Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 373/08.7BESNT |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/12/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | VITAL LOPES |
![]() | ![]() |
Descritores: | IRC PROVISÕES ENCARGOS BANCÁRIOS COM LETRAS ENCARGOS COM RENDAS HABITACIONAIS AJUDAS DE CUSTO A FUNCIONÁRIOS REQUISITOS DE DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS INCORRIDOS |
![]() | ![]() |
Sumário: | i) A letra não é um documento autónomo e tem sempre uma relação subjacente à sua emissão.
ii) Os encargos bancários que o portador das letras teve de suportar relacionados com o pagamento desses títulos não podem deixar de se inserirem no conceito de actividade normal da Impugnante. iii)A data de vencimento das facturas e não a data de vencimento das letras é a relevante para se aferir do período de mora a que se refere o art.º 35.º, n.º 1 alínea c), do CIRC. iv) A efectividade dos custos contabilizados com rendas habitacionais, não é requisito suficiente à dedutibilidade fiscal do mesmo (art.º 23.º do CIRC) se a AT questiona a indispensabilidade desses custos e do probatório nada consta que permita concluir que os mesmos foram incorridos pela impugnante, ora recorrida, com o alojamento de funcionários deslocados ao seu serviço. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte em que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por “E……. – Construções …………………., S.A.” contra o acto de liquidação de IRC do exercício de 2004 e respectivos juros, no montante de EUR. 347.812,06, alegando, conclusivamente: « A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga parcialmente procedente, e quanto ao segmento julgado procedente, a impugnação deduzida pela Impugnante E……….-Construções ------------------- S.A da liquidação de IRC referente ao exercício de 2004, e respectiva liquidação de juros compensatórios, no montante global de € 347.812,06. B. Na parte referente às correcções ao lucro tributável atinentes a encargos com provisões não dedutíveis para efeitos fiscais, resulta dos autos, conforme relatório, anexo 2, fls. 4 a 7, que a Impugnante considerou, para efeitos de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, o valor de € 156.457,61, referentes a juros e encargos com letras debitados aos clientes – facto que deverá ser aditado aos factos assentes da douta sentença. C. E decorre do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos, dedicado ao tema das provisões, que são fiscalmente dedutíveis as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal, que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e evidenciados como tal na contabilidade. D. Se a Impugnante tem como actividade a construção de edifícios – facto a aditar ao probatório (cf. fls. 572 e 573 do processo administrativo), a concessão de crédito mediante a contrapartida de pagamento de juros e a assunção de encargos com a emissão de letras destinadas a alargar prazos de pagamento é actividade que não se inclui na sua actividade normal. E. A consideração de tais custos poderá caber abstractamente na liberdade de gestão e de conformação da actividade da Impugnante aos circunstancialismos ditados por específicas relações com clientes, mas não podem ser admitidos nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, porque os juros e encargos com letras não são considerados como fazendo parte do conceito de actividade normal da Impugnante, por se tratarem de encargos de natureza financeira. F. Por outro lado, no referente a provisões constituídas quanto a créditos garantidos com a emissão de letras, como afirmado na sentença, as provisões devem ser constituídas tendo por base a data de vencimento das facturas que lhe estão subjacentes, contudo, necessário é que para tal constituição concorram os requisitos previstos legalmente. G. De acordo com o n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC, na redacção à data dos factos, requisito adicional a acrescer ao previsto na alínea c) do n.º 1 – período decorrido desde a data da constituição em mora e prova de diligências efectuadas para o seu recebimento –, é o referido no corpo do n.º 1, o efectivo risco de incobrabilidade do crédito. H. A Impugnante considerou como custo fiscal o montante de € 329.546,85 referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa garantidos por letras – facto a aditar ao probatório, cf. relatório de inspeção e anexo II, fls. 4 a 6 –, pelo que, a questão em apreciação é a determinação do momento em que ocorre a incobrabilidade de tais créditos em mora da Impugnante, garantidos por letras. I. Efectivamente, estamos perante créditos não titulados convertidos em créditos titulados por garantias, acordadas entre credor e devedor, através das quais o crédito passa a estar garantido pela emissão de uma letra cujo prazo de vencimento é definido para momento posterior ao da exigibilidade da dívida, sendo que, em tais condições, o risco de incobrabilidade apenas se constituirá aquando da impossibilidade/dificuldade de ressarcimento do credor no momento do vencimento das letras emitidas e destinadas a garantir os créditos. J. Daí resultando a ausência do risco de incobrabilidade do crédito na data de vencimento das facturas subjacentes, risco esse que terá de estar associado à constituição da provisão, e sem o qual a provisão não é fiscalmente admissível à luz do disposto no n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC. K. No caso sub judice, o período de tempo decorrido a 31/12/2004, desde a data de vencimento das letras emitidas em resultado de acordo entre devedor e credor, é inferior a 6 meses, pelo que, o valor de € 329.546,85 não pode ser aceite como custo fiscal, devido ao não preenchimento dos requisitos legais vertidos na alínea c) do n.