Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:137/08.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:RUI A.S.FERREIRA
Descritores:RELAÇÕES ESPECIAIS
ROYALTIES
DIFERENÇAS DE INVENTÁRIO
PROVA DOS CUSTOS FISCAIS
PROVISÕES PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
RECURSO DE DESPACHO SOBRE CUSTAS
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I– As provisões para créditos de cobrança duvidosa podem ser constituídas quando a empresa se depara com a existência de um determinado grau de risco de não recebimento de uma dívida de um cliente ou outra entidade, este risco pode ser constatado a partir de situações como atrasos relevantes no pagamento por parte do devedor, mas a sua dedutibilidade fiscal está dependente do respetivo risco de incobrabilidade;
II– Não há risco de incobrabilidade de créditos resultantes de contas-correntes comerciais, registadas permanentemente a crédito e a débito, enquanto se mantiver essa relação comercial e enquanto não for liquidado o montante do crédito (excedente ao débito) em mora há mais de seis meses;
III- As partes contratuais gozam de plena liberdade de negociar ou não negociar e de o fazer nos termos que considerarem mais favoráveis para si, tendo em conta apenas os limites da lei vigente (artigo 405º do CC);
IV – Os negócios entre partes que tenham entre si “relações especiais” devem obedecer aos requisitos das normas relativas a “preços de transferência” (artigo 58º do CIRC, atual 63º);
V– A compra de marcas comerciais e a cedência do seu uso, à mesma entidade que a vendeu ou a terceiros, mediante uma retribuição (royalties), é uma estratégia empresarial legítima entre partes independentes entre si, mas é ilegal se visar ou obtiver a transferência de lucros de uma sociedade portuguesa para uma sociedade relacionada sediada em território com fiscalidade mais favorável à economia do grupo empresarial, quando essa transferência não seja comercialmente justificada nos termos em que poderia ocorrer entre sociedades independentes;
VI– O contrato designado “L.........” através do qual as partes acordam que o licenciante cede ao licenciado o uso de marca comercial de que é titular registado e fixam o prazo de validade do acordo, a respetiva retribuição (royalties) e outras obrigações relativas à proteção e promoção da marca cedida, não se enquadra no conceito de “acordo de repartição de custos” a que alude a Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro (ou equivalente), devendo ser qualificado como contrato de cedência de uso de marca ou contrato de insígnia, pelo que deve ser apreciado autonomamente do contrato de aquisição da marca;
VII- Não deve ser recusado, com fundamento em desconhecimento do destino dado aos bens, o direito à dedução fiscal de custos resultantes de quebras apuradas em “diferenças de inventários”, imputadas à acumulação de pequenos furtos não detetados isoladamente apesar de todas as medidas de segurança e controlo administrativo comprovadamente tomadas por grandes superfícies comerciais, quando tais custos se encontrem contabilizados com suporte em documentos internos e a prova complementar, incluindo a testemunhal, justificar a conclusão de que não existem indícios de fraude e que, muito provavelmente, essas quebras ocorreram realmente;
VIII– No pressuposto de que existe uma qualquer base documental, o pagamento de retenção na fonte sobre rendimentos prediais pode ser comprovado por qualquer meio admissível em Direito, incluindo uma declaração interna emitida pelo contribuinte substituído (quando não exista a declaração que deveria ter sido emitida pelo substituto), desde que complementada por outros meios, tais como extratos bancários onde constem os referidos pagamentos;
IX– A modificabilidade da decisão de facto, quando essa modificação esteja dependente da reapreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação (como é o caso da prova testemunhal), só poderá ser efetuada quando o recorrente tiver cumprido o triplo ónus de impugnação definido pelo artigo 640º do CPC, conforme resulta do disposto no artigo 662º do mesmo código;
X– Estando as relações comerciais contratualizadas em termos que permitem expressamente o pagamento por compensação, até ao “encontro de contas”, não se justifica a dedução de custo fiscal relativo a provisões para créditos de cobrança duvidosa, enquanto subsistam as relações comerciais e na parte em que o pagamento de créditos esteja contrabalançada por débitos; pelo contrário, justifica-se a dedução desse custo se essas relações comerciais já não subsistem e a provisão se refere apenas à parte dos créditos em mora que não podem ser compensados.
XI- Proferida a decisão final da causa na primeira instância, não se mostra absoluta ou totalmente esgotado todo o poder jurisdicional, mas apenas quanto “à matéria da causa”, conforme previsto no n.º 1 do artigo 613.º do CPC.
XII- O n.º 2 do artigo 613.º do CPC ressalva expressamente a possibilidade de o juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, cabendo na reforma da sentença a reforma quanto a custas, segundo o n.º 1 do artigo 616.º do CPC.
XIII- A lei não disciplina expressa e autonomamente o concreto momento processual para ser proferido o despacho a que se refere o artigo 6.º, n.º 7 do RCP, mas a corrente jurisprudencial atualmente dominante determina que o pedido ou a decisão oficiosa terão de ser anteriores ao trânsito em julgado da sentença ou acórdão que ponha termo à instância.
XIV– Sem prejuízo do que ficou dito, cabendo recurso da decisão que condene em custas sem dispensar oficiosamente o pagamento do remanescente da taxa de justiça, deve o respetivo pedido ser feito na alegação do recurso, conforme dispõe expressamente o artigo 616º, nº 3, do CPC.
XV– Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o despacho que se se pronuncia sobre o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente negando esse pedido ou considerando que não é o momento adequado ou que não é o tribunal competente para conhecer do pedido, podendo apenas imputar-se-lhe, eventualmente, o vicio de erro de julgamento;
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 2ª Subsecção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO


A sociedade J..... – G....., SGPS, SA., na qualidade de sociedade dominante de um grupo de empresas retalhistas integrantes do grupo “J........”, deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios de 2003, no total a pagar de € 9.916.678,48, invocando:


- A ilegalidade da desconsideração fiscal das provisões constituídas pelo F...... e G..... para fazer face a créditos de cobrança duvidosa de fornecedores, porquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) incorre em erro sobre os pressupostos de facto, já que as provisões resultam da actividade normal das sociedades, existe um risco de incobrabilidade e comprova-se a frustração de diligências de recebimento;


- A ilegalidade da desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo pela G........ para fazer face a créditos incobráveis de fornecedores, incorrendo a AT numa interpretação atentatória dos princípios conformadores do imposto, bem como do princípio da igualdade;


- A ilegalidade da desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo pelo P........ , a título de rendas e despesas de condomínio, apenas com a justificação de ser comprovado por documentos internos, incorrendo a AT na violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé;


- A ilegalidade da desconsideração fiscal dos custos suportados pelo F........ e P........ com o pagamento de royalties, pela utilização das marcas F........ e P........ , porquanto incorre a AT em vícios de violação de lei, traduzidos no erro sobre os pressupostos de aplicação do artigo 58º do CIRC, e no erro sobre os pressupostos de aplicação dos métodos de determinação do preço de plena concorrência, bem como incorre em vício de lei e de fundamentação, por incumprimento da especial exigência de fundamentação imposta pelo nº 3 do artigo 77º da LGT;


- A ilegalidade da desconsideração fiscal dos custos suportados pelo F........ e P........ com as quebras de existências de bens afetos ao sector alimentar e não alimentar, provocadas por diferenças de inventário, em resultado do vício de falta ou insuficiente fundamentação do ato de liquidação, erro na convocação do artigo 23º do CIRC e erro sobre os pressupostos de facto; e


- A ilegalidade da não-aceitação da dedução efetuada pelas sociedades F........ e P........ , relativamente a retenções na fonte sobre rendimentos prediais auferidos, em clara violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, bem como dos valores da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé;


Pediu, a final, a procedência da impugnação e a consequente anulação dos atos tributários em causa, com todas as consequências legais.


Na pendência da ação a AT revogou parcialmente o ato tributário, em 19/9/2008, na parte referente a créditos incobráveis, no total de € 199.933,85 (facto O do probatório), pelo que efetuou, em 25/02/2009, e notificou a Impugnante, em 11/3/2009, um ato de liquidação, retificativo do anterior, do qual resulta uma diminuição da matéria coletável no montante de € 396.209,77 e um acréscimo à dedução de retenções na fonte no montante de € 161.331,49, tendo a Impugnante manifestado interesse em prosseguir a ação contra o ato retificado, cuja demonstração notificada menciona “valor remanescente em dívida: € 4.349.631,40” (pág. 305-311, ordem 18, do SITAF).


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Por sentença de 03.10.2018, o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu:


(i) Declarar extinta a instância, com fundamento em impossibilidade superveniente da lide, quanto à correcção relativa à anulação de créditos incobráveis, no montante de € 199.933,85;


(ii) Quanto ao demais, julgar parcialmente procedente a presente impugnação e, por conseguinte, condenar a Fazenda Pública parcialmente no pedido de anulação da liquidação impugnada, e, em consequência, na restituição da parte do imposto indevidamente pago, no pagamento dos juros indemnizatórios e na indemnização por prestação indevida da garantia, na proporção do vencimento.


Custas pelas partes na proporção do decaimento (10% para a Impugnante; 90% para a Fazenda Pública).


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A Fazenda Pública deduziu o presente recurso, dirigido a este Tribunal, tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 03.10.2018, na parte em que julgou (parcialmente) procedente a impugnação judicial deduzida pela J..... – G....., SGPS, SA., determinando a anulação dos atos de liquidação adicional de IRC e correspondentes JC, na parte que tange às correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo e relacionadas com “pagamento de royalties”; “quebras de existências de bens, provocadas por diferenças de inventário” e “não-aceitação das retenções na fonte sobre rendimentos prediais”, determinando igualmente pela anulação parcial da liquidação de juros compensatórios e, bem assim, condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios referentes à parte da liquidação anulada.


Para isso, a Recorrente alegou que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspecção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.º 28º da LGT, 58º e 23º do CIRC, na medida em que ali se considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente, através da prova testemunhal, sem que os documentos contabilísticos de suporte permitam retirar semelhantes conclusões e concluiu pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que declare a impugnação totalmente improcedente.


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Por seu lado, a impugnante (J........ , SA) apresentou contra-alegações e deduziu recurso contra a mesma sentença, na parte em que julgou (parcialmente) improcedente a impugnação relativa às correções ao lucro tributável do grupo de sociedades tributado de acordo com o regime especial de tributação dos grupos (RETGS) consubstanciada:


i.. Na desconsideração fiscal das provisões para créditos de cobrança duvidosa de fornecedores, no montante de € 1.174.775,70;


ii. Na desconsideração fiscal do montante contabilizado pela P........ a título de rendas e despesas de condomínio, no montante de € 953.800,59.


Para isso, a Recorrente alegou que a sentença incorre em erro na apreciação da matéria de facto e que faz uma inidónea interpretação e aplicação do Direito aplicável, em violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e concluiu pedindo a anulação da sentença recorrida.


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A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.


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A Fazenda Pública requereu dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, mas, por despacho de 21.12.2018, o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu não conhecer esse pedido por o considerar extemporâneo, pelo que a requerente recorreu contra tal decisão.


Para isso, a Recorrente alegou que o referido despacho padece de erro de julgamento por ter interpretado e aplicado erradamente o disposto no artigo 6.°, n.º 7 e o artigo 31.°, n.ºs 1 a 3, todos do Regulamento das Custas Processuais e concluiu pedindo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que dispense ou reduza o pagamento da taxa de justiça remanescente.


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Os recursos foram admitidos com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.


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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do artigo 288.º, n.º 1, do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos.


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Colhidos os vistos legais, nos termos do art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II -QUESTÕES A DECIDIR:


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].


Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir, se a sentença recorrida padece de:

a. Nulidade da sentença na apreciação da matéria de facto relativa às correções das provisões para créditos de cobrança duvidosa e da dedução dos custos com rendas prediais;

b. Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto relativa às correções das provisões para créditos de cobrança duvidosa e da dedução dos custos com rendas prediais

c. Erro de julgamento relativo aos custos com provisões para cobrança duvidosa;

d. Erro de julgamento relativo aos custos com rendas prediais;

e. Erro de julgamento relativo aos custos com royalties pelo uso de marcas comerciais;

f. Erro de julgamento relativo aos custos com diferenças de inventários;

g. Erro de julgamento por desconsideração de pagamentos por retenção na fonte;


Além disso, incumbe apreciar e decidir se o Despacho de 21.12.2018 padece de:

h. Omissão de julgamento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça aludido no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


A) A Impugnante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades (RETGS) – designado “Grupo J........” (abreviadamente “Grupo J........ ”), fazendo parte do perímetro, como sociedades dominadas, designadamente, as seguintes:


- F........ – H…., S.A. (“F........ ”), detida a 65% pelo P........ e 35% pela G........ ; tem como actividade principal o comércio a retalho em supermercados e hipermercados (CAE 052 111);


- P........ – D…., S.A. (“P........ ”), detida a 100% pela G........ , que tem como actividade principal o comércio a retalho em supermercados e hipermercados (CAE 052 111);


- G........ – G........ , S.A. (“ G........ ”), detida a 100% pela Impugnante, que tem como actividade principal, actividades de consultoria para os negócios e a gestão, sendo, na prática, a central logística e de armazém do Grupo J........ (CAE: 074 140);


- I...... – G........ , S.A. (“I.......”), que tem como actividade principal a compra e venda de bens imobiliários (CAE 070120).


(Cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i);


B) Integra o Grupo J........ a sociedade de direito suíço J........ R...... AG (“J........ S”), detida a 49% pela sociedade K......, NV e 51% pela H......., Lda., a qual é detida em 99,9% pela J........ SGPS, S.A. (cfr. esquema de participações constante do Anexo 9 do RIT – doc. 1 junto com a p.i);


C) Em 27.06.2007, teve início uma acção de inspecção tributária interna, relativa ao IRC do exercício de 2003 do Grupo J........ , no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética, no montante global de € 25.267.763,89, que se consubstanciam:
Correcção (Desconsideração fiscal)Montante
Créditos de cobrança duvidosa, constituídos sobre saldos devedores de fornecedores€ 1.174.775,70
Custo extraordinário relativo a anulação de créditos incobráveis€ 199.933,85
Despesas indevidamente documentadas, a título de rendas€ 953.800,59
Importâncias devidas pelo aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas€ 15.285,27
Preços de Transferência - Royalties€ 9.113.799,00
Quebras de existências por diferenças de inventário€ 13.760.609,67
Encargo não aceite como custo€ 2.532,00
Despesas efectuadas com cartão de crédito da empresa€ 1.270,50
Ajustamentos de consolidação das amortizações do exercício€ 60,65
Benefícios Fiscais - CLE€ 45.696,66
TOTAL:€ 25.267.763,89
Ao nível do Cálculo do imposto:
Retenções na fonte efectuadas por terceiros€ 293.451,06
Tributação Autónoma€ 11.793, 62
(Cfr. RIT – docs. 1 e 2 juntos com a p.i);


D) Em 28.09.2007, foi elaborado pela DSIT o Relatório de Conclusões da Acção Inspectiva (“RIT”), do qual constam os fundamentos das correcções efectuadas – que a seguir se transcrevem na parte com interesse para a decisão da causa –, as quais resultam das acções de inspecção externa às sociedades dominadas identificadas na alínea A) supra (cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i);


E) Resulta do RIT, no que respeita às provisões de crédito de cobrança duvidosa, constituídas sobre os saldos devedores de fornecedores, a seguinte fundamentação:


“(…) não foi reconhecido como custo fiscal o montante de € 1.174.775,70, respeitante às sociedades dominadas F........ (€ 1.002.221,39) e G........ (€ 172.554,31), conforme se passa a citar:

A. A sociedade dominada F........ , constituiu provisões para créditos de cobrança duvidosa sobre fornecedores, que se encontram registadas na conta 288 (…).

B. Em termos genéricos os créditos sobre fornecedores resultam de uma das seguintes situações:


- emissão de uma factura ou documento equivalente pelo cliente, quando existe uma relação comercial em que o cliente é ao mesmo tempo fornecedor, situação que se verifica com frequência entre empresas de prestação de serviços;


- rectificação efectuada aos montantes facturados pelo fornecedor (…);


- emissão de avisos de débito, quando efectuados pelo cliente, ou avisos de crédito efectuados pelo fornecedor, referente a descontos, rappel ou outros direitos negociados, favoráveis ao cliente.


Os saldos devedores que resultam da relação comercial que o F........ detém com os seus fornecedores e sobre os quais constitui provisão, provêem da última situação atrás descrita. Neste contexto, qualquer fornecedor do F........ que tenha relações comerciais contínuas e em condições “normais”, deterá certamente, um valor de facturação superior àquele que o F........ eventualmente poderá efectuar no âmbito de acordos contratuais que tenham celebrado entre eles, pois nenhuma entidade está disposta a pagar mais do que aquilo que recebe pela venda dos seus produtos/serviços.


Assim, não entende a Administração Tributária o motivo pelo qual os créditos detidos pelo F........ sobre os seus Fornecedores podem ser superiores aos que resultam das dívidas do F........ para com estes, pois numa situação de transacções comerciais normais, os Fornecedores nunca estariam em dívida para com o F........ , mas antes o contrário. Nesse sentido, e desde logo, a existência num determinado momento de saldos devedores de fornecedores, não significa que os mesmos possam ser considerados de cobrança duvidosa. De facto, de cobrança duvidosa nada têm, uma vez que, salvaguardando o F........ os seus interesses, tais créditos nunca poderiam assumir tal característica, pois tratando-se de créditos sobre fornecedores com os quais o sujeito passivo continua a manter relações comerciais, não estão a estes associados quaisquer riscos de incobrabilidade face aos valores regularmente em dívida da parte do F........ .


Da análise que se pôde efectuar à composição das provisões constituídas para efeitos de crédito de cobrança duvidosa sobre fornecedores, facilmente se constata que o sujeito passivo se encontra também em débito para com essas entidades, sendo devedor de valores por vezes equivalentes ou como acontece na generalidade das situações, superiores aos créditos que detém sobre esses fornecedores. De facto, para a grande maioria dos fornecedores, durante o período de vigência dos créditos, que pode ir de um mês a um período superior a 36 meses e que constitui as suas contas correntes, existem contabilizados tanto créditos como débitos, sendo visível que em muitos casos e apesar da constituição de provisão para supostos créditos de cobrança duvidosa, continua a existir uma relação comercial com esses fornecedores (anexo 1, fls. 1).


No sentido de corroborar o que foi dito, daremos apenas como exemplo, dos muitos casos que detectámos, a provisão para o fornecedor “H....... SA (com o código n.º 111285). (…). Fazendo o somatório dos valores debitados e dos valores creditados, temos um saldo líquido de € 1.763,51, consequentemente a existir “provisão”, o que nem por mera hipótese se admite ascenderia esta a este valor. Contudo o sujeito passivo deduz, para efeitos fiscais, uma provisão de € 35.786,07 (€ 40.926,15+ € 431,29 + € 732,25 - € 6.303,62). Note-se que, se do ponto de vista fiscal não é admissível a consideração de tais provisões, pelos motivos já expostos e pelos que de seguida adiantaremos, também no que diz respeito à prática contabilística a forma de calcular tais provisões se encontra totalmente ferida dos mais elementares princípios técnicos, pois a considerar-se tais provisões, e no sentido de suprir as incongruências que apresentamos, deveria o sujeito passivo afectar o saldo credor dos saldos devedores que lhe correspondem, considerando a mora devedora remanescente. Esta seria a prática num cenário de admissibilidade de tais provisões para efeitos fiscais, o que, repetimos, nem por mera hipótese admitimos, face à falta de enquadramento das mesmas na norma fiscal, como de seguida demonstraremos.


Preconiza o Código de IRC na alínea a) do n.º 1 do artigo34º conjugada com a alínea c) do n.°1 do artigo 35.°, que a dedutibilidade fiscal de qualquer provisão se encontra condicionada à verificação de alguns requisitos, a saber:


a) as que resultarem da actividade normal da empresa


Relativamente a este primeiro requisito poderia desde logo questionar-se o enquadramento de tais provisões na actividade normal da empresa. De facto, e atendendo a que a generalidade dos saldos devedores, sobre fornecedores, são determinados por débitos emitidos pelo F........ , cujo reconhecimento da contraparte (fornecedor) não ocorre, por entenderem não serem devidos, nem tão pouco haver contratualização que assim o justifique, poderia levar a que se questionasse o enquadramento neste primeiro requisito. Não o faremos contudo.


b) possam ser considerados de cobrança duvidosa


É, indubitavelmente, o requisito fundamental de admissibilidade de qualquer provisão para efeitos fiscais, sendo que o sujeito passivo não demonstra, porque de facto não pode, em que medida os saldos devedores de fornecedores se constituem dívidas de cobrança duvidosa, na medida em que continua a existir uma relação comercial, consubstanciada na troca de mercadorias e na sua integral liquidação, sem que seja efectuado o encontro de contas, ou a dedução dos montantes debitados pelo F........ .


c) tenham existido provas de terem sido efectuadas diligências de recebimento


Realce-se que, relativamente a este último requisito, não apresentou o sujeito passivo provas das eventuais diligências efectuadas, tendentes à cobrança dos valores em dívida. De facto, a existência de tais diligências demonstra, por um lado, a existência de um risco de incobrabilidade e por outro que, assistindo a razão a quem as efectua, este tentou de alguma forma cobrá-las. Nada disto foi demonstrado pelo sujeito passivo.


d) os créditos estejam evidenciados como tal (de cobrança duvidosa) na contabilidade


Poderia dizer-se que o presente requisito não acrescenta nada de substancial, no que à admissibilidade fiscal de uma provisão diz respeito, na medida em que se afigura como um requisito formal (…). Na realidade, quando uma empresa transfere de uma conta corrente um determinado montante, para uma conta de cobrança duvidosa, o que pretende demonstrar com a alteração do registo contabilístico originário? Bom, desde logo a percepção adquirida de que, por força de um conjunto de factos, se lhe afigura possível e expectável que não venha a ser ressarcida de determinado valor. Assim, fará sentido que não sendo ressarcida do seu crédito mantenha com a entidade devedora relações comerciais, ou mantendo-as não salvaguarde os seus interesses deduzindo às suas responsabilidades o montante que tem a haver? Desta forma, a evidenciação de determinado saldo como de cobrança duvidosa, constitui desde logo uma manifestação por parte da empresa, que deverá encontrar repercussões em atitudes posteriores, de que são exemplo as diligências efectuadas no sentido de receber o seu crédito, dedução nos seus pagamentos do montante a receber, ou não existindo essa possibilidade o eventual corte de relações comerciais.


Assim, face aos fundamentos apresentados, bem como à falta de enquadramento das provisões em apreciação na norma fiscal, tal como se encontram preconizadas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 34.° do CIRC, em conjugação com a alínea c) do n.°1 do artigo 35.° do mesmo diploma, não se considera dedutível no exercício de 2003 a constituição/reforço das provisões para fornecedores, para efeitos de determinação do resultado fiscal, pelo que se procede a um acréscimo ao lucro tributável no montante de € 1.002.221,39, correspondente ao valor contabilizado na conta ...-Prov. Cob. Duvidosa - Fornecedores Devedores (€ 1.248.981,96) deduzido do montante de € 246.760,57 acrescido pelo sujeito passivo ao Q. 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22.


(…).” (cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i.);


F) Sobre a correcção relativa aos créditos incobráveis, retira-se do RIT a fundamentação seguinte:


“No exercício de 2003, a sociedade dominada G........ , contabilizou como custo extraordinário do exercício, o valor de € 282.816,05 relativo a dívidas incobráveis, tendo igualmente procedido à utilização da provisão para saldos devedores de fornecedores constituída em exercícios anteriores. Do referido valor, o sujeito passivo apenas acresceu ao lucro tributável o montante de € 82.882,20. Todavia, analisados os documentos suporte relativos ao montante não acrescido (€ 199.933,85), apresentados pelo sujeito passivo verificou-se que os mesmos não fazem prova da efectiva incobrabilidade das referidas dívidas, porquanto não resultam de decisão proferida na sequência de reclamação judicial, de processo de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência. (…)


Deste modo, os documentos apresentados apenas justificam a existência de risco de incobrabilidade da dívida, ficando assim prejudicada a sua efectiva comprovação (…).


Assim, não se encontrando reunidos os pressupostos para considerar o montante de € 199.933,85 como incobrável, nem se verificando o enquadramento dos referidos créditos nas situações elencadas no art.º 39.° do CIRC, deverá o mesmo ser acrescido ao resultado fiscal declarado. (…)”


G) No que concerne à correcção sobre despesas incorridas a título de rendas, indevidamente documentadas, decorre do RIT:


“A sociedade dominada P........ , contabilizou no exercício de 2003 como custos, rendas. Após a análise efectuada aos referidos custos, verificou-se o seguinte:


Do extracto de conta ... - “A.P.-Rendas Grupo” foram seleccionados e requeridos ao sujeitos passivo, dois registos contabilísticos para análise documental, os números ...... e......, no montante de € 54.590,42 e de € 34.479,10 respectivamente, bem assim como os contratos de arrendamento subjacentes aos referidos custos.


Da análise aos documentos disponibilizados pelo sujeito passivo verificou-se que estes registos contabilísticos se encontravam suportados por documentos internos, sendo os custos relativos a estimativas das rendas do mês de Junho de 2003 das lojas de ...e Sesimbra.


Face à natureza dos documentos apresentados foi o sujeito passivo notificado no dia 9 de Abril de 2007, para apresentar todos os documentos externos comprovativos dos custos relacionados com as rendas destas lojas. Em resposta o sujeito passivo informou que os registos em apreço, têm por base os contratos-promessa de subarrendamento existentes entre o P........ e as sociedades I.... - G......., SA (lojas de Sesimbra, Feijó e Boa Hora) e C.... - G......., SA (lojas de ...). Adicionalmente o sujeito passivo entregou cópia dos documentos emitidos pela I....... aquando da celebração do contrato de arrendamento das lojas situadas nas freguesias de Sesimbra e do Feijó, sendo de salientar que os mesmos foram emitidos em 2006.


Ainda no contexto da análise efectuada, nomeadamente aos contratos promessa disponibilizados pelo sujeito passivo, verificou-se que os valores contabilizados mensalmente como rendas encontram-se inscritos respectivamente nos contratos promessa de subarrendamento e arrendamento. Consta também dos contratos promessa - clausula sétima - que os contratos definitivos só serão celebrados quando forem obtidas as respostas aos pedidos de certificados de renúncia à isenção do IVA e emitidas as licenças de utilização dos imóveis.


O sujeito passivo, certamente para dar cumprimento ao princípio da especialização dos exercícios consagrado no artigo 18.° do CIRC, efectuou o registo contabilístico com o recurso a documentos internos, não sendo contudo suficientes, do ponto de vista legal, para a dedutibilidade fiscal dos referidos custos. (…)


Assim, face à inexistência de documentos externos, “in casu” recibos de quitação que permitam comprovar e demonstrar na sua plenitude da veracidade da operação subjacente ao respectivo lançamento contabilístico, conclui-se que os encargos contabilizados como custo no exercício de 2003, pelo montante de € 953.800,59, conforme mapa em anexo 3, fls. 10 e 11, por indevidamente documentados, não são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do disposto no artigo 42.° n.º 1, alínea g) do CIRC sendo assim de acrescer ao lucro tributável o montante atrás citado. (…)


De sorte que os custos terão que ser comprovados por documentos válidos, entendendo-se em regra, por documento válido aquele cuja origem externa (…) demonstre de forma inequívoca a veracidade da operação económica subjacente ao lançamento contabilístico efectuado e os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos.


E só na origem externa dos documentos - recibos de quitação emitidos pelos beneficiários dos rendimentos prediais em apreço - permite, enquanto condição “sine qua non” para a comprovação dos lançamentos contabilísticos efectuados pelo sujeito passivo, presumir a veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte nos termos do disposto no artigo 75º da LGT. (…)


Ora, face ao quadro legal atrás referido, na situação tributária em apreço a inexistência de recibos de quitação de rendas emitidos pelos beneficiários dos rendimentos na qualidade de locadores dos locais arrendados, enquadra o montante de € 953.800,59 despendido pelo sujeito passivo, como encargo não devidamente documentado nos termos do disposto no artigo 42° n.º 1 alínea g) do CIRC; sendo claramente irrelevante, por inexistência de documento externo, aferir se numa aplicação integrada do sistema fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, desse documento externo necessário à comprovação documental em sede de dedutibilidade fiscal de custos no âmbito do IRC, devem ou não constar os requisitos do artigo 35.° do Código do IVA.


Refira-se ainda que a prova da dedutibilidade fiscal dos encargos em questão - contratos promessa de subarrendamento - apresentada pelo sujeito passivo não permite, pela sua própria natureza jurídica, comprovar de per si a existência de um pagamento devido pelo arrendamento de local destinado ao exercício de uma actividade comercial, porquanto tal contrato consubstancia à luz do disposto no artigo 410° n.º 1 do Código Civil apenas uma promessa de celebrar no futuro um contrato definitivo de arrendamento comercial, o que não sucedeu nem no exercício em causa nem sequer até à presente data.” (cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i);


H) No que concerne à correcção em sede de preços de transferência, consubstanciado no pagamento de royalties à sociedade J........, resulta do RIT:


“Na esfera das inspecções de âmbito geral realizadas em termos individuais das sociedades dominadas F........ e P........ , analisou-se o pagamento de royalties, efectuado pelas empresas em questão à sociedade de direito suíço J..., SGPS (J........).


As operações subjacentes ao pagamento dos royalties por parte do F........ e do P........ , têm origem no exercício de 1993, com a cedência das suas marcas “F........ ” e “P........ ” à empresa J........ R......, AG, pelos valores de € 8.978.362,15 (1.800.000.000$00) e € 18.455.522,19 (3.700.000.000$00), respectivamente, tendo sido estabelecidos posteriormente, em Julho de 1994, relativamente a cada uma das marcas, contratos de L........., onde se estabeleciam as condições de utilização da marca F........ e da marca P........ . (...)


Analisadas na totalidade as operações e respectivos documentos suporte (facturas, despesas suportadas, contrato de venda da marca, L............), concluiu-se que os encargos decorrentes do pagamento de royalties não devem concorrer para a formação do lucro tributável, por força do estatuído no art.º 58.° do CIRC (…)


1. - Análise da operação à luz do princípio da plena concorrência preconizado no artigo 58° do CIRC


1.1. - As entidades intervenientes e a existência de relações especiais


(…)


Da análise dos referidos mapas é possível constatar que:


a) O F........ e a J........ se encontram na situação prevista na alínea b) do n° 4 da citada norma, relativamente à sociedade J........ SGPS (NIPC ...), pois esta sociedade participa em ambas as sociedades (F........ e J........), de forma indirecta. Verifica-se, assim, a existência de relações especiais entre as duas entidades, pelo que as operações controvertidas (L......... antecedido de alienação de um intangível) terão de ser analisadas à luz do princípio de plena concorrência.


b) O P........ e a J........ encontram-se na situação prevista na alínea b) do n° 4 da citada norma, relativamente à sociedade J........ SGPS (NIPC ...), pois esta sociedade participa em ambas as sociedades (P........ e J........), de forma indirecta. Verifica-se, assim, a existência de relações especiais entre as duas entidades, pelo que as operações controvertidas (L......... antecedido de alienação de um intangível) terão de ser analisadas à luz do princípio de plena concorrência.


Tal como de seguida se exporá, considera a Administração Fiscal que, de facto, nas operações controvertidas estabelecidas entre a sociedade F........ e a J........ e entre a sociedade P........ e a J........, não foram contratados, aceites e praticados termos ou condições, substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, pelo que, nos termos do artigo 58.° do CIRC, terá de ser realizado um ajustamento positivo ao lucro tributável do F........ no montante de € 4.100.273,00, referente ao pagamento efectuado pela mesma a título de royalties, contabilizado como custo na conta ... - C........ - Grupo, bem como terá de ser efectuado um ajustamento positivo ao lucro tributável do P........ , no valor de € 5.013.526,00, respeitante ao pagamento a título de royalties, que foram contabilizados como custo por esta sociedade na conta 622242.


1.2. - As condições definidas


(…)


Analisados os elementos/referências constantes de cada um dos referidos acordos, para além de outras particularidades, cumpre desde já questionar que em momento algum dos presentes contratos é estabelecida qualquer penalidade no caso de incumprimento dos termos estabelecidos e aceites por ambas as entidades. Por outro lado, e após análise minuciosa dos contratos, não se vislumbrou a assunção de qualquer responsabilidade imputável à entidade detentora das marcas - J........ - designadamente ao nível da tomada de riscos inerentes à detenção de um activo desta natureza, acerca dos quais nos referiremos mais à frente.


Características das operações:


A) Em 1 de Julho de 1994 foi celebrado um L......... entre a empresa J........ S, e o F........ , com efeito a 31 de Dezembro de 1993, referente à venda da marca registada “F........ ”, adiante designada por “Marca”. O valor contratual estabelecido foi de € 8.978.362,15 (1.800.000.000$00). No referido L......... ficou estabelecido que o F........ remuneraria pela licença e consultoria da “Marca”, uma taxa de licenciamento de 0,6%, líquida de todos os encargos aplicáveis em Portugal, sobre todas as vendas efectuadas nas suas lojas em Portugal (quer os Produtos sejam designados pela Marca ou não) e sobre todos os produtos vendidos com a Marca através de outros canais de venda que não as suas lojas. Ficou ainda estabelecido no L......... supra referido, no seu ponto 8 a) que o acordo pode ser rescindido por qualquer das partes com efeito no final de qualquer ano civil, mas nunca antes de 31 de Dezembro de 2023 (30 anos).


Ao abrigo do L......... além do pagamento das royalties já referidos, o F........ ficou ainda obrigado a investir 0,15% da sua facturação na promoção da Marca através de publicidade institucional e de diversas promoções especiais. Caso não consiga demonstrar que o fez, fica sujeito ao pagamento de uma taxa de licenciamento adicional de 0,15% da facturação, à J.........


B) Em 1 de Julho de 1994 foi celebrado um L......... entre a empresa J........, e o P........ , com efeito a 31 de Dezembro de 1993, referente à venda da marca registada “P........ ”, adiante designada por “Marca”. O valor contratual estabelecido foi de € 18.455.522,19 (3.700.000.000$00). No referido L......... ficou estabelecido que o P........ remuneraria peia licença e consultoria da “Marca”, uma taxa de licenciamento de 0,6%, líquida de todos os encargos aplicáveis em Portugal, sobre todas as vendas efectuadas nas suas lojas em Portugal (quer os Produtos sejam designados pela Marca ou não) e sobre todos os produtos vendidos com a Marca através de outros canais de venda que não as suas lojas. Ficou ainda estabelecido no L......... supra referido, no seu ponto 8 a) que o acordo pode ser rescindido por qualquer das partes com efeito no final de qualquer ano civil, mas nunca antes de 31 de Dezembro de 2023 (30 anos).


Ao abrigo do L......... além do pagamento dos royalties já referidos, o P........ ficou ainda obrigado a investir 0,15% da sua facturação na promoção da Marca através de publicidade institucional e de diversas promoções especiais. Caso não consiga demonstrar que o fez, fica sujeito ao pagamento de uma taxa de licenciamento adicional de 0,15% da facturação, à J.........


Algumas considerações da OCDE:


(…) A OCDE reconhece que o valor destes bens incorpóreos depende da qualidade dos bens e serviços produzidos no passado, do nível de controlo de qualidade, do esforço de pesquisa e desenvolvimento, da disponibilidade dos bens e serviços comercializados bem como da fonte tradicional de valor que resulta do montante e sucesso das despesas de promoção (…)


De acordo com a OCDE, o valor de uma marca comercial é criado e mantido através da publicidade e outras actividades de marketing, (…) e da forma como essa reputação é mantida. (…).


