambas na Liga Portugal 2, competição organizada pela Liga, sendo que a Recorrente terminou a prova em 18.° e último lugar, e a Contra-lnteressada terminou a prova em 12.° lugar.
J. Nos termos do n.° 3 do art. 23.° do Regulamento das Competições, “descem à Liga 3 os dois últimos classificados da Liga Portugal 2 na época imediatamente anterior”. No final da época desportiva 2022/2023, na Liga Portugal 2, desceram à Liga 3, perdendo o direito de participar na Liga Portugal 2, a Recorrente (último classificado) e a C…, Futebol SAD (penúltimo classificado).
K. Nos termos do n.° 4 do art. 23.° do Regulamento das Competições, “Quando seja vencido no playoff regulado no n.° 5 do artigo 26°-A, desce à Liga 3, adicionalmente, o clube classificado na tabela classificativa da Liga Portugal 2 imediatamente acima dos clubes despromovidos à Liga 3”. Nesta situação estava a B… que, por ter sido derrotada no playoff contra o L…, foi também despromovida à Liga 3, pelo que, mesmo que assistisse alguma razão à Recorrente - que não assiste -, tendo esta ficado classificada em último lugar na Liga Portugal 2 - 22/23, nunca seria esta a preencher uma eventual vaga que surgisse para participação na Liga Portugal 2 - 23/24: é falso o alegado no ponto 8.° das alegações: não é a Recorrente a legitima Sociedade Desportiva que deve ser integrada na Liga Portugal 2.
L. Dispõe o n.° 6 do art. 23.° do Regulamento das Competições que, “se um clube da Liga Portugal 2 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor do clube despromovido da Liga Portugal 2 melhor classificado”. Conforme resulta da Tabela junta aos Autos, a melhor classificada despromovida da Liga Portugal 2 - 22/23 foi a B…, pelo que não seria a Recorrente a preencher qualquer vaga que resultasse da infundada, exclusão da Contra- Interessada.
M. Não colhe o argumento da Recorrente no ponto 66.° das suas alegações, no sentido que tal direito não assiste à B…, porquanto, como é evidente, os requisitos para licenciamento na Liga Portugal 2 e para licenciamento na Liga 3 são distintos, e os respectivos processos correm perante entidades distintas - Liga e FPF -, sendo possível a Liga decidir que a B… reunia os requisitos legais e regulamentares para integrar a Liga Portugal 2 - 23/24, mesmo sendo de conhecimento público que a FPF não admitiu a participação da B… na Liga 3 - 23/24.
N. Conforme resulta do n.° 8 do art. 23.° do Regulamento das Competições, “quando se verifiquem os casos previstos nos números anteriores e as vagas não sejam preenchidas, a Liga Portugal poderá decidir reduzir o número de equipas participantes”. Ou seja, caso a Contra-lnteressada não reunisse "os requisitos legais e regulamentares estabelecidos" para participar na Liga Portugal 2, o que não se aceita, e a B…. - "clube despromovido da Liga Portugal 2 melhor classificado" - não preenchesse a vaga, a Demandada poderia reduzir o número de equipas participantes.
O. Acresce que, a seguir à B…, sempre estaria, antes da Recorrente, e com prioridade na ocupação da eventual vaga, a C… Futebol - SAD. Não colhe o argumento da Recorrente no ponto 67° das alegações, no sentido que tal direito não assiste à C… Futebol - SAD, por força de alegadas dificuldades financeiras do Clube Fundador, porquanto, (i) SAD e Clube Fundador são entidades distintas, com situações financeiras distintas; e (ii) sempre caberia à Liga, não à Recorrente, apreciar e decidir sobre o licenciamento da C… Futebol - SAD para integrara Liga Portugal 2-23/24.