º 1 o artigo 35.º do Código do IRC. L. Atento o exposto, e divergindo respeitosamente do sufragado na douta sentença, é entendimento da Fazenda Pública incorrer a douta sentença em erro de julgamento de facto, com consequente violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC e da alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC. M. Do procedimento inspectivo que está na origem do acto de liquidação de IRC nos presentes autos impugnados mais decorreram correcções em sede de custos não admitidos fiscalmente relativos a rendas suportadas pela Impugnante no valor de € 237.149,55, e discorda a Fazenda Pública do entendimento sufragado na douta sentença, porquanto não se limitou a AT a desconsiderar o custo por não indispensável à obtenção de proveitos, antes tendo desconsiderado o custo em análise mercê da não conexão do custo com a actividade da empresa, decorrente da não identificação dos alegados funcionários beneficiários dos imóveis, com consequente dispensabilidade do custo. N. Foi contabilizado nas contas 622193 – fornecimentos e serviços externos – rendas c/r e 622194 – fornecimentos e serviços externos – rendas s/r o montante de € 237.149,55 relativo a rendas de imóveis – facto a aditar ao probatório, conforme relatório de inspecção e anexo 6, fls. 1 a 4, tendo ainda sido constatado em sede de procedimento inspectivo que os beneficiários de tais rendas habitacionais não se encontravam identificados. O. A fim de comprovar a indispensabilidade dos custos, por via da prévia e necessária relação causal dos mesmos com a actividade prosseguida pela Impugnante, foi a Impugnante notificada para a prestação de informação adicional mediante a qual identificasse os beneficiários dos arrendamentos de habitações que alegadamente serviriam de dormitório de pessoal da empresa, o que não sucedeu – facto a aditar ao probatório, conforme relatório, anexo 7, fls. 1 a 8. P. Atendendo ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC, e apelando ao enquadramento levado a cabo na douta sentença de que o requisito da indispensabilidade ínsito no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC impõe que se empreenda uma “análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.”, tratando-se de encargos cujos beneficiários são absolutamente desconhecidos, abstendo-se a Impugnante de demonstrar o inverso, entendemos não verificado um qualquer nexo causal dos custos com os proveitos, atendendo ao escopo societário prosseguido pela Impugnante, não sendo elegíveis tais encargos a custos fiscalmente admissíveis nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. Q. Incorreu, assim, a douta sentença em errónea apreciação dos factos pertinentes, com consequente erro de julgamento de direito, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. R. E, no referente à correcção em sede de custos não admitidos fiscalmente relativos a ajudas de custo pagas a funcionários no valor de € 128.457,68, que o Tribunal a quo considerou ilegal, instada a Impugnante em sede de procedimento inspectivo a prestar esclarecimentos acerca de tais incorridos custos, afirmou a Impugnante que “(…) os custos com as deslocações dos empregados a Espanha devem-se fundamentalmente à prospecção de potenciais oportunidades de crescimento no mercado Espanhol, de forma a permitir que o Grupo Edifer inicie a sua actividade em Espanha (…)”, conforme resulta do relatório de inspecção. S. Contudo, sabendo-se que no período em análise a Impugnante não havia ainda iniciado qualquer obra naquele país e que a categoria profissional dos colaboradores se enquadra no âmbito da direcção técnica e operacional da empresa - facto a aditar ao probatório, conforme relatório de inspecção e anexo 8, fls. 1 a 4, verifica-se da não compatibilidade entre as funções exercidas por tais colaboradores e as alegadas deslocações justificativas dos referidos encargos, o que exigiria um acrescido esforço de comprovação dos custos pela Impugnante. T. Pelo que, se mostra frustrada a necessária relação causal entre custos e proveitos (ainda que meramente potenciais), por não estar demonstrado que os colaboradores se deslocaram a Espanha com o objectivo de prospecção do mercado, não se podendo assim configurar tais custos como indispensáveis à prossecução da normal actividade da Impugnante, incorrendo a douta sentença em erro de julgamento de facto e de direito com violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC. U. Sendo que, mais se requer, por verificados os requisitos vertidos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a dispensa na presente sede do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor que excede o montante de € 275.000,00. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, nos segmentos referidos, com as legais consequências. Mais se requer, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, e nos mais de Direito aplicáveis, a dispensa, nos presentes autos, do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor superior a € 275.000,00. Sendo que V. Exas., Decidindo, farão a Costumada Justiça.». A Recorrida apresentou contra-alegações, que remata com as seguintes conclusões: « 1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, contra o ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC do exercício de 2004 n.º ………………998 e na demonstração de acerto de contas n.º ………………773, datadas de 26 de fevereiro de 2008, no valor de € 347.012,06; 2.ª O Tribunal a quo considerou que a impugnação judicial procedeu relativamente a todas as correções contestadas na impugnação judicial, relativas a provisões não aceites fiscalmente, ajudas de custas e compensação pela deslocação em viatura própria – faturadas a clientes, custos não indispensáveis à atividade, com exceção das correções relativas a despesas de representação sujeitas a tributação autónoma; 3.