Descrição dos factos


Não pretendendo a Administração Fiscal colocar em causa quer o L........., celebrado entre o F........ e a J........ quer o L........., celebrado entre o P........ e a J........, nem tão pouco imiscuir-se naquilo que são decisões de natureza estratégico/operacional, é contudo claro que nas operações controvertidas se verificou a inobservância do princípio de plena concorrência consagrado no art.º 58° do CIRC, designadamente pelas razões que de seguida exporemos:


Realce-se, desde logo, que a transferência/cedência deste tipo de activos - marcas - se traduz na assunção de um conjunto de riscos, ligados à forte incerteza que envolve a avaliação do bem incorpóreo. Note-se que um L......... celebrado entre empresas independentes, salvaguardaria, necessariamente, interesses de ambas as partes, nomeadamente a possibilidade de optar por contratos de menor duração ou de figurar nos mesmos, cláusulas de revisão de preços. Na situação em apreço não se verificou qualquer cláusula de salvaguarda deste tipo (…). Neste sentido, é inequívoco que tal situação apenas será admissível e compreensível quando um contrato desta natureza é celebrado entre entidades relacionadas, que fazem parte integrante de um mesmo grupo económico, existindo pois uma comunhão de interesses entre as partes envolvidas.


No âmbito dos esclarecimentos, relativos aos negócios celebrados, foram solicitados os seguintes elementos:


A) Relativamente ao sujeito passivo F........ :


Que identificasse os benefícios obtidos pelo F........ , com o acordo em questão. (…9, respondeu o sujeito passivo o seguinte “O principal e maior benefício que o F........ obtém do contrato de royalties é o de poder utilizar a marca com a mesma designação e que é propriedade da sociedade suíça J......... De facto, caso não tivesse sido celebrado o referido contrato o F........ não teria legitimidade para manter abertas mais de 20 lojas, em território nacional, sob a insígnia “F........ ‟‟. Frise-se que a questão colocada pela Administração Fiscal, no ponto 2 da sua notificação, foi, e transcreve-se “Identificação e quantificação dos benefícios obtidos ao abrigo do contrato de royalties ...” e não os benefícios que o F........ detinha antes da celebração do contrato por usufruir de uma marca que era sua. De facto, a marca em questão era propriedade do F........ , pelo que lhe assistia total legitimidade para dela dispor livremente, estranhando pois a Administração Fiscal que, sendo esta marca sua propriedade, tenha que vendê-la, para assim ter legitimidade em manter abertas as suas lojas. Daqui se depreende que o referido L......... não produz ou produziu qualquer benefício para o F........ , como mais à frente se demonstrará.


Tal como anteriormente se referiu o sujeito passivo procedeu, em 1993, à alienação da marca F........ pelo valor de 8.978.362,15 € (1.800.000.000$00). Pelo L......... comprometeu-se a remunerar a entidade adquirente da marca – J........ (…).


Tal como se evidencia no anexo 7, fls. 23, o F........ contabilizou como custo, a título de royalties, desde 1994 até 2003, inclusive, € 31.008.716,34. Assim, face à realidade dos números, temos que até ao final de 1998, decorridos cinco anos após a celebração do contrato, suporta o F........ custos com direitos de utilização da marca, no montante de € 10.914.120,86. Note-se, desde logo, que dizemos “direitos de utilização de marca” propositadamente pois a J........ não presta, tal como demonstraremos, qualquer outro serviço ao sujeito passivo. Desta forma o F........ , no âmbito do contrato realizado deixa de deter um activo, gerando em 1993, pela sua venda, um acréscimo de tesouraria no montante de € 8.978.362,15, suportando, contudo custos logo nos cinco anos seguintes superiores ao valor de venda desse activo. O negócio assim concebido assume contornos ainda mais inexplicáveis quando se sabe que o contrato em apreço tem uma duração de 30 anos. Ou seja, se quiséssemos teorizar sobre o negócio, poderíamos dizer que, tomando o volume de negócios de 1994 como estático ao longo da vigência do contrato, o que apenas por mera hipótese admitimos, pagaria o F........ pela utilização da marca o valor de € 37.140.881,10 (30 x € 1.238.029,37), isto é, pagaria qualquer coisa como 4 vezes o valor recebido, pela venda da marca à J......... Dito de outra forma, pagaria a mais € 28.162.518,95 pela utilização de um activo que era seu mas que alienou nas condições supra expostas e sem que a J........ o valorize. Convirá relembrar que estamos a ficcionar valores sem aderência à realidade pois, como constatamos, o volume de negócios não se manteve estático ao longo dos anos, assim como convirá relembrar que os valores apurados se reportam aos cinco primeiros anos de vigência do contrato, faltando ainda para a conclusão deste mais 25 anos...


Durante a inspecção realizada ao exercício de 2002 (conforme consta do respectivo Relatório de Inspecção), informou ainda o sujeito passivo, na pessoa do Sr. A......., que a razão da cedência da Marca se prendia com necessidades de tesouraria. Tal justificação não é de todo compreensível, pois é inequívoco que não necessitaria o sujeito de passivo de alienar um activo desta natureza, para realizar um encaixe de tesouraria no montante de € 8.978.362,15 suportando com esta opção custos no montante de € 31.008.716,34 (considerando apenas os 10 primeiros anos de contrato). De facto, encontraria o sujeito passivo com alguma facilidade formas de financiamento bastante menos onerosas. Na realidade, qualquer instituição de crédito estaria com certeza disposta a conceder um financiamento cuja taxa de remuneração é aproximadamente +/-34% ao ano, (…).


Da análise aos custos associados à Marca, e contrariamente ao que o sujeito passivo afirmou no ponto 8 da resposta à notificação efectuada no dia 22 de Fevereiro de 2007, verificou-se que foram contabilizados durante o exercício inspeccionado, além dos encargos com publicidade, custos relacionados com a gestão da Marca, no montante de € 138.993,84, nomeadamente projectos e estudos de marca própria.


Independentemente de ter sido acordado no L......... que o F........ ficaria obrigado a investir 0,15% do total da sua facturação em acções promocionais e publicidade, o que no exercício de 2003 ascenderia a € 976.668,22 (651.112.146,23 x 0,15%), verificou- se contudo que o F........ suportou encargos dessa natureza no montante de € 6.041.512,01 (total dos documentos com valor igual ou superior a € 6.000), conforme mapa em anexo 12, fls. 29 a 37, valor correspondente a 0,93% do total da facturação. Nesse sentido ficou por esclarecer, o motivo pelo qual o F........ , não detendo determinado activo, suporta com a sua promoção, publicitação investigação e desenvolvimento, qualquer tipo de encargos. De facto, e reiterando o que já frisámos, comprova-se que não houve qualquer transferência de risco/responsabilidades, para a esfera da J........, por força do contrato em apreço. Para além, como se demonstra, de concluirmos inequivocamente, que esta entidade não suporta qualquer encargo com a marca, poderemos dizer que se algum benefício a mesma incorporou, o mesmo se deveu aos encargos suportados pelo F........ . A este respeito, voltaremos a referir a falta de independência das partes envolvidas.


De facto, se um negócio assim estruturado, se realizasse entre entidades independentes, sem qualquer tipo de relação societária ou de comunhão de interesses, vemos com muita dificuldade que a parte alienante acordasse na assunção de um conjunto de encargos cuja responsabilidade é, inequivocamente, da entidade que detém o activo (marca), e pelo qual a empresa já paga uma taxa de utilização (royalty).


B) Relativamente ao sujeito passivo P........ :


[Igual fundamentação à situação do F........ , pelo que nos abstemos de transcrever].


Verifica-se assim que cada um dos L......... em causa, é para todos os efeitos, uma transferência formal e não substancial, ou de facto, da marca F........ e da marca P........ , pois, repetimos, nenhuma entidade independente estaria disposta a suportar encargos de publicidade e gestão da Marca sobre um activo que legalmente não é seu, sem que para tal obtenha uma rentabilidade apropriada. De facto, não fizeram o F........ e o P........ mais do que faziam enquanto detentores das marcas F........ e P........ , respectivamente, i.e., publicidade, promoção, divulgação, prospecção, investigação, desenvolvimento, só que agora com duas diferenças: pagam um royalty pela utilização das respectivas marcas, reduzindo a sua rentabilidade e deixam de ser proprietários legais das marcas. Verifica-se, assim, que tanto o F........ , como o P........ para além de ter criado as respectivas marcas, mantêm todas as funções e riscos de detenção das mesmas, nomeadamente as funções de valorização da marca e risco comercial, conservando, assim, a detenção de facto das mesmas.


Face ao descrito, facilmente se depreende que aquando da cedência das Marcas não houve qualquer transferência de riscos para a J........, uma vez que cabe ao sujeito passivo F........ e ao sujeito passivo P........ :


• Dar conhecimento ao cliente; // Desenvolver uma identidade de marca; // Desenvolver uma estratégia de comunicação; // Conceber e produzir campanhas de marca; // Coordenar campanhas dentro do mercado; // Negociar e celebrar acordos de patrocínio para melhorar o conhecimento da marca.


Assim, pela alienação da marca F........ e da marca P........ à J........, não foi transferido qualquer risco inerente à sua posse. O F........ e o P........ continuam a promover as respectivas marcas, a publicitá-las, a desenvolvê-las e a assumir o risco comercial da sua utilização, tudo tarefas, ou se quisermos, atribuições/responsabilidades de quem detém os activos: a J........, que não suporta quaisquer encargos com a posse dos referidos activos, conforme foi possível constatar pela análise às contas desta sociedade, nem tão pouco possui estrutura para suportar os riscos e funções de detenção legal e de facto das mesmas.


Na realidade, e por força do estabelecido no artigo 60° do CIRC, a sociedade J........ SGPS, SA, detentora indirectamente de 51% do capital da J........, sedeada na Suíça, é obrigada a imputar na sua base tributável, na proporção da sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, bem como possuir as contas devidamente aprovados pelos órgãos competentes das sociedades não residentes a que respeita o lucro a imputar. Esta situação ocorre com a participação indirectamente detida pela J..., SGPS, na J........, via ..., por aplicação do normativo supra citado. De facto, encontra-se a J..., SGPS obrigada, nos termos da citada norma, a imputar a sua quota parte nos resultados da J........ S, sendo que estes são compostos em cerca de 40% a 50% pelos royalties pagos pelo F........ e em cerca de 50% a 60% pelos royalties pagos pelo P........ .


(…) Analisados os mesmos 8 [anexo 14], verifica-se que não existem custos contabilizados relativos à gestão das Marcas, sendo que, o custo que se encontra contabilizado mais significativo é o das respectivas amortizações. De facto, a J........ não regista qualquer encargo, que não seja o anteriormente referido, com o facto de deter um activo desta natureza. Pelo que se conclui que não exerce qualquer função quer de rotina, quer associada à detenção e valorização de um intangível.


Note-se, que a respeito do montante de € 2.728.675,14 constante como custo na Demonstração de Resultados da J........, parte do mesmo (51%) se deve, de acordo com a informação prestada pela sociedade J........ SGPS, SA, a " (...) De facto, aquele débito trata-se, na substância, de uma “distribuição de dividendos‟‟ permitida pela Lei Suíça, não sujeita a retenção na fonte naquele país (...).


Podemos concluir que as condições praticadas diferem das que seriam praticadas entre entidades independentes, violando assim o Princípio da Plena Concorrência.


1.3. - A determinação do Preço de Transferência entre entidades independentes


A remuneração devida pelo utilizador de um activo intangível ao seu detentor, de forma a assegurar a obtenção de valores que salvaguardem os interesses legítimos de ambas as partes, em respeito pelo Princípio da Plena Concorrência, é usualmente calculada com utilização do Método do Fraccionamento do Lucro (MFL). Este, é considerado o método adequado sempre que se verifica a existência de activos incorpóreos cujo valor e especificidade tornam impossível o estabelecimento de comparabilidade com operações não vinculadas, como é aqui o caso.


De uma forma genérica, a aplicação do método desenvolve-se nas seguintes fases: (…)


Caso o método acima descrito tivesse sido utilizado nas situações em apreço, conforme teria acontecido entre entidades independentes, por inexistência de outro método adequado, nunca resultaria qualquer royalty a pagar pelo F........ à J........ nem qualquer royalty a pagar pelo P........ à J.........


Efectivamente, todas as actividades são aqui desenvolvidas e todos os riscos assumidos pelo F........ e pelo P........ , não cabendo à J........ qualquer papel relevante, nem ao nível das funções de rotina nem ao nível das funções de detenção e valorização de um intangível.


Apenas o F........ e o P........ desenvolvem, para além das respectivas actividades operacionais de distribuição, todas as funções susceptíveis de valorizar a marcas que utilizam, como sejam as de as publicitar e promover, bem como as inerentes à sua gestão (realização de estudos e projectos). Assim, a valorização da marca, ou a simples manutenção do seu valor, dependem integralmente de funções exercidas, com custos, pelo F........ e pelo P........ . Igualmente, todos os riscos associados ao intangível são assumidos pelo F........ e pelo P........ . (…) O F........ e o P........ exercem tais funções e assumem tais riscos sem qualquer remuneração, não lhes sendo, sequer, reembolsados os custos que os mesmos acarretam.


A ter sido utilizado o MFL (…) resulta ser nulo o valor de plena concorrência para os royalties em causa. De facto, seria nulo o montante aceite entre entidades independentes numa operação comparável.


Neste contexto, constata-se que:


A) O F........ para além de ter transferido um bem que era seu, por um valor amortizado em cinco anos, através do montante pago anualmente em royalties, ainda detém na sua esfera os custos associados à gestão e desenvolvimento da mesma, bem como todos os riscos a esta inerentes. Não se verificou, assim, qualquer transferência de risco para a J........, nem esta última exerce funções relacionadas com a detenção de um intangível.


Desta forma, conclui-se que as condições contratadas e praticadas não o seriam entre entidades independentes, não tendo sido contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. Conforme resulta do anexo 16, fls. 44, caso as operações controvertidas não tivessem sido realizadas, os resultados do F........ seriam superiores em 4.100.273,00 €, correspondente ao montante pago a título de royalties.


Assim, nos termos do preconizado no artigo 58° do CIRC e na Portaria, e estando cumpridos os requisitos de fundamentação, ao longo da exposição, previstos no número 3 do artigo 77° da Lei Geral Tributária, procede-se a um ajustamento positivo do lucro tributável no montante de € 4.100.273,00 (anexo 16, fls. 44), relativo aos encargos com royalties, no exercício de 2003.


B)O P........ [Igual fundamentação à situação da F........ , pelo que nos abstemos de transcrever].


Caso as operações controvertidas não tivessem sido realizadas, os resultados do P........ seriam superiores em € 5.013.526,00, correspondente ao montante pago a título de royalties.


Assim, nos termos do preconizado no artigo 58.° do CIRC e Portaria, e estando cumpridos os requisitos de fundamentação, ao longo da exposição, previstos no n.º 3 do artigo 17° da Lei Geral Tributária, procede-se a um ajustamento positivo do lucro tributável no montante de € 5.013.526,00, relativo aos encargos com royalties no exercício de 2003.” (cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i);


I) Relativamente à correcção consubstanciada nas quebras de existências, decorre do RIT a seguinte fundamentação:


“(…) detectaram-se custos relacionados com quebras de existências, motivadas por diferenças de inventário, os quais pela sua natureza e/ou por falta do meio de prova a apresentar pelos sujeitos passivos, se configuram como inelegíveis para efeitos fiscais, conforme se passa a descrever e cujo total ascende a € 13.760.609,67, sendo € 6.572.299,37 inerentes ao F........ e € 7.188.310,30 respeitantes ao P........ .


(…) [F]oram as referidas empresas notificadas (…).


Passemos a descrever com base na informação prestada pela empresa para cada uma das situações supra identificadas:


a) Artigo Deteriorado / Problemas de Qualidade: Para esta situação contribuem as mercadorias que tenham perdido qualidades físicas e que por esse facto não se encontram em condições de venda;


b) Roubo Identificado: Para este tipo de quebras, refere o sujeito passivo que o valor apresentado é relativo à quebra derivada do roubo consumado, perceptível pela detecção de embalagens violadas e sem produto;


c) Sinistro: Considera o Sujeito Passivo como quebras motivadas por sinistro os danos provocados por acidente às qualidades físicas de um artigo em resultado do seu manuseamento por funcionários ou clientes;


d) Diferenças de Inventário: Para as quebras motivadas por diferenças de inventário não foi apresentada qualquer justificação.


Os sujeitos passivos F........ e P........ apresentaram alguns documentos elaborados pelas lojas, que servem de suporte aos registos contabilísticos anexo 17, fls. 45 a 55 e anexo 18, fls. 56 a 63, respectivamente. (…)


Em resposta às notificações efectuadas, os sujeitos passivos, identificaram e quantificaram para os bens alimentares, um conjunto de situações passíveis de gerar quebra, não prestando qualquer informação adicional relativamente a cada uma delas: Artigo Deteriorado/ Problemas de qualidade // Roubo Identificado // Sinistro // Diferenças de Inventário (…)


No que concerne aos bens alimentares, é de referir que o F........ apresentou também a título exemplificativo os documentos elaborados pelas lojas, a partir dos quais são efectuados os registos na contabilidade (anexo 19, fls. 67 a 77) e que o P........ apresentou documentos externos, relativos à recolha de resíduos sólidos (anexo 18, fls. 64 a 66).


Refira-se adicionalmente que, por força das regras do Plano Oficial de Contabilidade e ainda de acordo com o preceituado nos artigos 17.º n.º 3 alíneas a) e b) e 115.° n.º 3 alínea a), ambos do CIRC, se exige para efeitos de comprovação formal dos custos declarados para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC - imposta pelo artigo 23.° do referido Código - que “na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”(cfr. cit. artigo 115.° n.º 3 alínea a) do CIRC). Dependendo, de facto, a dedutibilidade fiscal dos custos, do preenchimento de dois requisitos indispensáveis que consistem - por força do disposto na primeira parte do artigo 23.° n.º 1 do CIRC - na sua comprovação através de documento emitido nos termos legais, facto que não se verificou, e serem sobretudo indispensáveis à realização dos proveitos.


A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como custo fiscal.


(…) Embora cada “documento de quebra” não seja um documento suporte directo da contabilidade, se o mesmo serve de suporte à obtenção de valores que serão lançados de uma forma agregada na contabilidade, esse deve ser tomado em consideração para justificar movimentos contabilísticos.


Relativamente aos valores registados como “diferenças de inventário”, dada a sua natureza, não podem os mesmos relevar para efeitos fiscais na medida em que a sua contabilização como custo visa apenas justificar diferenças entre o stock físico e o contável ou contabilístico para as quais cada uma das referidas empresas deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que minimizassem este tipo de divergências.


A dedutibilidade fiscal de um custo depende da prova do abate dos bens e da causa que conduziu à sua obsolescência ou inutilização, ora, neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pelas empresas F........ e P........ são meras presunções ou suspeitas. Estes montantes acabam por reflectir o valor dos bens que deram entrada em armazém que não foram registados como proveitos do exercício e que não constam do valor das existências finais porque não constam das contagens físicas aquando da realização dos inventários. São bens para os quais a empresa não conseguiu identificar o seu destino.


Esses bens que foram adquiridos com o fim de serem vendidos, pura e simplesmente, já não se encontram nas instalações da empresa e não cumpriram o fim para que eram destinados. Se relativamente às situações identificadas como quebra para as quais foi indicado um motivo, é possível, minimamente, estabelecer um nexo de causalidade para a sua inutilização, já, neste caso para a quebra motivada por diferenças de inventário, tal não acontece porque não se sabe o que aconteceu a esses bens o que torna inviável a comprovação e aceitação como custo fiscal da contabilização efectuada.


Da exposição aqui elaborada, conclui-se pela não aceitação como custo fiscal dos valores das quebras dos bens alimentares e não alimentares, consideradas pelas sociedades dominadas F........ e P........ como diferenças de inventário, nos montantes de € 6.572.299,37 (anexo 20, fls. 78) e € 7.188.310,30 (anexo 21, fls. 79), respectivamente (…) em virtude de não existirem elementos justificativos do destino dado a esses bens e de assim os sujeitos passivos não terem comprovado a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora nos termos do artigo 23.° do CIRC.” (cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i);


J) Sobre a correcção às retenções na fonte efectuadas por terceiros, consta do RIT:


“No âmbito das retenções na fonte efectuadas por terceiros, foi deduzido no campo 359 do quadro 10 da declaração especial de grupo, mod. 22 de IRC do exercício de 2003 o montante de € 1.264.039,92, o qual inclui as verbas de € 639.055,07 e € 201.636,43 respeitantes às sociedades dominadas F........ e P........ .


No entanto, constatou-se ter sido indevidamente deduzida a importância de € 293.451,06 inerente às referidas empresas (€ 227.429,36 do F........ e € 66.021,70 do P........ ), conforme se passa a descrever:


Relativamente às retenções na fonte que incidiram sobre rendas pagas por terceiros, às duas sociedades dominadas em questão, deduzidas nos termos da f) do n.º 2 do art.º 83.° e do art.º 88.°, ambos do CIRC, nos valores de € 639.055,07 e € 201.636,43, respectivamente, verificou-se que para algumas dessas retenções, não existiam documentos comprovativos das mesmas, necessariamente emitidos pelas entidades que procederam à retenção na fonte, na qualidade de substitutos tributários, maxime as declarações fiscais previstas para esse efeito no artigo 119.° n.º 1 alínea b) do CIRS aplicável, por força do artigo 120.° do CIRC.


De facto, a exigência de suportes documentais está ligada à técnica escolhida pelo legislador fiscal para a comprovação em sede de IRC dos lançamentos registados na contabilidade, os quais, conforme se preceitua no artigo 115° do respectivo Código devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.


Ora, atenta a lógica do IRC o documento justificativo de suporte contabilístico das retenções na fonte de IRC sobre rendimentos prediais efectuadas por terceiros e da sua dedução (…) não pode deixar de consistir no documento previsto pelo legislador fiscal especificamente para esse efeito no artigo 119° n.º 1 alínea b) do CIRS aplicável, por força do artigo 120° do CIRC.


A prova de que o valor deduzido à colecta de IRC do exercício de 2003 foi efectivamente objecto de retenção na fonte pelos substitutos tributários na qualidade de entidades pagadoras de rendimentos prediais, só poderá ser concretizada através de documentos emitidos pelos lojistas que comprovem a retenção por estes efectuada na qualidade atrás referida.


Face à inexistência das declarações fiscais previstas no artigo 119° n.º 1 alínea b) do CIRS ou de outro documento emitido pelas entidades que procederam às referidas retenções na fonte sobre rendimentos prediais auferidos pelo sujeito passivo, que comprove de forma inequívoca a efectivação das retenções, não será dedutível nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 83° do CIRC, o montante de € 293.451,06, sendo 227.429,36 € relativos ao F........ (anexo 28, fls. 103 a 107) e € 66.021,70 relativos ao P........ (anexo 29, fls. 108 e 109).


Importa destacar que a correcção em questão de € 293.451,06, teve em consideração os novos elementos apresentados pelos sujeitos passivos F........ e P........ , no decurso do exercício do direito de audição que lhes foi concedido em termos individuais (declarações de retenção na fonte relativas a rendas pagas pelos lojistas entretanto obtidas), uma vez que o valor inicialmente proposto era de € 458.696,32 (€ 265.248,40 do F........ e € 193.447,92 do P........ ) em vez de € 293.451,06.


Deste modo, conclui-se que a sociedade dominante J........ - G......., SA, apurou imposto inferior ao devido, no total de € 293.451,09, situação que contraria o disposto na alínea f) do n.º 2 do art.º 83° do CIRC e no art.º120.° do CIRC, conjugado com o artigo 119.° do CIRS.” (cfr. RIT – doc. 1 junto com a p.i);


K) Na sequência das correcções efectuadas, foi emitida, em 17.10.2007, a liquidação adicional de IRC nº ...........19, referente ao exercício de 2003, e respectivos juros compensatórios, que se consubstancia na demonstração de compensação nº 2007.6964073 (nota nº ...........90), que determina um montante a pagar de € 9.916.678,48 (cfr. doc. 2 junto com a p.i.);


L) Em 18.12.2007, foi instaurado o processo de execução fiscal nº ...........76 pelo não pagamento da quantia exequenda correspondente a € 9.916.678,48 (cfr. fls. 139 do PAT);


M) A presente impugnação foi remetida ao Tribunal, via fax, em 21.01.2008 (cfr. fls. 2 do processo físico);


N) Em 13.02.2008, a Impugnante/Executada prestou garantia no âmbito do PEF, que determinou a sua suspensão (cfr. fls. 139 do PAT);


O) Em 19.09.2008, foi elaborado pela Divisão de Justiça Contenciosa da DF de Lisboa parecer sobre os factos alegados pela Impugnante, em sede de impugnação, da qual resulta, na parte com interesse para a decisão da causa, o seguinte:


“(…) Créditos Incobráveis (…) 248. Ora, encontra-se explanado através de ficha doutrinária o seguinte entendimento: “(...) os créditos em mora há mais de 2 anos e provisionados a 100% podem ser anulados, independentemente de terem sido ou não reclamados judicialmente ou de existir ou não processo especial de recuperação de empresas e protecção de execução, falência ou insolvência. (...)”


249. Tendo presente:


249.1. o referido no relatório da IT, que os créditos estão integralmente provisionados (entenda-se a 100%), existindo provas das diligências efectuadas para sua cobrança (correspondência trocada com os respectivos fornecedores), 249.2. a constatação através da consulta ao Doc.7 - a fls. 487 e sgs. do PAT, que os créditos já se encontravam em mora há mais de 2 anos (verificou-se que toda a correspondência se encontra datada com data anterior aos dois anos exigidos).


249.3. o esclarecimento agora prestado pela DSIRC, através do s/ ofício n.º 13.582, de 2008.07.14-ver fls. 7359 do PAT: (…)


250. É-se da opinião que a ora impugnante cumpriu todos requisitos necessários para poder os créditos incobráveis em questão, como custos dedutíveis fiscalmente Nestes termos, entende-se ser indevido manter a correcção efectuada pela IT de montante €199.933,85, devendo para o efeito ser a mesma anulada. (…)


III - Proposta de decisão


382. Tendo presente todos os fundamentos anteriormente invocados, é-se da opinião de que deve ser atendida parcialmente a pretensão do ora impugnante, isto é, deve o acto impugnado ser rectificado nos seguintes termos:


382.1 Deduzir à matéria tributável o montante de € 199.933,85 (…)


382.2 Efectuar a correcção do cálculo do imposto, favoravelmente para o sujeito passivo (…)”.


(cfr. fls. 7715 e segs do PAT – pasta 19/19);


P) Em consequência da revisão realizada pela AT com base na informação precedente, o acto de liquidação originário aqui impugnado foi parcialmente revogado, por despacho proferido em 23.10.2008, pelo Director de Finanças Adjunto, o que motivou a emissão, em 25.02.2009, da liquidação de IRC nº ...........21 e respectiva demonstração de acerto de contas com o nº ...........36(cfr. fls. 297 a 299 dos autos);


Q) Em 20.12.2016, a Impugnante procedeu ao pagamento do valor do imposto impugnando, ao abrigo do RERD, previsto no Decreto-lei nº 67/2016, de 3 de Novembro (cfr. documento 1 junto com requerimento de ampliação do pedido).


Mais ficou provado que:


R) O F........ celebrou com os fornecedores “Contratos de Fornecimento e Cooperação Comercial”, que apresentam a mesma estrutura e cláusulas contratuais, de onde se retira, com interesse para a causa:


“4.1. (…) A primeira outorgante [F........ ] obriga-se a prestar à segunda os seguintes serviços de cooperação e desenvolvimento:


4.1.1. Participação no programa promocional, com produtos a acordar durante o prazo de vigência do presente contrato, através da integração em campanhas promocionais (…);


4.1.2. Disponibilização, sempre possível, de espaços nos estabelecimentos da primeira outorgante em condições a negociar para publicidade dos produtos ali comercializados pela segunda outorgante;


4.1.3. Lançamento de novos produtos (…).


(…)


5.1 Pelo presente contrato, a primeira outorgante obriga-se: (…)


5.1.2. A efectuar o pagamento do preço acordado para cada encomenda nos prazos e condições definidas, sem prejuízo do direito à compensação total ou parcial com créditos de que seja titular sobre a segunda outorgante.


(…)


(…)6.1 Pelo presente contrato, a segunda outorgante obriga-se:


6.1.1 A fornecer todos os produtos encomendados, nas condições contratualmente estabelecidas (…)”


E celebra, posteriormente Aditamentos aos referidos contratos, nos seguintes termos:


“(…)


1.1. Pelo presente Aditamento, a segunda outorgante, reconhecendo que os investimentos efectuados pela primeira outorgante relacionados com as campanhas designadas por “......” e “......”, potenciam o desenvolvimento do negócio relativo aos produtos abrangidos pelo Contrato de Condições Gerais de Fornecimento e Cooperação Comercial celebrado entre ambas em […], obriga-se a comparticipar nos referidos investimentos com a quantia resultantes da aplicação da percentagem de 1% sobre o valor das compras efectuadas pela primeira outorgante durante o período de vigência do Contrato, garantindo a segunda outorgante um pagamento mínimo de […],


1.2 A quantia referida no número anterior será paga mensalmente à primeira outorgante pela segunda, através da emissão, pela primeira outorgante, das respectivas notas de débito (…),”


(cfr. contratos diversos juntos como doc. 5 à p.i.);


S) No sector do retalho e grande distribuição – como são os casos do F...... e G..... – é possível haver inversão da relação principal de fornecimento, significando que o fornecedor também é beneficiário de serviços prestados pelo seu “cliente” (como seja promoções, campanhas, destaque dos produtos / “facing”, ou devolução de mercadorias), podendo a dívida do fornecedor assumir montante superior ao seu crédito, originando um saldo líquido devedor de fornecedor (cfr. doc. 5 e depoimentos da 1ª, 2ª e 5ª testemunhas);


T) Encontram-se listados os fornecedores para os quais o F........ e a G........ registaram provisões em montante superior aos respectivos saldos devedores das contas-correntes (cfr. Anexos 1 e 2 ao RIT, que aqui se dão por reproduzidos);


U) O F........ e a G........ realizaram diligências de cobrança de valores em dívida, através do envio de cartas registadas com A/R dirigidas aos devedores (cfr. docs. 6 e 7 juntos com a p.i.);


V) Da carta enviada ao fornecedor “..., S.A.” consta uma nota manuscrita com o seguinte teor: “Face à devolução da carta registada c/aviso de recepção e à informação que a falência da empresa foi decretada em 2000, proponho que se anule este valor na contabilidade” (cfr. doc. 6 junto com a p.i.);


W) O P........ celebrou os seguintes contratos:
LojaTipo de contrato /DataCo-contratanteCláusulas relevantes
MaiaContrato-promessa de subarrendamento

21.07.2000

C..... - G......., S.A.
TaviraContrato-promessa de subarrendamento

03.10.2000

C..... - G......., S.A.
Boa-HoraContrato-promessa de arrendamento

04.04.2002

I...... – G........ , SA
Boa-HoraContrato de arrendamento

15.06.2007

I...... – G........ , SAClausula Primeira

“Um. A renda mensal (…) é de 27.634, 09€ (…)”.

FeijóContrato-promessa de arrendamento

27.05.2002

I...... – G........ , SA
FeijóContrato de arrendamento

28.11.2006

I...... – G........ , SAClausula Segunda / “Dois. O contrato teve o seu início em 01/04/2003”;

Clausula Terceira / “Um. A renda mensal actual (…) é de 9.874,00€”;

Clausula Décima /O presente contrato (…) retroage os seus efeitos a 13.12.2002

SesimbraContrato de arrendamento

28.11.2006

I...... – G........ , SAClausula Segunda /Dois. O contrato teve o seu início em 13/12/2002”;

Clausula Terceira / “Um. A renda mensal actual (…) é de 17.02,33€”;

Clausula Décima /O presente contrato (…) retroage os seus efeitos a 13.12.2002

(Cfr. docs. 10, 11 e 12 junto com a p.i.);


X) Em 31.12.1993, foi celebrado entre o P........ e a J........ um contrato misto de cessão da Marca “P........ ”, pela qual a J........ pagou o valor correspondente a USD 19.000.000 – sujeito a posteriores ajustamentos –, e de licenciamento para uso, nos termos do qual o P........ deve pagar à J........ uma taxa de 0,5% das vendas (cfr. doc. 16 junto com a p.i.);


Y) Em 01.06.1994, foi celebrado entre o F........ e a J........ um “L.........” nos temos do qual o Licenciador (J........) concede uma licença exclusiva para utilização da marca F........ em Portugal, por contrapartida do pagamento de royalties no montante de 0,6% sobre as vendas líquidas e a alocação de um investimento, por parte do F........ , não inferior a 0,15% do volume de negócios, através do desenvolvimento de acções de publicidade (cfr. doc. 19 junto com a p.i.);


Z) Em 01.06.1994, foi celebrado entre o P........ e a J........ um “L.........” no qual o Licenciador (J........) concede uma licença exclusiva para utilização da marca P........ em Portugal, pela contrapartida do pagamento de royalties no montante de 0,6% sobre as vendas líquidas e um investimento por parte do P........ não inferior a 0,15% do volume de negócios (cfr. doc. 20 junto com a p.i.);


AA) O F........ , no exercício de 2003, incorreu em gastos associados a promoção, marketing e publicidade no montante de € 6.041.512,01 (cfr. Anexo 12 do RIT);


BB) O P........ , no exercício de 2003, registou encargos associados a promoção, marketing e publicidade no montante de € 5.077.364,70 (cfr. Anexo 13 do RIT);


CC) A J........ não apresenta, nas suas contas, custos/encargos associados à gestão e desenvolvimento das marcas – “Honorários de gestão” (cfr. Anexo 14 do RIT);


DD) Em 2003, o volume de negócios registados pelo P........ foi de € 938.871.000,00 e do F........ de € 745.331.000,00 (cfr. ranking APED – fls. 10 do doc. 34 junto com a p.i.);


EE) De acordo com os estudos “The european retail theft barometer”, referentes a Setembro/Dezembro 2001 e Setembro 2006, a média global europeia de quebras de existências (por roubo ou desperdício) no sector do retalho foi de 1,42% do volume de negócios, em 2001, e 1,24%, em 2006; Portugal registou um volume de quebras de 1,38%, em 2001, e 1,34% em 2006 (cfr. docs. 29 e 30 juntos com a p.i.);


FF) As quebras de existências são um fenómeno normal e uma contingência necessária no sector do comércio a retalho, explicada pela natureza dos produtos e pelo facto de estarem expostos ao público (cfr. docs. 31, 32, 33 juntos com a p.i. e depoimentos da 4ª, 5ª e 6ª testemunhas);


GG) A apólice de seguro de Danos patrimoniais/Perdas de exploração contratada pela P........ e F........ com a A......., S.A. não abrange riscos de desaparecimento misteriosos/inexplicável de bens, falhas de inventário, perda ou insuficiente identificação na realização de inventário ou perda inexplicada, embora tenha havido tentativas para externalização dos custos com quebras de existências por diferenças de inventários (cfr. doc. 28 junto com a p.i. e depoimento da 5ª testemunha);


HH) Por se tratar de uma contingência com impacto directo nos resultados líquidos do P........ e o F........ , estas sociedades fazem elevado investimento na estrutura de combate ao fenómeno das quebras, desenvolvendo diversas medidas preventivas e correctivas para o minimizar, designadamente:


- Equipas de vigilância;


- Sistemas de videovigilância;


- Antenas de radiofrequência no checkout e colocação de alarmes nos produtos;


- Incentivo à colocação, pelo fornecedor, de etiquetas de segurança invioláveis;


- Negociação com fornecedores ao nível da concepção das embalagens, para maior protecção dos artigos, de modo a torná-las mais resistentes e a evitar a sua abertura;


- Colocação de produtos em caixas específicas de segurança;


- Negociação com fornecedores tendo em vista a partilha de responsabilidades (depoimentos da 4ª e 6ª testemunhas);


II) O P........ e o F........ dispõem de procedimentos de verificação de stock e de normas de inventariação física de existências que passam por diferentes níveis de verificação e auditoria e diferentes hierarquias de controlo, supervisionadas pela administração das sociedades, sendo que os procedimentos e os respectivos resultados são validados pela equipa de auditoria interna e por auditoria externa (depoimentos da 4ª, 5ª e 6ª testemunhas);


JJ) Relativamente às quebras de existências não identificadas, as mesmas são verificadas e justificadas pela equipa responsável pelo processo de inventariação, analisados pelo Controller da Loja, supervisionados pelo Director de Loja e reportados aos Serviços Centrais de Controlo Operacional (cfr. doc. 27 junto com a p.i. e depoimentos da 4ª e 6ª testemunhas);


KK) Em 15.06.2009, foi proferido despacho pelo substituto do Director-Geral dos Impostos que sancionou o seguinte entendimento, relativamente às quebras de mercadorias/inventários nas grandes superfícies:


“1. Em sede de IRC


1.1. As quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho são inerentes à actividade normal das empresas desse sector pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade previsto no corpo do nº 1 do artigo 23º do CIRC (…).