P. Por cautela de patrocínio, caso venha a ser admitida a junção aos Autos do documento pretendido pela Recorrente - o que não se aceita -, importa referir que no artigo 67.° do articulado inicial, a Recorrente veio alegar que “o clube fundador desta Sociedade Desportiva [a C… Futebol - SAD] se encontra a passar por um período de extrema dificuldade financeira”, mas nada alega quanto a eventuais dificuldades financeiras da C… Futebol – SAD, não podendo agora, em via de recurso, pretender que o Tribunal Superior conheça ex novo de uma questão que não foi colocada perante o TAD, que assume a qualidade de Primeira Instância. Também por este fundamento deverá o documento ser rejeitado.
Q. E, de qualquer modo - por mera cautela de patrocínio e sem conceder -, se dirá que o facto de a C… Futebol - SAD se ter apresentado a Processo Especial de Revitalização (PER) não é, por si só e sem necessidade de qualquer outro escrutínio, suficiente para concluir pelo incumprimento dos pressupostos e/ou requisitos previstos no Manual do Licenciamento para ser admitida a participar na competição Liga Portugal 2 - 23/24. Até porque tal Manual não impõe a obrigação de demonstrar a (in)existência de PER, pendente ou encerrado, não sendo a ausência de PER requisito para o licenciamento.
R. O n.° 1 do art. 17.°-A do CIRE determina que "o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização". [sublinhado nosso]
S. Não é pelo facto de uma sociedade desportiva se apresentar a PER que estará numa situação de impossibilidade de incumprimento das suas obrigações vencidas, ou que deverá ser excluída do licenciamento para participação nas competições profissionais organizadas pela LPFP.
T. Em ambos os casos - pretendido “afastamento automático” da B… e da C… Futebol - SAP é absolutamente desprovido de sentido e fundamento legal o afirmado pela Recorrente no ponto 68.° das suas alegações.
U. Em suma, mesmo que a Contra-lnteressada não reunisse “os requisitos legais e regulamentares estabelecidos” para participar na Liga Portugal 2, no que não se concede, nunca seria a Recorrente a preencher qualquer vaga, de onde se conclui que a Recorrente não tem legitimidade, nem interesse em agir, tanto no Procedimento Cautelar, como na Acção Principal.
V. Ou seja, mesmo que a Contra-lnteressada não preenchesse os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para participar na Liga Portugal 2, no que não se concede, o direito ao preenchimento da vaga daí decorrente não assistira à Recorrente, de forma directa e imediata, uma vez que, antes de si, existem duas outras sociedades desportivas que cumpriria "chamar" – B… e C… Futebol - SAD -, pelo que não tem a Recorrente interesse directo em agir na situação fáctico-jurídica em causa nos presentes Autos e, consequentemente, não é titular de um interesse legal que cumpra ser salvaguardado.
W. Mesmo que a Recorrente lograsse demonstrar os factos que alega nos Autos com vista à exclusão da Contra-lnteressada da Liga Portugal 2, no que não se concede, tal decisão seria manifestamente inútil para a Recorrente, porquanto a vaga na Liga Portugal 2 que daí resultaria não seria preenchida pela Recorrente. Tal não é afastado pelas alegações - absolutamente desprovidas de sentido e fundamento - da Recorrente, que pretende substituir-se ao órgão de licenciamento (LPFP) e, em violação das atribuições e competências que apenas a este órgão pertencem, e também das disposições Regulamentares aplicáveis, pretende ser ela própria (Recorrente !?) a decidir que (i) tais sociedades desportivas não são elegíveis para o licenciamento na Liga Portugal 2; e (ii) apenas a Recorrente seria elegível para ocupar o lugar da Contra-lnteressada.
X. A este respeito, vejam-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do TRL, proferido em 26/09/ 2019, no âmbito do Proc. n.° 1712/17.5T8BRR-B.L1-6; o Acórdão do TCAS, proferido em 15/02/2018, no âmbito do Proc. n.° 13132/16; o Acórdão do STA, proferido em 16/02/2015, no âmbito do Proc. n.° 01351/15; o Acórdão do TCAS, proferido em 10/09/ 2020, no âmbito do Proc. n.° 576/20.6BELSB-A; e o Acórdão do TCAN, proferido em 19/06/2008, no âmbito do Proc. n.° 00204/07.5BEMDL-A; todos disponíveis em www.dqsi.pt, e transcritos em sede de Alegações, para as quais se remete.