ª Por não concordar com o decidido, interpôs a Fazenda Pública recurso da sentença, por entender que a mesma enferma de erro de facto e de direito, não tendo, porém, controvertido a sentença recorrida no que respeita à anulação da correção ajudas de custas e compensação pela deslocação em viatura própria – faturadas a clientes; 4.ª Pelo que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o objeto do presente recurso reconduz-se apenas à apreciação do decidido na sentença recorrida no segmento que determinou a anulação das restantes correções; 5.ª Sucede que relativamente às correções objeto do presente recurso, não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida; 6.ª No que concerne às Provisões não aceites fiscalmente, entende a Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto devem ser aditados ao probatório da sentença recorrida os seguintes factos: i) “A Impugnante considerou, para efeitos de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, o valor de € 156.457,61, referentes a juros e encargos com letras debitados aos clientes – facto que deverá ser aditado aos factos assentes da douta sentença, conforme relatório, anexo 2, fls. 4 a 7.”; ii) “Se a Impugnante tem como actividade a construção de edifícios – facto a aditar ao probatório (cf. fls. 572 e 573 do processo administrativo), a concessão de crédito mediante a contrapartida de pagamento de juros e a assunção de encargos com a emissão de letras destinadas a alargar prazos de pagamento é actividade que não se inclui na sua actividade normal.”; iii) “A Impugnante considerou como custo fiscal o montante de € 329.546,85 referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa garantidos por letras – facto a aditar ao probatório, cf. relatório de inspeção e anexo II, fls. 4 a 6.”; 7.ª No entanto, para além dos factos i) e iii) já decorreram do ponto 2) do probatório da sentença recorrida, que remete para o relatório de inspeção, do qual resultou as correções que originaram os presentes autos, designadamente pontos 3.1.1.2.1. e 3.1.1.2.2., nenhum dos factos enunciados é relevante para aferir a legalidade das correções em apreço, não tendo os factos em apreço a capacidade da matéria de direito vertida na sentença recorrida; 8.ª No que respeita às correções efetuadas em sede de inspeção tributária relativamente às provisões respeitantes aos encargos com descontos e letras, assim como os juros compensatórios pelo atraso no pagamento, no valor de € 156.457,61, o Tribunal recorrido considerou que não seriam de manter, porque os referidos encargos incluem-se no conceito de atividade normal da impugnante, cumprindo assim o disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC (cf. p. 17 da sentença recorrida); 9.ª Considera a Fazenda Pública, em suma, que se deve manter o entendimento explanado em sede de inspeção tributária de que os mesmos não se incluem no conceito de atividade normal da Impugnante, ora Recorrida, porque se tratam de encargos de natureza financeira; 10.ª É entendimento da ora Recorrida que o juízo formulado pelo Tribunal a quo não merece censura; 11.ª Ora, como bem refere a sentença recorrida, provisões podem ser definidas como “(…) custos estimados e actuais (do exercício) correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura.” (cf. p. 13 da sentença recorrida e veja-se a propósito do conceito de provisões, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 1102/07.8BESNT, datado de 11.02.2021 e doutrina e jurisprudência citada); 12.ª A constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa é uma das formas previstas no POC, sendo que o regime fiscal previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Código do RC, determina a regra de dedutibilidade das provisões, sem prejuízo das restrições previstas nos artigos 34.º a 36.º (cf. p. 14 da sentença recorrida); 13.ª O entendimento segundo o qual, os encargos em apreço apenas podem ser considerados, fiscalmente dedutíveis, quando o sujeito passivo se dedicar à atividade bancária conduziria a uma redução do âmbito de aplicação dos artigos 23.º e 34.ºdo Código do IRC, o que não era pretendido pelo legislador; 14.ª Com efeito, os referidos encargos e juros “compensatórios” do saque/desconto de letras, foram refletidos na esfera dos seus clientes devedores e incluem-se os mesmos nos saldos devedores dos respetivos clientes, pelo que devem ser considerados decorrentes da atividade normal da Impugnante, ora Recorrida, nos termos do citado artigo 34.º, do Código do IRC e na sequência do disposto nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.12.2015, proferido no âmbito do processo n.º 01108/16 e de 20.06.2006, proferido no âmbito do processo n.º 1138/06, assim como na p. 14 da sentença recorrida); 15.ª A Recorrida recorreu ao saque/desconto de letras, por forma a facilmente obter a satisfação dos seus créditos, necessários ao desenvolvimento da sua atividade, com vista à obtenção de proveitos, e não para abraçar “(…) voluntariamente encargos adicionais de carácter financeiro (…)”, que não cabem no objeto social da Recorrida, “(…) de forma arbitrária, em relação a alguns clientes, e a créditos que já por si assumem como de cobrança duvidosa, com o consequente aumento de custo (…)” (cf. artigo 11.º das alegações de recurso); 16.ª Os encargos em apreço são encargos “normais” de todos os agentes comerciais, sendo o saque e o desconto de letras uma das formas mais comuns de que os agentes comerciais dispõem de modo a obterem a liquidez necessária à prossecução da sua atividade, independentemente de esta respeitar, por exemplo, à construção civil ou ao sector bancário; 17.