1.2. A aceitação como custo destas quebras depende da análise das situações concretas em que ocorreram e da demonstração que se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade.


1.3. A análise das circunstâncias concretas englobará a verificação da existência de sistemas de controlo implementados (…) para assegurar a minimização dos furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno.


1.4. (…)


Para as quebras não identificadas deve ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventários e pelo gerente de loja. Este documento deverá servir de suporte (…9 aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências.


Um sistema organizativo com os elementos indicados dispensará a elaboração de autos e destruição de abates.


1.5. Para aceitação como custo das quebras não é de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos, nem a exigência de apólices de seguro, uma vez que as quebras não identificadas (…) não revestem uma natureza extraordinária e imprevisível.


1.6. A demonstração que as quebras se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade (…) assentará numa análise das circunstâncias concretas de cada empresa e não com base numa percentagem previamente definida sobre facturação (…)”


(cfr. doc. 1 junto com requerimento de 06.07.2009);


LL) Não foram entregues ao P........ e F........ diversas declarações comprovativas das retenções na fonte de rendimentos prediais, emitidas ao abrigo do artigo 119º, nº 1, alínea b) do CIRS ex vi do artigo 120º do CIRC (acordo);


MM) Face à dificuldade de obter as declarações referidas na alínea precedente, o F........ e o P........ procediam do seguinte modo: i) emitem notas de débito no montante bruto da renda contratada, por contrapartida do registo de um proveito; ii) uma vez processado o pagamento, no valor da renda líquido (deduzido da retenção na fonte), creditavam a conta #Outros devedores e credores, por contrapartida de #Depósitos bancários, pelo montante efectivamente pago e na conta #Estado o imposto retido (cfr. doc. 39, junto com a p.i., que integra, designadamente, notas de débito/crédito, comprovativos de depósitos bancários, recibos de quitação dos rendimentos prediais).


FACTOS NÃO PROVADOS


NN) Não se provou que, no exercício de 2003, o P........ tenha incorrido em custos a título de rendas, relativamente às lojas da ..., Tavira, ... e Sesimbra.


Além disso, consta da sentença a seguinte motivação da matéria de facto:


«Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, não impugnada, e no processo administrativo tributário em apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.


Os factos indicados nas alíneas S), FF), GG), HH), II) e JJ) resultam provados na sequência dos depoimentos das seguintes testemunhas arroladas pela Impugnante:


1ª testemunha) A......., que à data dos factos era responsável pela contabilidade das sociedades P........ /F........ / G........ , tendo acompanhado a acção de inspecção realizada, mostrou conhecer as actividades das várias sociedades, procedeu à caracterização das relações estabelecidas com os fornecedores, explicitou os procedimentos de cobrança dos saldos devedores de fornecedores e fez referência ao enquadramento da situação subjacente ao pagamento de rendas de lojas, pelo P........ ;


2ª testemunha) J......., que à data dos factos era Responsável Financeiro (CFO) das sociedades P........ /F........ / G........ /I......., tendo acompanhado também a inspecção tributária, explicitou de forma incisiva e exaustiva as relações estabelecidas com os fornecedores, referindo-se igualmente aos custos incorridos pelo P........ , a título de rendas;


4ª testemunha) F......., trabalhador do Grupo J........ desde 1990, era, à data dos factos, responsável pelo controlo operacional (parte de inventários e controlo de quebras). Explicitou a estrutura organizacional da área de operações e da área de controlo, referindo que a esta última área cabe assegurar que os procedimentos são efectiva e correctamente implementados nas lojas. Esclareceu, de forma clara e convicta todos os procedimentos de apuramento, registo, identificação e controlo de quebras, que exemplificou com diversas situações. Explicou o impacto das quebras nos resultados e na performance das lojas e identificou diversas medidas de combate ao fenómeno das quebras. Referiu ter participado em reuniões de âmbito nacional e internacional relativas a esta contingência;


5ª testemunha) N....... era, à data dos factos, Director de Auditoria Interna do Grupo J........ , que tinha por missão assegurar que todas as empresas do Grupo actuavam em conformidade com as normas em vigor, desde a área financeira, à vertente legal, fiscal e de controlo operacional do negócio. Explicou exaustivamente a relação que se estabelece entre o P........ /F........ / G........ e os fornecedores e o respectivo tratamento contabilístico, explicitando o modo e os motivos de constituição de provisões para crédito de cobrança duvidosa de fornecedores. Referiu-se ainda ao fenómeno das quebras, relatando os procedimentos de inventariação e de apuramento e registo das mesmas, aludindo ainda as causas de frustração das tentativas de externalização dos custos, para as seguradoras (que dão o fenómeno como certo, praticando, por esse motivo, prémios/franquias de elevado valor, insustentáveis para o negócio);


6ª testemunha) ...., trabalhava há 31 anos no Grupo J........ e à data dos factos era supervisor de zona (actualmente Director de loja). Referiu-se, em particular, às componentes e preocupações de gestão, referindo-se, em concreto, ao fenómeno das quebras de existências, no âmbito do qual explicitou os procedimentos de apuramento e registo das quebras, como também as técnicas e medidas preventivas, de combate ao fenómeno.


Todas as testemunhas mostraram conhecimento sobre a actividade das diversas sociedades em causa, dos procedimentos em vigor, padrões de conduta, e da envolvente do sector e do negócio em que se encontram inseridos, apresentando um discurso coerente e convincente relativamente às matérias em causa.


No que respeita aos saldos devedores de fornecedores [alínea S) do probatório], a 1ª, 2ª e 5ª testemunhas explicitaram os motivos pelos quais podem ocorrer os referidos saldos, decorrendo destes depoimentos, de forma evidente, que os saldos devedores para com os fornecedores são uma situação “normal” e recorrente da actividade destas sociedades. Mais se retira que o registo de débitos e créditos é efectuado na “conta de fornecedores”, não se fazendo a sua (re)qualificação como clientes (embora tenham referido que existe um registo ou tratamento separado entre os diferentes fluxos, os créditos e débitos são registados nas contas-corrente de fornecedores).


Relativamente às quebras de existências [alíneas FF), GG) HH), II) e JJ) do probatório], a 4ª, 5ª e 6ª testemunhas depuseram no mesmo sentido, corroborando que este fenómeno é normal no âmbito da actividade do retalho (que nunca será erradicado na sua totalidade e que decorre da natureza dos produtos que vende e da própria venda/exposição ao público), sendo uma das principais preocupações da administração do Grupo J........ , que visa a sua “minimização permanente”. Todos demonstraram conhecimento quanto aos procedimentos adoptados nesta matéria com a finalidade de controlo interno e externo (inventariação de stock, normas de inventariação, níveis de controlo e auditoria, etc.). Confirmaram igualmente que a preocupação relativa ao impacto das quebras de existências se reflecte num controlo cada vez mais rigoroso das mesmas e, bem assim, na tomada de medidas correctivas e preventivas.


No que se refere, em especial, à externalização do custo, através de securitização deste risco, explicitou a 5ª testemunha as tentativas encetadas pelas sociedades do Grupo, que se frustraram, uma vez que o risco é dado como certo neste sector, o que motiva prémios e franquias demasiado elevadas, que são financeiramente insustentáveis para o negócio.


Relativamente ao facto não provado, consideramos não ter sido produzida prova bastante quanto à efectividade dos custos incorridos, porquanto os meros contratos-promessa e contratos de arrendamento (posteriores a 2003) não são suficientes para esse fim.


Não ficou demonstrada a tradição dos imóveis, a efectiva instalação e laboração do P........ nos referidos espaços, nem a “geração de lucro” nessas lojas (apenas foi referido en passant pelas 1ª e 2ª testemunhas, que havia lojas a laborar nestes locais, o que, sem qualquer outro suporte, nomeadamente documental, não mereceu evidência).


Com efeito, os referidos contratos são celebrados entre entidades relacionadas e são desacompanhados de qualquer outra prova que demonstrasse o pagamento das rendas. Os documentos internos (Doc. 13 junto com a p.i) apenas serviram de suporte ao lançamento contabilístico, não se demonstrando aptos nem suficientes para comprovar a efectividade das operações (designadamente, não houve junção de comprovativos de transferências bancárias ou cheques para pagamento das rendas, nem existem comprovativos de comunicações com a I......./C........., relativas aos arrendamentos)».


*


IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


A este Tribunal cumpre apreciar e decidir, como adiantamos, se a sentença recorrida padece de

1. - Fundamentos invocados no recurso da Impugnante:

a. Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto;

b. Erro de julgamento quanto aos custos com provisões para cobrança duvidosa;

c. Erro de julgamento quanto a custos com rendas e despesas de condomínios;

2. - Fundamentos invocados nos Recursos da Fazenda Pública:

d. Erro de julgamento quanto aos custos com royalties pelo uso de marcas comerciais;

e. Erro de julgamento quanto a custos com diferenças de inventários, por furtos;

f. Erro de julgamento por desconsideração de pagamentos por retenção na fonte;

Além disso, incumbe apreciar e decidir se o Despacho de 21.12.2018 padece de:

g. Omissão de julgamento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça aludido no artigo 6º, nº 7, do RCP.

*

1. DO RECURSO DA IMPUGNANTE


Do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e na interpretação e aplicação do Direito aplicável, em violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, que vem imputado à sentença pela Recorrente J........ :


A impugnante, agora recorrente, alega que a sentença padece de:


a) Erro de julgamento da matéria de facto, por ausência de exame critico da prova produzida e nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto (conclusões 1 a 6 das alegações e pág. 3 a 12 das alegações do recurso);


b) Erro de julgamento da matéria de direito, por desconsideração fiscal das provisões constituídas pelo P........ para fazer face a créditos incobráveis de fornecedores (conclusões das alegações 7 a 9 e pág. 12 a 17 das alegações do recurso);


c) Erro de julgamento da matéria de direito, por desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo do P........ a título de rendas e despesas de condomínio (conclusões 10 a 30 das alegações e pág. 17 a 27 das alegações do recurso).


Cumpre conhecer de imediato.


A) – Da nulidade da sentença erro de julgamento da matéria de facto, por ausência de exame crítico da prova produzida por falta de especificação suficiente dos fundamentos de facto (conclusões 1 a 6 das alegações e pág. 3 a 12 das alegações do recurso):


Nas conclusões, a Recorrente afirma o seguinte:

« 1. O presente recurso vem interposto da parte da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela J..... – G....., SGPS, S.A. (doravante simplesmente J........ , Recorrente ou Impugnante) contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2003.

2. Tendo por base a fundamentação da decisão recorrida, defende a Recorrente que a Sentença incorre em erro na apreciação da matéria de facto.

3. O Tribunal não captou adequadamente a razão de ser das normas e o tipo de casos que as mesmas pretendem abranger, para o que terá contribuído uma aplicação insuficiente da doutrina disponível e uma submissão forçada dos dispositivos legais aos fundamentos tendenciosos do Relatório produzido na sequência da acção inspectiva, o qual, além de utilizar pressupostos fácticos errados e meramente especulativos, formula juízos conclusivos absolutamente incompatíveis com o dever de defesa dos primados da legalidade e justiça que lhe é conferido por lei.

4. Assim, concretizando, a especificação da matéria de facto provada realizada pela Sentença recorrida é inadmissível por ser insuficiente.

5. Existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente nas suas alegações finais como tendo em sua opinião resultado provada, e, por outro, a definida como provada pela Sentença do Tribunal Tributário. Além de não se conhecer a razão pela qual a Sentença admite como boa a prova que incidiu sobre determinados factos e ignora a produzida para demonstração de outros, igualmente relevantes na consubstanciação do direito aplicável e da justiça material imperativa no caso.

6. Nas alegações finais, a Recorrente fez uma análise da prova produzida e concluiu pela demonstração de um conjunto vasto de factos que, apreciados de modo interligado, implicam necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” ou prova. Com efeito, a relevância de tais factos é óbvia. Eles configuram um enquadramento necessário das características e funcionamento dos sujeitos passivos envolvidos e das operações realizadas, designadamente, no que diz respeito à sua motivação económica e, bem assim, ao tipo e dimensão das opções fiscais realizadas. ».

Nas suas alegações, a Recorrente impugnante refere que:


«A Sentença recorrida considera que são factos provados nos presentes autos – com relevância para o presente recurso – os identificados nas alíneas R) a W) do capítulo que dedica aos factos – “Fundamentação de facto” –, a páginas 19 e 20. Além disso, inexistem, para o Tribunal recorrido, quaisquer outros factos não provados.


Esta especificação é, contudo, no caso concreto, absolutamente inadmissível.


VEJAMOS:


A especificação da matéria de facto provada realizada pela Sentença recorrida é inadmissível por ser insuficiente.


Na verdade, existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente nas suas alegações finais como tendo em sua opinião resultado provada, e, por outro, a definida como provada pela Sentença do Tribunal Tributário. Além de não se conhecer a razão pela qual a Sentença admite como boa a prova que incidiu sobre determinados factos e ignora a produzida para demonstração de outros, igualmente relevantes na consubstanciação do direito aplicável e da justiça material imperativa no caso.


Nas alegações finais, a Recorrente fez uma análise da prova produzida e concluiu pela demonstração de um conjunto vasto de factos que, apreciados de modo interligado, implicam necessariamente que aos constantes do Relatório de Inspecção não possa ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” ou prova. Com efeito, a relevância de tais factos é óbvia. Eles configuram um enquadramento necessário das características e funcionamento dos sujeitos passivos envolvidos e das operações realizadas, designadamente, no que diz respeito à sua motivação económica e, bem assim, ao tipo e dimensão das opções fiscais realizadas.


Com efeito, a respeito da desconsideração fiscal das provisões para créditos de cobrança duvidosa de fornecedores, foram inquiridas as testemunhas N......., A....... e J........ Todas elas confirmaram a factualidade constante dos artigos da petição relativos ao tema, tendo todas elas começado por caracterizar as sociedades a respeito das quais veio a mesma a ser suscitada.


Nestes termos, importa começar por fazer referência ao depoimento da testemunha A....... a propósito das actividades prosseguidas por estas sociedades. Assim, em relação à sociedade F........ , esclareceu esta testemunha que a mesma se dedica à actividade de comércio a retalho em supermercados e hipermercados, contando, em 2003, com um parque de 9 lojas hipermercado – lojas com área de vendas superior a 2.000 m2 – e de 32 lojas compact hiper – lojas com área de vendas inferior a 2.000 m2 –, e com mais de 5.000 funcionários e 27.000.000 clientes (valor médio de visitas por ano).


Já em relação à sociedade G........ foi pela mesma testemunha dito que se dedica à actividade de comércio por grosso de bens do sector alimentar e não alimentar, assumindo-se mesmo, na estrutura do grupo, como a empresa centralizadora dos fluxos logísticos e financeiros estabelecidos entre as sociedades retalhistas – F........ e P........ – e os fornecedores da indústria onde operam. Nesta medida, explicou, cerca de 44% das compras efectuadas pela F........ e 97% das compras efectuadas pela P........ são entregues em armazéns operados pela G........ , a quem incumbe, então, a respectiva remessa e facturação para os pontos de venda explorados por aquelas empresas.


De acordo com todas as testemunhas inquiridas a respeito desta matéria, a boa capacidade de resposta a tão impressivo universo de clientes depende, e dependia, em larga medida, da eficácia dos canais de abastecimento daquelas sociedades, e, no mesmo sentido e importância, do estabelecimento de relações sólidas e seguras com os fornecedores, de molde a garantir a efectividade/continuidade das mesmas e, em última linha, a boa resposta daquelas sociedades às necessidades dos respectivos clientes.


Daí que, conforme sublinharam as testemunhas A....... e J......., faça parte dos padrões de conduta da F........ e da G........ a criação de mecanismos contratuais de grande complexidade e exigência, nos quais se encontram rigorosamente previstos todos os termos da relação comercial estabelecida com os respectivos fornecedores, podendo aqueles, conforme se retirou da sessão contraditória, assumir diversos formatos (vide exemplos de contratos, juntos com a petição inicial como doc. nº 3 e aí dados por integralmente reproduzidos).


Naqueles contratos – os celebrados directamente entre a F........ e os respectivos fornecedores e, bem assim, os celebrados entre estes e a G........ – encontram-se regulados os direitos e as obrigações das partes, no que concerne quer à relação de fornecimento principal quer a outro tipo de relações de natureza comercial entre elas estabelecidas. No universo destas relações comerciais de outro tipo encontram-se, não raras vezes, obrigações de prestação de serviço e de cooperação comercial atribuídas, não ao fornecedor, mas às sociedades fornecidas (no caso, às sociedades F........ e G........ ).


Ocorrem, pois, diversas situações em que, num mesmo contrato, se encontram previstas obrigações sinalagmáticas de prestação ou fornecimento, que transformam, conforme os casos, o fornecedor em fornecido (ou beneficiário) e o fornecido em fornecedor (ou prestador): relações comerciais estas que a testemunha A....... disse serem normais e ocorrer no curso normal da actividade daquelas sociedades.


De acordo com esta testemunha, as sociedades F...... e G..... passam a assumir, nesses casos, a posição de credoras dos rendimentos ou formas de compensação decorrentes das prestações de serviços que propiciam e os respectivos fornecedores a posição de devedores.


Com efeito, especificou a testemunha, nos casos em que, em virtude da previsão daquelas obrigações, as sociedades F...... e G..... passam a assumir a posição de prestadoras de serviços e os respectivos fornecedores a posição de beneficiários das referidas prestações – o que acontece nos diversos casos ilustrados pela testemunha inquirida –, ocorre que estes acabam por manter, na esfera daquelas, a designação que assumiam na relação comercial principal – de fornecedores –, nunca chegando a ser qualificados como clientes (designadamente, para fins contabilísticos ou de provisão). O fornecedor, nas palavras de A....... nunca deixa de ser o fornecedor, muito embora em vários momentos da sua conexão com as sociedades F...... e G..... aquele venha a comportar-se como o beneficiário de um serviço por estas prestado.


Além disso, quer a testemunha A......., quer a testemunha J......., confirmaram que a própria política de definição de preços daquelas sociedades determina que, na relação com os fornecedores, sejam contratualizadas medidas de compensação e ressarcimento pela assumpção de encargos vários, incorridos em nome e benefício daqueles, o que acarreta uma nova inversão dos papéis próprios da relação de fornecimento principal.


A título exemplificativo, foi pela testemunha A....... feita expressa referência aos seguintes destes casos: (a) situações em que as sociedades a que respeita a correcção em análise “cobram” aos seus fornecedores compensações pelos custos em que aquelas incorrem em virtude do lançamento de acções promocionais referentes a produtos por estes fornecidos, (b) situações em que as sociedades a que respeita a correcção em análise “cobram” aos seus fornecedores “indemnizações” com vista ao ressarcimento pelos custos em que aquelas incorrem com a sua publicitação e (c) situações em que as sociedades a que respeita a correcção em análise “cobram” aos seus fornecedores determinados valores a título de desconto e rappel pela adopção, por parte daquelas, de determinadas práticas comerciais (compras em quantidade e pagamentos a curto prazo).


Em todos os casos, as relações de crédito para com os fornecedores – pelos motivos supra expostos – são perfeitamente autonomizados, para os mais diversos efeitos (desde logo, para efeitos contabilísticos e de provisão), das relações geradoras de débitos das sociedades F...... e G..... para com aqueles. De acordo com a testemunha A....... é este um pressuposto da boa conservação dos compromissos negociais e da sua permanência; não fora esta prática, e estaria em muitos casos comprometida a sã convivência com o repositor dos produtos que aquelas sociedades têm por obrigação disponibilizar todos os dias aos seus clientes; os clientes confiam que, quer o F........ , quer o P........ , estão em condições de garantir a reposição permanente dos seus stocks, para o que necessitam de manter intocáveis as relações comerciais com os seus fornecedores. É que no sector de actividade em que as referidas sociedades laboram, a dependência dos fornecedores é quase total, não sendo aceitável que relações que com eles se estabeleçam de outro tipo (colocando-os em outros papéis para além do de fornecedor) prejudiquem ou sequer melindrem a relação de fornecimento principal, esclarece.


Nesta sequência, as testemunhas A....... e J......., responsáveis pela contabilidade das referidas sociedades no ano a que respeita a correcção em crise, confirmaram que, não sendo frequente, ocorrem, porém, situações em que, ao lado dos saldos credores de fornecedores, venham, com o tempo, a registar-se saldos devedores de fornecedores, em alguns casos até impressivos.


Na ideia das testemunhas inquiridas é graças àquela sensação de domínio na relação que estabelecem com as empresas retalhistas (ou com as empresas centralizadoras das compras dirigidas à actividade retalhista) que os fornecedores forçam muitas vezes a tolerância destes aos seus incumprimentos, quando actuam numa posição diferente da de fornecedor.


Com efeito, sucede frequentemente que os fornecedores das sociedades F...... e G..... não as remuneram – dentro de prazos que, não raras vezes, excedem os 24 meses – pelos serviços que estas lhes prestam ao abrigo dos contratos de fornecimento e cooperação comercial que com elas celebram ou não as compensam pelos encargos em que incorrem em virtude da promoção e publicitação dos produtos que lhes fornecem. Além destes casos, referiu-se ainda a testemunha A....... àqueles em que os fornecedores daquelas sociedades não reconhecem o volume das vendas por estas registadas, sobre o qual é (ou deve ser) calculado o volume dos descontos e rappel que lhes devem conceder, não o chegando a fazer, e, bem assim, àqueles em que os mesmos fornecedores se recusam a aceitar problemas de qualidade dos produtos por si fornecidos e, com base nisso, se imiscuem ao cumprimento da obrigação de as indemnizar nos termos acordados.


De acordo com J....... e N......., sempre que, verificada uma das causas de incumprimento das obrigações assumidas contratualmente pelos respectivos fornecedores, se afiguram como justificadamente incobráveis os créditos que sobre eles se constituem – designadamente por se encontrarem em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento –, as sociedades F...... e G..... procedem à constituição de uma provisão para a sua cobertura, a qual deduzem, para efeitos fiscais, às respectivas matérias colectáveis. É inequívoco para aquelas testemunhas que a constituição destas provisões é relativa à actividade prosseguida pelas sociedades a que se tem vindo a fazer referência e que a mesma está absolutamente dependente de um juízo de incobrabilidade suficiente e razoável, efectuado em todos os casos – sem excepção – consideradas as inúmeras (e inevitáveis) diligências efectuadas no sentido da respectiva cobrança.


No exercício de 2003, as provisões com esta natureza encontravam-se devidamente relevadas nas contabilidades das sociedades F...... e G..... e os respectivos saldos ascendiam, em cada uma delas, a € 5.297.282,02 e € 1.209.445,25, respectivamente (vide cópia dos balancetes de cada uma das sociedades, F........ e G........ , a 31.12.2003, evidenciando que os saldos das contas 221 e 288 ascendiam, naquela data, aos montantes evidenciados, juntos à petição inicial como doc. nº 4).


No decurso do exercício de 2003, as referidas provisões foram reforçadas em € 1.002.221,39, na sociedade F........ , e diminuídas em € 282.816,05, na sociedade G........ .


Verificou-se, no mesmo exercício, que, em grande parte dos casos, as sociedades F...... e G..... não mantiveram qualquer relação comercial com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas as referidas provisões (vide documento demonstrativo da evolução dos saldos da conta corrente dos fornecedores objecto de provisão, no espaço temporal decorrido entre 2000 e 2003, junto como doc. nº 5). Esta mesma realidade acabou por ser ainda confirmada pela testemunha A....... que em relação a este particular referiu que a tendência é para extinguir/diminuir a relação de dependência com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas provisões com aquela natureza, isto apesar de eventualmente poderem redundar em sucesso os esforços desenvolvidos tendentes à cobrança dos valores em dívida.


Por outro lado, em relação à desconsideração fiscal do montante contabilizado pela P........ a título de rendas e despesas de condomínio, ficou nos autos demonstrado que a sociedade P........ dispunha, para o exercício da respectiva actividade, de um impressivo parque de lojas, das quais destacamos, para o que aqui interessa, as localizadas em ...e Sesimbra.


Os espaços ocupados pelas lojas aí localizadas eram da propriedade da sociedade I........


Em relação aos espaços ocupados pelas lojas localizadas em ..., a sociedade P........ celebrou com a sociedade C..... - G......., S.A., na qualidade de arrendatária dos referidos imóveis, um contrato promessa de subarrendamento dos mesmos, o qual foi seguido de tradição (vide cópia do contrato promessa de subarrendamento dos espaços ocupados pelas lojas localizadas em Tavira e Maia, celebrado entre a sociedade P........ e a sociedade C..... - G......., S.A., junto como doc. nº 10).


Em relação aos espaços ocupados pelas lojas localizadas na ... e Sesimbra, a sociedade P........ celebrou com a I....... um contrato promessa de arrendamento do mesmo, tendo ocorrido, também neste caso, a imediata tradição do imóvel (vide cópia do contrato promessa de arrendamento dos espaços ocupados pelas lojas localizadas na ... e do contrato de arrendamento do espaço ocupado pela loja localizada em Sesimbra, celebrado entre a sociedade P........ e a sociedade I......., junto como doc. nº 11 e doc. nº 12).


Quer nos contratos promessa de subarrendamento celebrados entre a sociedade P........ e a C..... - G......., S.A. quer nos contratos promessa de arrendamento celebrados entre aquela e a sociedade I......., encontra-se prevista uma contrapartida pela utilização dos imóveis – até à celebração dos contratos de subarrendamento e arrendamento definitivos – cujo montante é rigorosamente coincidente com aquele que a sociedade P........ registou na respectiva contabilidade, no exercício em referência, àquele título: no exercício de 2003, a sociedade P........ registou como custo o montante global de € 413.749,20, referente à utilização dos espaços ocupados pelas lojas localizadas em Tavira e Maia, e o montante total de € 635.932,85, referente à utilização do espaço ocupado pela loja localizada na Boa Hora, Feijó e Sesimbra.


De acordo ainda com os referidos contratos promessa, a celebração dos contratos definitivos ficaria condicionado à verificação de duas condições: a) a obtenção de resposta ao pedido de renúncia à isenção do IVA apresentado pela proprietária dos imóveis e b) a emissão da licença de utilização do imóvel.


Sucede que, em 31.12.2003, não se encontrava ainda verificada nenhuma das referidas condições, não tendo ainda as partes celebrado, nessa data, os contratos definitivos a que se faz referência supra.


A utilização dos referidos imóveis pela P........ manteve-se, porém, apesar da não celebração daqueles contratos nessa data, assim como se mantiveram todas as obrigações decorrentes da respectiva utilização, em regime de subarrendamento e arrendamento, respectivamente, nos termos previstos nos contratos promessa celebrados entre as partes.


Todas as rendas debitadas à P........ em virtude da celebração daqueles contratos promessa e da sucessiva tradição dos imóveis – concretizada na utilização efectiva dos mesmos por esta sociedade –, foram escrupulosamente cumpridas, correspondendo as mesmas inequivocamente a custos operativos reais e efectivos e, conforme referido, aos valores contratualmente estabelecidos para o efeito.


Acresce que as rendas incorridas por aquela sociedade encontravam-se contabilisticamente suportadas por documentos internos dos quais constavam todos elementos essenciais ao referido lançamento e, bem assim, pelos contratos promessa a que se faz referência acima, enquanto instrumentos reguladores das vontades das partes e dos respectivos direitos e obrigações (vide exemplos de processos de documentação que suportam os lançamentos contabilísticos das rendas incorridas pela P........ em virtude da utilização dos espaços ocupados pelas lojas localizadas em ... e Sesimbra, que se protesta juntar como doc. nº 13 e aqui se dão por integralmente reproduzidos).


Assim, por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.º 1 do artigo 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.


Por outro lado, pode ser anulada oficiosamente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 712º do CPC.».


A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.


No seu parecer, o Ministério Público junto deste Tribunal considerou que “A douta sentença em recurso encontra se bem fundamentada de facto e de direito e fez uma correta e suficiente análise da matéria de facto e de direito e correta foi a sua subsunção jurídica, pelo que não merece censura alguma. A douta sentença em recurso não sofre de qualquer vício, nomeadamente de erro de julgamento, deficiente apreciação dos factos considerados provados ou violação das normas aplicáveis ao caso.”.


Decidindo:


Das conclusões do recurso da Impugnante resulta a imputação do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, de que resulta uma especificação dos fundamentos de facto que, nessa tese, é inadmissível por ser insuficiente. Diversamente, das alegações propriamente ditas parece resultar a imputação de uma nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, prevista no n.º 1 do artigo 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.


Conforme Ac. STJ de 3/3/2021, proferido no processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1 Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.


Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.


A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Como salienta o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à atual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se inclui entre as nulidades da sentença.


Assim, a alegada insuficiência da especificação não poderia conduzir à nulidade da sentença.


Portanto, dado que o objeto do recurso se delimita por referência às conclusões formuladas a final, e não à totalidade das alegações, este Tribunal considera que o vicio imputado, agora sob análise, consiste em erro de julgamento quanto à matéria de facto, por erro na valoração e fixação da matéria de facto.


Ou seja: não se verifica a referida nulidade da sentença com tal fundamento.


Por outro lado, este Tribunal interpreta o segmento das alegações que refere que a sentença “pode ser anulada oficiosamente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 712º do CPC” no sentido de que a Recorrente impugnante invoca o disposto no nº 4 do artigo 712º do CPC na redação anterior à vigente no atual Código aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, ou seja, que aquela referência se considera feita para o disposto no artigo 662º, nº 2, al. c), do novo CPC, segundo o qual a Relação/TCA deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.


Sobre a modificabilidade da matéria de facto impugnada, preceitua o artigo 662º do CPC que – dentro dos limites do recurso, determinados pelo recorrente - o tribunal de recurso pode-deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Essa alteração da matéria de facto, mesmo oficiosa, deve respeitar o objeto do recurso e o eventual caso julgado que se tenha formado.


Porém, nas situações em que essa modificação esteja dependente da reapreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação (cfr. artigo 607º, nº 5, do CPC), como é o caso das declarações de parte e dos depoimentos testemunhais, o tribunal recorrido apenas intervém se o recorrente tiver cumprido o triplo ónus de impugnação, nos termos do artigo 640º, nº 1, do CPC, caso em que deverão ser levados em conta todas as provas que constem do processo.


O citado artigo 640.º do CPC refere que:


1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”


Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.


Para efeitos de cumprimento da impugnação da matéria de facto no concreto domínio da prova testemunhal, sujeita à livre apreciação do juiz que presidiu à diligência da sua produção, tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.


Sem prejuízo do que ficou dito, realça-se que a jurisprudência tem sido uniforme no sentido de que se devem moderar as exigências formais de acordo com os princípios da proporcionalidade e do acesso à tutela jurisdicional efetiva.


No entanto, nem a moderação nas exigências de forma nem a liberdade de apreciação da prova podem conduzir à aceitação de tal informalidade da impugnação ou modelação dos factos que se traduzam na violação dos princípios da imparcialidade do juiz e da igualdade processual das partes.


Atentando nas suas alegações de recurso e respetivas conclusões, verifica-se que a Recorrente não convoca o aditamento de factos concretos que pretende ver julgados como provados ou não provados.


Alega que existe uma enorme disparidade entre a quantidade de factos referidos na petição inicial (com cerca de seis centenas e meia de artigos e 40 documentos anexos) e a quantidade dos factos levados ao probatório, mas não especifica quais são os factos que considera terem sido omitidos e não indica os correspondentes meios de prova.


Ou seja: a Recorrente impugnante não cumpriu adequadamente o ónus de impugnação da matéria de facto, pelo que o pedido de alteração dessa matéria deve ser rejeitado de imediato.


Pelo que se rejeita o recurso nesta parte.


*


B) – Do erro de julgamento da matéria de direito, por desconsideração fiscal das provisões constituídas pelo P........ para fazer face a créditos incobráveis de fornecedores que também são clientes (conclusões das alegações 7 a 18 e pág. 12 a 17 das alegações do recurso):


Sobre essa questão, consta da sentença recorrida o seguinte:


« Correcção no montante de € 1.174.775,70 referente à desconsideração fiscal das provisões para créditos de cobrança duvidosa de fornecedores


A AT fundamenta a presente correcção, em síntese, nas seguintes considerações:


- Não se entende o motivo pelo qual os créditos detidos pelo F...... e G..... possam ser superiores aos que resultam das dívidas para com estes;


- A existência de saldos devedores de fornecedores não estão associados a quaisquer riscos de incobrabilidade face aos valores regularmente em dívida, pelo que não poderão ser considerados créditos de cobrança duvidosa;


- A dedutibilidade fiscal de qualquer provisão encontra-se condicionada à verificação de alguns requisitos, como: (a) terão de resultar da actividade normal da empresa, o que no caso, embora duvidoso, não se questiona; (b) possam ser considerados de cobrança duvidosa, o que, in casu o sujeito passivo não demonstra, já que continua a existir uma relação comercial, consubstanciada na troca de mercadorias e na sua integral liquidação, sem que seja efectuado o encontro de contas, ou a dedução dos montantes debitados pela F........ / G........ ; (c) existam provas de terem sido efectuadas diligências de recebimento, o que não se verifica; e (d) os créditos estejam evidenciados como tal (de cobrança duvidosa) na contabilidade. Não estando verificados todos os requisitos, e face à falta de enquadramento legal das provisões, não é de aceitar a dedutibilidade da constituição/reforço de provisões para créditos de fornecedores.


A Impugnante alega que as relações de crédito para com os fornecedores resultam dos contratos de fornecimento e cooperação comercial que celebram, em que os fornecedores passam a ser beneficiários de serviços (promoção e publicitação de produtos), encontrando-se tais créditos perfeitamente autonomizados, designadamente para efeitos contabilísticos e fiscais. Acrescenta que no âmbito da actividade em que labora, a dependência dos fornecedores é quase total, pelo que estes assumem uma posição de domínio, forçando a uma tolerância para com os seus incumprimentos.