Y. Não venha a Recorrente tentar fundamentar a sua legitimidade nos Autos, alegando, em suma, que “a Demandante encontra-se vedada de poder participar na referida competição, bem como na Segunda Liga de Futebol Profissional, quando existe outra Sociedade Desportiva que se encontra admitida, através da prestação de falsas informações à Demandada”; e ainda que “pelo disposto no artigo 23, n°6 e n°7 do Regulamento das Competições, a Demandante é a única Sociedade Desportiva que garante estabilidade e condições para competir na Segunda Liga Portuguesa de Futebol Profissional”.
Z. É falso. Desde logo, (i) porque a Recorrente se encontra impedida de participar na Liga Portugal 2 em consequência directa do seu demérito desportivo; e (ii) porque, nunca seria a Recorrente a ocupar uma vaga decorrente de uma eventual exclusão da Contra-lnteressada, mas sim uma das duas sociedades desportivas que sobre si têm prioridade, em virtude de terem obtido melhores resultados desportivos.
AA. Fundamentou, bem, assim, o TAD a sua Decisão, que aqui se dá por reproduzida, tendo decidido, e bem, “por unanimidade: a) Considerar procedente, tanto na ação cautelar, como na ação principal, a exceção de falta de legitimidade ativa da Demandante e, consequentemente, absolver a Demandada da instância arbitral, quer no processo principal, quer no processo cautelar.
BB. E esta é a decisão que importa manter, na íntegra, porquanto respeita rigorosamente a Lei, improcedendo, in totum, a alegação da Recorrente, o que não poderá deixar de conduzir à improcedência total do recurso.”
Notificada das alegações apresentadas, também a entidade demandada, Liga Portuguesa de Futebol Profissional, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“A. Nos termos do n.° 2, do artigo 8.°, da Lei do TAD, «Ao recurso para o Tribunal Central Administrativo mencionado no número anterior é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes, tendo o mesmo efeito meramente devolutivo e devendo ser decidido no prazo de 45 dias» (realce nosso).
B. Pelo que, ao contrário do requerido pela Recorrente, ao presente recurso deve ser atribuído, nos termos do n.° 2, do artigo 8.°, da Lei do TAD, efeito meramente devolutivo.
C. Nos termos do artigo 651.° do CPC, aplicável ex vi artigo 140.°, n.° 3, do CPTA, por sua vez, aplicável ex vi artigo 61.° da Lei do TAD, «As portes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.° ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na l.° instância».
D. Sendo que, de acordo com o n.° 2 do mesmo artigo, «As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão».
E. Pelo que, uma vez apresentadas as respetivas alegações, cessa a prerrogativa de junção de documentos pela Recorrente, sendo inequívoco que tal faculdade apenas se mantém em aberto para a junção pareceres de jurisconsultos que versem sobre uma questão de direito.
F. Termos em que deve ser indeferido o requerimento apresentado em 28 de julho de 2023 e, em consequência, ser o documento junto pela Recorrente desentranhado dos autos.
G. Ainda assim, e sem prescindir, sempre se terá de sublinhar que o facto da C… se encontrar, neste momento, num PER, é absolutamente irrelevante para efeitos de licenciamento para as competições profissionais de futebol que à Liga Portugal legalmente compete organizar.
H. Não é verdade nem correto afirmar que, perante a lista de credores de qualquer PER, a C… não cumpre os requisitos taxativamente definidos no Manual de Licenciamento para as Competições.
I. O Manual de Licenciamento para as Competições estabelece taxativamente os critérios que as sociedades desportivas devem observar, sem fazer qualquer alusão ao PER.