ª Como salienta a sentença recorrida, “(…) tais encargos mais não são do que uma decorrência do incumprimento da obrigação principal e nessa medida devem ser consideradas como incluídos no conceito de actividade normal da Impugnante” (cf. p. 17 da sentença recorrida); 18.ª Também em relação aos juros “compensatórios” decorrentes no atraso do pagamento do saque/desconto de letras, bem decidiu o Tribunal a quo ao determinar que os mesmos se encontram igualmente incluídos no conceito de atividade normal, sendo por isso dedutíveis nos termos do artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, porque também estes se encontram ligados à dívida principal, sendo aliás acessórias da mesma, porque sem o crédito principal, não existiam (cf. p. 17 da sentença recorrida e vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 668/06, 2.º secção, datado de 18.10.2006); 19.ª Acresce que, em abono do seu argumento, a Impugnada, ora Recorrente não provou que de facto estes encargos não resultavam da “atividade normal” da Impugnante, demonstrando que se tratariam de custos alegadamente acessórios ou anormais, nem que que a incobrabilidade dos créditos que originaram a provisão foi constatada e refletida na contabilidade da impugnante em exercício anterior ao de 2004; 20.ª Pelo que, a falta de prova desse pressuposto deve valorar-se em seu desfavor (cf. p. 16 da sentença recorrida); 21.ª Sem prejuízo do acima exposto, caso assim não se entendesse, sempre se deveria entender que a provisão sub judice foi reposta no exercício posterior de 2005 pelo montante de € 80.731,05, com referência ao cliente Choupana Hills, como se comprova através do doc. n.º 4 da p.i., correspondente ao extrato contabilístico de registo do movimento de reversão na conta de proveitos 7722 e mapas de apoio que demonstram a inclusão na reversão da mencionada entidade; 22.ª Quando a administração tributária efetua correções ao resultado tributável com impacto em exercícios subsequentes, compete-lhe concretizar as correspondentes correções nesses exercícios, por sua própria iniciativa, conforme resulta do no Ofício-Circulado n.º 14/1993, de 23 de Novembro, da Direção de Serviços do IRC e em cumprimento princípios da especialização, da tributação pelo lucro real e da justiça previstos, respetivamente, nos artigos 18.º do Código do IRC, 104.º, n.º 2, e 266.º da CRP e 55.º da LGT; 23.ª Perante o exposto, sempre deve improceder o recurso apresentado no que respeita ao presente tema; 24.ª No que concerne às correções efetuadas, relativamente às provisões de dívidas tituladas por letras no montante de € 329.546,85, entendeu o Tribunal a quo, em concordância com o defendido pela Impugnante que “Sendo a letra um título de crédito abstrato e independente da relação jurídica subjacente, nunca pode ser com base na sua data de vencimento que se devem constituir as provisões. As letras podem ter sido constituídas em momento muito posterior ao da emissão das facturas e exactamente para garantirem uma factura já em mora.” (cf. p. 19 da sentença recorrida); 25.ª A Recorrente discorda por considerar que o risco de incobrabilidade apenas ocorre na data de vencimento das respetivas letras e não das faturas; 26.ª No entanto, salvo o devido respeito, tal entendimento não deve proceder, mantendo-se a conclusão da sentença recorrida, na medida em que as letras de câmbio caracterizam-se pela sua abstração em relação à sua relação subjacente – a relação fundamental e que a causa da dívida – o negócio celebrado entre as duas partes, sacador e sacado na relação cartular – é autónoma do negócio cambiário (cf. entre outros, A. FERRER CORREIA, «Lições de Direito Comercial», Reprint, Lex, 1994, pp. 436 e segs. e FERNANDO OLAVO, «Direito Comercial», Volume II, 2.ª parte, Fascículo I, “Títulos de crédito em geral”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1978, pp. 10 a 83, mencionado nas pp. 18 e 19 da sentença recorrida); 27.ª Ademais, quando extinta a ação cambiária por prescrição, “pode ainda reportar-se o credor à obrigação fundamental e com base nesta accionar o devedor”, dado que “a relação fundamental não se extingue por novação” (cf. Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de maio de 1936, citado in A. FERRER CORREIA, op. cit., pág. 441 a 442), o mesmo ocorre no caso de a relação cambiária enfermar de algum vício, designadamente de nulidade, e ser, consequentemente, considerada nula, esta invalidade não afeta a relação fundamental que permanece intacta quanto à sua validade e condições; 28.ª A assunção da obrigação cambiária não extingue a relação fundamental, a não ser naqueles casos em que da convenção executiva se deduza claramente que as partes quiseram a novação da relação subjacente, o que não foi o caso das letras em apreço, porque não foi estabelecido qualquer acordo com os clientes devedores no sentido da extinção da relação extra-cartular às letras de câmbio em apreço, nem da dilação da mora do crédito subjacente em consequência da reforma das mesmas, pelo que persistiu a mora relativamente às faturas emitidas (cf. op. cit., pág. 444 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 9848/06-6, datado de 15.03.2007); 29.ª Com o saque de letras, para além do vencimento do crédito da relação subjacente, passou a existir simultaneamente um outro vencimento (“autónomo”) – o do título de crédito (veja-se a este respeito os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto 26.03.1992, proferido no processo n.º 9230545, e de 9.12.2002 proferido no processo n.º 252317 e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo n.º 7891/19.0T8VNF-A.G1, datado de 20.11.2020); 30.ª Assim, e tendo por referência “a relação autónoma” face à extra-cambiária, também referida pela Representante da Fazenda Pública no artigo 21.