Invoca que a correcção efectuada padece de erro sobre os pressupostos, porquanto, as provisões incidem sobre créditos que inequivocamente resultam da actividade normal das sociedades F...... e G..... e, relativamente ao risco de incobrabilidade, tal depende de um juízo subjectivo, baseado no decurso de um tempo razoável e na frustração das diligências efectuadas para o seu recebimento, que no caso foi efectuado. Considera que a interpretação da AT é falaciosa e fora do contexto factual em que as sociedades operam, pois das várias relações entre as partes não resulta comunicabilidade entre créditos e débitos. A prudência e a necessidade de manter as relações exige uma rigorosa segregação dos mesmos. Ademais, foram apresentados documentos comprovativos das diligências efectuadas no sentido do recebimento dos créditos sobre fornecedores.


Apreciando.


Desde já importa sublinhar que o raciocínio a adoptar em matéria contabilística, para efeitos de constituição de provisões difere em larga medida da apreciação a efectuar sobre a dedutibilidade das mesmas em matéria fiscal.


Efectivamente, como explicita João Rodrigues (in “Sistema de Normalização Contabilística Explicado, Porto Editora, 2010, pág. 688 – (1) Embora à data dos factos estivesse em vigor o Plano Oficial de Contabilidade, é aqui plenamente aplicável a definição e as considerações feitas a respeito das provisões), correspondendo as provisões a passivos de montante incerto ou de ocorrência temporal incerta, a sua contabilização “é uma área subjectiva”, devendo a entidade em causa decidir, a seu juízo, se constitui uma provisão para perdas, se divulga o risco, ou se pelo contrário nada faz. Em todo o caso, sendo uma “área sujeita a manipulação”, deve ser seguido o princípio da prudência na constituição da provisão.


A subjectividade que envolve o juízo contabilístico (para a constituição/reforço da provisão) deixa de existir quando se trata de analisar o tratamento fiscal dessas provisões, uma vez que a lei fiscal, embora contendo alguns conceitos indeterminados, define com clareza a natureza e condições que permitem a sua dedução.


Refira-se que embora tenha resultado dos depoimentos a “preocupação” quanto à manutenção das relações comerciais com os fornecedores (o que explica, como referem as testemunhas, o tratamento “segregado” dos diferentes fluxos financeiros e a incomunicabilidade entre créditos e débitos), a verdade é que a lei fiscal, como não poderia deixar de ser, abstrai-se dessa envolvência e dessas circunstâncias concretas, apontando com objectividade os critérios que permitem a dedutibilidade fiscal das mesmas.


Na redacção à data dos factos, previa a alínea a) do nº 1 do artigo 34º do CIRC que “podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões: a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser consideradas de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.”, sendo que, nos termos do artigo 35º, nº 1, do mesmo diploma, são considerados “créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere justificado, o que se verifica nos seguintes casos: //a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa (…) processo de execução, falência ou insolvência;// b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente; // c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.”


Da conjugação dos referidos preceitos, decorrem os seguintes requisitos:


1º) Os créditos resultarem da actividade normal da empresa;


2º) Sejam considerados de cobrança duvidosa, isto é, o risco de incobrabilidade se considere justificado;


3º) Créditos em mora há mais de 6 meses e provas de terem sido efectuadas diligências de recebimento;


4º) Créditos evidenciados como tal na contabilidade.


Uma vez verificados, permitem a dedução, para efeitos fiscais, da provisão registada contabilisticamente.


Vejamos se cada um deles se encontra suportado e comprovado nos autos, sendo certo que cabe à Impugnante fazer prova dos requisitos constitutivos das provisões (cfr. acórdãos do TCAS de 28.04.016, processo nº 04694/11 e de 23.11.2010, processo nº 03869/10, in www.dgsi.pt):


1º) Quanto ao facto de resultarem da actividade normal das sociedades F........ e G........ , embora a AT, em sede de inspecção conclua que não questiona este pressuposto, a verdade é que é evidente, ao longo da fundamentação, a sua perplexidade, o que bem se compreende, uma vez que, regra geral e experiência comum, não haverá montantes a crédito face aos fornecedores.


Não obstante, da prova efectuada – cfr. alíneas R) e S) do probatório – resulta comprovado que no sector de actuação da Impugnante, e face às obrigações reciprocamente assumidas no âmbito dos Contratos de Fornecimento e Cooperação Comercial, é possível, e até de forma recorrente, a inversão da relação principal, assumindo o fornecedor o papel de “devedor”, por beneficiar dos serviços prestados pelo retalhista, como acções promocionais e publicidade dos produtos fornecidos [cláusulas 4.1 a 4.1.3 dos contratos – cfr. alínea R) dos factos provados], mas também pela devolução de mercadorias e de valores a título de desconto e rappel.


Sem necessidade de maiores considerações, dá-se por verificado o primeiro dos requisitos.


2º) Relativamente à definição dos créditos como de cobrança duvidosa, tal depende se o risco de incobrabilidade se encontra justificado.


Sobre este conspecto, consideramos que, não obstante todas as “justificações” avançadas pela Impugnante – como por exemplo, a dependência dos fornecedores ser quase total, forçando a uma tolerância para com os seus incumprimentos; necessidade de manter relações sólidas com os fornecedores, etc. – a verdade é que, contabilística e documentalmente, o que se verifica é que nas contas-correntes dos fornecedores sobre os quais foi registada provisão, estão contabilizados tanto créditos como débitos. Também em termos contratuais [cfr. alínea R) do probatório – cláusula 5.1.2] é patente a possibilidade de compensação, até ao montante de “encontro de contas”, o que aliás é referenciado, e admitido, nos depoimentos da 1ª e 5ª testemunhas.


Não é possível ignorar, portanto, que a Impugnante detém um crédito sobre o seu devedor, que garante a realização e a cobrança da dívida, independentemente de quaisquer razões subjectivas motivadas pela envolvente do negócio, as quais, por força da lei – e em reforço do princípio da igualdade – não se poderão ter em linha de conta.


Não poderia nem faria sentido aceitar fiscalmente estas provisões relativamente aos sujeitos passivos que actuassem no sector do retalho/grande distribuição (em que o mercado apresenta determinadas características) e já não fosse de aceitar relativamente aos que actuassem noutro sector de actividade, com outras ou com as mesmas especificidades.


A lei fiscal não concede “benefícios” para casos específicos.


De facto, e o que releva, é que a compensação é uma forma de extinção das obrigações e encontra-se prevista nos artigos 847º e seguintes do Código Civil (CC), segundo o qual, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação (da mesma espécie e qualidade) por meio de compensação, desde que o crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele qualquer excepção material.


Não sendo a dívida de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente e a mesma torna-se efectiva, de acordo com o disposto no artigo 848º do CC, mediante declaração de uma parte à outra.


Ora, no caso dos autos, considerando que não se trata de créditos excluídos de compensação (artigo 853º do CC), que se encontra contratualmente prevista a compensação entre as partes (embora não fosse necessário) e demonstrando-se simples a forma de efectivação da compensação – através de mera declaração –, conclui-se que não se encontra justificado o risco de incobrabilidade – para efeitos fiscais –, pelo menos até ao montante correspondente (ou seja, até ao “encontro de contas”).


Não pode aceitar-se a afirmação da Impugnante quando alega que a interpretação feita pela AT é falaciosa e descontextualizada, referindo que das relações estabelecidas não resulta comunicabilidade entre créditos e débitos, antes uma rigorosa segregação dos mesmos. Pelo contrário – e ainda que em termos práticos se veja, internamente no Grupo J........ , como um tratamento segregado –, o que é manifesto é que tanto os débitos como os créditos procedem do mesmo contrato, celebrado entre as mesmas partes, no âmbito dos quais se permite a compensação, e bem assim que existem contas-correntes de fornecedores (e não contas segregadas).


Não se considera, pois, comprovada, a invocada “segregação”, e nem tão pouco relevaria, para efeitos fiscais, já que o legislador, nesta matéria, prescinde de quaisquer considerações circunstanciais do contribuinte, decorrentes do modo como gere o respectivo negócio e as relações com os fornecedores.


Face ao exposto, acompanhamos a AT quando afirma que a lógica inerente à constituição das provisões em causa e a sua consideração para fins fiscais se encontra absolutamente subvertida, uma vez que, sendo possível a compensação, não se vislumbra sequer existir o risco de incobrabilidade, até ao montante correspondente.


Assim, apenas seria de aceitar a existência de um risco de incobrabilidade, potencialmente justificado, no que se refere, apenas e só, ao saldo excedente (a favor do fornecedor), saldos esses identificados pela AT, conforme alínea T) do probatório.


Assim, exclusivamente quanto aos fornecedores que apresentam saldos (devedores) excedentes, seria de aceitar o presente pressuposto como verificado, para efeitos de dedutibilidade da provisão, pelo que, quanto a estes, cumpre averiguar se os demais requisitos se encontram cumpridos.


3º) Os créditos terão de estar em mora há mais de 6 meses e haver provas de terem sido efectuadas diligências de recebimento.


Ora, do confronto entre as listas de fornecedores que apresentam um saldo devedor excedente [cfr. alínea T) do probatório] e os documentos juntos pela Impugnante, reveladores das diligências de cobrança [cfr. alínea U) do probatório], resulta que apenas tem correspondência o fornecedor “..., S.A.”, o que significaria que, estando comprovada a mora superior a 6 meses bem como as diligências de recebimento (frustradas), seria de aceitar a constituição/reforço da provisão pelo montante excedente do saldo da conta-corrente.


Todavia, conforme resulta da alínea V) do probatório, a cópia da carta remetida a este fornecedor apresenta uma anotação manuscrita datada de 2001, ordenando a anulação da provisão em face da falência da empresa, o que, independentemente do demais, apenas pode significar que esta provisão não foi constituída nem reforçada no exercício de 2003.


Ora, considerando que a correcção efectuada pela AT se consubstancia na desconsideração para efeitos fiscais do montante correspondente a constituição e reforço de provisões em 2003, e resultando que a provisão relativa ao fornecedor “..., S.A.”, embora com diligências de recebimento documentadas, não foi constituída/reforçada no exercício de 2003, significa que o seu montante não tem qualquer reflexo ou influência na correcção aqui em causa.


Donde, face à ausência de qualquer outra prova documental ou testemunhal, tem-se por não cumprido o presente requisito, sendo pois legítima a correcção efectuada pela AT, de desconsideração fiscal das provisões constituídas sobre saldos devedores de fornecedores.


Face ao exposto, improcede, quanto a esta correcção, a pretensão da Impugnante.»


Contra isso, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

«7. Além disso, e sem prescindir, entende a Recorrente que a mesma decisão se encontra ferida de anulabilidade, porquanto o Tribunal fez uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito consequentemente aplicável, em termos de se poder mesmo alegar a violação de princípios constitucionalmente consagrados, como sejam os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, plasmados nos artigos 13º, 103º e 104º da CRP e no n.º 1 do artigo 4º da LGT.

8. Em detalhe, entende a Recorrente que o acto impugnado assenta, na parte que se refere à desconsideração fiscal das provisões constituídas para fazer face a créditos incobráveis de fornecedores, numa análise absolutamente parcial e formalista da factualidade mobilizada, e, nessa medida, pouco ou nada sensível aos princípios da justiça material por que se devem nortear as decisões administrativas e, em última instância, também as decisões judiciais.

9. Da prova produzida resulta, em primeiro lugar, que não pode seriamente considerar-se que os créditos sobre os quais foram constituídas as provisões em causa não são considerados créditos de cobrança duvidosa com base na continuidade da relação comercial “principal”, consubstanciada na troca de mercadorias, entre os sujeitos passivos e os respectivos fornecedores: conforme se viu na discriminação da matéria de facto dada como provada, designadamente, através da inquirição das testemunhas arroladas, as situações de débitos de fornecedores são perfeitamente autonomizados, para efeitos contabilísticos, das relações comerciais geradoras de créditos de fornecedores, por razões de sobrevivência da sociedade em causa.

10. Em segundo lugar, resulta do probatório que não é verdade que a sociedade P........ não tenha apresentado provas de eventuais diligências tendentes à cobrança dos valores em dívida.

11. O cumprimento do requisito da evidenciação contabilística dos saldos devedores de fornecedores não se encontra dependente da verificação de qualquer juízo de incobrabilidade do crédito, sendo este antes anterior ao que aqui se impõe.

12. No caso em apreço, também não restam dúvidas, apesar de a AT as ter esboçado, de que as provisões constituídas são fiscalmente dedutíveis, dado incidirem sobre créditos que inequivocamente resultam da actividade normal da sociedade P........ e que como tal se encontram evidenciados na contabilidade. Estão em confronto gastos de fornecimentos e gastos de publicidade relativos aos fornecimentos, ambos concomitantes e necessários da actividade de comércio a retalho em supermercado.

13. Com efeito, conforme ficou provado, tratamos, no caso em análise, de acordos de fornecimentos que comportam a assunção de obrigações sinalagmáticas de prestação ou fornecimento, que transformam, conforme os casos, o fornecedor em fornecido (ou beneficiário) e o fornecido em fornecedor (ou prestador): relações comerciais estas perfeitamente normais no sector de actividade em que se inserem aquelas sociedades.

14. É, pois, absolutamente corrente entre fornecedores e supermercados a celebração de contratos que, além da regulação dos fornecimentos em si, cuidam igualmente de estabelecer regras para a disposição dos produtos – em ilha ou prateleira, no primeiro ou último expositor, na prateleira mais ou menos acessível ao consumidor – e para a sua publicitação preferencial, ao que, naturalmente, não pode deixar de corresponder uma remuneração.

15. A componente relativa à publicidade respeita, pois, obviamente, à actividade de aprovisionamento e comércio a retalho em supermercado, porquanto encontram com ela uma ligação directa e indissociável.

16. Isto mesmo é, de resto, observado numa outra sentença proferida poe este mesmo Tribunal, num caso com total identidade de factos e partes, embora referente a um diferente exercício económico. Nesta, pronunciada no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 766/10.0BELRS, o Tribunal a quo considerou que: “Conforme decorre do probatório, as provisões incidem sobre créditos que resultam da actividade normal da sociedade dependente P........ , relativamente aos quais foram realizadas diligências tendentes à sua cobrança e mostram-se evidenciados na contabilidade (ponto n.°s 9, 10, 13 e 14 da matéria de facto dada como provada). Com efeito, as testemunhas trazidas pela impugnante esclareceram de forma detalhada a actuação da sociedade P........ nas relações que estabelece com os seus fornecedores e os procedimentos seguidos pela mesma desde a contratação até à cobrança dos créditos, bem como a existência de saldos devedores com os fornecedores, justificada pela existência de relações de várias espécies que se estabelecem, por um lado, relações de fornecimento e, por outro lado, outras relações comerciais entre as partes, exigindo prudência e a segregação dos débitos e créditos (pontos 6) a 14) da matéria de facto dada como assente)”. Mais ainda, considerou o Tribunal que “resulta … dos autos que a impugnante fez prova que os valores contabilizados tinham relação com os créditos de cobrança duvidosa, resultantes do incumprimento das obrigações assumidas contratualmente pelos respectivos fornecedores, justificadamente in cobráveis por se encontrarem em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento, apesar das diligências feitas para recebimento da dívida, pelo que as provisões poderiam ter sido constituídas”.

17. No mesmo sentido vai também a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, desta feita no âmbito do processo de impugnação n.º 1855/08.6BELSB.

18. Tudo visto, não pode deixar de concluir-se que é errónea a interpretação que o Tribunal a quo faz da matéria de facto e de direito mobilizável, não podendo, por esse motivo, a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica.».

A esse propósito, a Recorrente impugnante alegou do seguinte modo:


«Relativamente à desconsideração fiscal das provisões constituídas pela P........ para fazer face a créditos de cobrança duvidosa de fornecedores, a Recorrente cuidou de, ao longo de todo o processo, esclarecer o contexto que em que as mesmas foram constituídas, as especificidades do sector que o explicam e o racional das opções adoptadas no plano contabilístico, com reflexos inevitáveis no plano fiscal.


A prova foi produzida e, em função dela, foi decidido que as provisões incidem sobre créditos que resultam da actividade normal da sociedade P........ e que em relação aos mesmos foram realizadas diligências tendentes à sua cobrança. O Tribunal entendeu, contudo, que, dado estar contratualmente prevista a compensação entre as partes, não se encontra in casu justificado o risco de incobrabilidade para efeitos fiscais, não podendo, em consequência, aceitar-se a respectivo relevo fiscal.


A verdade, todavia, é a de que, no caso concreto, não há dúvidas de que a decisão contabilística de constituir as provisões em causa foi precedida de um juízo (subjectivo – feito por quem o poderia fazer) fundado de incobrabilidade do crédito, baseado no tempo de permanência do mesmo e na frustração das diligências levadas a cabo pela P........ no sentido da sua cobrança.


No caso em apreço, também não restam dúvidas que as provisões constituídas incidem sobre créditos que inequivocamente resultam da actividade normal da sociedade P........ e que, como tal, se encontram evidenciados na contabilidade. Estão em confronto gastos de fornecimentos e gastos de publicidade relativos aos fornecimentos, ambos concomitantes e necessários da actividade de comércio a retalho em supermercado.


Com efeito, conforme ficou provado, tratamos, no caso em análise, de acordos de fornecimentos que comportam a assunção de obrigações sinalagmáticas de prestação ou fornecimento, que transformam, conforme os casos, o fornecedor em fornecido (ou beneficiário) e o fornecido em fornecedor (ou prestador): relações comerciais estas perfeitamente normais no sector de actividade em que se inserem aquelas sociedades.


É, pois, absolutamente corrente entre fornecedores e supermercados a celebração de contratos que, além da regulação dos fornecimentos em si, cuidam igualmente de estabelecer regras para a disposição dos produtos – em ilha ou prateleira, no primeiro ou último expositor, na prateleira mais ou menos acessível ao consumidor – e para a sua publicitação preferencial, ao que, naturalmente, não pode deixar de corresponder uma remuneração. A componente relativa à publicidade respeita, pois, obviamente, à actividade de aprovisionamento e comércio a retalho em supermercado, porquanto encontram com ela uma ligação directa e indissociável.


Para usar um exemplo da vida corrente, a publicidade insere-se, nestes domínios, ao nível, por exemplo, da inclusão de determinado produto, com determinado destaque, nos folhetos promocionais criados, semanal ou mensalmente, pelos supermercados sob qualquer insígnia: efectivamente, trata-se de uma prática generalizada, que, não apenas favorece o negócio da venda a retalho – no sentido em que, a partir da visualização dos folhetos em causa, os clientes obtêm a informação necessária a respeito das promoções em curso –, como também os fornecedores dos produtos publicitados, que, por seu efeito, ganham “vantagem” relativamente aos seus concorrentes.


Nestes casos, é evidente que a publicitação do produto x ou y, fornecido pela empresa xpto, implica, para esta, a obrigação de pagamento de uma determinada quantia, previamente negociada e definida, e, neste sentido, a sociedade fornecida o direito ao seu recebimento. É aqui que a entidade dedicada à actividade de comércio a retalho em supermercado passa a assumir, como no caso dos autos, a posição de credora dos rendimentos ou formas de compensação decorrentes das prestações de serviços de publicidade que propicia e os respectivos fornecedores a posição de devedores.


Era, como se provou, precisamente o que ocorria na situação dos autos.


Esta é a demonstração que basta para que os créditos em causa possam ser deduzidos para efeitos fiscais, nos termos das disposições supra referenciadas.


Por outro lado, não é aceitável que o Tribunal conclua que os créditos sobre os quais foram constituídas as provisões em causa não são considerados créditos de cobrança duvidosa com base na continuidade da relação comercial “principal”, consubstanciada na troca de mercadorias, entre os sujeitos passivos e os respectivos fornecedores: conforme se viu na discriminação da matéria de facto dada como provada, designadamente, através da inquirição das testemunhas arroladas, as situações de débitos de fornecedores são perfeitamente autonomizados, para efeitos contabilísticos, das relações comerciais geradoras de créditos de fornecedores, por razões de sobrevivência da sociedade P........ .


A sociedade P........ apresentou todas as convenientes provas de eventuais diligências tendentes à cobrança dos valores em dívida e deu rigoroso cumprimento ao requisito da evidenciação contabilística dos saldos devedores de fornecedores: o cumprimento deste requisito não se encontra dependente da verificação de qualquer juízo de incobrabilidade do crédito, sendo este antes anterior ao que aqui se impõe.


Num outro sentido, em relação argumento de que os saldos devedores não se constituíram, no caso, como eventuais incobráveis, na medida que se encontravam “garantidos” por dívidas a pagar pela P........ –, omite-se o verdadeiro sentido daquela avaliação – casuística e subjectiva – de incobrabilidade: é que a existência de movimentos, a débito e a créditos, na conta corrente de fornecedores é explicada pela existência de relações de várias espécies entre estes e a sociedade P........ , conforme ficou claro na inquirição testemunhal.


Isto não significa, contudo, que essas relações se confundam ou que das mesmas resulte a comunicabilidade de créditos e débitos, consoante as necessidades – se tal fosse, porventura, possível, certamente que a sociedade P........ o teria feito –.


A prudência e, como vimos, a necessidade de manter sãs as relações com os fornecedores, de cuja (boa) resposta depende a actividade destas, exigem que seja feita uma rigorosa segregação dos débitos e créditos resultantes da normal relação de fornecimento, por um lado, e das demais relações comerciais estabelecidas entre as partes, por outro.


Para além disso, nem sempre é verdade (ou, como foi possível perceber da prova testemunhal, quase nunca é verdade) que, verificado o incumprimento reiterado e grave por parte dos fornecedores, persista a relação normal de fornecimento entre estes e aquelas sociedades: em 2003, a sociedade P........ não manteve qualquer relação comercial com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas as referidas provisões (vide documento demonstrativo da evolução dos saldos da conta corrente dos fornecedores objecto de provisão, no espaço temporal decorrido entre 2000 e 2007, junto com a petição inicial).


Esta mesma realidade acabou por ser ainda confirmada pela testemunha A....... que, em relação a este particular, referiu que a tendência é para extinguir/diminuir a relação de dependência com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas provisões com aquela natureza, isto apesar de eventualmente poderem redundar em sucesso os esforços desenvolvidos tendentes à cobrança dos valores em dívida.


Finalmente, em relação ao argumento de que a lógica inerente à constituição de uma provisão, bem como a sua consideração para efeitos fiscais, encontra-se, na situação em apreço, alegadamente subvertida, dado que não raras vezes ocorre que a provisão calculada e relevada fiscalmente é superior ao saldo líquido em dívida para com o fornecedor, são plenamente aplicáveis as mesmas razões invocadas a propósitos dos dois argumentos anteriores, dado ser este último uma pura repetição (reformulada) daqueles.


Isto mesmo é, de resto, observado numa outra sentença proferida por este mesmo Tribunal, num caso com total identidade de factos e partes, embora referente a um diferente exercício económico. Nesta, pronunciada no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 766/10.0BELRS, o Tribunal a quo considerou que: “Conforme decorre do probatório, as provisões incidem sobre créditos que resultam da actividade normal da sociedade dependente P........ , relativamente aos quais foram realizadas diligências tendentes à sua cobrança e mostram-se evidenciados na contabilidade (ponto n.ºs 9, 10, 13 e 14 da matéria de facto dada como provada). Com efeito, as testemunhas trazidas pela impugnante esclareceram de forma detalhada a actuação da sociedade P........ nas relações que estabelece com os seus fornecedores e os procedimentos seguidos pela mesma desde a contratação até à cobrança dos créditos, bem como a existência de saldos devedores com os fornecedores, justificada pela existência de relações de várias espécies que se estabelecem, por um lado, relações de fornecimento e, por outro lado, outras relações comerciais entre as partes, exigindo prudência e a segregação dos débitos e créditos (pontos 6) a 14) da matéria de facto dada como assente)”. Mais ainda, considerou o Tribunal que “resulta … dos autos que a impugnante fez prova que os valores contabilizados tinham relação com os créditos de cobrança duvidosa, resultantes do incumprimento das obrigações assumidas contratualmente pelos respectivos fornecedores, justificadamente incobráveis por se encontrarem em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento, apesar das diligências feitas para recebimento da dívida, pelo que as provisões poderiam ter sido constituídas”.


No mesmo sentido vai também a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, desta feita no âmbito do processo de impugnação n.º 1855/08.6BELSB.


Tudo visto, não pode deixar de concluir-se que é errónea a interpretação que o Tribunal a quo faz da matéria de facto e de direito mobilizável, não podendo, por esse motivo, a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica.»


Decidindo:


Não há dúvida de que as provisões para créditos de cobrança duvidosa podem ser constituídas, de acordo com o princípio da prudência, quando a empresa se depara com a existência de um determinado grau de risco de não recebimento de uma dívida de um cliente ou outra entidade, este risco pode ser constatado a partir de situações como atrasos relevantes no pagamento por parte do devedor, mas a sua dedutibilidade fiscal está dependente do respetivo risco de incobrabilidade


A sentença julgou verificado o primeiro requisito legal para a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, requisito que consiste no facto de os créditos resultarem da atividade normal da empresa.


No entanto, a sentença julgou não verificado o requisito relativo à existência de risco de incobrabilidade do crédito de fornecedores que também são clientes.


Essa decisão assentou nos seguintes pressupostos:


- entre a impugnante e os seus fornecedores existe uma conta-corrente, documentalmente suportada, relativa a débitos e créditos (e não contas segregadas);


- dos respetivos contratos (facto R do probatório) consta (cláusula 5.1.2) a possibilidade de compensação, até ao montante de “encontro de contas”, o que também foi confirmada pelos depoimentos da 1ª e 5ª testemunhas;


Com tais pressupostos, o Tribunal a quo concluiu que a Impugnante detém um crédito sobre o seu devedor, que garante a cobrança da dívida por simples compensação a efetuar mediante mera declaração à outra parte (artigos 847º e seguintes do CC), expressamente permitida por contrato; pelo que não se pode considerar verificado o risco de incobrabilidade, pelo menos até ao montante em que aconteça “o encontro de contas”, isto é, em que pelo menos umas das partes deixa de ser devedora à outra.


A Recorrente afirma que tal raciocínio é falacioso porque a existência de movimentos, a débito e a créditos, na conta corrente de fornecedores é explicada pela existência de relações de várias espécies entre estes e a sociedade P........ , conforme ficou claro na inquirição testemunhal, sem que essas relações se confundam ou que das mesmas resulte a comunicabilidade de créditos e débitos, consoante as necessidades, pois, que, se tal fosse, porventura, possível, certamente que a sociedade P........ o teria feito.


Para além disso, a Recorrente alega que, como foi possível perceber da prova testemunhal, quase nunca é verdade que, verificado o incumprimento reiterado e grave por parte dos fornecedores, persista a relação normal de fornecimento entre estes e aquelas sociedades: em 2003, a sociedade P........ não manteve qualquer relação comercial com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas as referidas provisões (vide documento demonstrativo da evolução dos saldos da conta corrente dos fornecedores objeto de provisão, no espaço temporal decorrido entre 2000 e 2007, junto com a petição inicial).


Para reforçar essas asserções a Recorrente remete para os factos provados e para a decisão proferida em casos idênticos, embora relativos a outros exercícios, nas sentenças dos processos nº 1855/08.6BELSB e 766/10.0BELRS. Uma vez que essas decisões se encontram ambas sob recurso, pendentes de decisão final, neste Tribunal Central Administrativo do Sul, conclui-se que o aí decidido nada poderá contribuir para a decisão a proferir agora nos presentes autos.


Além disso, com base nas alegações do recurso percebe-se que a Recorrente impugnante defende que, no mesmo exercício, que, em grande parte dos casos, as sociedades F...... e G..... não mantiveram qualquer relação comercial com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas as referidas provisões (vide documento demonstrativo da evolução dos saldos da conta corrente dos fornecedores objecto de provisão, no espaço temporal decorrido entre 2000 e 2003, junto como doc. nº 5). Esta mesma realidade acabou por ser ainda confirmada pela testemunha A....... que em relação a este particular referiu que a tendência é para extinguir/diminuir a relação de dependência com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas provisões com aquela natureza, isto apesar de eventualmente poderem redundar em sucesso os esforços desenvolvidos tendentes à cobrança dos valores em dívida.


Sobre isso, o Tribunal a quo levou em conta que da experiência comum resulta a regra geral segundo a qual as empresas não terão “montantes a crédito face aos fornecedores.


Não obstante, da prova efectuada – cfr. alíneas R) e S) do probatório – resulta comprovado que no sector de actuação da Impugnante, e face às obrigações reciprocamente assumidas no âmbito dos Contratos de Fornecimento e Cooperação Comercial, é possível, e até de forma recorrente, a inversão da relação principal, assumindo o fornecedor o papel de “devedor”, por beneficiar dos serviços prestados pelo retalhista, como acções promocionais e publicidade dos produtos fornecidos [cláusulas 4.1 a 4.1.3 dos contratos – cfr. alínea R) dos factos provados], mas também pela devolução de mercadorias e de valores a título de desconto e rappel.


(…) consideramos que, não obstante todas as “justificações” avançadas pela Impugnante – como por exemplo, a dependência dos fornecedores ser quase total, forçando a uma tolerância para com os seus incumprimentos; necessidade de manter relações sólidas com os fornecedores, etc. – a verdade é que, contabilística e documentalmente, o que se verifica é que nas contas-correntes dos fornecedores sobre os quais foi registada provisão, estão contabilizados tanto créditos como débitos.


Também em termos contratuais [cfr. alínea R) do probatório – cláusula 5.1.2] é patente a possibilidade de compensação, até ao montante de “encontro de contas”, o que aliás é referenciado, e admitido, nos depoimentos da 1ª e 5ª testemunhas.


Não é possível ignorar, portanto, que a Impugnante detém um crédito sobre o seu devedor, que garante a realização e a cobrança da dívida, independentemente de quaisquer razões subjectivas motivadas pela envolvente do negócio, as quais, por força da lei – e em reforço do princípio da igualdade – não se poderão ter em linha de conta.


(…) o que é manifesto é que tanto os débitos como os créditos procedem do mesmo contrato, celebrado entre as mesmas partes, no âmbito dos quais se permite a compensação, e bem assim que existem contas-correntes de fornecedores (e não contas segregadas).


Não se considera, pois, comprovada, a invocada “segregação”, e nem tão pouco relevaria, para efeitos fiscais, já que o legislador, nesta matéria, prescinde de quaisquer considerações circunstanciais do contribuinte, decorrentes do modo como gere o respectivo negócio e as relações com os fornecedores.


(…) sendo possível a compensação, não se vislumbra sequer existir o risco de incobrabilidade, até ao montante correspondente.


Assim, apenas seria de aceitar a existência de um risco de incobrabilidade, potencialmente justificado, no que se refere, apenas e só, ao saldo excedente (a favor do fornecedor), saldos esses identificados pela AT, conforme alínea T) do probatório.


Assim, exclusivamente quanto aos fornecedores que apresentam saldos (devedores) excedentes, seria de aceitar o presente pressuposto como verificado, para efeitos de dedutibilidade da provisão, pelo que, quanto a estes, cumpre averiguar se os demais requisitos se encontram cumpridos.


(…) do confronto entre as listas de fornecedores que apresentam um saldo devedor excedente [cfr. alínea T) do probatório] e os documentos juntos pela Impugnante, reveladores das diligências de cobrança [cfr. alínea U) do probatório], resulta que apenas tem correspondência o fornecedor “..., S.A.”, o que significaria que, estando comprovada a mora superior a 6 meses bem como as diligências de recebimento (frustradas), seria de aceitar a constituição/reforço da provisão pelo montante excedente do saldo da conta-corrente.


Todavia, conforme resulta da alínea V) do probatório, a cópia da carta remetida a este fornecedor apresenta uma anotação manuscrita datada de 2001, ordenando a anulação da provisão em face da falência da empresa, o que, independentemente do demais, apenas pode significar que esta provisão não foi constituída nem reforçada no exercício de 2003.


Ora, considerando que a correcção efectuada pela AT se consubstancia na desconsideração para efeitos fiscais do montante correspondente a constituição e reforço de provisões em 2003, e resultando que a provisão relativa ao fornecedor “..., S.A.”, embora com diligências de recebimento documentadas, não foi constituída/reforçada no exercício de 2003, significa que o seu montante não tem qualquer reflexo ou influência na correcção aqui em causa.


Donde, face à ausência de qualquer outra prova documental ou testemunhal, tem-se por não cumprido o presente requisito, sendo pois legítima a correcção efectuada pela AT.”


A Recorrente não contradita os factos T e V, segundo os quais apenas se verifica uma diligência de cobrança dos créditos em causa, referente apenas ao crédito sobre o fornecedor “..., S.A.”, a qual fora declarada falida em 2000, pelo que propôs a “anulação” desse valor na contabilidade.


Portanto, a questão de facto decisiva para a boa decisão sobre o mérito da impugnação, e agora do recurso, reportava-se a saber se ocorreram diligência de cobrança dos créditos em causa.


A sentença recorrida respondeu a isso considerando que ficou provado que a impugnante fez algumas diligências para cobrança de créditos (facto U do probatório), mas, relativamente aos concretos créditos em causa nos autos, apenas fez uma diligência de cobrança, relativa a créditos sobre a referida sociedade “..., S.A.”.


Porém, o Tribunal a quo considerou que mesmo esse custo não é dedutível porque, em face da notícia da declaração de falência desse devedor, ocorrida em 2000, a Impugnante procedeu à anulação da provisão em causa por, apenas pode significar que esta provisão não foi constituída nem reforçada no exercício de 2003 e que, portanto, que o seu montante não tem qualquer reflexo ou influência na correcção aqui em causa.


Não estando em causa, por agora, a questão de direito de saber se esse julgamento acerca do significado da referida nota manuscrita e suas consequências legais para o caso concreto está certo ou errado, tem de se concluir que não se justifica a pretendida modificação da matéria de facto fixada, na parte referente à aludida correção da matéria coletável.


Como refere a sentença recorrida, nada nos autos corrobora que existem contas segregadas para registo dos créditos e débitos de cada espécie, apenas se tendo comprovado que tais contas-correntes permitem, contabilística e contratualmente, a compensação dos créditos até ao “encontro de contas”, indiciando a comunicabilidade tácita ou expressa entre os referidos créditos e débitos.


A recorrente nada acrescentou que ponha em causa o acerto da decisão tomada em primeira instância acerca dessa questão.


A AT alegou no Relatório de inspeção que “para a grande maioria dos fornecedores, durante o período de vigência dos créditos, que pode ir de um mês a um período superior a 36 meses e que constitui as suas contas correntes, existem contabilizados tanto créditos como débitos, sendo visível que em muitos casos e apesar da constituição de provisão para supostos créditos de cobrança duvidosa, continua a existir uma relação comercial com esses fornecedores (anexo 1, fls. 1)” (facto E do probatório) e a Recorrente alega que juntou à p.i. os documentos comprovativos de que, em 2003, a sociedade P........ não manteve qualquer relação comercial com os fornecedores relativamente aos quais foram constituídas as referidas provisões.


Ou seja, a própria AT admite que efetuou a correção em causa, mesmo sabendo que a relação comercial que originou os créditos de cobrança duvidosa já não se mantinha (segundo a impugnante, tal cessação/suspensão de relações comerciais verificou-se pelo menos desde 2000 até 2007).