J. Não se afigura minimamente relevante o recurso ao enquadramento no mecanismo regulado nos artigos 17.°-A a 17.°-J do CIRE, porquanto um eventual parecer favorável da Comissão de Auditoria sempre se circunscreveria à verificação dos pressupostos constantes no Manual de Licenciamento.
K. Termos em que, além de extemporâneo e, por isso, legalmente inadmissível, o documento junto pela Recorrente é absolutamente irrelevante para o sentido da decisão impugnada.
L. Invoca a Recorrente que «o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 52.°, n.° [sic] da LTAD, e 23°, n.os 6 e 7 do Regulamento de Competições da Liga Portugal.»
M. É este o objeto do presente recurso.
N. Por acórdão tirado em 21 de julho de 2023, o Colégio Arbitrai constituído no âmbito do processo n.° 49/2023 deliberou «considerarprocedente, tanto na ação cautelar, como na ação principal, aexceção de falta de legitimidade ativa da Demandante e, consequentemente, absolver a Demandada da instância arbitrai, quer no processo principal, quer no processo cautelar.»
O. Fê-lo, em suma, atento o disposto no n.° 6, do artigo 23.°, do Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portugal, nos termos do qual, «Se um clube da Liga Portugal 2 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor do clube despromovido da Liga Portugal 2 melhor classificado.»
P. Pelo que, se estivéssemos - que não estamos - perante um caso em que um clube candidato à participação na Liga Portugal 2 não reunisse os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a participação nesse campeonato, a vaga assim criada seria preenchida, não pela Recorrente, mas pela B…. E não logrando, esta B…, reunir os aludidos requisitos, a sociedade desportiva convidada seria a C….
Q. E só depois, caso tanto a B… como a C… falhassem a respetiva candidatura se poderia cogitar um convite à Recorrente para o efeito.
R. É manifesta a falta de utilidade da providência peticionada para a esfera jurídica da Recorrente, devendo a decisão recorrida ser integralmente mantida.
S. Mas mesmo que assim não se entendesse, o caso subjuditio poderia ainda assim ser - caso a decisão de admitir a candidatura do L… se revelasse errada - o que não se concede - enquadrável no artigo 23.°-A do Regulamento das Competições.
T. Pelo que fácil é concluir que não se justifica a adoção de uma regulação provisória quando o quadro regulamentar já dá resposta a casos como o dos autos.
U. Destarte, mesmo uma decisão definitiva, transitada, nunca permitiria a repentina admissão da Requerida à Liga Portugal 2, tendo em conta a natureza competitiva e a regularidade anual dos campeonatos desportivos.
V. No citado quadro regulamentar, a consequência de uma eventual - que julgamos improvável - decisão que acabasse por levar à admissão da Requerente àquela competição mais não alcançaria do que o espoletar do mecanismo criado pelas normas atrás transcritas.
W. A Recorrente, nessa inaudita hipótese de uma decisão definitiva, e que lhe fosse favorável, transitar ao longo da época desportiva 2023-24 já iniciada, seria, pois, integrada na Liga Portugal 2 na época desportiva 2025-26.
X. Finalmente, sempre se diga que não é à Recorrente que cabe o juízo sobre se a B… e o T… têm, ou não, condições para competir nos campeonatos profissionais.
Y. Muito menos através do recurso a notícias veiculadas pelo media, argumentos de «conhecimento geral» (cfr. artigos 66.° e 67.° do requerimento cautelar) ou despachos de nomeação de administradores provisórios no âmbito de Processos Especiais de Revitalização, que em nada relevam para o caso concreto.
Z. Ademais, quando a própria B… é atualmente Demandante no processo n.° 52/2023 que corre termos no TAD e que tem como objeto, precisamente, a impugnação do mesmo ato aqui em causa, com a única diferença de que o contrainteressado é o L… e não o L….”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, considerando que o clube da demandante foi o último classificado, havendo dois com melhor classificação que lhe preferem, não se verificando, assim, o pressuposto do interesse “pessoal e direto” e imediato.