º das alegações de recurso, o facto do artigo 35.º do Código do IRC não impor qualquer limitação à constituição de provisões, quando sejam sacadas letras relativamente aos créditos – que apenas são meios adicionais para que os credores vejam a satisfação dos seus créditos – apenas se pode entender que o saque de letras de câmbio não elimina o risco de incobrabilidade dos créditos titulados (cf. a este respeito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.04.1997, proferido no âmbito do processo n.º 13792/97); 31.ª Não sendo de proceder o presente recurso a este respeito; 32.ª Relativamente às correções efetuadas no montante de € 237.149,55, relacionadas com rendas habitacionais, concluiu – e bem – o Tribunal a quo, que não seria de proceder o entendimento da administração tributária, na medida em que se limitou a desconsiderar o custo por o considerar não indispensável à obtenção de proveitos, pelo que a mesma enferma do vício de violação de lei. (cf. p. 26 da sentença recorrida); 33.ª Em sede de alegações de recurso, a Fazenda Pública considera que deverão ser adicionados ao probatório da sentença recorrida dois novos factos: i) “Foi contabilizado nas contas 622193 – fornecimentos e serviços externos – rendas c/r e 622194 – fornecimentos e serviços externos – rendas s/r o montante de € 237.149,55 relativo a rendas de imóveis. – facto a aditar ao probatório, conforme relatório de inspecção e anexo 6, fls. 1 a 4, tendo ainda sido constatado em sede de procedimento inspectivo que os beneficiários de tais rendas habitacionais não se encontravam identificados” e ii) “A fim de comprovar a indispensabilidade dos custos, por via da prévia e necessária relação causal dos mesmos com a actividade prosseguida pela Impugnante, foi a Impugnante notificada para a prestação de informação adicional mediante a qual identificasse os beneficiários dos arrendamentos de habitações que alegadamente serviriam de dormitório de pessoal da empresa, o que não sucedeu. sucedeu – facto a aditar ao probatório, conforme relatório, anexo 7, fls. 1 a 8” (cf. artigos 35 e 36 das alegações de recurso); 34.ª No entanto, não lhe assiste razão, não só por o ponto i) decorrer igualmente no relatório de inspeção (cf. ponto 2 do probatório da sentença), mas também porque no que respeita ao ponto ii), a Impugnante, ora Recorrida respondeu à notificação dos serviços de inspeção tributária – ao contrário do que parece decorrer deste facto – tendo prestado a informação adicional de que se tratavam de imóveis destinados à utilização dos seus funcionários, apresentado uma listagem com as rendas pagas e com a identificação das obras em causa (cf. doc. n.º 1, anexo 6, da pi.); 35.ª Assim, não se descortina qualquer efeito útil no alcance do mérito da decisão, a adição dos presentes factos ao probatório da sentença recorrida; 36.ª Ora, no plano jurídico, o conceito de custo fiscalmente relevante definido no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, prevê que são dedutíveis todas as despesas efetuadas pelos sujeitos passivos, que estejam i) devidamente comprovadas/documentadas e que sejam ii) indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora; 37.ª O conceito de indispensabilidade trata-se de um conceito indeterminado, que deve ser preenchido através da aferição da existência de uma relação entre o encargo apresentado e o interesse da empresa, entendido como a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (cf. MIGUEL MALHEIROS E MIGUEL PATRICIO, «A qualificação e o ónus da prova no regime da dedutibilidade de custos fiscais», A reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, página 230 e p. 23 da sentença recorrida e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 74/01.7BTLRS, datado de 14.02.2019); 38.ª Conceito esse, que não pode ser avaliado à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e/ou mérito do custo, pelo que um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 74/01.7BTLRS, datado de 14.02.2019 e jurisprudência aí citada, assim como na p. 24 da sentença recorrida e ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra Editora, 2004); 39.ª A propósito do conceito de indispensabilidade e da corrente jurisprudencial acima identificada, que conduziu aliás à alteração do artigo 23.º, na reforma da tributação das sociedades, veja-se GUSTAVO LOPES COURINHA, «Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas», Almedina, setembro 2019, p. 109 a 115; 40.ª Assim, os valores pagos a título de rendas cumprem todos os requisitos de dedutibilidade acima referidos, não só por se tratarem de imóveis que se encontram exclusivamente afetos à atividade da Impugnante, ora Recorrida – para alojar os seus trabalhadores perto dos locais das obras (nos quais muitas vezes não existem hotéis ou outros alojamentos) – mas também porque correspondem a gastos, com um nexo causal direto com a atividade, dado que os trabalhadores que precisam de alojamento são indispensáveis para a atividade da Impugnante, ora Recorrida (cf. doc. n.º 1, anexo 6, da pi, através da qual se retira, o valor das rendas e a obra a que estão alocados); 41.ª Deste modo, estando os valores em causa corretamente contabilizados, não podia a administração tributária intrometer-se na gestão e nas opções da empresa, desconsiderando como custo fiscal os montantes em apreço, sem aliás cumprir o ónus da prova, provando que as despesas não se encontravam afetas à atividade – o que não ocorreu (cf. a este respeito p. 25 da sentença recorrida, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 1236/05, datado de 29.03.2006, aí referido e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.06.2003 e de 31.10.2019, proferido no âmbito do processo n.