A falta de especificação dos casos em que tal relação subsistia dos casos em que tal relação já não se verificava demonstra que a motivação da correção efetuada assentou essencialmente no facto de a AT considerar que não se verificava o terceiro requisito, relativo à prova de que foram efetuadas diligências com vista à cobrança voluntária dos créditos em mora.


Do facto E do probatório retira-se que a AT considerou que, relativamente a este último requisito, não apresentou o sujeito passivo provas das eventuais diligências efetuadas, tendentes à cobrança dos valores em dívida. Mas a Recorrente alega que “A sociedade P........ apresentou todas as convenientes provas de eventuais diligências tendentes à cobrança dos valores em dívida e deu rigoroso cumprimento ao requisito da evidenciação contabilística dos saldos devedores de fornecedores (…)”.


A impugnante, agora recorrente, não tem razão.


De facto, é inócua a afirmação de que “as situações de débitos de fornecedores são perfeitamente autonomizadas, para efeitos contabilísticos, das relações comerciais geradoras de créditos de fornecedores, por razões de sobrevivência da sociedade em causa”, uma vez que tal forma de contratar e de contabilizar não altera a materialidade da inexistência de risco de incobrabilidade enquanto se mantiverem essas relações comerciais. Pelo que improcedem as conclusões 9 e 11 a 18.


Por outro lado, de nada vale repetir que foram exibidas provas das diligências efetuadas com vista à cobrança dos créditos em causa, dado que isso não consta do probatório nem deveria constar, conforme referido no ponto anterior.


Ou seja, a Recorrente nada contrapõe, em concreto que justifique a alteração do decidido em 1ª instância quanto a esta questão.


Por tudo o que expôs, a Recorrente defende que a decisão recorrida se encontra, nessa parte, ferida de anulabilidade, porquanto o Tribunal fez uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito consequentemente aplicável, em termos de se poder mesmo alegar a violação de princípios constitucionalmente consagrados, como sejam os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, plasmados nos artigos 13º, 103º e 104º da CRP e no n.º 1 do artigo 4º da LGT.


Sabe-se que ocorre desigualdade de tratamento perante a lei (artigo 13º da CRP) quando se pratica alguma arbitrariedade ou discriminação injustificada, considerando-se que este princípio exige tratamento igual para situações idênticas e tratamento desigual para situações desiguais, na proporção dessa desigualdade.


Ora, a Recorrente não esclarece nem se consegue vislumbrar qualquer discriminação em relação a outros contribuinte em situação idêntica nem a decisão se mostra arbitrária.


A recorrente também se refere à violação do princípio da capacidade contributiva e alude aos artigos 103º (sistema fiscal) e 104º (Impostos) da CRP.


O princípio da capacidade contributiva (artigo 4º, nº 1, da LGT) preconiza que o imposto deve ser repartido na medida da capacidade que cada um mostre para o suportar: a contribuintes com maior força económica deve corresponder tributação mais elevada, a contribuintes com menor força económica deve corresponder tributação mais reduzida, por isso se dizendo que os impostos sobre o rendimentos devem ser “progressivos”.


Ora, tal princípio só poderia ter sido violado se os critérios de determinação do lucro tributável previstos nos artigos 17º e seguintes do IRC tivessem sido infringidas, o que, como vimos, não sucedeu.


Pelo que se conclui que, também nessa parte, a sentença recorrida não merece critica e o recurso contra ela não merece provimento.


*


C) – Do erro de julgamento da matéria de direito, por desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo do P........ a título de rendas e despesas de condomínio (conclusões 19 a 30 das alegações e pág. 17 a 27 das alegações do recurso):


Sobre tal questão, consta da sentença recorrida o seguinte:


« 3. Correcção no montante de € 953,800,59 referente à desconsideração fiscal do montante contabilizado pelo P........ , a título de rendas e despesas de condomínio


A AT desconsiderou os custos incorridos pelo P........ a título de rendas e despesas de condomínio das lojas de ... e Sesimbra, essencialmente, devido ao facto de tais custos não se encontrarem devidamente documentados, nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 42º, nº 3 do artigo 115º e nº1 do artigo 23º do CIRC, e isto porque apenas se encontram suportados em documentos internos (contratos de promessa de arrendamento e subarrendamento).


Conforme decorre da fundamentação expendida pela AT – cfr. alínea G) do probatório – era exigível o suporte em documentos externos, in casu recibos de quitação, sendo apenas estes os que permitiriam comprovar e demonstrar na sua plenitude a veracidade da operação subjacente ao respectivo lançamento contabilístico; por outro lado, também a natureza de contrato promessa não permite, pela sua própria natureza jurídica, comprovar a existência de um pagamento devido pelo arrendamento de local, destinado ao exercício de uma actividade comercial, porquanto tal contrato consubstancia à luz do disposto no artigo 410° n° 1 do Código Civil apenas uma promessa de celebrar no futuro um contrato definitivo de arrendamento comercial.


A Impugnante considera, em síntese, que o entendimento da AT viola o artigo 104°, n° 2 da CRP, porquanto a tributação das sociedades incide, fundamentalmente, sobre o lucro real, pelo que têm relevância fiscal todos os encargos suportados para a realização do seu objecto social e fins estatutários, sendo certo que é admissível a prova da materialidade da operação através de quaisquer meios de prova, sob pena e ofensa aos princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé.


Vejamos.


Dispõem a alínea g) do nº 1 do artigo 42º do CIRC que não são dedutíveis os encargos não devidamente documentados; o artigo 115º, nº 3, do mesmo diploma, que todos os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos e o artigo 23º, que se consideram custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora.


Não vem colocada em crise a imprescindibilidade dos custos incorridos com rendas/condomínio (o que, em todo o caso, é notório, uma vez que a P........ vende os seus produtos em lojas abertas ao público), mas a comprovação formal dos mesmos.


Das disposições legais assinaladas, não resulta que apenas os documentos externos permitem comprovar a veracidade/efectividade da operação, devendo antes entender-se que, na ausência de documento externo, tem de ser obrigatoriamente admitida a prova da realização do custo por qualquer meio, sendo apenas esta a interpretação que se coaduna com a Constituição, nomeadamente com o artigo 104º, nº 2. Em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da contabilidade).


É este o entendimento que tem vindo a ser reiterado pela doutrina e pelos tribunais superiores desde há muito (cfr., entre outros, acórdão do STA de 27.09.2000, recurso nº 25033 e acórdãos do TCAS 16.11.2004, processo nº 1098/03, de 27.04.2006, processo nº 06461/02), como o reflectem os mais recentes acórdãos, designadamente, do TCAS, de 12.01.2017, processo nº 09894/16 e acórdão do TCAN, de 14.07.2014, processo nº 02390/05.0BEPRT (disponíveis em www.dgsi.pt).


Com efeito, explicita o TCAS (no assinalado acórdão de 12.01.2017): “Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação. Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (artº.41, nº.1, al. h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada”, e prossegue, concluindo que “A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (…), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos”.


De referir que, neste âmbito, não está em causa a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes ou dos dados inscritos na sua contabilidade, prevista no artigo 75º da LGT (como alega a Impugnante); o que está em causa é a formalidade imposta para efeitos de comprovação do custo inscrito na contabilidade – artigos 23º e 115º, nº 3 , do CIRC.


Aquela presunção teria lugar se o documento que, em princípio, suporta de forma suficiente o registo contabilístico, revelasse omissões, erros ou inexactidões; nos autos, está antes em crise determinar se existe ou não suporte suficiente para o referido registo. É uma formalidade a montante.


Tendo por assente a posição jurisprudencial exposta, com a qual concordamos, vejamos se foi cumprido in casu, pela Impugnante, o seu ónus probatório, isto é, se carreou para os autos meios adicionais/complementares de prova que se considerem suficientes para conferir e atestar credibilidade dos custos incorridos (rendas).


Apenas resulta da alínea W) do probatório, que foram celebrados pelo P........ contratos-promessa e contratos de arrendamento e subarrendamento.


O Anexo 3 do RIT e o doc. 13 junto com a p.i. consubstanciam os extractos/notas de lançamento contabilísticas mensais, emitidas pelo P........ , que subjazem ao custo contabilizado, mas que, em si mesmos, não aportam qualquer valia probatória.


E não obstante o que vem alegado na p.i. (artigo 215º), nenhuma prova adicional de relevo – documental ou testemunhal – foi oferecida.


Donde, considerando que, no fundo, apenas foram juntos os respectivos contratos – que ademais, são celebrados entre entidades do mesmo Grupo e quanto às lojas da Maia e Tavira, apenas “contratos-promessa” –, tal não resulta suficiente nem idóneo a demonstrar, cabalmente, os arrendamentos e os efectivos pagamentos das rendas durante o exercício de 2003.


Poderia a Impugnante ter comprovado que o P........ já exercia actividade naquelas lojas em 2003 – o que levanta dúvidas –, mas especialmente, poderia ter procedido à junção de documentos bancários comprovativos de transferências ou cópias de cheques passados em nome dos senhorios – I....... e C......... (que provaria o pagamento efectivo). Estas provas, não sendo, como exigia a AT, documentos de quitação, seriam no entanto aptos a suportar a efectividade das operações aqui em causa.


De todo o modo, recaindo sobre a Impugnante o ónus de demonstrar, inequivocamente, a realidade e materialidade dos arrendamentos e dos respectivos pagamentos de rendas – e ainda que, como se disse, se admita a prova da realização do custo por qualquer meio –, a Impugnante não fez prova suficiente de tais elementos, pelo que é de aceitar a correcção efectuada pela AT, correspondente à não dedutibilidade dos custos registados a títulos de rendas, insuficientemente comprovados (€ 953.800,59).


Também quanto a esta correcção, improcede a pretensão da Impugnante. ».


Contra isso, a Recorrente Impugnante formulou as seguintes conclusões:

« 19. Num outro sentido, a desconsideração fiscal do montante contabilizado como custo pela P........ a título de rendas e despesas de condomínio, tal como vem fundamentada, viola de um modo flagrante os valores da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé – todos eles ínsitos no princípio da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva –, a cujo escrupuloso respeito está a AT obrigada por imposição constitucional.

20. Na realidade, quer entendamos que a especial motivação da AT na presente correcção corresponde à falta de documentação do custo em crise, quer entendamos que a razão para a sua consideração corresponde à não verificação do respectivo pagamento (à sua não efectividade), à posição adoptada pela AT – e agora pelo Tribunal que a confirma - há-se sempre ter que ser reconhecido um desvio grave aos princípios constitucionais referidos e à relevância do processo e à prova dos factos realizadas nesta sede.

21. Deve entender-se idónea a titulação de um custo ainda que a factura que a suporta seja incompleta à luz do nº 5 do artigo 35º do CIVA, assim como deve ter-se por idónea a sua sustentação ainda que tal factura inexista.

22. Mais: não é legítima a negação de dedutibilidade de um custo quando o mesmo se encontre suficientemente demonstrado por outros meios de prova aduzidos pelo contribuinte.

23. É esta a posição maioritariamente adoptada pela jurisprudência. Assim, reconhece o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 27.04.2006, no âmbito do processo nº 6461/02, que “no âmbito do IRS e do IRC é admissível o recurso à prova não documental – designadamente à prova testemunhal – para comprovar que certo lançamento se reporta a um custo”. No mesmo sentido, decidem os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul proferidos, em 16.11.2004, 27.04.2006 e em 03.05.2006, no âmbito dos processos nº 1098/03, 6461/02 e 279/03, respectivamente.

24. Os documentos internos são, por isso, susceptíveis de comprovar, idónea e suficientemente, os custos e perdas efectivamente incorridos por determinado sujeito passivo, tendo em vista a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da respectiva fonte produtora.

25. No caso em apreço, não há dúvida de que os documentos que titulam a operação negocial em causa e, bem assim, que dão suporte aos custos ou perdas registados pela sociedade P........ , no exercício em referência, são suficientes para: (1) demonstrar que se trata de custos ou perdas efectivos, ocorridos no exercício em que foram registados (em cumprimento do princípio da especialização dos exercícios), pelos montantes inscritos na contabilidade – a exibição (a) dos documentos internos, (b) da correspondência trocada com as contrapartes nas operações em causa (designadamente para efeitos da actualização dos montantes cobrados a título de rendas), (c) das declarações emitidas pela sociedade P........ atestando o rendimento colocado à disposição daquelas e, bem assim, o montante retido a título de IRC e, finalmente, (d) dos extractos bancários que identificam os pagamentos efectuados, o momento e os montantes dos mesmos, é prova suficiente, cabal e idónea da efectividade dos custos em causa –; (2) demonstrar que se trata de custos ou perdas indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da sociedade P........ – a exibição dos contratos de arrendamento e, bem assim, dos contratos de promessa de arrendamento e subarrendamento celebrados com terceiros, ao abrigo dos quais são suportados os encargos em causa, é prova suficiente, cabal e idónea da imprescindibilidade dos mesmos, porquanto tratamos de contrapartidas pela utilização (arrendamento ou subarrendamento) de espaços destinados à ocupação de lojas e ao desenvolvimento da respectiva actividade –.

26. Contra esta prova, feita documentalmente e atestada testemunhalmente, não pode o Tribunal ignorá-la, a não ser que que coloque em causa a sua idoneidade, o que não aconteceu nem, em rigor, podia ter acontecido.

27. Os pagamentos das rendas e despesas de condomínios estão individualizadamente reflectidos nos documentos - das declarações emitidas pela sociedade P........ atestando o rendimento colocado à disposição daquelas e, bem assim, o montante retido a título de IRC e, finalmente, (d) dos extractos bancários que identificam os pagamentos efectuados, o momento e os montantes dos mesmos – e não poderiam ter sido provados por outra forma.

28. A utilização efectiva (tradição) dos imóveis arrendados é um facto notório, evidente, do conhecimento público, que a própria AT conseguiria atestar através de uma simples pesquisa informática ou de uma verificação das inúmeras declarações a que teve acesso por referência ao período em causa que atestam a realidade das vendas nelas operadas.

29. Posto isso, resulta evidente que, ainda que a efectividade e a imprescindibilidade dos custos incorridos pela P........ a título de rendas e encargos com o condomínio fossem, no presente caso, questionáveis – no que não se prescinde –, e não se encontrassem devidamente comprovados – do que também não se abdica –, não seria, em rigor, a P........ a entidade a quem caberia aquela comprovação no presente caso, dada a total ausência de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da actuação da Administração fiscal – até prova em contrário (que, in casu, apenas à AT competiria) presumem verdadeiros e de boa fé os dados e apuramentos que inscreveu na respectiva contabilidade –.

30. No sentido que vem exposto foram também proferidas já duas decisões relativas às mesmas partes e factualidade, desta feita nos processos de impugnação n.º 766/10.0BELRS e n.º 1855/08.6BELSB, por este mesmo Tribunal. Nelas reconhece-se expressamente, ao contrário do que acontece na decisão de que ora se recorre, que: “as testemunhas trazidas pela Impugnante esclareceram o contexto em que foram celebrados os referidos contratos, que justifica a falta da emissão de factura, relativamente aos imóveis ocupados em 2007 pela P........ , por aguardarem a resposta ao pedido de certificado de renúncia à isenção de IVA, conforme decorre igualmente do teor dos mencionados contratos, tendo confirmado que o pagamento das rendas foi feito”, porquanto, se conclui que “o custo foi reconhecido no momento em que o P........ passou a ocupar o imóvel, correspondendo a custos reais e efectivos, com relevância fiscal”.».

Contra isso, alega a Recorrente que:


« (…). A noção de custo no direito fiscal encontra-se prevista no artigo 23º do CIRC: à cláusula geral que define os contornos do conceito, segue-se um catálogo exemplificativo de várias despesas susceptíveis de o incluir.


De acordo com a formulação daquele artigo, consideram-se “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (cfr. nº 1 do artigo 23º do CIRC).


A regra, portanto, é a de que concorrem para a formação da matéria colectável, os custos ou perdas (i) efectivos/comprovados e (ii) aqueles relativamente aos quais se mostre inequívoca a sua indispensabilidade (iii) e a sua ligação finalística aos proveitos e à manutenção da fonte produtora.


Aqui chegados, interessa atender, com particular detalhe, à primeira das três exigências impostas pela norma do nº 1 do artigo 23º do CIRC para efeitos da qualificação de determinado custo como custo fiscal – a efectividade e a comprovação. A lei tributária prevê, assim, que a dedutibilidade do custo depende da respectiva comprovação (cfr. nº 1 do artigo 23º do CIRC); e que “não são dedutíveis (…) os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial” – o sublinhado é nosso (cfr. al. g) do nº 1 do artigo 42º do CIRC). Para além disso, a lei tributária prevê ainda que “de modo a permitir o apuramento [do lucro tributável das pessoas colectivas], a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade” (cfr. al. a) do nº 3 do artigo 17º do CIRC); e que “na execução da contabilidade deve observar-se em especial [que] todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário” – o sublinhado é nosso (cfr. al. a) do nº 3 do artigo 115º do CIRC).


Ora, a propósito desta matéria – e atentas as disposições citadas – interessa aprofundar o que se entende (ou melhor, o que, em rigor, se deve entender) por custos “devidamente documentados” ou por “documento justificativo”, e se será esse o único meio admitido para a comprovação da materialidade da operação geradora do custo ou perda que se pretende computar.


Com efeito, o CIRC não contém qualquer referência que precise ou circunscreva a noção de “documento justificativo”. Efectivamente, em nenhum dos preceitos citados é possível encontrar uma definição para aquilo que o legislador entendeu tratar-se de um “documento justificativo” ou de um “encargo (in)devidamente documentado”.


Todavia, se alargarmos o raio da nossa análise a outros impostos, concretamente ao IVA, deparamo-nos com certos elementos exemplificativos desta definição: é que, nesta sede, a lei impõe a estrita obrigação de um documento que acompanhe a transacção – a factura – (cfr. al. b) do nº 1 do artigo 28º do CIVA), devendo tal documento conter a referência a determinados elementos integrativos (cfr. nº 5 do artigo 35º do CIVA).


Deste modo, por coerência e unidade sistemática, a factura subsume-se no conceito de “documento justificativo”.


Sucede, porém, que a formulação inversa – o “documento justificativo” corresponde sempre à factura – não é, e não pode ser, verdadeira, dado que as duas noções não possuem a mesma significação: aquela noção é claramente mais abrangente do que esta.


Nestes termos, deve entender-se idónea a titulação de um custo ainda que a factura que a suporta seja incompleta à luz do nº 5 do artigo 35º do CIVA, assim como deve ter-se por idónea a sua sustentação ainda que tal factura inexista.


É assim, desde logo, nas transacções que se encontram fora do campo do IVA: aí não existe a obrigação legal de emissão de uma factura, mas impõe-se a produção de um suporte formal (cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas. Algumas reflexões ao nível dos custos, Lisboa, 1999, p. 123 e ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A dedutibilidade de custos em IRC, Ciência e Técnica Fiscal nº 401, p. 88 a 92).


Ora, em sede de imposto sobre o rendimento, à conveniente titulação da operação negocial interpartes apenas se exigia – pelo menos, à data a que se reportam os factos – que nela se identifiquem as operações realizadas e que nela se previsse um eficaz mecanismo de controlo, pela discriminação das características essenciais do negócio e pela identificação de todos sujeitos nele envolvidos – elementos estes que, não pode negar-se, encontram-se explícitos no texto dos contratos, contratos promessa, trocas de correspondência ou documentos de lançamento contabilístico internos, como os que a sociedade P........ dispunha no caso concreto e com os quais suportava as operações em referência.


Diferente é ainda a questão de saber se na ausência de tal documento típico poderá realizar-se a prova da efectividade da operação que deu origem ao custo por outro meio que não o documental.


No caso de ausência de suporte formal para o custo incorrido, fica precludido o direito à sua dedução por falta de comprovação ou, ao invés, será ainda possível provar que àquele custo corresponde uma causa real que justifica o seu relevo fiscal? A resposta apenas poderá ser dada no sentido de aceitar que a efectiva comprovação da operação geradora do custo ou perda, por qualquer meio que não exclusivamente o documental, não preclude liminarmente o direito à sua dedução.


É que, na verdade, por exigência do princípio da capacidade contributiva, contribuem para a formação do lucro tributável todos os custos, ainda que os não documentados, desde que o respectivo titular alegue e demonstre a existência e o montante dos mesmos.


Neste sentido, não é legítima a negação de dedutibilidade de um custo quando o mesmo se encontre suficientemente demonstrado por outros meios de prova aduzidos pelo contribuinte (a quem passa a caber o respectivo ónus) (cfr. EDUARDO SANZ GADEA, Impuesto sobre Sociedades, Vol. I e II, 2ª Ed., Madrid, 1988, p. 592, VICTORIANO GONZÁLEZ POVEDA, Impuesto sobre Sociedades, Madrid, 1988, p. 254 e JOSÉ PITA ANDREU, Base Imponible (III) Provisiones Y Previsiones, in Manual del Impuesto sobre Sociedades, Coordenado por Elena González Mozos, Vol. II, Madrid, 1993, p. 303).


É esta, de resto, a posição maioritariamente adoptada pela jurisprudência. Assim, reconhece o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 27.04.2006, no âmbito do processo nº 6461/02, que “no âmbito do IRS e do IRC é admissível o recurso à prova não documental – designadamente à prova testemunhal – para comprovar que certo lançamento se reporta a um custo”. No mesmo sentido, decidem os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul proferidos, em 16.11.2004, 27.04.2006 e em 03.05.2006, no âmbito dos processos nº 1098/03, 6461/02 e 279/03, respectivamente.


Ora, bem se vê que, se se admite que a prova da materialidade e efectividade de determinada operação seja feita por quaisquer outros meios para além do documental – designadamente através de prova testemunhal –, não deve poder negar-se, por maioria de razão, que essa prova seja feita por recurso a documentação interna, a extractos bancários corroborantes da efectividade do pagamento/encargo e aos próprios contratos (ainda que na forma de contratos promessa) que sustentam a operação que lhe dá causa, que identificam as partes envolvidas e que definem os termos das prestações.


É isso, pelo menos, o que resulta do texto de vários Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em situações semelhantes. Vejamos, assim, por todos, o que a propósito refere o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 02.02.2006, no âmbito do processo nº 1011/05: “ Não podem ser considerados custos fiscalmente relevantes as despesas que não são suportadas em quaisquer documentos, mesmo internos…“ – o sublinhado é nosso.


Os documentos internos são, por isso, susceptíveis de comprovar, idónea e suficientemente, os custos e perdas efectivamente incorridos por determinado sujeito passivo, tendo em vista a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da respectiva fonte produtora.


Ademais, não se retira de nenhuma das disposições legais mobiliáveis nesta matéria que só a origem externa de documentos permite presumir a veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte. Como vimos, o nº 1 do art. 23º do CIRC faz apelo a uma comprovação – formal, acrescentamos nós – dos custos e perdas efectivamente incorridos pelos sujeitos passivos, sem tratar de especificar os meios pelos quais entende dever a mesma ocorrer.


Por outro lado, a al. g) do nº 1 do artigo 42º do CIRC limita-se a referir que não são dedutíveis os encargos não devidamente documentados, sem, contudo, tratar de precisar o que deve entender-se por encargos devida ou indevidamente documentados.


Por sua vez, al. a) do nº 3 do artigo 17º do CIRC estabelece a obrigatoriedade de organização da contabilidade de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, o que rigorosamente nada acrescenta ao problema de saber quais são os meios de comprovação legalmente exigidos para efeitos da dedutibilidade fiscal dos custos.


Finalmente, a al. a) do nº 3 do artigo 115º do CIRC faz apelo a um conceito (também ele) indeterminado, para exigir que todos os lançamentos contabilísticos estejam apoiados em documentos justificativos, os quais devem ser datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.


Não se vislumbra, de facto, pela leitura das referidas disposições legais, que um custo “devidamente documentado” seja aquele que se encontra suportado por um documento externo ou que um “documento justificativo” deva necessariamente ser uma factura, um recibo de quitação ou qualquer outro emitido por uma entidade externa.


O “documento justificativo” pode não corresponder sempre a um documento externo – designadamente, a uma factura ou a um recibo de quitação –, como propugna a Fazenda Pública: é assim, desde logo, no caso das transacções relativamente às quais não existe a obrigação legal de emissão de uma factura e é assim ainda nos casos – como o que está aqui em causa – em que a sua não emissão não é e não pode ser imputável ao sujeito passivo a quem a mesma haveria de se destinar.


Com efeito, em sede de imposto sobre o rendimento, a conveniente titulação de uma operação negocial interpartes tem-se por verificada sempre que nos documentos – quaisquer que estes sejam – que lhes dêem suporte conste a informação (mínima) relevante à (1) demonstração da efectividade do custo e (2) à demonstração da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.


No caso em apreço, não há dúvida de que os documentos que titulam a operação negocial em causa e, bem assim, que dão suporte aos custos ou perdas registados pela sociedade P........ , no exercício em referência, são suficientes para:


(1) demonstrar que se trata de custos ou perdas efectivos, ocorridos no exercício em que foram registados (em cumprimento do princípio da especialização dos exercícios), pelos montantes inscritos na contabilidade – a exibição


(a) dos documentos internos,


(b) da correspondência trocada com as contrapartes nas operações em causa (designadamente para efeitos da actualização dos montantes cobrados a título de rendas),


(c) das declarações emitidas pela sociedade P........ atestando o rendimento colocado à disposição daquelas e, bem assim, o montante retido a título de IRC e, finalmente,


(d) dos extractos bancários que identificam os pagamentos efectuados, o momento e os montantes dos mesmos,


é prova suficiente, cabal e idónea da efectividade dos custos em causa –;


(2) demonstrar que se trata de custos ou perdas indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da sociedade P........ – a exibição dos contratos de arrendamento e, bem assim, dos contratos de promessa de arrendamento e subarrendamento celebrados com terceiros, ao abrigo dos quais são suportados os encargos em causa, é prova suficiente, cabal e idónea da imprescindibilidade dos mesmos, porquanto tratamos de contrapartidas pela utilização (arrendamento ou subarrendamento) de espaços destinados à ocupação de lojas e ao desenvolvimento da respectiva actividade –.


Contra esta prova, feita documentalmente e atestada testemunhalmente, não pode o Tribunal ignorá-la, a não ser que que coloque em causa a sua idoneidade, o que não aconteceu nem, em rigor, podia ter acontecido.


Os pagamentos das rendas e despesas de condomínios estão individualizadamente reflectidos nos documentos - das declarações emitidas pela sociedade P........ atestando o rendimento colocado à disposição daquelas e, bem assim, o montante retido a título de IRC e, finalmente, (d) dos extractos bancários que identificam os pagamentos efectuados, o momento e os montantes dos mesmos – e não poderiam ter sido provados por outra forma.


A utilização efectiva (tradição) dos imóveis arrendados é um facto notório, evidente, do conhecimento público, que a própria AT conseguiria atestar através de uma simples pesquisa informática ou de uma verificação das inúmeras declarações a que teve acesso por referência ao período em causa que atestam a realidade das vendas nelas operadas.


De resto, o erro de apreciação da matéria de facto é, neste ponto, de tal dimensão que nada de que se suspeita por alegadamente não estar documentalmente demonstrado – falta de pagamento/colocação à disposição das rendas e não verificação efectiva das operações em crise – é coerente com a circunstância de, por seu turno e em consequência, não se colocar em crise, nem os proveitos do lado das sociedades que deles beneficiaram no exercício em referência, nem as retenções na fonte realizadas pela sociedade P........ no momento da disponibilização do rendimento ao respectivo e efectivo beneficiário.


Seja como for – e sem prescindir do que vem de ser dito –, não bastaria, para efeitos da desconsideração fiscal dos custos em referência, a invocação pura e simples da necessidade da comprovação dos mesmos sob a forma exclusiva da exibição de documentos externos.


Face à inexistência de uma disposição legal que imponha essa obrigatoriedade – a de comprovação dos custos sob a forma exclusiva da exibição de documentos externos –, impor-se-ia à AT que fizesse prova dos pressupostos legais que legitimam a não aceitação dos documentos exibidos pela sociedade P........ para efeitos da comprovação dos custos ou perdas por si incorridos, designadamente, a prova da (i) existência de declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à indevida/insuficiente documentação dos custos em causa, e da (ii) pertinência desse juízo, que tem que se mostrar objectiva e materialmente fundado, através da enunciação e prova de indícios sérios que traduzam uma probabilidade elevada relativamente à veracidade dos factos afirmados pela Administração, ou seja, que traduzam numa probabilidade elevada de que os documentos exibidos pela P........ nada provam quanto à efectividade dos custos por ela incorridos e de que as operações a que os mesmos se referem nunca os geraram.


Só uma vez cumprido este ónus por parte da AT, passaria a competir à P........ o ónus de demonstrar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento para a dedutibilidade fiscal dos custos em que incorreu.


Posto isso, resulta evidente que, ainda que a efectividade e a imprescindibilidade dos custos incorridos pela P........ a título de rendas e encargos com o condomínio fossem, no presente caso, questionáveis – o eu o Tribunal nega –, e não se encontrassem devidamente comprovados, não seria, em rigor, a P........ a entidade a quem caberia aquela comprovação no presente caso, dada a total ausência de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da actuação da AT – até prova em contrário (que, in casu, apenas à AT competiria) presumem verdadeiros e de boa fé os dados e apuramentos que inscreveu na respectiva contabilidade –.


No sentido que vem exposto foram também proferidas já duas decisões relativas às mesmas partes e factualidade, desta feita nos processos de impugnação n.º 766/10.0BELRS e n.º 1855/08.6BELSB, por este mesmo Tribunal. Nelas reconhece-se expressamente, ao contrário do que acontece na decisão de que ora se recorre, que: “as testemunhas trazidas pela Impugnante esclareceram o contexto em que foram celebrados os referidos contratos, que justifica a falta da emissão de factura, relativamente aos imóveis ocupados em 2007 pela P........ , por aguardarem a resposta ao pedido de certificado de renúncia à isenção de IVA, conforme decorre igualmente do teor dos mencionados contratos, tendo confirmado que o pagamento das rendas foi feito”, porquanto, se conclui que “o custo foi reconhecido no momento em que o P........ passou a ocupar o imóvel, correspondendo a custos reais e efectivos, com relevância fiscal”. ».


Vejamos:


Resulta do facto G do probatório que a correção em causa se fundou nos seguintes pressupostos:


- a sociedade P........ contabilizou custos relativos a rendas de 2003 referentes à locação das lojas de ...e Sesimbra, tendo por suporte apenas documentos internos;


- essas lojas são propriedade da sociedade I......., que pertence ao mesmo grupo empresarial que integra a sociedade P........ ;


- notificada para explicar a situação, a sociedade P........ comprovou que os custos foram contabilizados com base em contratos-promessa de arrendamento celebrados com as sociedades I.... - G......., SA (lojas de Sesimbra, Feijó e Boa Hora) e C.... - G......., SA (lojas de ...), esta como sublocadora;


- alguns dos contratos exibidos têm data posterior ao ano 2003;


- a referida contabilização foi efetuada para dar cumprimento ao princípio da especialização dos exercícios;


Consta do Relatório de inspeção que, em face dos factos verificados, a AT considerou, em primeira linha, que os documentos internos e os outros elementos exibidos não são suficientes do ponto de vista legal, para a dedutibilidade fiscal dos referidos custos. (…), pelo que os mesmos estão indevidamente documentados. De sorte que os custos terão de ser comprovados por documentos válidos, entendendo-se em regra, por documento válido aquele cuja origem externa (…) demonstre de forma inequívoca a veracidade da operação económica subjacente ao lançamento contabilístico efectuado e os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos.


E só na origem externa dos documentos - recibos de quitação emitidos pelos beneficiários dos rendimentos prediais em apreço - permite, enquanto condição “sine qua non” para a comprovação dos lançamentos contabilísticos efectuados pelo sujeito passivo, presumir a veracidade das operações.


Depois, lateral ou subsidiariamente, a AT considerou que “a prova da dedutibilidade fiscal dos encargos em questão - contratos promessa de subarrendamento - apresentada pelo sujeito passivo não permite, pela sua própria natureza jurídica, comprovar de per si a existência de um pagamento devido pelo arrendamento de local destinado ao exercício de uma actividade comercial, porquanto tal contrato consubstancia à luz do disposto no artigo 410° n.º 1 do Código Civil apenas uma promessa de celebrar no futuro um contrato definitivo de arrendamento comercial, o que não sucedeu nem no exercício em causa nem sequer até à presente data.”


De qualquer maneira, com a petição inicial da impugnação foram juntas inúmeras pastas contendo muitos milhares de documentos de prova relativas aos factos em causa, embora agregados em 40 documentos, conforme pág. 285 do SITAF, cujo volume ocupa 12 caixas de resmas de papel para impressão aproveitadas para esse efeito.


A Recorrente impugnante alega que existe um grande disparidade entre o número dos factos assim documentados e o número dos factos levados ao probatório.


Na verdade, não se discute que a sociedade P........ exerce a atividade de comércio a retalho (facto A do probatório) e que, para isso, explora diversas lojas por todo o país (facto público e notório, não carecido de prova).


Também não se discute que a referida sociedade contabilizou mensalmente custos fiscais relativos a rendas prediais, entre as quais as relativas à utilização de lojas de ... e Sesimbra, nem se discute que, por razões estratégicas do grupo J........, a propriedade das lojas pertence à sociedade I......., integrada no mesmo grupo empresarial.


Por isso, também não se discute que a utilização dessas lojas é suscetível de ser objeto de contratos de locação imobiliária.


E não se discute que a contabilização das rendas em causa se fundou na existência de contratos de locação, que a Recorrente apenas documentos com os contratos-promessa aludidos no facto W do probatório


Conforme resulta do facto G do probatório, a correção em causa resultou de a AT ter começado por selecionar dois registos contabilísticos, com os números ...... e......, no montante de € 54.590,42 e de € 34.479,10 respetivamente, reportados ao mês de julho de 2003, e ter pretendido verificar a validade dos respetivos documentos de suporte, pressupondo que a contabilização dos custos fiscais tem de assentar necessariamente em suporte documental, constituído por “documento justificativo”, considerando como tais apenas os documentos externos, faturas de fornecedores, recibos dos credores, etc., e, na sequência, o sujeito passivo agora Recorrente apenas ter exibido “documentos internos”.


Por isso, a AT solicitou a exibição de todos os documentos externos disponíveis e relacionados com as referidas lojas, tendo-lhe sido exibidos apenas contratos-promessa de arrendamento celebrados com as sociedades I....... e C........., esta como sublocadora (cf. Facto W do probatório).


Além disso, a AT verificou que os contratos relativos às lojas de Feijó e Sesimbra “foram emitidos em 2006” (sendo os custos em causa do ano 2003).


Através da análise a esses elementos, a AT confirmou que os montantes registados como custos coincidem com os valores mencionados nos referidos contratos.


A AT admite que a contabilização poderá ter sido efetuada, na forma descrita, para obedecer ao princípio da especialização dos exercícios.


Apesar disso, a AT considerou que os documentos exibidos são meros documentos internos e que, na falta de exibição dos recibos emitidos pelo locador, o montante registado (€ 953.800,59) se enquadra no conceito de “encargo não devidamente documentado”, nos termos do disposto no artigo 42°, n.º 1, alínea g), do CIRC; além disso, considerou que os “contratos promessa de subarrendamento - apresentada pelo sujeito passivo não permite, pela sua própria natureza jurídica, comprovar de per si a existência de um pagamento devido pelo arrendamento de local destinado ao exercício de uma actividade comercial, porquanto tal contrato consubstancia à luz do disposto no artigo 410º, n.º 1, do Código Civil apenas uma promessa de celebrar no futuro um contrato definitivo de arrendamento comercial”.