Por requerimento de 30.08.2023, veio a recorrente juntar dois documentos.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as seguintes:
a) Se é admissível a junção dos documentos apresentados pela recorrente com os requerimentos de fls. 87 do SITAF e de 30.08.2023;
b) Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por a demandante recorrente ter legitimidade para impugnar a decisão proferida pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional que licenciou a contrainteressada (L… – Futebol SAD) para participar em competições desportivas profissionais.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida não fixou factos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Da admissibilidade de documentos apresentados em sede de recurso

Por requerimento, constante de fls. 87 do SITAF, apresentado posteriormente às alegações de recurso, a recorrente veio juntar documento, alegando que o mesmo visa demonstrar que “a C… Futebol SAD se encontra a passar por um período de extrema dificuldade financeira, que coloca em risco existência da Sociedade, bem como a estabilidade necessária às competições que a Demandada regula e organiza”, que “reforça a legitimidade ativa e o interesse em agir da Demandante” e “somente agora adveio ao conhecimento e domínio da Demandante”. E, por requerimento de 30.08.2023, veio ainda a recorrente requerer a junção de mais dois documentos, sem, no entanto, invocar qualquer razão para o fazer em tal momento.
A contrainteressada, L… – Futebol SAD, pugna pelo indeferimento de tais requerimentos, considerando que é legalmente inadmissível a junção de documentos após a interposição do recurso e apresentação das alegações, nos termos do artigo 651.º do CPC (aplicável ex vi artigos 140.°, n.º 3 do CPTA, e 61.° da Lei do TAD), invocando a jurisprudência constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, proferido no processo n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2, e do Acórdão do TRG, proferido em 30.04.2020 no âmbito do Processo n.º 1441/16.7T8BRG.G1. No mesmo sentido, defende a entidade demandada a inadmissibilidade da junção aos autos dos documentos em causa.
Cabe aferir da respectiva admissibilidade.
Sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”, dispõe o artigo 651.º do CPC: “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
Assim, a junção de documentos em sede de recurso só é admissível com as alegações e se a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sempre com vista “a fazer a prova dos fundamentos da ação ou da defesa” – cfr. n.º 1 do artigo 423.º do CPC. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, proferido no processo n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2 (in www.dgsi.pt) entendeu-se que “a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações”, considerando que a aceitação de documentos após a apresentação das alegações consubstanciaria um acto não permitido por lei porque permitiria a ultrapassagem do prazo legal para o efeito, que é peremptório, dado não estar prevista a sua prorrogação, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do CPC. Tal entendimento foi reiterado no Acórdão do mesmo Tribunal de 29.03.2022, proferido no processo n.º 1104/19.1T8CSC.L1.S1(in www.dgsi.pt). No mesmo sentido, havia já emitido pronúncia este Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 26.03.2015, proferido no processo n.º 10221/13 (in www.dgsi.pt).
Volvendo à situação em apreço, constata-se que os documentos em causa foram apresentados pela recorrente, não com as alegações de recurso, mas posteriormente, em requerimentos autónomos (um datado de 28.07.2023 e outro de 30.08.2023). Não sendo admissível a junção de documentos por parte do recorrente em sede de recurso em momento posterior à apresentação das alegações, nos termos acima explanados e seguindo a interpretação que vem sendo dada pela jurisprudência citada à norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, com a qual concordamos, a apresentação dos documentos em causa mostra-se extemporânea, pelo que não pode ser admitida.
Nestes termos, indefere-se a requerida junção e determina-se o desentranhamento dos documentos.


B. Do erro de julgamento de direito

A decisão recorrida considerou procedente, tanto na acção cautelar como na acção principal, a excepção dilatória de ilegitimidade activa e, consequentemente, absolveu da instância a entidade demandada (Liga Portuguesa de Futebol Profissional).