º 7424/14.4BCLSB); 42.ª Acresce que de acordo com o artigo 75.º da LGT a contabilidade do sujeito passivo goza de presunção de veracidade e o ónus da prova só incidiria sobre este no caso da administração tributária duvidasse “fundadamente” da inserção no interesse societário de determinada despesa, como aliás se refere em sede de alegações de recurso (cf. artigo 43.º das alegações de recurso e p. 24 da sentença recorrida); 43.ª Em caso de dúvida, sempre prevaleceria a anulação da correção em apreço, em cumprimento do disposto do artigo 100.º, do CPPT, pelo que em face do exposto, também no que respeita à presente correção, não deve o recurso proceder, mantendo-se o disposto na sentença recorrida; 44.ª Por fim, no que concerne às correções efetuadas a título de ajudas de custo, pagas a funcionários, no valor de € 126.457,68, por deslocações efetuadas a Espanha, com vista à prospeção de potenciais oportunidades de crescimento no país, registadas na contabilidade da Impugnante, determinou a sentença recorrida pela sua anulação, na medida em que também aqui a administração corrigiu o referido valor com base em juízos discricionários (cf. p. 27 da sentença recorrida); 45.ª Segundo a Fazenda Pública o Tribunal a quo incorreu em erro de matéria de facto e direito, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, mantendo o entendimento apresentado em sede de inspeção tributária; 46.ª Porém, salvo o devido respeito, também neste ponto a sentença recorrida não merece censura, senão vejamos; 47.ª No plano factual, a Recorrente entende que deve ser aditado ao probatório da sentença recorrida “No período em análise a Impugnante não havia ainda iniciado qualquer obra naquele país e que a categoria profissional dos colaboradores se enquadra no âmbito da direcção técnica e operacional da empresa - facto a aditar ao probatório, conforme relatório de inspecção e anexo 8, fls. 1 a 4.” (cf. artigo 48 das alegações de recurso) o que se discorda desde já, não só porque do anexo 8., fls. 1 a 4, não é possível extrair a conclusão supra, mas também porque tal facto não é, por si só, suscetível de infirmar a conclusão vertida na sentença recorrida; 48.ª Por sua vez no plano jurídico, as despesas em causa cumprem com todos os critérios de dedutibilidade, acima melhor evidenciadas, previstas nos conceitos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, em particular, i) estarem devidamente comprovadas/documentadas (cf. ponto 6 do probatório da sentença recorrida, que remete para os mapas de ajudas de custo elaborados pela ora Recorrida), e a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, a necessária relação causal entre as despesas com as deslocações e a atividade da Impugnante, ora Recorrida, dado que se pretendia com as mesmas expandir o negócio em Espanha; 49.ª Se o objetivo das deslocações em apreço era precisamente a prospeção de potenciais oportunidades nesse país, ainda não era possível existir qualquer obra, assim como a função da categoria profissional dos colaboradores que efetuaram a deslocação em nada releva para aferição da dedutibilidade do custo, nem implica um “esforço acrescido de comprovação” por parte da Impugnante ora Recorrida, como decorre das alegações de recurso (cf. artigo 49.º das alegações de recurso), sendo aliás uma opção de gestão da empresa, que não pode ser questionada, como acima referido; 50.ª Acresce que, com vista a analisar as condições técnicas para avaliar a viabilidade da obra, ou em relação a aspetos logísticos, essenciais para o sucesso do negócio em concreto e lucro do projeto, a opção pela deslocação de funcionários de apoio técnico e operacional é perfeitamente compreensível, ao invés por exemplo de funcionários da área comercial; 51.ª Assim, como bem decidiu a sentença recorrida, não podia a administração tributária insurgir-se nas opções de gestão da Recorrida, que goza inclusive da presunção de veracidade dos valores corretamente registados na contabilidade (artigo 75.º da LGT), sem cumprir o já mencionado ónus da prova, demonstrando o cariz extra-empresarial das presentes despesas, o que não ocorreu; 52.ª Sendo que numa situação de dúvida, sempre se deverá decidir pela anulação da correção nos termos do artigo 100.º do CPPT, pelo que também neste ponto, deve improceder o presente recurso; 53.ª Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, e mantida na ordem jurídica a sentença recorrida; Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA. Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja o Recorrido dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça.». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso deve improceder, devendo manter-se o julgado, por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe são imputados. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, as questões essenciais a dirimir reconduzem-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela verificação dos requisitos legais de que depende a dedutibilidade fiscal dos custos contabilizados pela impugnante e correspondentes a encargos bancários com letras, encargos com rendas habitacionais e ajudas de custo a funcionários. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « Texto no original». B.DE DIREITO A Recorrente não se conforma com o decidido na sentença quanto a correcções relativas a encargos com provisões fiscalmente não dedutíveis constituídas para créditos de cobrança duvidosa no valor de 156.457,61 €, referente a juros e encargos com letras debitados a clientes. E também não se conforma com o decidido na sentença quanto à consideração da data de vencimento dos créditos provisionados para cobrança duvidosa, que tem de ser a data de vencimento das letras e não a data de vencimento das facturas subjacentes cujo pagamento a emissão das letras visa garantir, por violação do disposto nos artigos 34.