Em conformidade com tal entendimento, a sentença recorrida julgou não provado o facto NN do probatório (“que, no exercício de 2003, o P........ tenha incorrido em custos a título de rendas, relativamente às lojas da ..., Tavira, ... e Sesimbra”).


Para isso, o Tribunal a quo considerou que o entendimento que limita a prova do custo ao meio documental está errado e não tem suporte legal nem constitucional, mas entendeu que a prova documental e testemunhal produzida não é suficiente nem idónea para demonstrar, cabalmente, os arrendamentos e os efectivos pagamentos das rendas durante o exercício de 2003, dado que a Impugnante poderia ter comprovado que o P........ já exercia actividade naquelas lojas em 2003 – o que levanta dúvidas –, mas especialmente, poderia ter procedido à junção de documentos bancários comprovativos de transferências ou cópias de cheques passados em nome dos senhorios – I....... e C......... (que provaria o pagamento efectivo). Estas provas, não sendo, como exigia a AT, documentos de quitação, seriam no entanto aptos a suportar a efectividade das operações aqui em causa.


De facto, apesar de a Impugnante aludir, no artigo 215º da p.i. à existência de extratos bancários, a verdade é que o documento 13 ali referido apenas engloba extratos contabilísticos relativos aos registos internos dos referidos encargos prediais, que não têm pleno valor probatório autónomo, o qual só poderá ser aferido em função do contexto da restante prova pertinente.


Contra tudo isso, a Recorrente alega que está em causa a existência efetiva da locação, comprovada pelos contratos-promessa e pelo facto de a sociedade F........ ter a “tradição” das lojas, só não tendo os contratos de arrendamento prometidos devido a dificuldades burocráticas que condicionaram a sua celebração, sendo – aquela “tradição”- um facto público e notório, dada a notoriedade das lojas F........ , cujo funcionamento nos locais indicados poderia ter sido facilmente confirmado pela AT, como lhe competia, em cumprimento do dever de inquisitório.


Nos artigos 132º, 133º e 140º da p.i. já se invocava a “tradição” traduzida na ocupação e utilização efetiva dessas lojas.


Por isso, essa questão de facto deveria ter sido objeto de discriminação no probatório, como factos provados ou não provados. O que não se verifica.


Contudo, na parte final do segmento destinado à motivação da matéria de facto, a sentença recorrida afirma que: “Não ficou demonstrada a tradição dos imóveis, a efectiva instalação e laboração do P........ nos referidos espaços, nem a “geração de lucro” nessas lojas (apenas foi referido en passant pelas 1ª e 2ª testemunhas, que havia lojas a laborar nestes locais, o que, sem qualquer outro suporte, nomeadamente documental, não mereceu evidência).


Com efeito, os referidos contratos são celebrados entre entidades relacionadas e são desacompanhados de qualquer outra prova que demonstrasse o pagamento das rendas. Os documentos internos (Doc. 13 junto com a p.i) apenas serviram de suporte ao lançamento contabilístico, não se demonstrando aptos nem suficientes para comprovar a efectividade das operações (designadamente, não houve junção de comprovativos de transferências bancárias ou cheques para pagamento das rendas, nem existem comprovativos de comunicações com a I......./C........., relativas aos arrendamentos)”.


Ou seja: apesar de não ter discriminado no probatório, a sentença recorrida considerou não provado que, no ano 2003, a sociedade P........ teve a “tradição” ou uso efetivo das lojas referidas em G supra, para o exercício da sua atividade retalhista geradora de proveitos sujeitos a IRC.


A questão que se coloca, agora, é a de saber se o tribunal a quo incorreu em erro quanto a este facto.


Vejamos:


Não há dúvida que está em causa uma relação entre duas sociedades relacionadas.


As operações em causa, derivadas de locação de imóveis, estão, portanto, sujeita a especiais cuidados probatórios dada a natural desconfiança quanto à retidão do negócio da sociedade P........ com a sociedade I......., dada as relações especiais existentes entre elas.


Ou seja: em tais circunstâncias seria de esperar que a pretensão em causa se encontrasse exuberantemente documentada, até porque seria muito fácil juntar cópia dos recibos de rendas emitidos pelo locador, exibir cópia de cheques e extratos bancários comprovativos do pagamento por aquele meio ou por transferência bancária. Além disso, dado que a impugnante é a líder do grupo empresarial que domina a sociedade locadora, seria muito fácil obter documentos da contabilidade desta que comprovassem o recebimento das rendas pegas pela sociedade locatária.


Apesar de tudo isso aparentar ser fácil de fazer, a verdade é que quase nada foi feito, contribuindo para a formação da convicção de que os pagamentos correspondentes a essa locação não terão sido efetuados (facto não provado NN).


Sem prejuízo, impõe-se a análise imparcial da situação.


Para provar a sua tese, a impugnante exibiu os contratos-promessa referidos no facto WW do probatório.


Esses contratos são documentos externos, na medida em que se encontrem assinados pela contraparte e são documentos particulares nacionais, em conformidade com a lei portuguesa. Por isso, têm força probatória plena simples, podendo a prova do contrário ser feita por qualquer meio (artigos 365º, 371º , 376º e 377º do CC).


Além disso, no segmento da motivação da matéria de facto, o tribunal a quo reconhece que as testemunhas inquiridas confirmaram que as lojas do P........ se encontravam em funcionamento naqueles locais, embora desvalorize esses depoimentos por considerar que foram prestados “en passant”.


Ora, uma vez que a direção da diligência de inquirição das testemunhas compete ao juiz titular do processo (artigos 91º do CPTA e 599º, 602º e 604º do CPC), este pode/deve avocar o interrogatório quando tal se mostrar necessário para completar ou esclarecer o depoimento.


Assim, se a testemunha afirma que nos locais indicados era exercida, na altura dos factos, a atividade comercial da sociedade P........ , ao abrigo de contratos de arrendamento, não pode o juiz afastar tal depoimento por considerar que essa referência foi feita “en passant”, no sentido de “de passagem”, “de maneira rápida”, ligeira, leve e, portanto, “vaga”, pois competia àquele juiz tomar as medidas necessárias para tornar mais claro o sentido e alcance do depoimento, de maneira a aceder à verdade material.


Se o juiz que presidiu à diligência nada fez deve presumir-se que, no seu espírito, não se suscitou qualquer dúvida adicional acerca daquela matéria, sem prejuízo da necessária ponderação posterior.


Sendo assim, há que ponderar a matéria apurada: i) - a impugnante sempre defendeu que as lojas estavam efetivamente ocupadas para o exercício da atividade da sociedade P........ , ii) - exibiu os contratos assinados pelas partes, embora sejam contratos-promessa de arrendamento, iii) - contabilizou os custos pelos montantes referidos nos contratos, iv) as testemunhas confirmam esses factos, embora a sentença recorrida refira que essa referência foi feita “en passant” v) – seria facilmente verificável que nos locais indicados existem atualmente lojas P........ .


Por outro lado, constata-se que, apesar de tudo, a impugnante i) -não exibiu comprovativos dos pagamentos das rendas à I......., ii) – que entre elas existem “relações especiais”, iii) – que seria muito fácil fazer a prova documental em causa, se tal prova existisse.


Perante tal situação, tem de se concluir que subsiste uma dúvida razoável acerca da efetiva “tradição” das lojas e da efetiva existência dos gastos com rendas em causa nos autos.


No entanto, há que ponderar uma outra circunstância: tudo o que acima ficou dito ocorreu no âmbito de um procedimento de inspeção, da iniciativa e sob direção da AT.


Tal circunstância determina que a AT tinha o poder-dever de oficiosidade do inquisitório necessário para o apuramento da verdade material (artigos 58º da LGT e 6º do RCPIT), em decorrência dos princípios da justiça e da imparcialidade e com o objetivo de obedecer ao princípio da tributação do rendimento real.


É pacifico que, no sistema inquisitório (e não meramente acusatório), o dever de apuramento da verdade material precede necessariamente o recurso às regras do ónus da prova (cfr. acórdão do STA de 21.10.2009, proc.º 0583/09, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/ff95c1b10a4455180 25765d0041d4db?OpenDocument&ExpandSection=1), no sentido de que o ónus a cargo do contribuinte não dispensa necessária e automaticamente a colaboração razoável da AT no apuramento da verdade material, designadamente quando essa colaboração lhe for justificadamente solicitada.


Sabe-se que as regras sobre ónus da prova (artigos 74º da LGT, 342º do CC, 414º do novo CPC) constituem regras de julgamento (nos casos de dúvida séria por falta de provas sobre determinados factos), e não de apreciação da prova produzida - nesse sentido Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 306, refere, em síntese, o seguinte: " o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer essa prova". No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 29-05-2012, proc.º 4146/07.6TVLSB.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt) sintetiza que “I- As regras do ónus da prova (art. 342.º e segs. do CC) não têm a ver com o julgamento de facto pois neste, independentemente da sua natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva, cumpre ao juiz apreciar e valorar os factos de harmonia com as provas produzidas à luz do princípio da liberdade de julgamento (art. 655.º do CPC); tais regras têm a ver, sim, com questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir no caso de não se provarem determinados factos.


É claro que o dever de alegação e prova dos factos essenciais, complementares e instrumentais, logo no início do procedimento ou da instância, bem como na instrução, já devem orientar-se por regras de repartição do ónus da prova (nessa fase, são regras para orientação das partes, nos atos de trâmite). Contudo, essas regras só determinam o sentido da decisão final, relativa a questão de facto ou de direito sob litígio, quando os factos subjacentes não tiverem sido devidamente provados (nessa fase, são regras para orientação do decidente, no ato decisório).


Portanto, as regras sobre ónus da prova, servem não só para orientar as partes sobre a distribuição dos esforços probatórios, designadamente durante a fase de instrução, mas, sobretudo, para orientarem o juiz na decisão a tomar quando, após apreciação do conjunto da matéria de facto disponível, não seja possível decidir com base nela e as dúvidas subsistentes resultarem da falta de prova a cargo de alguma das partes.


Volvendo ao caso dos autos, sem prejuízo de ter partido do pressuposto de que a contabilidade e as declarações do contribuinte se encontravam efetuadas e apresentadas nos termos da lei e coincidiam com a realidade da vida, a AT levou a cabo uma ação de inspeção, no exercício do seu poder-dever de fiscalização (artigos 86º, nº 1, CRP, 63º da LGT, 44º, nº 2, do CPPT e RCPIT), para prossecução do interesse público (artigo 269º da CRP), em cujo Relatório diz ter verificado diversas ilegalidades que justificaram as correções subjacentes à liquidação impugnada.


Esse procedimento de inspeção constituiu, portanto, um procedimento oficioso de inquisitório da verdade material nos termos supra explicitados. Pelo que, cabia à AT fazer as diligência necessárias para esclarecimento cabal das situações objeto de alguma correção.


No caso, a AT duvidou do efetivo pagamento das rendas das lojas em causa, mas nunca averiguou nem solicitou provas da existência material das lojas nem do efetivo uso comercial pela sociedade P........ , limitando-se a concluir que os contratos-promessa (aludidos em W do probatório) não permitem comprovar a existência de um pagamento devido pelo arrendamento de local.


Na verdade, resulta do facto G probatório, que a AT fundou a correção no facto de o registo contabilístico não se encontrar formalmente fundado em documento externo considerado adequado para o efeito e, portanto, qualificou o gasto como “indevidamente documentado” e justificou a correção com fundamento legal no artigo 42º, nº 1, al. g), do CIRC.


Ou seja: a AT alheou-se do facto invocado de que as lojas se encontravam efetivamente em funcionamento, embora ao abrigo de contratos-promessa ou mesmo sem qualquer contrato escrito, admitindo tal facto, e focou-se exclusivamente nos meios de prova disponíveis na contabilidade relativos ao “pagamento”.


Portanto, uma vez que essa “tradição” das lojas (ou melhor, a falta dela) não relevou negativamente para a decisão administrativa, também não se vê razão para a relevar negativamente para a decisão judicial, uma vez que a questão a decidir se reconduz à qualificação dos referidos gastos, em face da prova produzida e da prova omitida.


Em suma: na ponderação a fazer quanto à qualificação jurídica dos gastos e à decisão de não autorizar a dedução com base naqueles documentos, este Tribunal levará em conta que, na altura dos factos, a sociedade P........ já usava efetivamente as lojas em causa, ao abrigo, pelo menos em alguns casos, de contratos-promessa de arrendamento, embora sem que possuísse os respetivos contratos de arrendamento.


Por isso, o Tribunal adita ao probatório o seguinte facto provado:


OO – No ano 2003, a sociedade P........ usou as lojas referidas em G supra para o exercício da sua atividade retalhista geradora de proveitos sujeitos a IRC – facto que se infere do teor do RIT, e da posição nela constante, e corroborado pelo depoimento das 1ª e 2ª testemunhas.


Assim, entre os documentos anexos à p.i. encontram-se extratos contabilísticos, declarações fiscais e outros documentos que, no seu conjunto e complementados pelos depoimentos das testemunhas inquiridas e demais provas acarreadas para os autos determinam a conclusão de que:


- a) a impugnante lidera um grupo empresarial, do setor retalhista (... que integra, além do mais, a sociedade I......., que se dedica à gestão do imobiliário, cedendo de arrendamento as lojas de que é proprietária, e a sociedade G........ , central de compras e gestora do setor do retalho, que, por sua vez, detém 100% do capital da sociedade P........ , que, para o exercício da sua atividade, explora grande número de lojas localizadas em diversos centros urbanos do país, que toma de arrendamento à sociedade I....... (facto A do probatório);


b) em 2003 a sociedade P........ usava (ou, como refere a Recorrente Impugnante, tinha a “tradição”) das lojas localizadas em ... e Sesimbra (facto OO do probatório retificado);


c) em geral, o uso comercial de coisa alheia gera a obrigação jurídica de pagar uma renda predial à respetiva contraparte (regra da experiência comum);


d) no caso concreto, a sociedade P........ contabilizou gastos relativos às rendas, no ano 2003, das referidas lojas, neste caso devidas à sociedade I......., na qualidade de locadora, e também à C........., na qualidade de sublocadora (factos G e W do probatório)


e) como suporte do registo contabilístico desse gasto, a impugnante exibiu os documentos internos de lançamento e os contratos-promessa de arrendamento, coincidindo os valores registados com os valores mencionados nos contratos (factos G e W do probatório);


f) a impugnante não podia exibir os contratos (prometidos) de arrendamento, por inexistência, dada a falta de condições burocráticas para esse efeito, conforme resulta dos próprios contratos-promessa exibidos (facto G do probatório).


Ou seja; no caso concreto, a AT efetuou a correção em causa por considerar que os documentos que servem de base aos registos contabilísticos não são “documentos justificativos”, designadamente porque não são documentos externos, aptos a comprovar o efetivo pagamento, como os recibos de quitação, nem sequer a titularidade do direito, não bastando a exibição de contratos-promessa.de arrendamento.


Quanto a esta questão, a sentença recorrida refere que “Poderia a Impugnante ter comprovado que o P........ já exercia actividade naquelas lojas em 2003 – o que levanta dúvidas –, mas especialmente, poderia ter procedido à. Estas provas, não sendo, como exigia a AT, documentos de quitação, seriam no entanto aptos a suportar a efectividade das operações aqui em causa.


De todo o modo, recaindo sobre a Impugnante o ónus de demonstrar, inequivocamente, a realidade e materialidade dos arrendamentos e dos respectivos pagamentos de rendas – e ainda que, como se disse, se admita a prova da realização do custo por qualquer meio –, a Impugnante não fez prova suficiente de tais elementos, pelo que é de aceitar a correcção efectuada pela AT, correspondente à não dedutibilidade dos custos registados a títulos de rendas, insuficientemente comprovados (€ 953.800,59)”.


Portanto, embora referindo a subsistência de dúvida – não esclarecida no inquisitório a cargo da AT, como acima se viu - quanto ao efetivo exercício da atividade comercial nas lojas em causa, o Tribunal a quo entendeu que a questão decisiva era a falta de junção de documentos bancários comprovativos de transferências ou cópias de cheques passados em nome dos senhorios – I....... e C......... (que provaria o pagamento efectivo).


Ou seja, perante a diversidade da prova documental interna e externa e da prova testemunhal convergente a que teve acesso, o Tribunal a quo julgou que a mesma não aporta valor probatório suficiente e que, para isso, faltou o recibo das rendas, enquanto documento comprovativo do efetivo pagamento, não para valer como prova da efetiva quitação, que está fora do âmbito da presente impugnação, mas como indício forte da existência dos contratos e dos gastos.


Ora, esse mesmo resultado também se pode obter por outros meios, designamente pela consulta dos elementos internos, contabilísticos ou correspondência postal ou eletrónica remetida e recebida pelas partes, pela consulta dos extratos bancários e pelos depoimentos testemunhais, senão mesmo pelo conhecimento pessoal, uma vez que a existência de lojas da marca P........ e F........ não é fácil de passar despercebida, dada a sua dimensão física, a sua reputação comercial e a sua concreta localização nos locais indicados.


Se a AT duvidasse realmente da existência de tais custos poderia consultar os elementos ao seu dispor, incluindo a consulta das declarações modelo 10 do exercício em causa, onde constam os pagamentos de rendimentos efetuados e os respetivos beneficiários, ou a visita ao local das lojas, e, em caso de dúvida, poderia ter solicitado a colaboração da sociedade titular do direito de propriedade sobre os imóveis.


Como bem refere a Recorrente, os pagamentos das rendas e despesas de condomínios estão individualizadamente refletidos nos documentos - das declarações emitidas pela sociedade P........ atestando o rendimento colocado à disposição daquele beneficiários e, bem assim, o montante retido a título de IRC e, finalmente, dos extratos bancários que identificam os pagamentos efetuados, o momento e os montantes dos mesmos.


A utilização efetiva (tradição) dos imóveis arrendados é um facto que a própria AT conseguiria atestar através de uma simples pesquisa informática ou de uma verificação das inúmeras declarações a que teve acesso por referência ao período em causa que atestam a realidade das vendas nelas operadas. O facto não provado NN, relativo à falta de pagamento (fluxo financeiro na ótica de caixa) da divida constituídas pelas rendas, é exterior e posterior à formação dos custos (fluxo de serviços na ótica económica), pelo que, isoladamente, não tem impacto no desfecho da apreciação da presente questão.


Em rigor, a exigência do pagamento da divida gerada pelas rendas pressupõe o reconhecimento do custo com o arrendamento.


De resto, a recorrente alega e a Fazenda Pública não nega que a AT não colocou em crise os proveitos do lado das sociedades que deles beneficiaram no exercício em referência nem as retenções na fonte realizadas pela sociedade P........ no momento da disponibilização do rendimento ao respetivo e efetivo beneficiário.


Como se sabe, em sede de julgamento da matéria controvertida, vedado não está o recurso pelo julgador a presunções judiciais, nos termos dos artigos 349º a 351º do CC, impondo-se designadamente ao juiz o recurso às regras da experiência, sendo que, o uso destas últimas consubstancia também critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto.


Do mesmo modo, em sede de formação da sua convicção, o convencimento do juiz há de operar-se à luz de critérios de racionalidade, com recurso às máximas da experiência, sendo de exigir que o decidente atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, sendo certo que nenhum ser humano, como são todos os juízes, está imune a “pré-conceitos”, preconceitos ou ideias anteriores.


Assim, só poderá censurar-se o recurso a presunções judiciais se esse uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados. E, para aferir da ocorrência de uma tal ilogicidade, importa indagar se da decisão de facto e/ou da respetiva motivação constam, ou não, os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349º do C. Civil e 607º, nº4 do Código de Processo Civil.


Por outro lado, para que o indício ou a presunção judicial possa servir de “prova” tem de conter as seguintes caraterísticas: gravidade, precisão e concordância.


A gravidade (grave alta, média ou ligeira) é aquilo que torna uma conclusão mais aceitável do que outras conclusões possíveis; a precisão é aquilo que faz com que a conclusão mais provável que é possível extrair dela, em concorrência com outras, se refere ao facto a provar (é tão precisa quanto maior for a coincidência entre a dita conclusão e o facto a provar); a concordância resulta do facto de existirem diversas provas, indícios ou presunções que convergem para o facto a provar (bastando a convergência de algumas provas, embora nem todas). A existência de elevado número de indícios de gravidade ligeira e com sentido concordante pode significar que o facto se encontra devidamente provado. Note-se que apenas se pode formular a exigência daquela pluralidade de indícios quando os mesmos considerados isoladamente não permitirem a certeza da inferência. Porém quando o indício mesmo isolado é veemente, embora único, e eventualmente assente apenas na máxima da experiência, o mesmo será suficiente para formar a convicção sobre o facto.


Além disso, deve estar excetuada a existência de contraindícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária. O contra indício destina-se a infirmar a força da presunção produzida e, caso não tenha capacidade para tanto, pela sua pouca credibilidade, mantém-se a presunção que se pretendia elidir.


Ora, o conjunto de conclusões acima sintetizadas impõe a convicção de que no ano 2003 existiam realmente relações locatícias comerciais entre a sociedade P........ e as referidas sociedades locadora e sublocadora, cujos objetos eram as lojas em causa nos autos. Ao contrário, não existe qualquer contraindício dessa utilização.


Por outro lado, das relações comerciais resultam necessariamente, como se sabe, vários fluxos de bens/serviços e de meios financeiros; além disso, esses fluxos podem e devem ser analisados sob óticas diferentes: numa ótica económica, com o consumo de bens ou serviços surge um custo ou gasto (causa) e na ótica financeira, com a cedência do direito de usar a coisa locada surge (o efeito) a obrigação de pagamento da divida que, enquanto não for paga, traduz uma “divida a pagar”; e,. Quando ocorrer o cumprimento da obrigação de pagar a divida, com a saída ou exfluxo de dinheiro no sentido do devedor para o credor, ocorre – numa ótica monetária ou de caixa – um pagamento.


Ou seja: um custo, derivado do consumo, pode coexistir – e coexiste muito frequentemente – com a correspondente divida a pagar. Ou, dito de outro modo: o incumprimento da obrigação principal, a falta de pagamento, a inexistência de exfluxo monetário, não contende com a qualificação do gasto ou consumo como “custo fiscal”.


Como se sabe, o lucro relevante para a tributação em IRC é um conceito económico (que releva apenas a ótica económica) que, nos termos do nº 1 do artigo 17º do CIRC, se quantifica nas contas de resultados (classe 8 do POC), nas quais se reúnem os proveitos (classe 7 do POC) e os custos (classe 6 do POC). Ou seja: tal como os saldos das contas de disponibilidades financeiras (classe 1 do POC), não relevam para o resultado contabilístico ou fiscal os saldos das contas de terceiros (classe 2 do POC), designadamente, não relevam as dividas a pagar a fornecedores ou a outros credores.


Os proveitos ou ganhos estão definidos no artigo 20º do CIRC e o custos ou perdas estão definidos no artigo 23º do mesmo Código.


Nos termos do artigo 23º, nº 1, do CIRC, custos ou perdas (classe 6 do POC) são os (encargos com bens ou serviços) que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Não são aceites como custos os encargos não comprovados, os não indispensáveis e os expressamente referidos nos artigos 23º, nº 2 a 7, e 42º do CIRC.


De acordo com a fundamentação expressa do ato tributário, apenas se discute o requisito de dedutibilidade referente à “comprovação” da existência do custo: a AT e a sentença recorrida concordam que a impugnante não comprovou adequadamente a existência do custo com as rendas porque, na sua perspetiva, era indispensável exibir o recibo comprovativo do pagamento das rendas prediais, o que não foi feito.


A AT entendeu que a comprovação efetuada não é idónea porque o documento interno que serviu de suporte aos lançamentos contabilísticos, mesmo complementados pelos contratos-promessa de arrendamento e outros documentos anexos à p.i. e pelos depoimentos testemunhais, desacompanhados da exibição do recibo das rendas, não pode ser qualificado como “documento justificativo” a que alude o artigo 115º, nº 3, al. a), do CIRC. Por seu lado, a sentença recorrida esclarece que a exigência do recibo não pretende dar relevo à quitação, uma vez que a operação financeira de pagamento não integra o conceito de económico de custo, pelo que tal exigência apenas se destina comprovar a materialidade do arrendamento gerador do custo.


Como se sabe, a “comprovação” ou prova da existência dos custos contabilizados é feita, tendencialmente, através de “documentos justificativos”, os quais são quase sempre documentos complexos (orçamento, nota de encomenda, ficha de produção ou faturas de compra de matérias-primas ou de mercadorias, fatura do fornecedor, guias de transporte, cheque ou transferência bancária do cliente para o fornecedor, recibo de quitação, correspondência entre fornecedor e cliente, etc., que funcionam no seu conjunto como indícios numerosos, sérios, precisos e convergentes de que ocorreu uma operação comercial real correspondente à operação referida nos documentos arquivados), embora nos casos “normais” (aqueles que constituem a esmagadora maioria dos casos) seja suficiente a exibição de fatura de aquisição dos bens ou serviços.


Ou seja, num caso como o dos autos bastaria, em regra, o recibo da rendas prediais pagas e a fatura ou documento equivalente das despesas debitadas pelo condomínio das frações prediais urbanas.


É assim porque, havendo obrigação legal de ter e manter uma (única) “contabilidade organizada” nos termos das leis comerciais e fiscais e de esta dever registar todas as operações ativa e passivas e, para isso, ser executada de maneira que todos os lançamentos registados sejam suportados por documentos justificativos, tem de se concluir que a contabilização e, portanto, o direito à dedução, depende, em primeira linha, de “prova documental”.


A prova documental é indispensável, dado que a sua falta (absoluta) determina a impossibilidade de dedução fiscal e, ainda por cima, a sua tributação autónoma, nos termos do disposto nos artigos 42º, nº 1, al. g), e 81º, nº 1, do CIRC.


Porém, o documento justificativo, exigido para efeitos de servir de suporte idóneo a cada registo contabilístico (que, por sua vez, serve de base à determinação da matéria coletável, nos termos do artigo 17º do CIRC), tanto pode ser um documento externo (fatura ou documento equivalente) como qualquer documento interno, desde que este seja complementado por outros meios de prova admissíveis em direito. Foi assim que, no essencial, entendeu a sentença recorrida. Nas suas alegações, a Recorrente não dissente (embora alegue, que “por exigência do princípio da capacidade contributiva, contribuem para a formação do lucro tributável todos os custos, ainda que os não documentados, desde que o respectivo titular alegue e demonstre a existência e o montante dos mesmos”, caso em que a prova produzida se poderia qualificar como “justificativa” do custo para efeitos de dedução).


Ora, resulta do disposto no artigo 75º, nº 1, da LGT que, em princípio, a contabilidade e as respetivas declarações fiscais dos contribuintes gozam da presunção de verdade e de boa-fé, desde que organizadas e apresentadas “nos termos da lei”.


Quem tem a seu favor uma presunção legal não carece de demonstrar os factos a que ela conduz (artigos 350º e 351º do CC), pelo que cabe à AT o dever de fazer as diligência inquisitórias necessárias ao apuramento da verdade material e de demonstrar os pressupostos da sua atuação, designadamente que a contabilidade ou as declarações fiscais contêm irregularidades, omissões ou falsidades que indiciem com elevada probabilidade que aquela presunção não é merecida (artigos 58º e 75º, nº 2, da LGT), caso em que passa a caber ao contribuinte o ónus de demonstrar os factos que justificam a existência do direito que invoca a seu favor (artigo 74º, nº 1, da LGT).


A Impugnante, agora recorrente, considera que exibiu prova bastante, prova documental, incluindo a que se encontra em poder da AT, complementada pela prova testemunhal, que justifica o direito à dedução. Alega que exibiu


(a) dos documentos internos,


(b) da correspondência trocada com as contrapartes nas operações em causa (designadamente para efeitos da actualização dos montantes cobrados a título de rendas),


(c) das declarações emitidas pela sociedade P........ atestando o rendimento colocado à disposição daquelas e, bem assim, o montante retido a título de IRC e, finalmente,


(d) dos extractos bancários que identificam os pagamentos efectuados, o momento e os montantes dos mesmos.


A Recorrente considera, ainda, que a AT não cumpriu o dever de inquisitório, na medida em que não atendeu aos documentos ao seu dispor, designadamente as declarações prestadas pelas sociedades locadoras, reconhecendo o recebimento dos rendimentos prediais em causa e identificando as respetivas retenções na fonte, concluindo-se que o P........ procedeu ao pagamento dos referidos rendimentos e foi sujeito a pagamento antecipado, por retenção na fonte, do respetivo IRC.


Não há dúvida de que a impugnante e agora recorrente não exibiu os recibos das rendas, habitualmente usados como “titulo” da existência do gasto com rendas prediais, não exibiu contratos de arrendamento e nem sequer, em alguns casos, os contratos-promessa contemporâneos aos factos.


No entanto, conforme facto OO do probatório retificado, no ano 2003 a sociedade P........ teve a “tradição” ou uso efetivo das lojas referidas em G do mesmo probatório, que destinou ao exercício da sua atividade retalhista geradora de proveitos sujeitos a IRC.


Daquele uso – que se sabe fundar-se numa relação locatícia - resulta, pela ordem natural das coisas, a obrigação de pagamento das rendas prediais, devidas pela sociedade P........ às sociedades locadoras.


Relativamente a outras rendas, a AT reconheceu que não foram entregues ao P........ e F........ diversas declarações comprovativas das retenções na fonte de rendimentos prediais, emitidas ao abrigo do artigo 119º, nº 1, alínea b) do CIRS ex vi do artigo 120º do CIRC, conforme facto provado LL. Isso implica necessariamente que as sociedades locadoras emitiram algumas dessas declarações, conforme alegado no artigo 639º da p.i. e doc. 40 anexo, facto reconhecido em fase de direito de audição.


Do mesmo modo, resulta provado que, face à dificuldade de obter as declarações acima referidas, a sociedade P........ procedia do seguinte modo: i) emite notas de débito no montante bruto da renda contratada, por contrapartida do registo de um proveito; ii) uma vez processado o pagamento, no valor da renda líquido (deduzido da retenção na fonte), creditava a conta #Outros devedores e credores, por contrapartida de #Depósitos bancários, pelo montante efetivamente pago e na conta #Estado o imposto retido, conforme doc. 39 anexo à p.i. e que integra, designadamente, notas de débito/crédito, comprovativos de depósitos bancários e recibos de quitação dos rendimentos prediais (facto MM do probatório).


Ora, considerando toda essa prova, fundada nos doc. 10 a 13 , 38 e 39 anexos à p.i. e na prova testemunhal produzida, afigura-se legitimo concluir que, também quanto às lojas agora em causa, efetivamente usadas para os fins comerciais que constituem o objeto da atividade da sociedade P........ (facto OO do probatório), esta incorreu custos contabilísticos (contas da classe 6 do POC) que, por reunirem os requisitos previstos no artigo 23º do CIRC, também são custos fiscais.


Neste âmbito, importa chamar à colação o Acórdão do STA, proferido no processo nº 184/10, de 06 de maio de 2020, o qual vem alicerçar o entendimento, ora, acolhido, no sentido de que para efeitos de suporte do custo, importa, efetivamente, a demonstração funcional do custo, ou seja, função de demonstração, justificação e credibilização.


Dele se extrata, designadamente, o seguinte:


À data dos factos, o documento justificativo de um lançamento contabilístico e, em particular, um documento comprovativo de um custo não tinha que ser constituído por uma fatura ou documento equivalente. O que importava era que o documento fosse adequado a comprovar a realização da operação e a relacioná-la com a fonte produtora.


Quer dizer, não relevava o conteúdo formal do documento, mas um certo conteúdo funcional, a sua adequação para cumprir uma certa função, que podemos agora designar de função de justificação ou de credibilização.


Trata-se de uma função dos documentos que não tem paralelo no direito civil, porque não está aqui em causa comprovar as declarações negociais e assegurar a sua eficácia externa (com a consequente estabilidade e segurança nos negócios jurídicos) mas indiciar a transferência de riqueza, isto é, constituir um indício fundado da ocorrência de uma operação com relevo fiscal.


Assim, os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos deviam ser adequados a relacionar um certo fluxo financeiro com uma operação subjacente com relevo económico (a jusante) e com a fonte produtora (a montante). Se permitissem o estabelecimento desse elo ou nexo na cadeia dos acontecimentos da empresa seriam documentos credíveis, no sentido de que conferiam uma certa aparência de verdade à operação e concorriam, assim, para suportar a credibilidade da própria escrita, tão necessária ao funcionamento da presunção a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.


Mas, se o enfoque estava no conteúdo funcional desses documentos (na função específica que cumpriam no plano contabilístico e do direito fiscal), isto também significa que, na falta de disposição legal que o impusesse, os documentos não tinham que ter uma forma específica, isto é, não tinham que observar específicos requisitos formais para cumprirem a sua função.”


Por não ter considerado assim, a sentença recorrida deve ser revogada nessa parte. O que equivale a dizer que o fundamento recursivo sob análise merece proceder.


*

2 - DOS RECURSO DA FAZENDA PÙBLICA:

C. -Do erro de julgamento de facto e de direito decisão quanto às correções relativas ao pagamento de royalties

A Recorrente Fazenda Pública apresentou as seguintes conclusões:

«I – Na douta sentença a quo entendeu-se que seria de anular parcialmente a liquidação adicional de imposto (IRC/2003), considerando então que a Impugnante logrou provar ter incorrido em despesas com “pagamento de royalties”; “quebras de existências de bens, provocadas por diferenças de inventário” e “dedução à colecta de retenções na fonte sobre rendimentos prediais”.


II – No que tange ao primeiro grupo de correcções, relacionadas com a desconsideração fiscal dos custos suportados a título de pagamento de royalties, pela utilização das marcas F........ e P........ , no montante de € 9.113.799,00”, ressalvada a devida vénia, dissente do julgado esta ..., na medida em que resulta do relatório inspectivo uma análise pormenorizada daqueles contractos e das condições dos L........., pelo que dúvidas não restam de que as correcções em causa têm pleno enquadramento no disposto art.º 58º do CIRC, na redacção coeva, daqui resultando a inobservância do princípio da plena concorrência neste preceito consagrado.


III – Evidenciaram-se em sede de procedimento inspectivo factos índice, com base no teor dos referidos contractos, cuja ocorrência é difícil de conceber entre entidades independentes entre si, isto é, existem condições contratuais que apenas são compagináveis não fora as relações especiais existentes entre as sociedades do grupo.


IV – Assim, para além de constituir facto incontroverso a existência de relações especiais entre as sociedades J........, F........ e P........ , das operações em causa resulta que não foram contratadas condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


V – Neste conspecto apurou-se que dos contratos não resulta qualquer penalidade no caso de incumprimento dos termos estabelecidos e aceites pelas entidades contratantes; a entidade detentora das marcas (J........), não assume os riscos inerentes à detenção das marcas, os quais correm por conta das sociedades alienantes (P........ e F........ ), sendo que estas detêm, na sua esfera, os custos associados à gestão e desenvolvimento das respectivas marcas.


VI – Ademais, considerando o preço contratado pelas partes para a cedência das marcas face ao montante dos royalties contratados, tal conduz á conclusão de que a amortização das mesmas se fez num prazo demasiado curto, face ao prazo de cedência de 30 anos, o que indicia que o montante dos royalties contratados não corresponde a condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


VII – Por conseguinte, impõe-se concluir que se mostram reunidos os pressupostos em que assentam a correcção, considerando que a AT, recolheu indícios suficientes que permitem concluir que nas operações em causa não foram contratadas condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, motivo pelo qual deverão estas correcções manter-se na ordem jurídica.