A legitimidade da parte é o pressuposto processual - isto é, um daqueles requisitos de que depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência requerida pelo demandante -, através do qual se afere a posição que as partes devem ter perante a pretensão deduzida em juízo, pelo que a ilegitimidade de alguma das partes constitui excepção dilatória – cfr. artigo 89.º, n.º 4, alínea e), do CPTA – e, como tal, é de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – cfr. artigo 89.º, n.º 2.
Nos termos do artigo 112.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 61.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”. Deste modo, tal norma legal remete a aferição da legitimidade em sede cautelar para as normas legais sobre legitimidade processual aplicáveis à acção principal de que depende o processo cautelar.
Pretende a recorrente demandante com os presentes autos a suspensão da admissão da candidatura da L… Futebol SAD a participar nas competições profissionais da época desportiva 2023-24 da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, deliberada pelo órgão de licenciamento constituído no âmbito do ponto 1 do Manual de Licenciamento para a participação nas competições da Liga Portugal, e, bem assim, a intimação da demandada a convidar a demandante a participar nas competições em causa. Estamos, assim, no âmbito de um litígio emergente de acto de liga profissional no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina, tratando-se de uma arbitragem necessária, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro. Como tal, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 52.º da mesma lei, tem legitimidade para intervir como parte no processo quem for titular de um interesse directo em demandar ou contradizer. Nestes termos, a recorrente demandante terá legitimidade para intervir nos presentes autos se demonstrar a titularidade de um interesse directo em demandar.
O interesse directo deve ser actual e efectivo, pressupondo uma influência imediata do acto impugnado na esfera do demandante, distinguindo-se de um interesse reflexo, indirecto, eventual ou hipotético – neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, 2017, pp. 374 e 375. O demandante demonstra um interesse directo em demandar se alegar uma situação de vantagem decorrente da procedência da acção, impendendo sobre o mesmo esse ónus.
Volvendo ao caso em apreço, a decisão recorrida concluiu que a demandante não tinha legitimidade para intervir nos presentes autos porque não tem interesse directo em impugnar o licenciamento da L… Futebol SAD na medida em que o não licenciamento desta não se repercute na esfera jurídica daquela, desde logo porque, a ser suspenso o licenciamento, a “suposta vaga” seria preenchida, primeiro pela B…, e depois pelo C…, Futebol SAD, e só se tais candidaturas não fossem feitas ou aceites, é que a demandante poderia requerer o seu licenciamento, o qual não é certo porque não automático, nos termos do artigo 23.º, n.ºs 6 e 7 do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal.
Com efeito, na Liga Portugal 2 a demandante ficou classificada em último lugar (18.º lugar), tendo a B… e o C…, Futebol SAD, sido classificados em 16.º e 17.º lugares, respectivamente. Mais se configurou em que, tendo a demandante e o C…, Futebol SAD - face à classificação pelos mesmos obtida na época desportiva 2022/2023 na Liga Portugal 2 -, descido à Liga 3, perderam tais clubes o direito de participar na Liga Portugal 2, e que a B… foi despromovida por ter perdido o playoff realizado com o L…. Assim, a B… foi a melhor classificada despromovida da Liga Portugal 2 – 22/23, pelo que a demandante só poderia integrar a Liga Portugal 2 caso a B… ou o C…, Futebol SAD, não vissem o seu licenciamento aprovado e se a mesma viesse a ser licenciada para o efeito. Considerou-se ainda, na decisão recorrida, que a circunstância – invocada pela demandante – de a B… não reunir condições para competir na Liga 3 não determina que a mesma não reúna condições para competir na Liga 2 pois que são diferentes os requisitos para licenciamento em ambas as ligas, correndo os processos perante entidades distintas (Liga Portugal 2 junto da Liga Portugal e Liga 3 junto da FPF). A decisão recorrida refere também que o licenciamento do C…, Futebol SAD, para integrar a Liga Portugal 2 2023-24 é apreciado e decidido pela Liga Portuguesa de Futebol, não sendo afastado pela mera circunstância – também invocada pela demandante – de o Clube Fundador padecer de dificuldades financeiras. Finalmente, entendeu-se que o n.º 8 do artigo 23.º do Regulamento das Competições permite à Liga Portugal decidir reduzir o número de equipas quando as vagas não são preenchidas.
A recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por entender ter legitimidade para impugnar a decisão proferida pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional que licenciou a contrainteressada (L… – Futebol SAD) para participar em competições desportivas profissionais, dado que, nos termos do artigo 23.º, n.ºs 6 e 7, do Regulamento de Competições da Liga Portugal, é a única sociedade desportiva que garante estabilidade e condições para competir na Segunda Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Para sustentar tal conclusão, alega a demandante que a B… não reúne condições para competir na Liga 3 e, consequentemente, também não reúne condições para competir na Liga 2; e quanto ao C…, Futebol SAD, para além de o seu clube fundador se encontrar a passar por um período de extrema dificuldade financeira, colocando em risco a sua existência bem como a estabilidade necessária às competições que a entidade demandada regula e organiza, o mesmo tem dívidas na ordem dos € 2.000.000,00. Conclui, assim, a demandante que, não reunindo a B… nem o C…, Futebol SAD, condições para ocuparem a vaga da L… Futebol SAD, deveria ser a demandante a ocupar tal vaga por se lhes seguir na classificação.
Vejamos.
Dispõe o artigo 23.º do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal, nos seus n.ºs 6 e 7, o seguinte: “6. Se um clube da Liga Portugal 2 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor do clube despromovido da Liga Portugal 2 melhor classificado. 7. Se um clube da Liga Portugal 2 for punido disciplinarmente com as sanções de desclassificação ou de exclusão das competições profissionais, a vaga será preenchida nos termos do número anterior.” Assim, se um clube da Liga Portugal 2 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição ou for punido disciplinarmente com as sanções de desclassificação ou de exclusão das competições profissionais, perde a respectiva vaga em favor do clube despromovido da Liga Portugal 2 melhor classificado.
Em causa está aferir se a recorrente demandante é titular de um interesse directo na suspensão e na anulação do licenciamento de um clube (L… Futebol SAD) constante da lista de classificação da Liga Portugal 2. Para o efeito, importa considerar que, como resulta do teor do doc. 10 junto com o r.i., sem que a demandante recorrente o conteste, a demandante ficou classificada em último lugar (18.º lugar), tendo a B… e o C…, Futebol SAD, sido classificados em 16.º e 17.º lugares, respectivamente. Deste modo, caso a pretensão da demandante fosse procedente – e ficasse em causa o licenciamento da L… Futebol SAD –, por aplicação das normas acima enunciadas, a sua vaga seria perdida a favor do clube despromovido da Liga Portugal 2 melhor classificado, que, no caso, seria a B…, classificada em 16.º lugar, sendo certo que, entre a B… e a demandante, ainda se encontra, em 17.º lugar, o C…, Futebol SAD.