º, n.º 1 alínea a) e 35.º, n.º 1 alínea c), do Código do IRC. Decorre do disposto no art.º 23.º, n.º 1 do CIRC, que consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente as provisões (alínea h) do citado artigo). A aceitação fiscal das provisões está sujeita, para além dos requisitos gerais da sua contabilização, documentação e indispensabilidade, aos requisitos especiais enunciados nos artigos 34.º a 38.º do CIRC, consoante a sua finalidade e natureza. De acordo com o disposto no art.º 34.º, n.º 1 do CIRC, «Podem ser deduzidas para a efeitos fiscais as seguintes provisões: a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; b) (…)» Sobre o tem em discussão, saber se os encargos bancários com letras se inserem na actividade normal da empresa, já este Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou, de modo uniforme, nos seus acórdãos de 12/03/2015, tirado no proc.º 01108/16 e de 12/16/2020, tirado no proc.º 235/08.8BESNT, sendo que neste último as partes são as mesmas deste, tendo concluído que a letra não é um documento autónomo e precisa sempre de uma relação subjacente à sua emissão, pelo que os encargos bancários que o portador das letras suporta, relacionados com o pagamento desses títulos, inserem-se no conceito de actividade normal da empresa. Para os desconsiderar como dedutíveis para efeitos fiscais, a Administração Tributária (AT) terá de colocar em causa a relação com a actividade da empresa, o seu montante e o momento em que tenha sido constituída a provisão. No caso dos autos, como nos arestos citados, não estão em causa nem a cobrança duvidosa e sua evidência na contabilidade, mas apenas se se tratam de créditos resultantes da actividade normal da empresa. Tem-se entendido que os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas. No entendimento expressado nos referidos acórdãos, a letra não é um documento autónomo e tem sempre uma relação subjacente à sua emissão. Neste caso, a AT não põe em causa que os questionados encargos bancários com letras derivem da relação comercial e actividade desenvolvida pela empresa, nem põe em causa o seu montante e momento em que foi constituída a provisão. Por isso, não podem os encargos bancários com letras deixarem de estar intimamente conexionados com o negócio causal, de que a letra é o simples escrito particular. Ou seja, os encargos bancários que o portador das letras teve de suportar relacionados com o pagamento desses títulos não podem deixar de se inserir ainda no conceito de catividade normal da empresa, como na de qualquer credor. Não se antevendo argumentos novos que nos levam a afastar da solução preconizada nos referidos acórdãos e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art.º 8.º, n.º 3 do Cód. Civil), também nós concluímos no sentido da admissibilidade como custo para efeitos fiscais das provisões constituídas para encargos com descontos de letras, improcedendo este segmento do recurso, cabendo como nota final dizer que a contabilização da provisão para crédito de cobrança duvidosa consta do relatório e não é factualmente controvertida, nessa medida não se vendo utilidade na pretendida autonomização do facto no probatório como matéria assente. Por outro lado, e no que respeita à não aceitação como custo fiscal do montante de 329.546,85 € referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa garantidos por letras, entende a AT que a data a considerar é a de vencimento das letras e não das facturas ou títulos de despesa subjacentes, tendo a sentença incorrido em erro julgamento por violação do disposto no já referido art.º 34.º e no art.º 35.º, n.º 1, alínea c), ambos do CIRC. Dispõe ou dispunha, o art.º 35.º, n.º 1 do CIRC, «Para efeitos de constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: a) (…); b) (…); c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento. Sobre a correcção agora em discussão, escreveu-se no citado Ac. deste TCAS, de 12/16/2020, tirado no proc.º 235/08.8BESNT: «Conforme resulta da fundamentação da correcção aqui em apreciação, a Administração Tributária considerou que não seriam de aceitar como custos fiscais ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º do CIRC, os valores em dívida de clientes em que a recorrente sujeito teve em conta para o cálculo da provisão, a data de vencimento da factura e não a data de vencimento das letras que titulavam essas dívidas. (…) (…) A.R. Martins Barreiros, Manuel A. Costa Teixeira e Henrique Quintino Ferreira, no Boletim da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, que «no cálculo das provisões previstas na alínea c) do art. 33° [do Código da Contribuição Industrial] [provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa] entra-se em conta com as letras descontadas e não pagas pelos aceitantes até ao fim do exercício.». (Pág. 389 dos nºs 116-117 do Boletim, 1968, e pág. 101 do Boletim, n.0S 211-213, de julho I set. de 1976). Mais, referem que «A provisão para letras descontadas deverá ser considerada como fazendo parte integrante da provisão para créditos de cobrança duvidosa e como tal pode ser objecto de reforço até ao limite de 4% previsto no ofício-circular n º 5520, de 21-6-65, não devendo a mesma ser considerada uma provisão autónoma, pois, neste caso, a sua constituição não poderia ir além de 3% a que se refere o mesmo ofício-circular (Desp. De 1-8-83, Proc. 7, E.G. 273/83, do C.E.F.)». Ora, face à substância económica dos encargos bancários provisionados, ter-se-á de concluir que «os mesmos integram e têm a mesma natureza, das dívidas cujas letras visam garantir». Com efeito, não obstante o saque das letras, o devedor continua a ser o mesmo, não constituindo estas de modo algum uma garantia adicional que altere a situação de risco de incobrabilidade.» (fim de cit.). De resto, acrescentamos nós, o n.