Portanto, não vem impugnada a matéria de facto fixada, apenas se invocando a ilegalidade da decisão quanto às correções relativas ao pagamento de royalties:


Sobre essa questão, a sentença recorrida pronunciou-se do seguinte modo:


« Correcção no montante de € 9.113.799,00 referente à desconsideração fiscal dos custos suportados a título de pagamento de royalties, pela utilização das marcas F........ e P........


Conforme decorre do RIT – alínea H) do probatório – a presente correcção foi enquadrada no regime de preços de transferência, previsto no artigo 58º do CIRC (actual artigo 63º).


(…).


A título prévio, importa clarificar que não está aqui em causa apreciar se foi correcta a actuação do P........ /F........ e a J........ em matéria de preços de transferência, nem tão pouco julgar a oportunidade e mérito da actuação da AT; importa sim averiguar da legalidade da correcção efectuada pela AT, em face dos pressupostos de facto e de direito em que assentou.


Também não são aqui relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte ao acto, ou fundamentação invocada a posteriori.


Dito isto, verifica-se que a correcção em apreciação se sustenta na violação do artigo 58º do CIRC (na redacção à data do exercício inspeccionado – 2003), por inobservância do princípio da plena concorrência no valor dos royalties pagos à J........, em resultado dos L........., concluindo que o preço a praticar deveria ser nulo (zero).


Quanto ao conceito de preços de transferência, a OCDE define-os como "... os preços pelos quais uma empresa transfere bens corpóreos, activos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas", o que desde já se dirá, será um valor superior a zero, com base nas seguintes razões: a primeira, de senso comum, de que não existe “preço zero” (nesse caso, haverá um negócio gratuito, e não oneroso que implique o pagamento de um preço); a admitir-se um “preço zero” nas relações comerciais, tal violaria o princípio da especialidade do fim, contrariando o escopo lucrativo das sociedades, pelo que lhes é vedada a celebração de negócios gratuitos.


No que concerne ao regime nacional de preços de transferência (que apresenta diferenças face ao regime do artigo 9º da Convenção Modelo OCDE), dispunha o nº 1 do artigo 58º do CIRC que "Nas operações comerciais, (…) bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis".


Portanto, este regime não impõe ao contribuinte a opção pelas operações comerciais ou financeiras mais rentáveis, mas apenas que, relativamente àquelas por que optar, estabeleça termos e condições idênticos aos que seriam estabelecidos por entidades independentes em operações comparáveis.


O regime tem assento tónico no conceito de relações especiais. Nos termos do nº 4 do mesmo preceito, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se verifica, designadamente, quando as entidades têm os mesmos titulares de capital, detendo uma participação não inferior a 10% [cfr. alínea b)].


Ora, no caso em apreciação, é manifesto que as partes envolvidas na alienação das marcas e nos L......... são entidades relacionadas, que integram o Grupo J........ – cfr. alíneas A), B), X), Y) e Z) do probatório.


Contudo,


Não basta a conclusão de que se trata de entidades relacionadas para concluir por uma correcção fiscal enquadrada no regime de preços de transferência.


Necessário se tornaria a verificação de outros pressupostos, maxime que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes e que o lucro apurado seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações, cabendo o ónus da prova à AT, seja através da análise topográfica das relações vinculadas em referência, seja através da justificação da escolha do método de comparação, recaindo sobre o contribuinte/Impugnante o ónus de demonstração do erro ou excesso na quantificação (cfr. acórdão do TACS de 19.02.2015, processo nº 0709/13, in www.dgsi.pt).


Sucede que, atenta a fundamentação de facto da AT, resulta patente que o que é posto em causa é sobretudo a substância económica da operação de venda e licenciamento das marcas (2 Os contratos têm inevitavelmente de ser apreciados de forma integrada, já que a existência do segundo depende da (in)eficácia do primeiro.), e não verdadeiramente o “preço de mercado” (no qual, diga-se, aquela alegada falta de substância tem reflexo, já que se chega à conclusão de que esse preço é nulo).


E esta conclusão não é retirada de uma consideração única ou ocasional da AT; de facto, são múltiplas as razões invocadas no RIT, de forma constante e reiterada ao longo de toda a fundamentação (vejam-se as elencadas supra), as quais se demonstrariam aptas a sustentar uma correcção baseada, não no regime dos preços de transferência, mas da cláusula geral anti-abuso (artigo 38º, nº 2, da LGT).


O mesmo é dizer que a fundamentação de facto da AT é abstractamente capaz de demonstrar a ineficácia, para efeitos fiscais, dos negócios jurídicos em apreciação.


Além do mais, é a própria AT que conclui, de forma expressa, que cada um dos L......... em causa (e anterior cessão das marcas), é para todos os efeitos, uma transferência formal e não substancial, o que é demonstrado, por um lado, pelo facto de as sociedades portuguesas F........ e P........ continuarem a promover as respectivas marcas, a publicitá-las, a desenvolvê-las, a gerir e a assumir o risco comercial da sua utilização, tudo atribuições ou responsabilidades que deveriam pertencentes ao detentor dos activos e, por outro lado, que a J........ não suporta quaisquer encargos com a posse e gestão dos referidos activos – cfr. alíneas AA), BB) e CC) do probatório.


Ainda que fosse outra a intenção, a motivação apresentada pela AT visa demonstrar, não que em operações comparáveis o preço/valor dos royalties seria diferente, mas antes que não se verificam negócios assim estruturados entre entidades independentes. E como assim é, o que faz a AT é “desconsiderar a operação” para efeitos fiscais, ou ainda assim, requalifica-a como gratuita, chegando a um preço de mercado nulo.


Como já anteriormente anotado, não é possível admitir um preço de transferência nulo – sendo, ademais, vedado às sociedades negócios de natureza gratuita –, o que ainda assim, embora de forma equívoca, venha corroborar o entendimento de que em causa está a ineficácia dos negócios (e não o “verdadeiro preço” praticado).


Conforme explicitado, nas relações comerciais – e pelos parâmetros do direito societário –, o preço zero apenas significa que nenhum serviço estará a ser prestado, nenhum benefício concedido, nem nenhuma mercadoria transaccionada entre as entidades relacionadas.


Assim, in casu, chegando a um valor de royalties de zero, tal representará, para efeitos fiscais, que nenhuma marca terá sido transmitida nem, consequentemente, nenhum serviço de gestão de marcas ou de concessão de utilização é prestado pela J.........


Donde, a fundamentação da AT não se demonstra apta a sustentar a sua conclusão de direito baseada no artigo 58º do CIRC, antes se verificando abstractamente adequada a uma correcção assente na cláusula geral anti-abuso.


Ainda que se reconheça a ténue fronteira entre os limites de aplicação dos preços de transferência e os limites da cláusula geral anti-abuso, a verdade é que andou mal a AT na opção tomada e na sustentação da correcção efectuada – estando em causa nos autos, não uma questão de pricing, mas uma questão de substância económica das operações, não poderia a AT concluir pela aplicação do regime de preços de transferência.


De acordo com os “Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, explicita o ponto 1.36: “A verificação pela Administração Fiscal de uma operação vinculada deve basear-se na operação efectivamente ocorrida entre as partes e no modo como foi estruturada pelas partes (…) A restruturação de operações comerciais legítimas revelaria um procedimento totalmente arbitrário…”.


No direito interno, a desconsideração da operação realizada – como pretende, in casu, a AT, ou pelo menos requalificá-la como gratuita – é absolutamente excepcional e pressupõe a aplicação de um procedimento próprio, ao abrigo do artigo 38º, nº 2, da LGT e 63º do CPPT.


Não há margem para o fazer, aplicando, sem mais, o artigo 58º do CIRC a uma operação que com ele não quadra (embora não seja exactamente sobre a mesma situação de facto, o mesmo raciocínio foi aplicado nos acórdãos do CAAD nº 101/2014-T, de 15.09.2014, no qual a AT pretendeu “requalificar” o deferimento de um pagamento entre entidades relacionadas como um financiamento gratuito, e 76/2012-T, de 29.10. 2012, a respeito da requalificação de um “share premium”).


Ainda sobre este tema (3 Com a epígrafe “De como o conceito do artigo 63º do Código do IRC se limita a “questões de preço” e de como as questões de “substância sobre a forma” se remetem ao regime do nº 2 do artigo 38º da LGT”.), Miguel Teixeira de Sousa (Os Preços de Transferência e a Cláusula Geral Anti-Abuso, em contexto com o artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE, Cadernos de Preços de Transferência, 2013, Almedina, pág. 169 e seguintes), esclarece:


“Ora, em Portugal, sempre que Autoridade Tributária deseje desrespeitar as operações efectuadas, aplicando um princípio da substância sob a forma, tem de se socorrer da cláusula geral anti-abuso, constante do nº 2 do artigo 38º da LGT (…).


Com efeito, o desrespeito pela operação efectuada entre duas entidades relacionadas acarreta dentro de si juízos de elevada carga subjectiva razão pela qual o legislador submeteu o regime do nº 2 do artigo 38º da LGT a um procedimento particularmente exigente e um prazo mais curto para o início do procedimento inspectivo.


(…).


Dito de outra forma: se, numa situação muito excepcional, a OCDE permite que a norma convencional sobre preços de transferência vá para lá da sua natureza (de norma destinada a regular o preço das operações efectuadas entre duas entidades relacionadas), já em Portugal essa norma encontra-se verdadeiramente limitada a questões de preços - surgindo no nosso regime uma clara distinção entre o artigo 63º [anterior 58º] do CIRC, que lida apenas com questões de pricing, e o número 2 do artigo 38º da LGT, que lida com questões de substância sobre a forma.


A utilização do artigo 63º do Código do IRC impõe sempre, como fundamento base de aplicação, a correcção do preço declarado na operação efectuada entre duas entidades relacionadas. A extrapolação desta abordagem para fixação de um preço que pudesse ter resultado, não da operação efectuada, mas da operação que a Autoridade Tributária considere que duas entidades independentes teriam aceitado efectuar [ou não efectuar], não pode ser feita com recurso artigo 63º do CIRC, uma vez que implica a desconsideração da operação efectuada e a sua substituição por uma outra que as entidades relacionadas não efectuaram. Nestes casos, naturalmente, a correcção depende do recurso à norma geral anti-abuso”.


Assim, (embora contrariando a afirmação de que “não pretende colocar em causa os L.........”) a pretensão da AT de desconsideração dos negócios realizados entre o P........ /F........ e J........, ou pelo menos a sua requalificação como negócio de natureza gratuita (já que entidades independentes não realizariam estas operações, mas recorreriam a outras formas jurídicas‟), encontra-se fora do regime dos preços de transferência, pelo que a correcção efectuada, com base na fundamentação de facto apresentada, não se poderia suportar na aplicação isolada do artigo 58º CIRC. Em suma, não pode deixar de se concluir que tem razão a Impugnante quanto ao erro na invocação do artigo 58º do CIRC, pelo que tem de ser declarada a ilegalidade da correcção em causa, devendo a liquidação adicional ser nesta parte anulada, como se determinará. Procede, nesta matéria, a pretensão da Impugnante. Face à solução preconizada, fica prejudicado o conhecimento das questões subsidiárias, referentes ao método de determinação do preço de mercado e à fundamentação exigível.»


Nas suas alegações do recurso, a Fazenda Pública defende que:


«2º


Quanto a esta correcção ficou assente nos autos que foram celebrados contractos de cessão onerosa das marcas F........ e P........ entre as sociedades com a mesma denominação social e a J........, tendo esta pago àquelas os valores de € 8.978.362,15 e € 18.455.522,19, respectivamente.


3º.


A J........ é uma sociedade de direito suíço e o seu objecto consiste justamente na gestão de marcas associadas à actividade do comércio a retalho, em vista à sua promoção e expansão no mercado internacional.


4º.


O objectivo da transmissão das marcas visou, segundo as partes contratantes, a satisfação de necessidades de tesouraria sentidas pelas sociedades P........ e F........ e uma gestão das marcas de uma forma mais profissionalizada.


5º.


Também foram celebrados, pelas mesmas sociedades, contractos de licença de utilização (exclusiva) das marcas F........ e P........ , com efeitos retroactivos a 1993.12.31, tendo esta utilização exclusiva por contrapartida o pagamento de uma taxa de licenciamento (royalties) equivalente a 0,6% do total das vendas registadas pelas sociedades P........ e F........ e a obrigação destas em investirem 0,15% da respectiva facturação na promoção da marca cuja utilização lhe foi cedida, através de campanhas publicitárias e de outras iniciativas.


6º.


Ora, a presente correcção foi enquadrada e bem no regime dos preços de transferência, previsto no artigo 58º do CIRC (actual artigo 63º) e incidiu sobre operações subjacentes ao pagamento dos royalties por parte do F........ e do P........ , com origem no exercício de 2003 e pela cedência das respectivas marcas à J........ e posteriores.


7º.


O que significa que uma vez verificada a existência de relações especiais entre as entidades contratantes [alínea b) do nº 4 do artigo 58º do CIRC], e atenta a natureza das operações controvertidas – alienação dos intangíveis e licenciamento para utilização – teriam necessariamente de ser analisadas à luz do princípio de plena concorrência.


8º.


Neste conspecto, entenderam os serviços de inspecção tributária (SIT) que tais contractos de L......... apenas poderiam existir entre duas entidades não independentes, isto é, entre entidades relacionadas, que fazem parte integrante de um mesmo grupo económico, existindo uma comunhão de interesses entre as partes envolvidas, donde se pôde depreender que os contractos nenhum benefício trouxeram para o F........ e P........ .


9º.


E em reforço deste entendimento, invocaram os SIT o facto de por efeito dos contractos, não resultar a assunção de qualquer responsabilidade por parte da entidade detentora das marcas – J........ -, designadamente ao nível dos riscos inerentes à detenção de activos desta natureza, nem de quaisquer benefícios para as sociedades F........ e do P........ .


10º.


E outrossim, não se vislumbra do teor dos contractos a previsão de qualquer penalidade no caso de incumprimento dos termos ali estabelecidos por ambas as entidades, idêntica às que por certo se mostrariam previstas se contrato da mesma natureza fosse celebrado entre entidades independentes.


11º.


Sendo certo que a própria J........ não presta qualquer serviço aos sujeitos passivos e não suporta qualquer encargo com as marcas (apenas suporta as amortizações), pelo que também se pode concluir que não exerce qualquer função quer de rotina, quer associada à detenção, quer ainda à valorização dos activos intangíveis.


12º.


E, concomitantemente, tanto o F........ como o P........ , para além de terem criado as respectivas marcas, mantêm todas as funções e riscos de detenção das mesmas, verificando-se que foram contabilizados por estas entidades, durante o exercício inspeccionado, além dos encargos com publicidade, custos relacionados com a gestão das marcas.


13º.


Para além disso, decorre dos negócios celebrados uma desproporção entre o valor recebido pela venda da marca e o valor pago pela sua utilização a título de royalties (cerca de 4 vezes superior).


14º.


Sendo ainda de referir que a justificação dada para a celebração do negócio, isto é, as necessidades de tesouraria, sempre seria pouco sustentável face a outras formas de financiamento menos onerosas.


15º.


E como bem se referiu no relatório inspectivo: “cada um dos L......... em causa, é para todos os efeitos, uma transferência formal e não substancial, ou de facto, da marca F........ e da marca P........ , pois, repetimos, nenhuma entidade independente estaria disposta a suportar encargos de publicidade e gestão da marca sobre um activo que legalmente não é seu, sem que para tal obtenha uma rentabilidade apropriada”.


16º.


Pelo que os SIT caracterizaram o negócio da seguinte forma: “O P........ e o F........ mais não fazem do que o que já faziam enquanto detentores das marcas, com duas diferenças: pagam um royaltie, reduzindo a sua rentabilidade e ainda deixaram de ser proprietários da marca.”


17º.


Donde se concluiu que as condições praticadas diferem das que o seriam entre entidades independentes, violando assim o Princípio da Plena Concorrência.


18º.


E daí a justificação para a correcção destes custos de acordo com o regime previsto no coevo art.º 58º do CIRC.


19º.


Neste conspecto importa ter presente que os royalties pagos pelas sociedades dominadas P........ e F........ à entidade sedeada na Suíça – J........ - com a qual se encontram em situação de relações especiais – facto não controvertido nos autos – tal como define o nº 4 do art.º 58º do CIRC, derivam de contractos onde se prevê a utilização de marcas, nos termos dos quais, continuam aquelas duas sociedades a deduzir aos seus proveitos os encargos directamente relacionados com a gestão, promoção e desenvolvimento das marcas por si cedidas, bem como a deter todos os riscos a estas inerentes.


20º.


As características desta operação conduzem à conclusão óbvia de que semelhante operação não seria possível de ser realizada entre entidades independentes, ou seja, o de continuarem a deter na sua esfera jurídica os custos associados à gestão e desenvolvimento das marcas, bem como os inerentes riscos e ainda suportando adicionalmente um encargo (royaltie).


21º.


O que sempre justificaria um ajustamento positivo do lucro tributável relativamente a cada uma das sociedades dominadas P........ e F........ , nos valores melhor discriminados nos autos.


22º.


Quanto ao conceito de preços de transferência, os mesmos são definidos pela OCDE como sendo: “…os preços pelos quais uma entidade transfere bens corpóreos, activos incorpóreos ou presta serviços a empresas associadas…”. .


23º.


Doutrinariamente, os preços de transferência consistem nos valores atribuídos a bens e serviços, pelas empresas relacionadas, nas trocas que efectuam entre si, incluindo as transferências de bens e as prestações de serviços que têm lugar no âmbito dos estabelecimentos e divisões independentes que integram a mesma unidade económica.


24º.


O regime dos preços de transferência estava previsto no coevo art.º 58º do CIRC, cujo nº 1, o qual dispunha que: “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou série de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contractados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”


25º.


Resulta deste preceito legal que o regime dos preços de transferência assenta no conceito de relações especiais, enquanto assente na detenção directa ou indirecta de controlo de determinada sociedade.


26º.


Ora, a existência de relações especiais verifica-se in casu, como decorre do relatório inspectivo e constitui facto que não se mostra controvertido, quer pela douta sentença a quo, quer ainda pela própria Impugnante.


27º.


É por isso aplicável ao caso dos autos o regime então previsto no art.º 58º do CIRC.


28º.


Assim sendo, nas operações comerciais em causa nos presentes autos, deveriam ter sido contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


29º.


A AT, no relatório inspectivo entendeu, após análise das condições definidas nas L........., que delas resulta a inobservância do princípio da plena concorrência consagrado no art.º 58º do CIRC.


30º.


Neste conspecto, desde logo evidencia-se que do contrato não resulta qualquer penalidade no caso de incumprimento dos termos estabelecidos e aceites por ambas as entidades contratantes.


31º.


Por outro lado, também não se assume qualquer responsabilidade imputável à entidade detentora das marcas (J........), designadamente ao nível da tomada de riscos inerentes à detenção de um activo desta natureza.


32º.


Para além disso, resulta dos autos que P........ e F........ cederam um bem que era seu (a marca) por um prazo de 30 anos, mas por um valor amortizável em cinco anos, face ao montante pago anualmente em royalties.


33º.


Acresce que, quer o P........ , quer o F........ , detêm, na sua esfera, os custos associados à gestão e desenvolvimento das respectivas marcas, bem como todos os riscos a estas inerentes.


34º.


Por outro lado, não existem custos contabilizados relativos à gestão das marcas em causa, nas contas da sociedade do grupo que adquiriu as marcas.


35º.


Ou seja, considerando o preço contratado pelas partes para a cedência das marcas face ao montante dos royalties contratados, conduz á conclusão de que a amortização das mesmas se fez num prazo demasiado curto, face ao prazo de cedência de 30 anos, o que indicia que o montante dos royalties contratados não corresponde a condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


36º.


À mesma conclusão se chega quando se considera o facto de que as sociedades, apesar de terem cedido as marcas, continuarem a deter, na sua esfera custos associados à gestão e desenvolvimento das respectivas marcas, o que, conjugado com o facto da amortização do preço pago pela transmissão das marcas se amortizar tão rapidamente indicia, ainda mais, que o montante dos royalties pagos não corresponde a condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


37º.


Ao que acresce a situação da sociedade do grupo a quem foram cedidas as marcas, a qual não contabiliza custos relativos à gestão dessas marcas, o que conduz de forma ainda mais sólida à conclusão de que não estamos perante condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, atento o facto de os custos com a gestão ficarem a cargo exclusivamente das sociedades P........ e F........ , o que é difícil de conceber não fora as relações especiais entre as sociedades do grupo.


38º.


No mais, no relatório inspectivo fez-se uma análise pormenorizada das condições dos L........., das características da operação, resultando acertada a conclusão que ali se retira, no sentido da qual, nas operações controvertidas se verificou a inobservância do princípio da plena concorrência vertido no art.º 58º do CIRC.


39º.


Por conseguinte, impõe-se concluir que se mostram reunidos os pressupostos em que assentam a correcção, considerando que a AT, recolheu indícios suficientes que permitem concluir que as operações em causa não foram contratadas condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


40º.


Sendo que, neste tocante, a prova carreada pela Impugnante não se afigura convincente no sentido de demonstrar o contrário.


41º.


É certo que foi junto aos autos um estudo que estabelece o montante de royalties que constituem "preço de mercado”, porém, a situação fáctica de que parte não é comparável á presente, posto que ali não se configura uma situação de prévia cedência da marca à mesma sociedade a que se vai depois pagar os royalties.


42º.


São pois situações diversas as que se configuram: o montante de royalties a pagar pela utilização de uma marca que sempre foi de uma determinada sociedade e aquele que resulta de contrato de cedência da própria marca, posto no caso do estudo se contempla o de uma marca criada por uma sociedade que lhe conferiu notoriedade e a cede para utilização e outra, como no caso dos autos, em que se cedem marcas com uma anterior e elevada notoriedade, do mesmo grupo da Impugnante e nem sequer se assumem os encargos com a gestão das marcas que já se encontram criadas e gozam de notoriedade.


43º.


Impondo-se ainda dizer que, neste conspecto, os depoimentos testemunhais, muito embora enquadrem as circunstâncias do negócio, nada de relevante disseram quanto à questão de fundo, porque genéricos e irrelevantes, face á prova que seria necessário produzir, isto é, de que as operações em causa não foram contratadas condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratadas, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.


44º.


Assim, por todo o exposto, contrariamente ao invocado na douta sentença a quo, as correcções em causa têm pleno enquadramento no disposto art.º 58º do CIRC, não colhendo pois a argumentação no sentido de as mesmas teriam melhor enquadramento na cláusula geral anti abuso prevista no art.º 38º da LGT.


45º.


O que concita a conclusão segundo a qual, as condições contratuais ajustadas não são aceitáveis entre pessoas independentes e não correspondem às condições de plena concorrência, motivo pelo qual as correcções se justificam e bem no âmbito das normas que regulam os denominados “preços de transferência”.»


Nas suas contra-alegações, a impugnante recorrida salienta que a recorrente Fazenda Pública aceita que foi efetiva e validamente celebrado o contrato entre a J........, de um lado, e a F........ e P........ , de outro lado, por via do qual – é forçoso admitir – a primeira se tornou a legítima detentora das marcas que as segundas utilizam na sua atividade comercial. Depois, a Recorrente igualmente não contesta o facto indesmentível de as marcas em referência serem marcas valiosas e absolutamente indispensáveis à atividade da F........ e da P........ ., nem põe em dúvida o valor que as partes atribuíram às referidas marcas, aquando da sua alienação em benefício da J........ – esse valor foi, de resto, conforme resulta da prova realizada, certificado por instituições especializadas, e, além disso, nunca foi escrutinado pelas autoridades fiscais, que o admitiram como bom para efeitos da validação dos seus efeitos fiscais na esfera das sociedades alienantes (F........ e P........ ). Mais ainda: a Recorrente aceita que as importâncias pagas a título de royalties pelas sociedades F........ e P........ correspondem a valores de mercado, que entidades independentes praticariam, estabelecendo, assim, um padrão de comparabilidade entre os montantes escrutinados e aqueles verificados no mercado livre em circunstâncias idênticas.


Nas conclusões das contra-alegações, a Recorrida impugnante reitera que termos e condições contratados no âmbito das referidas operações corresponderam àqueles que a entidade independente T...... & L........, Inc. concluiu como sendo os termos e condições de mercado em operações comparáveis (conclusões DD e HH), que tais termos e condições têm vindo a ser analisadas e examinadas pela AT desde 1994, sem nunca terem sido por ela questionados (conclusão II) e que o estudo realizado pela empresa de consultadoria independente E...... & Y........ concluiu, através da utilização das bases de dados ... e ..., pela existência de, pelo menos, quatro acordos de licenciamentos potencialmente comparáveis com os contratos de licenciamento em análise e pela adequação da taxa de royalties de 0,6% e pela adequação da transação em análise dentro dos parâmetros de mercado (conclusão KK).


Percebe-se que a Recorrida Impugnante pretende a relevação desses factos, que estavam invocados na p.i. e não foram relevados no probatório, designadamente com base nos documentos ali identificados em cada artigo referente a tal matéria.


Uma vez que a impugnação da matéria de facto pode ser efetuada tanto nas alegações do recurso como nas contra-alegações, deve concluir-se que não se cumpriu o disposto no artigo 640º do CPC.


Sem prejuízo, cumpre apreciar, ao abrigo do disposto no já referido artigo 662º do CPC, se existe razão para modificar a matéria de facto fixada quanto a esta questão.


Dos documentos anexos à p.i. da impugnação judicial constam diversos elementos que confirmam o que vem alegado pela Impugnante nessa peça processual e no presente recurso e que não foram objeto de impugnação nem de qualquer relevação, positiva ou negativa, no probatório.


Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, dão-se como provados os seguintes factos relevantes para o conhecimento desta questão:


PP) – Os termos e condições das operações de transmissão das “marcas” P........ e F........ , reportadas ao ano 1993, foram objeto de análise por três empresas de consultadoria independentes (I........, T...... & L........, Inc e E...... & Y........) que se pronunciaram no sentido de que aqueles correspondem aos termos e condições de mercado em operações comparáveis – artigos 242º da p.i. e Doc. 14, artigos 251º e 261º da p.i. e Doc. 18, artigos 262º e 348º da p.i. e doc. 22, não impugnados;


QQ) - Tais termos e condições têm vindo a ser analisadas e examinadas pela AT desde 1994, sem nunca terem sido por ela questionados - artigos 523º e 561º da p.i. e doc. 35, 36 e 37, não impugnados;


RR) – O referido estudo realizado pela empresa de consultadoria independente E...... & Y........ concluiu, através da utilização das bases de dados ... e ..., pela existência de, pelo menos, quatro acordos de licenciamentos potencialmente comparáveis com os contratos de licenciamento em análise e pela adequação da taxa de royalties de 0,6% e pela adequação da transacção em análise dentro dos parâmetros de mercado – artigos 262 e 348º da p.i. e doc. 22, não impugnado;


Com base nisso, a recorrida defende que a Fazenda Pública errou ao impor às sociedades F........ e P........ a eliminação pura e simples dos efeitos fiscais de um seu decaimento patrimonial evidente (royalties) – relativo à aquisição de um direito, cuja utilização é absolutamente indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto –, não obstante terem sido admitidos os efeitos fiscais dos incrementos nelas operados por efeito das operações de transmissão onerosa das mesmas marcas a que agora respeitam estes custos, em vez de, eventualmente, propor a sua correção quantitativa, em termos que permitissem dizer que o preço de mercado que lhes corresponde é inferior ao atribuído.


E considera que a AT errou ao propor a correção do preço efetivamente praticado ou a desconsideração do custo cuja efetividade não vem posta em causa convocando, para isso, o disposto no artigo 58º do CIRC, que apenas seria apto para justificar a correção dos outros termos e condições do negócio, não necessariamente mensuráveis e não também necessariamente influentes na determinação do quantitativo das referidas importâncias.


E que também errou ao recusar a dedução do custo com fundamento do artigo 58º do CIRC, alegando que existe uma desconformidade entre o preço efetivamente contratado e aquele a que presumivelmente chegariam entidades independentes em situações em que contratados fossem os mesmos outros termos e condições praticados no caso concreto, dado que isso equivale a admitir que, numa relação arm’s length, seria teoricamente concebível que duas entidades explorassem em seu proveito as marcas detidas por uma terceira sem que a esta última correspondesse uma qualquer contrapartida! Ou seja: mesmo que se admita a hipótese de no espírito da Recorrente haver a suspeita de que os atos ou negócios jurídicos realizados tiveram como propósito a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou o de que os custos consubstanciados no pagamento dos referidos fees relativos à utilização das mencionadas marcas não são indispensáveis à formação dos proveitos das sociedades F........ e P........ , sempre este tipo de considerações seria em tudo alheio à aplicação do artigo 58º do Código do IRC, dado que este preceito, na verdade, apenas pode ser utilizado com vista a permitir à AT a possibilidade de desconsiderar os preços praticados por entidades vinculadas, substituindo-os, para efeitos meramente fiscais, por aqueles que teriam sido praticados no caso de as mesmas entidades não disporem de qualquer relação especial.


Quer dizer: a aplicação do artigo 58º do CIRC decorre de uma comparação entre um preço realmente praticado por entidades ligadas por relações especiais e o preço que se estabeleceria normalmente no mercado, na ausência daquelas relações especiais. A referida norma em caso algum possibilita ou admite um juízo de oportunidade ou de mérito sobre uma dada transação, e muito menos suporta um juízo de confronto entre a substância e a forma de um certo negócio jurídico ou, como parece sugerir o Tribunal recorrido, um fator de correção das condições negociais acessórias (para além do “preço”) estabelecidas com base na livre vontade negocial das partes.


Portanto, a recorrida defende que se é certo que, nos termos do IRC, é possível questionar a indispensabilidade de um certo custo (cfr. o artigo 23º do CIRC) e, no nosso sistema, também é possível não aceitar uma certa forma jurídica, porque ela não se adequa à correspondente substância económica (cfr. o nº 2 do artigo 38º da LGT), não é menos certo – e este é, nesta sede, um argumento absolutamente decisivo – que no nosso sistema não se pode utilizar o regime previsto artigo 58º do CIRC como sucedâneo dos previstos no artigo 23º do mesmo Código ou no artigo 38º da LGT.


A Recorrida defende, ainda, que, ao contrário do que pretende a Recorrente, os termos e condições contratados entre as sociedades F........ e P........ e a sociedade J........ correspondem àqueles que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, não sendo própria a aplicação ao caso do artigo 58º do CIRC, conforme documentos já juntos aos autos.


Vejamos:


Do facto H dado como provado, que consta do Relatório de inspeção, resulta que a AT começou por considerar que as operações de cedência das marcas das sociedades F........ e P........ à sociedade suíça J........ AG ocorreram efetivamente em 1993 e foram seguidas, em 1994, por contratos designados “L.........”, reportados a 31.12.1993, onde se estabeleceram as condições de utilização dessas marcas por cada uma das sociedades cedentes.


Em 1993 vigorava o Código da propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 30.679, de 24/8/1940, cujo artigo 74º definia marca comercial como aquela com que o comerciante assinala os produtos do seu comércio, ainda que seja outro o produtor, acrescentando o artigo 79º que a marca pode ser constituída por um sinal, ou conjunto de sinais nominativos, figurativos ou emblemáticos, que, aplicados por qualquer forma num produto ou num involucro, o façam distinguir de outros idênticos ou semelhantes. Distinguindo a marca comercial do nome do estabelecimento, o artigo 141º dispunha que os comerciantes têm o direito de adotar um nome e uma insígnia para designar ou tornar conhecidos os seus estabelecimentos e o artigo 143º acrescentava que se considera insígnia do estabelecimento qualquer sinal externo composto de figuras ou desenhos, simples ou combinados com nomes ou denominações ou com outras palavras ou divisas, contanto que no conjunto sobreleve a forma ou configuração especifica como elemento distintivo e característico. De acordo com o disposto no artigo 157º, a propriedade do nome ou da insígnia só pode transmitir-se, a título gratuito ou oneroso, com o estabelecimento que eles individualizam e a transmissão do estabelecimento abrange a do respetivo nome ou insígnia, que só terá efeito após o averbamento na Repartição da Propriedade Industrial. Esse CPI foi substituído pelo CPI aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/95, de 24 de janeiro, portanto, após os factos em causa nos autos. O artigo 228º deste novo CPI reconhecia o direito ao nome do estabelecimento, o artigo 230º à insígnia e o artigo 243º à transmissão da propriedade do nome ou da insígnia. Esse CPI encontra-se revogado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5/3/2003.


Apesar de dizer que reconhece a existência e validade daqueles contratos e dos respetivos gastos com royalties ocorridos em 2003, a AT considerou que “os encargos decorrentes do pagamento de royalties não devem concorrer para a formação do lucro tributável, por força do estatuído no art.º 58.º do CIRC” porque entre as sociedades cedentes e a sociedade adquirente existem “relações especiais”, tais como são definidas no artigo 58º, nº 4, al. b), do CIRC, e que nas operações controvertidas, estabelecidas entre a sociedade F........ e a J........ e entre a sociedade P........ e a J........, não foram contratados, aceites e praticados termos ou condições, substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. Pelo que, em consequência, a AT decidiu que, nos termos do artigo 58.° do CIRC, teria de ser realizado um ajustamento positivo ao lucro tributável do F........ no montante de € 4.100.273,00, referente ao pagamento efetuado pela mesma a título de royalties, contabilizado como custo na conta …..4 - C........ - Grupo, bem como de ser efetuado um ajustamento positivo ao lucro tributável do P........ , no valor de € 5.013.526,00, respeitante ao pagamento a título de royalties, que foram contabilizados como custo por esta sociedade na conta 622242.


A AT considerou que a operação de cedência das “marcas” não trouxe qualquer benefício efetivo para as sociedades cedentes, que deixaram de ser titulares do respetivo direito de propriedade e passaram a ser sujeitos passivos da obrigação de remunerar a entidade adquirente pelo “direito de utilização” dessas marcas, que consubstancia a perda de um ativo valioso e a assunção de um encargo financeiro que revelou ser muito superior a curto prazo (cerca de 34% ao ano) e que durará pelo menos 30 anos, sendo tal operação inexplicável pela necessidade de financiamento uma vez que existem outras formas de financiamento muito menos onerosas.


Portanto, a AT concluiu que cada uma das operações de cedência das marcas e os respetivos contratos de “L.........” é, para todos os efeitos, uma transferência formal e não substancial, ou de facto, da marca F........ e da marca P........ , dado que todos os riscos e encargos da valorização dessas marcas correm por conta das sociedades cedentes que, por isso, continuam a ser os detentores de facto das mesmas e que, portanto, as condições praticadas diferem das que seriam praticadas entre entidades independentes, violando assim o princípio da Plena Concorrência e que, caso o “Método do Fracionamento do Lucro” (MFL), previsto no artigo 58º, nº 3, al. b, do CIRC e artigo 9º da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro.


Caso tivesse sido utilizado nas situações em apreço, conforme teria acontecido entre entidades independentes, por inexistência de outro método adequado, nunca resultariam quaisquer royalties a pagar pelo F........ à J........ S ou pelo P........ à J........ S porque são essas sociedades cedentes que suportam todos os riscos e encargos desses ativos intangíveis. Pelo que, a dedução de custos seria nula e os rendimentos das referidas sociedade seriam muito superiores, justificando-se, nos termos do preconizado no artigo 58° do CIRC e na Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro, aos referidos ajustamentos positivos do lucro tributável no montante de € 4.100.273,00 (anexo 16, fls. 44), e no montante de € 5.013.526,00, relativo aos encargos com royalties no exercício de 2003.