Sucede que a demandante alega razões factuais e jurídicas para sustentar que nem a B… nem o C…, Futebol SAD poderiam ocupar a dita vaga actualmente ocupada pela L… Futebol SAD, o que faria com que a vaga pudesse ser ocupada pela demandante. Ora, a bondade e o acerto de tais razões alegadas pela demandante para concluir que a vaga a ficar disponível em caso de procedência da presente acção deveria ser pela mesma ocupada é aferida em sede de apreciação do mérito da sua pretensão, não contendendo com os pressupostos processuais, designadamente com a legitimidade processual (e não substantiva) da demandante. Efectivamente, a legitimidade activa reconduz-se à aptidão do demandante para intervir num processo, aferida pela titularidade de um interesse directo em demandar. E, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, a demandante é titular de um interesse directo em demandar. Esse interesse é directo porquanto está sustentado na alegada falta de condições dos dois clubes que se encontram à frente da demandante na tabela classificativa para serem licenciados para as competições. É certo que a ocupação da vaga da L… Futebol SAD pela demandante pressupõe, não só a falta de licenciamento da B… e do C…, Futebol SAD, mas também o licenciamento da demandante. Todavia, atenta a alegação desta, a ocupação daquela vaga por si não pode ficar dependente da impugnação do licenciamento da L… Futebol SAD por parte daqueles dois clubes que se encontram à sua frente na classificação; aliás, a demonstrar-se a alegação da demandante, seria natural que aqueles, atenta a sua falta de condições, não se interessassem pela exclusão da L… Futebol SAD, por não poderem ocupar a sua vaga, desse modo inviabilizando a ocupação da vaga pela demandante. Assim, o interesse da demandante na presente acção – que visa não só a suspensão (e exclusão) da L… Futebol SAD, mas também a intimação da demandada a convidar a demandante a participar nas competições em causa – é actual e efectivo, tendo a mesma alegado uma situação de vantagem decorrente da procedência da acção, alegação essa que, independentemente da respectiva procedência, é apta a sustentar a sua legitimidade processual para a presente acção.
Nestes termos, concluímos que a demandante, sendo titular de interesse directo em demandar, é parte legítima na presente acção, pelo que a decisão recorrida, ao concluir pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade da demandante, padece de erro de julgamento, com o que se impõe julgar procedente o presente recurso e revogar a decisão recorrida.
Aqui chegados, importaria conhecer da invocada falta de indicação da B… e do C…, Futebol SAD, como contrainteressadas. Efectivamente, nos termos do artigo 57.º do CPTA, “Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.” Assim, indubitavelmente que, para além da L… Futebol SAD, os referidos clubes são contrainteressados na presente acção, pois que a sua procedência, com a inclusão da demandante na lista classificativa da Liga 2, prejudica-os directamente, na medida em que se traduz na sua preterição – em favor da demandante - na ocupação da vaga da L… Futebol SAD. O mesmo não acontece com os demais clubes integrantes da lista classificativa, cuja situação não é afectada com a procedência da acção, mantendo-se os mesmos apurados para as competições.
Sucede que, nem a B… nem o C…, Futebol SAD, foram indicados como contrainteressados. Ora, embora a falta da identificação dos contrainteressados consubstancie uma situação de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário – e, portanto, uma excepção dilatória, cuja procedência determina a absolvição da instância, obstando a que o Tribunal conheça do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA -, é a mesma suprível, nos termos do disposto no artigo 87.º, n.º s 1, alínea a), 2 e 7, do CPTA, através da intervenção dos contrainteressados em falta, devendo, para o efeito, ser proferido despacho a convidar o autor a identificá-los, e só se o autor não aceder a tal convite, se concluirá pela procedência da excepção dilatória, com as consequências legais.
Dado que o tribunal recorrido não chegou a apreciar a questão da falta de identificação dos contrainteressados por ter julgado procedente a excepção dilatória da ilegitimidade da demandante, e que se impõe a realização de convite ao suprimento da excepção dilatória em causa, importa determinar a baixa dos autos ao mesmo, a fim de aí se prosseguir com a tramitação dos presentes autos, com a prolação do referido despacho de convite, seguindo-se os demais termos processuais legalmente previstos.
*
Vencidas, são a demandada e a contrainteressada recorridas responsáveis pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 528.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 80.º, alínea a), da Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respectiva lei.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pela recorrente com os requerimentos de fls. 87 do SITAF e de 30.08.2023, e, consequentemente, determinar o seu desentranhamento;
b) Conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de aí se prosseguir com a tramitação dos presentes autos, com a prolação do despacho de convite da demandante a indicar os contrainteressados, seguindo-se os demais termos processuais legalmente previstos.


Custas pelas recorridas.

Lisboa, 21 de Agosto de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Teresa Caiado
Cristina Coelho da Silva