º 3 do art.º 35.º do CIRC, ao elencar os créditos que não são considerados de cobrança duvidosa para efeitos fiscais, refere na sua alínea b) “os créditos cobertos por seguro, com excepção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real”, inculcando a ideia de que as letras não constituem garantias adicionais que alterem o risco de incobrabilidade dos créditos vencidos titulados por facturas. E como a sentença bem nota, «Sendo a letra um título de crédito abstracto e independente da relação jurídica subjacente, nunca pode ser com base na sua data de vencimento que se devem constituir as provisões. As letras podem ter sido constituídas em momento muito posterior ao da emissão das facturas e exactamente para garantirem uma factura já em mora». Este segmento do recurso também não logra procedência. No que respeita à correcção de custos contabilizados com rendas habitacionais no montante de 237.149,55 €, a mesma está justificada assim no relatório de inspecção tributária, transcrito no probatório e que aqui se repesca para melhor evidenciação: « ». No caso e como se vê, a AT colocou em causa a indispensabilidade dos custos referenciados, embora não a sua efectividade. Como a jurisprudência e a doutrina reiteradamente o têm salientado, os custos indispensáveis serão aqueles que correspondam a gastos realizados no interesse da sociedade, sendo excluídos os que não se insiram no interesse da sociedade, isto é, que foram incorridos para outros fins. No que tange à matéria do ónus da prova, encontra-se solidificado a nível jurisprudencial que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à Administração Tributária o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a ATA questionar essa indispensabilidade. É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos – cf. Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/6/2001, tirado no Rec. nº 4736/01. Em função do que fica exposto, é ponto assente que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados. Neste contexto, não basta que exista uma conexão entre custos e proveitos para que os primeiros tenham relevância fiscal, é, pois, necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação (dos) proveitos. Assim sendo, questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (artigo 75.º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada, mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível. Isso assente, nada no probatório permite concluir que a verba de 237.149,55€ suportada pela recorrida a título de rendas habitacionais, foi referente a imóveis destinados à utilização temporária dos seus trabalhadores deslocados em obras fora dos seus locais de residência. E essa prova era decisiva para se poder aferir da indispensabilidade dos custos incorridos. A ausência dessa prova tem de ser valorada contra a parte onerada, que é a Recorrida. O que significa que o recurso procede nesta parte. Por fim, no que respeita à correcção do montante de 126.457,68€ contabilizado como Ajudas de Custo abonadas a trabalhadores, decorre do RIT, segmento pertinente: « ». Relembrando tudo o que acima se disse sobre o conceito jurisprudencial e doutrinário de indispensabilidade, é manifesto que o juízo concreto que a AT fez de desadequação das categorias profissionais dos trabalhadores deslocados ao serviço da impugnante a Espanha para efeitos de prospecção de mercado, afirmando tratar-se de funções mais compatíveis com a categoria profissional dos comerciais enferma de erro nos pressupostos, consubstanciando, como a sentença bem refere, clara ingerência nas opções de gestão dos sujeitos passivos, o que à AT não é consentido, por o conceito de indispensabilidade não poder equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade ou de conveniência da despesa, o que significa que estava vedado à AT corrigir estes custos com o fundamento utilizado. Este segmento do recurso também não logra procedência. Tudo visto é de conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida quanto ao julgado relativamente à correcção do montante de 237.149,55€ contabilizado como custo de rendas habitacionais, por falta de prova de factos (cujo ónus era da impugnante) que permitam, num juízo de normalidade, afirmar a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, julgando a impugnação improcedente nessa parte. E confirmar o julgado quanto ao demais, ao que tudo se provirá na parte dispositiva do acórdão. * DA DISPENSA DO PAGAMENTO DE REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos: «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.». Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ (347.812,06 euros) e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado, como referido, grosso modo, à discussão de questões factuais e jurídicas centradas na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.º e 35.º do CIRC. Nada obsta, pois, que as partes sejam totalmente dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atento o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em: i) Conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida quanto ao julgado relativamente à correcção do montante de 237.149,55€ contabilizado como custo de rendas habitacionais e julgar a impugnação improcedente nessa parte. ii) No mais, confirmar a sentença recorrida. iii) Dispensar as partes do pagamento total do remanescente da taxa de justiça devida no recurso. Custas na proporção do decaimento. Lisboa, 12 de Março de 2025 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Margarida Reis ________________________________ Ângela Cerdeira |