Portanto, na prática, o entendimento da AT é o seguinte: não são fiscalmente dedutíveis os encargos suportados em 2003 com royalties - devidos em consequência dos contratos celebrados em 1993 - porque estes foram celebrados entre entidades especialmente relacionadas e violaram o disposto no artigo 58º do CIRC.


Ora, é manifesto que a AT não pode discutir a legalidade de contratos formados e vigentes há uma década. Ou seja, não pode destruir os efeitos fiscais já produzidos em exercícios cujo direito de liquidar os tributos já se encontre caducado.


No entanto, a AT pode obstar à produção dos efeitos fiscais desses contratos no exercício de 2003, não abrangido pela caducidade, se demonstrar a inexistência do invocado direito à dedução dos custos, designadamente por violação do disposto no artigo 58º do CIRC (entende-se que a dedução indevida em anos anteriores não dá o direito de continuar a beneficiar ilegalmente no presente e no futuro).


De facto, nos autos não se discute que existem “relações especiais” entre as referidas sociedades, sendo isso um dado admitido por ambas as partes.


Não resulta dos autos, de maneira alguma, que a AT tenha pretendido efetuar a tributação de atos ou negócios ineficazes, designadamente por os considerar “essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”, caso em que seria de efetuar, nos termos do artigo 38º, nº 2, da LGT, “a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”. A aplicação de tal norma, desconsiderando as formas negociais usadas e tributando de acordo com a norma fraudada, implica a abertura do procedimento especial previsto no artigo 63º do CPPT.


Note-se que a AT não se esforçou, porque não era essa a sua intenção, por identificar os cinco requisitos de aplicabilidade da cláusula geral antiabuso (...) prevista no artigo 38º da LGT:


- a forma usada (ou elemento “meio”) = ato ou negócio escolhido para obter o resultado pretendido;


- a vantagem fiscal e a equivalência económica obtida (ou elemento “resultado”)


- a motivação (ou elemento “intelectual”)


- a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida (elemento “normativo”)


- a efetivação da cláusula (elemento sancionatório).


Tanto a sentença como as alegações da Recorrida concordam que a AT não teve intenção de aplicar a ... do artigo 38º da LGT; simplesmente, defendem que a concreta fundamentação usada pela AT convoca, mais adequadamente em abstrato, para a aplicabilidade da ..., do artigo 38º da LGT, e não para a aplicabilidade da norma que foi efetivamente aplicada, do artigo 58º do CIRC.


A “fundamentação” a que se referem é parte do Relatório em que, para concluir que que as condições praticadas diferem das que seriam praticadas entre entidades independentes, violando assim o Princípio da Plena Concorrência , a AT refere que:


- Não se vislumbrou, por efeito dos contratos, a assunção de qualquer responsabilidade imputável à entidade detentora das marcas - J........ ;


-A J........ não presta qualquer serviço aos sujeitos passivos;


- Demonstra-se inequivocamente que esta entidade não suporta qualquer encargo com as marcas (apenas suporta as amortizações), “pelo que se conclui que não exerce qualquer função quer de rotina, quer associada à detenção quer à valorização de um intangível”;


- Tanto o F........ como o P........ , para além de terem criado as respectivas marcas, mantêm todas as funções e riscos de detenção das mesmas, verificando-se que foram contabilizados por estas entidades, durante o exercício inspeccionado, além dos encargos com publicidade, custos relacionados com a gestão da Marca (v.g., projectos e estudos de marca própria); além disso, o que estava contratualmente estabelecido era um investimento de 0,15% do total da facturação, mas os encargos suportados por estas são bastante superiores (por exemplo, quanto ao F........ , o investimento deveria ser na ordem dos € 977.000,00, mas na verdade foram suportados € 6.042.512,00, correspondente a 0,93% da facturação);


- O negócio assume contornos inexplicáveis, atendendo à desproporção entre o valor recebido pela venda da marca e o valor pago pela sua utilização a título de royalties (cerca de 4 vezes superior);


- A justificação dada para a celebração do negócio, necessidade de tesouraria, é incompreensível face a outras formas de financiamento menos onerosas;


- “(…) comprova-se que não houve qualquer transferência de risco/responsabilidades para a esfera da J........ S, por força do contrato em apreço”;


- Vê-se com muita dificuldade um negócio assim estruturado entre entidades independentes;


- Conclui que “cada um dos L......... em causa, é para todos os efeitos, uma transferência formal e não substancial, ou de facto, da marca F........ e da marca P........ , pois, repetimos, nenhuma entidade independente estaria disposta a suportar encargos de publicidade e gestão da Marca sobre um activo que legalmente não é seu, sem que para tal obtenha uma rentabilidade apropriada”;


- O P........ e o F........ mais não fazem do que o que já faziam enquanto detentores das marcas, com duas diferenças: pagam um royalty, reduzindo a sua rentabilidade; e deixam de ser proprietários da marca.


Ora, se bem se percebe, a sentença recorrida entendeu que tais referências à estrutura do negócio e à repartição do risco, encargos e vantagens do negócio remetem para os acima referidos elementos “meio”, “resultado” e “intelectual” da ....


No entanto, este Tribunal considera que, a ser assim, tal entendimento não está correto.


Na verdade, o artigo 58º do CIRC a que alude a AT correspondia ao artigo 57º na redação vigente em 1993, prevê uma norma especial antiabuso, que sendo muito próxima ou afim da norma geral antiabuso (...), não se pode confundir com esta.


O artigo 57º do CIRC dispunha que as sociedades que se encontrem em “relações especiais”, na aceção do artigo 9º do modelo de Convenção da OCDE, de 1977, destinada a eliminar a dupla tributação, devem negociar entre si como negociariam se tais relações não existissem e como se estivessem em condições normais de mercado, sob pena de a AT ficar autorizada a proceder às correções que se mostrarem “necessárias” para a determinação do lucro tributável real.


São os seguintes os pressupostos das correções a efetuar pela AT:

a. Existência de relações especiais;

b. Tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;

c. O lucro apurado na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência daquelas relações especiais.


De acordo com o artigo 12º, nº 6, das convenções bilaterais para evitar dupla tributação, “Quando, devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo das royalties ou entre ambos e qualquer outra pessoa, o montante das royalties, tendo em conta a prestação pela qual são pagas, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo, na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada Estado contratante, tendo em conta as outras disposições desta Convenção”.


Nos termos desta legislação, ainda incipientemente reguladora, a AT tinha a missão de comparar os valores da operação contabilizada com os correspondentes valores de mercado.


Na falta de outro critério concretamente definido por lei, a AT recorreu à aplicação dos métodos previstos no artigo 58º do CIRC, na redação dada pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, e na Portaria nº 1446/2001, de 21 de dezembro.


Sem prejuízo da bondade desta opção, tendo em conta o relativo vazio legislativo, a verdade é que, além de ser proibida, a aplicação retroativa da lei fiscal gera automaticamente uma grande insegurança jurídica porque o resultado obtido pode facilmente gerar conclusões erradas devido a anacronismo.


Na altura dos factos, as sociedades em causa solicitaram a avaliação das marcas e condições do negócio, ao preço de mercado, que foi efetuada por sociedade independente, especializada em auditoria internacional, que levam a crer que não houve qualquer distorção gerada pela existência das relações especiais.


De acordo com o referido artigo 58º do CIRC, na escolha do método que assegure o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efetua e outras substancialmente idênticas, os sujeitos passivos devem ter “em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco”.


O nº 3 do mesmo dispositivo apresenta três métodos que devem ser escolhidos pela ordem indicada [al. a)] – método do preço comparável de mercado, método do preço de revenda minorado ou método do custo comparado - e outros aplicáveis quando aqueles não possam ser aplicados [al. b)] – método do fracionamento do lucro, método da margem líquida da operação ou outro.


Por um lado, a violação dessa imposição legal na escolha dos métodos pode determinar a ilegalidade dos efeitos fiscais do negócio ou a ilegalidade das correções a esses efeitos e, por outro, a aplicabilidade desses métodos depende dos termos a fixar em portaria a publicar, nos termos do nº 13, que era a Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro.


De acordo com o artigo 4º, nº 2, da referida Portaria “Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis”.


O nº 3 acrescenta que “[d]uas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptívies de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas”.


O artigo 5º do mesmo diploma, com epigrafe “Factores de comparabilidade”, dispõe que “Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:


a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;


b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;


c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;


d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;


e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;


f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.”.


Portanto, o primeiro método desejavelmente utilizado é o “método do preço comparável de mercado”, por ser, em abstrato, nos termos do artigo 58º, nº 1, al. a), do CIRC, o método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.


De acordo com o artigo 6º, nº 2, da Portaria, este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:


a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;


b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.


De acordo com o artigo 9º da Portaria, “1 - O método do fraccionamento do lucro é utilizado para repartir o lucro global derivado de operações complexas ou de séries de operações vinculadas realizadas de forma integrada entre as entidades intervenientes.


2 - A modalidade de aplicação do método admitida consiste em determinar o lucro global obtido pelas partes intervenientes nas operações vinculadas e, de seguida, proceder ao seu fraccionamento entre aquelas entidades, tendo como critério o do valor relativo da contribuição de cada uma para a realização das operações, considerando para esse efeito as funções exercidas, os activos utilizados e os riscos assumidos por cada uma e, bem assim, tomando como referência dados externos fiáveis que indiquem como é que entidades independentes exercendo funções comparáveis, utilizando o mesmo tipo de activos e assumindo riscos idênticos teriam avaliado as suas contribuições.


3 - Em alternativa, é admitida outra modalidade de aplicação do método, a qual consiste no fraccionamento do lucro global das operações em duas fases:


a) Na primeira, a cada uma das entidades intervenientes é atribuída uma fracção do lucro global que reflicta a remuneração apropriada susceptível de ser obtida com o tipo de operações que realiza, determinando-se a partir de dados comparáveis sobre as remunerações normalmente obtidas por entidades independentes quando realizam operações similares e tendo em consideração as funções exercidas, os activos utilizados e os riscos assumidos, podendo ser usado, para este efeito, qualquer dos restantes métodos;


b) Na segunda, procede-se ao fraccionamento do lucro ou do prejuízo residual entre cada uma das entidades, em função do valor relativo da sua contribuição, tendo em conta as funções relevantes exercidas, os activos utilizados e os riscos assumidos e recorrendo, para o efeito, à informação externa disponível que forneça indicações sobre o modo como partes independentes repartiriam o lucro ou o prejuízo em circunstâncias similares, sendo o lucro assim atribuído utilizado para determinar o preço.


4 - Este método pode ser utilizado sempre que:


a) As operações vinculadas revelem um elevado grau de integração, tornando difícil avaliar as operações de forma individualizada;


b) A existência de activos incorpóreos de elevado valor e especificidade torne impossível estabelecer um grau apropriado de comparabilidade com operações não vinculadas e não permita a aplicação dos restantes métodos.”


Do exposto resulta que, ao contrário do referido na sentença recorrida, a fundamentação da AT é adequada a justificar a aplicação, que visava, da norma especial prevista no artigo 57º (atualizado para artigo 58º) do CIRC, e não a norma geral prevista no artigo 38º da LGT.


Por outro lado, a sentença recorrida considerou que o que é posto em causa é sobretudo a substância económica da operação de venda e licenciamento das marcas, e não verdadeiramente o “preço de mercado” (no qual, diga-se, aquela alegada falta de substância tem reflexo, já que se chega à conclusão de que esse preço é nulo) e que a fundamentação de facto da AT é abstractamente capaz de demonstrar a ineficácia, para efeitos fiscais, dos negócios jurídicos em apreciação.


Ora, embora reconhecendo que isso poderá não ser evidente, este Tribunal considera que em momento algum a AT tentou pôr em causa a substância dos negócios, celebrados em 1993, cuja validade material expressamente admite. Muito diversamente, a AT limita-se a pôr em causa o direito à dedução dos custos inerentes aos royalties contabilizados em 2003.


Além disso, diversamente do entendimento manifestado na sentença recorrida, a AT nunca refere que a transmissão das marcas se traduziu numa transmissão de preço nulo, que era uma transmissão gratuita (a AT nem sequer disse que o valor das royalties efetivamente pago é nulo). Pelo contrário, a AT reconhece a existência da transmissão material e não põe em causa o respetivo preço nem a natureza onerosa da operação.


A AT disse apenas que, na sua perspetiva, não foram observadas as regras de mercado em plena concorrência (designadamente o equilíbrio de prestações e de partilha de custos, riscos e obrigações) e que, caso tivesse sido cumprida a lei (artigo 58º do CIRC), não haveria obrigação de pagar qualquer montante a título de royalties e, portanto, as deduções fiscais a efetuar relativamente a esses encargos seriam nulas.


Isso porque, segundo a maneira de ver que consta do Relatório de inspeção, e conforme admitido na sentença recorrida, “cada um dos L......... em causa (e anterior cessão das marcas), é para todos os efeitos, uma transferência formal e não substancial, o que é demonstrado, por um lado, pelo facto de as sociedades portuguesas F........ e P........ continuarem a promover as respectivas marcas, a publicitá-las, a desenvolvê-las, a gerir e a assumir o risco comercial da sua utilização, tudo atribuições ou responsabilidades que deveriam pertencentes ao detentor dos activos e, por outro lado, que a J........ não suporta quaisquer encargos com a posse e gestão dos referidos activos – cfr. alíneas AA), BB) e CC) do probatório”. A prova de que, não obstante o que acima ficou dito, a AT não discute verdadeiramente a efetividade da transmissão material, é que logo em seguida o Relatório de inspeção afirma o seguinte (que a sentença omite): “Verifica-se, assim, que tanto o F........ , como o P........ para além de ter criado as respectivas marcas, mantêm todas as funções e riscos de detenção das mesmas, nomeadamente as funções de valorização da marca e risco comercial, conservando, assim, a detenção de facto das mesmas. (…) Assim, pela alienação da marca F........ e da marca P........ à J........, não foi transferido qualquer risco inerente à sua posse. O F........ e o P........ continuam a promover as respectivas marcas, a publicitá-las, a desenvolvê-las e a assumir o risco comercial da sua utilização, tudo tarefas, ou se quisermos, atribuições/responsabilidades de quem detém os activos: a J........ S, que não suporta quaisquer encargos com a posse dos referidos activos, conforme foi possível constatar pela análise às contas desta sociedade, nem tão pouco possui estrutura para suportar os riscos e funções de detenção legal e de facto das mesmas.”.


Ou seja, a AT afirma apenas que, na sua perspetiva (certa ou errada), as sociedades F........ e P........ continuaram a ser “detentoras de facto” das marcas cedidas, apesar da transmissão formal e jurídica das respetivas marcas.


O Tribunal considera que este segmento da fundamentação, pela sua relativa falta de relevância, não é bastante para sustentar a conclusão, retirada na sentença recorrida, para desconsiderar todo o restante esforço argumentativo da AT, sendo certo que a fundamentação do ato deve ser interpretada, no seu conjunto, não apenas no sentido literal de algum dos seus fragmentos isoladamente considerados, mas de acordo com o sentido geral atribuído pelo seu autor e que seja suscetível de ser entendido por qualquer bonus pater famílias que fosse colocado na concreta circunstância do destinatário daquele ato administrativo.


Identicamente, no caso concreto, a AT não pretendeu recorrer ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, quanto aos contratos efetuados em 1993. A AT visou apenas averiguar a conformidade fiscal dos custos contabilizados em 2003 com as normas relativas às operações entre entidades que têm entre si “relações especiais”, nos termos do artigo 57º (ou 58º) do CIRC.


De facto, enquanto o artigo 38º da LGT se destina a tributar vantagens fiscais ilícitas, que as empresas em causa nos presentes autos não obtiveram, o artigo 57º (ou 58º) do CIRC destina-se, também no caso concreto, a combater a transferência dos lucros, de empresas portuguesas para empresa estrangeira, situada em jurisdição com tributação bastante mais favorável (Suíça). Ora, toda a fundamentação da AT vai no sentido de evitar essa transferência, e não de tributar qualquer vantagem (que as empresas portuguesas em causa não tiveram) obtida por meios artificiosos. A motivação da tributação concretamente efetuada é, claramente, a existência de relações especiais acompanhada do incumprimento do dever de negociar como se as partes intervenientes fossem empresas independentes agindo em condições de mercado em plena concorrência.


Auditando os referidos contratos designados “L.........”, a AT concluiu que não existe equivalência/equilíbrio na partilha dos custos e vantagens ou benefícios entre as partes envolvidas.


A Recorrida impugnante alega que o juízo da AT padece de erro na parte em que considerou que os negócios violaram as regras de mercado em plena concorrência, pelo que são ilegais as correções efetuadas ao abrigo do artigo 58º do CIRC, dado que não se verificam alguns dos requisitos legais para tal tributação (cfr. pág. 11 e seguintes das contra-alegações).


A Recorrida considera que a legitimação para tributar nos termos do artigo 58º do CIRC depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:


i) existência de relações especiais;


ii) estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre partes independentes;


iii) verificação de nexo de causalidade entre o estabelecimento dessas condições e o apuramento de um lucro diverso daquele que se apuraria na sua ausência.


É pacifico que se verifica a primeira condição, mas litiga-se quanto às restantes (parte final de pág. 11 das contra-alegações).


Uma vez que a sentença recorrida julgou procedente a impugnação com o fundamento acima analisado, absteve-se de conhecer as questões subsidiárias, referentes ao método de determinação do preço de mercado e à fundamentação exigível, por considerar que as mesmas ficavam prejudicadas.


Por isso, impõe-se, agora, que este Tribunal conheça essas questões, em substituição do Tribunal de 1ª instância, nos termos do disposto no artigo 665º, nº 2, do CPC.


Resulta do facto H do probatório que a AT fundou a sua decisão de fazer as correções impugnadas, considerando que entre as sociedades F........ e P........ e a sociedade J........ foram estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, nos seguintes factos:


i) - as sociedades F........ e o P........ cederam um bem que era seu (a respetiva marca) por um prazo de 30 anos, mediante uma retribuição cujo valor era amortizável em cinco anos, face ao montante pago anualmente em royalties;


ii) - tanto a sociedade F........ como a sociedade P........ continuaram a deter, de facto, a cargo da sua esfera jurídica e económica, os custos associados à gestão, valorização e desenvolvimento das respetivas marcas, bem como, todos os riscos a estas inerentes, em manifesto desequilíbrio com os benefícios retirados por ambas as partes do negócio;


traduzindo, tudo isso, uma transferência de custos para as empresas portuguesas e dos correspondentes proveitos (royalties) para a empresa líder do mesmo grupo localizada na suíça, país que tem, como é público e notório, uma das mais baixas taxas de imposto sobre o rendimento do mundo (a pág. 13 das suas contra-alegações, a recorrida reconhece expressamente que “a jurisdição em que se situa a sede do adquirente é das que melhor trata (ou tratava) o tipo de activos transaccionado no caso concreto”).


Quanto ao primeiro facto, a Impugnante recorrida alega não ver por que razão não estariam partes independentes dispostas a participar num negócio pelo qual duas sociedades alienam um determinado ativo intangível a um preço que consideram (a sugestão de peritos independentes) corresponder ao seu valor justo, e uma outra o adquire, permitindo o encaixe financeiro imediato de montante considerável.


Crê-se que a AT respondeu a isso dizendo, não que o preço fixado (apenas) para as marcas é injusto, mas que o negócio seria globalmente inaceitável entre partes independentes, apenas na parte em que os contratos de “L.........” preveem, e a prática confirma, um anormal desequilíbrio de funções, encargos e vantagens que cabem a cada uma das partes, em claro benefício da sociedade adquirente, localizada na suíça.


De facto, é possível o entendimento de que, independentemente de a avaliação do preço de mercado das marcas F........ e P........ poder ser considerado justo, facto que não está controvertido, o negócio global, tal como ele subsiste em 2003, pode estar desequilibrado por causa das outras condições que foram fixadas, a posteriori e com efeitos retroativos a 31.12.1993, nos “L.........s, que na perspetiva da AT, são “pactos leoninos” a favor da sociedade estrangeira, no sentido de que atribuem todas as vantagens apenas a uma das partes do negócio e todas as desvantagens à outra parte. Ou seja, a AT entende que a aceitação de tal acordo só se justifica pela relação especial de dependência que existe entre essas partes, dado que a normalidade da vida dita, necessariamente, que tal pacto seria inaceitável se as partes fossem independentes.


Assim, a questão que agora se coloca é a de saber se tal os L......... são, efetivamente pactos leoninos ou, pelo menos, se são de tal modo desequilibrados que se terão de considerar inaceitáveis em condições normais de mercado.


Acerca disso, nas suas contra-alegações, a recorrida refere que “a AT não pode deixar de reconhecer às sociedades F........ e P........ um irrenunciável direito à livre administração dos seus interesses e à livre conformação das respectivas estratégias de gestão, não lhe sendo lícito julgar – pelo menos, não por este meio e com estas consequências – a opção daquelas empresas pela celebração de um contrato de cessão onerosa das marcas seguido de um contrato de licença de utilização das mesmas.


Com efeito, não sendo, porém, verdade que dos contratos em análise não resultam quaisquer ónus ou responsabilidades para a J........ – da celebração dos referidos acordos resulta, para aquela sociedade, a impossibilidade de controlo directo da susceptibilidade de valorização ou desvalorização dos activos cuja utilização licencia e ainda o ónus da sua conservação no activo não obstante a existência de eventuais ofertas do mercado no sentido da sua aquisição – ou que dos mesmos não resultam quaisquer benefícios para as sociedades F........ e P........ –, da celebração dos referidos acordos resulta a vantagem económica inequívoca de prossecução das respectivas actividades sem alteração das respectivas insígnias.


Aliás, o estudo realizado pela empresa de consultadoria independente E...... & Y........ é, a este nível, francamente elucidativo. Se, por um lado, o referido estudo conclui pela existência de, pelo menos, quatro acordos de licenciamentos potencialmente comparáveis com os contratos de licenciamento em análise, através da utilização das bases de dados ... e ...; por outro lado, conclui pela adequação da taxa de royalties de 0,6% e pela adequação da transacção em análise dentro dos parâmetros de mercado.


Por tudo o que ficou exposto, parece não restarem dúvidas de que os termos e condições contratados entre as sociedades F........ e P........ e a sociedade J........ correspondem àqueles que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, não sendo própria a aplicação ao caso do artigo 58º do CIRC, o que constitui um vício flagrante do acto tributário ora impugnado, o que se invoca.


Sem conceder quanto ao vício de violação de lei invocado, traduzido no erro sobre os pressupostos de aplicação do artigo 58º do CIRC, não pode aceitar-se que outro motivo, para além do puro equívoco, tenha estado na origem da aceitação da opção da AT pelo Método do Fraccionamento do Lucro, para efeitos da correcção do preço da operação em apreço.”.


Sabe-se que a existência e validade dos negócios dependem da vontade e da liberdade negocial das partes (artigos 398º e 405º do CC). As partes são livres de negociar ou de não negociar e de o fazer nos termos acordados por ambas, apenas com as limitações previstas na lei. Portanto, o Estado não deve envolver-se nos negócios entre privados, senão no uso da sua função fiscalizadora e nos estritos termos da lei.


Assim, se as partes são livres e independentes, buscam geralmente o negócio que consideram ser o melhor para si, independentemente das vantagens ou desvantagens que o mesmo acarretar para a outra parte. Porém, como ambas têm o interesse de obter o máximo ganho, a repartição de custos e benefícios tende a ser equilibrada, nunca leonina.


No caso concreto, o contexto factual era o seguinte:

a. – A Impugnante é a sociedade líder em Portugal de um grupo societário que em 1993 fez elevados investimentos, designadamente na compra do grupo I........, cujas lojas passaram a usar a insígnia F........ , e as lojas M........, do grupo ..., que passaram a usar a insígnia P........ – relatório de inspeção referido nos artigos 2º e 4º da p.i. e Doc. 1 anexo;

b. Nessa ocasião, em 1993, as insígnias F........ e P........ foram vendidas à sociedade J..., SGPS (J........ S), com sede na Suíça, detida maioritariamente (51%) pela sociedade ..., por sua vez detida (99,9% pela sociedade J........, SGPS, SA – artigo 244º da p.i., doc. 15 e 16 anexos e facto X do probatório;

c. Os preços dessas transmissões foram avaliados e estudados por respeitáveis sociedades de auditoria de renome mundial, segundo critérios valorimétricos que a AT nem sequer refere - doc. 14, 18 e 22 anexos à p.i. e facto PP do probatório corrigido;

d. Não se discute a existência e regularidade dos pagamentos dos referidos preços, nem a efetividade da contabilização e declaração dos respetivos proveitos reportados a 1993.


Assim, uma das partes, as sociedades portuguesas, era titular de um ativo intangível (marcas), cujos custos de criação e valorização já tinham suportado, e cederam-no a uma sociedade estrangeira, com sede na suíça, mediante um preço considerado justo, arbitrado por peritos independentes, cujo quantitativo e método de apuramento não estão sob discussão (documentos 15 e 16 anexos à p.i. e facto X do probatório e doc. 17, 18 e 22 anexos à p.i.).


Posteriormente, entre as mesmas partes, foi celebrado um contrato de cedência do uso das marcas, no qual se estipulam as condições da continuidade do uso das marcas pelas sociedades que no contrato inicial as venderam (doc. 19 e 20 anexos à p.i. e facto Y e Z do probatório).


Esses contratos determinam que, para poderem usar as marcas em causa, as empresas portuguesas terão de pagar à empresa suíça, agora a dona das marcas, uma retribuição que consiste em determinada percentagem das respetivas e de fazer investimentos na publicidade da marca no montante equivalente a determinada percentagem da sua faturação anual (cfr. Facto H do probatório).


Ora, sendo assim, é manifesto que tal contrato de cessão de uso de licenças, designado “L.........”, não se enquadra no conceito de “acordos de repartição de custos” aludidos do artigo 11º da referida Portaria. Esses acordos, também designados “co-sharing agreements” (1)são contratos celebrados entre empresas integrantes de um grupo, nacional ou internacional, e têm o objetivo de disciplinar o modo como devem ser rateados entre elas os custos das atividades desenvolvidas apenas por uma ou umas, mas que a todas beneficiam de um modo não individualizado. No caso de grupos internacionais, esses contratos têm o objetivo de assegurar que as relações patrimoniais entre empresas associadas domiciliadas em diversos estados, sejam, para efeitos fiscais, equivalentes às que seriam estabelecidas entre empresas independentes, atuando em condições análogas, de harmonia com a cláusula “dealing at arm´s lenght”. Os acordos de “co-shering” ou ARC podem divergir em duas modalidades principais: os acordos de prestações de serviços intragrupo e os acordos de partilha de custos.


Esta última modalidade de ARC, também designada acordo de contribuição para os custos ou “cost-contribution agreement” ou CCA, é aquela que especificamente se encontra prevista no artigo 11º da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro, segundo o qual “1 - Há acordo de partilha de custos quando duas ou mais entidades acordam em repartir entre si os custos e os riscos de produzir, desenvolver ou adquirir quaisquer bens, direitos ou serviços, de acordo com o critério da proporção das vantagens ou benefícios que cada uma das partes espera vir a obter da sua participação no acordo, nomeadamente do direito a utilizar os resultados alcançados em projectos de investigação e desenvolvimento sem o pagamento de qualquer contraprestação adicional.”


Ora, como se disse, este Tribunal considera que os referidos “L.........”, concretamente celebrados no caso dos autos, não configuram os “cost-contribution agreement”, relativos aos preços de transferência, referidos na dita Portaria, dado que no caso concreto não há qualquer comunhão de investimentos cujos custos e riscos devam ser repartidos intragrupo, sem prejuízo de, como todos os contratos entre partes independentes, também este pressupõe a existência de “uma relação de equivalência entre o valor da contribuição imposta a cada uma das partes no acordo e o valor da contribuição que seria imposta ou aceite por uma entidade independente em condições comparáveis” (nº 2 do artigo 11º da referida Portaria) e que “A quota-parte nas contribuições totais que é da responsabilidade de cada participante deve ser equivalente à quota-parte que lhe for atribuída nas vantagens ou benefícios globais resultantes do acordo” (nº 3 do mesmo artigo).


Na verdade, os concretos “L.........” são as condições contratuais referentes aos contratos de licença ou de cedência do uso das marcas F........ e P........ .


O “L.........” em causa nos autos (muito parecido com o “contrato de insígnia”) consiste num acordo em que o proprietário de uma marca ou nome comercial (licenciante) concede a outra parte (licenciada) permissão para usar a marca ou nome em produtos, serviços ou negócios específicos, mediante retribuição (royalties) e outras obrigações acessórias de proteção e promoção da marca.


Do ponto de vista da empresa proprietária e licenciante, a aquisição de marcas para cedência da respetiva insígnia é uma estratégia empresarial legítima, que visa o lucro e expansão da visibilidade da empresa ao mesmo tempo que evita a caducidade do registo da marca por falta de uso.


Em regra, o Estado não pode intrometer-se com o argumento de que o negócio é mau ou mesmo ruinoso para uma das partes e, com isso, proceder algum tipo de revalorização, designadamente para efeitos fiscais.


Porém, essa regra sofre uma grande exceção em todos os casos de comprovada fraude.


Além disso, essa regra não se aplica nesses termos tão abrangentes aos casos em que as partes não são livres e independentes, como é o caso em que entre as partes contrárias existem relações especiais, na aceção do nº 4 do artigo 58º do CIRC.


Nesses casos, as condições do negócio devem ser idênticas àquelas que as partes teriam fixado em condições normais de mercado, como se não existissem as referidas condições especiais, isto é, se tivessem plena liberdade negocial.


Essas condições de mercado aferem-se, em caso como o dos autos, pela independência do critérios fixados na constituição dos contratos ou pelo equilíbrio das contribuições de ambas as partes como seriam se não existissem tais relações especiais de dependência. Não havendo essa independência e equilíbrio, a AT fica legitimada para proceder às correções positivas ao lucro das sociedades anormalmente prejudicadas.


Para aferir a existência desse equilíbrio de vantagens e desvantagens de cada parte, o artigo 58º, nº 3, do CIRC aponta os métodos de comparabilidade que devem ser usados, dando-se a primazia, sempre que possível, ao método do preço comparável de mercado.


Como se disse, uma vez que os contratos em causa foram celebrados em 1993, num contexto de forte investimento na expansão das lojas – que se sabe ter levado ao enorme crescimento do grupo J........ – é natural que a administração tenha decidido trocar a propriedade das marcas por uma forte entrada de capitais, que seria imediata, em troca de suportar, espaçadamente no tempo, o pagamento de royalties para retribuir a continuidade da utilização dessas marcas.


Por um lado, tendo os negócios sido objeto de avaliação e validação externa, por insuspeitas sociedades de auditoria (I........, .... e ... – cfr. doc. 14, 18 e 22 anexos à p.i.), cuja independência e imparcialidade não estão impugnadas, não pode a AT emitir qualquer juízo de valor acerca da racionalidade da escolha do método de financiamento.


Não discutindo a imparcialidade das sociedades de auditoria e o rigor das avaliações efetuadas, está vedado à AT, designadamente, alegar que haveria outros meios de financiamento mais vantajosos do que esta espécie de “lease-back” em causa nos autos.


Portanto, verificando-se que o negócio de cedência definitiva das marcas é válido e o preço é justo, de acordo com as regras do mercado que vigoravam em 1993, deve reconhecer-se que é legitimo celebrar, de imediato, os contratos de licença de uso das marcas, mediante retribuição (royalties), pressupondo que esse contrato também é justo.


Esse novo contrato de cedência do uso das marcas para exploração comercial de lojas padronizadas, quanto à insígnia, à estrutura comercial e forma de gestão, está próximo do contrato de insígnia ou do de franquia, mas difere dele porque não está em causa o controlo sobre o modo como a atividade é exercida nem qualquer obrigação de assistência na atividade comercial retalhista exercida pelos utilizadores da marca, embora, como na franquia, a retribuição (royalties) corresponda a 0,6% do preço das mercadorias vendidas anualmente.


Assim, nos termos dos artigos 74º e 79º e ou dos artigos 141º e 143º do CPI vigente na altura dos factos, este Tribunal entende que, na origem dos royalties, estão em causa contratos de licença de exploração de marcas comerciais, pelo qual o cedente (J........ S) cede ao cessionário (P........ e F........ ) o direito de usar, como suas, as respetivas marcas ou insígnias (pelo período de 30 anos).


Portanto, cabia à AT averiguar a existência de outros contratos idênticos, celebrados entre entidades independentes, e verificar se as condições ali praticadas são idênticas ou se são muito mais “equilibradas” do que aquelas que estão em causa nos presentes autos.


O próprio estudo do negócio, efetuada pela sociedade de auditoria ..., conclui pela existência de pelo menos quatro acordos de licenciamento potencialmente comparáveis com os contratos de licenciamento em causa, verificado através da base de dados ... e ... (artigos 262º, 347º e 348º da p.i. e doc. 22 anexo).


Por outros lado, sabendo-se que existem no mercado inúmeros “contratos de insígnia”, de franchising ou de franquia celebrados entre empresas totalmente independentes, afigura-se que seria muito fácil usar este método e fazer a comparações com a estrutura e natureza dos contratos idênticos que as empresas independentes costumam celebrar entre si e determinar possíveis divergências grosseiras apenas justificáveis pela existência de relações especiais. A adaptação às eventuais diferenças contratuais detetadas encontra-se regulada no artigo 6º, nº 3, da Portaria.


Na falta de outro, esse era o método mais apto para fazer a comparação pretendida.


Diversamente, a AT entendeu que o método comparativo deveria ser afastado e que seria de aplicar o método do fracionamento do lucro, o qual, conforme resulta do artigo 58º, nº 3, al. b), do CIRC apenas será de usar quando os métodos referidos na alínea anterior não puderem ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável de comparabilidade com os termos e condições que seriam negociados em condições de mercado em plena concorrência. Além disso, o método usado pela AT também não dispensava algum grau de comparabilidade entre o lucro global obtido pelas partes intervenientes nas operações vinculadas e o valor relativo da contribuição de cada uma para a realização das operações, considerando para esse efeito as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos por cada uma e, bem assim, tomando como referência dados externos fiáveis que indiquem como é que entidades independentes exercendo funções comparáveis, utilizando o mesmo tipo de ativos e assumindo riscos idênticos teriam avaliado as suas contribuições (artigo 9º, nº 2, 3 e 5, parte final, da Portaria nº 1446-C/2001).


Como se viu, este Tribunal considera que a AT errou nessa opção, afigurando-se que esse erro resulta do facto de não ter identificado adequadamente a natureza e conteúdo dos contratos de “L.........” em causa nos autos, qualificando-os como contratos de difícil comparabilidade direta, em vez de os qualificar como verdadeiros contratos de licença de exploração de nome de estabelecimento ou de marcas comerciais, previsto no Código de Propriedade Industrial.


Ora, não tendo sido posta em causa a existência e validade dos contratos de cedência dos ativos em causa, é absolutamente natural que o titular do respetivo registo cobre royalties pelo uso comercial, por outrem, dos ativos de que é legítimo proprietário, pelo que, o direito a royalties basta-se com essa titularidade e com um contrato de licenciamento, factos, aliás, dados como provados, não sendo de atender a qualquer consideração de substância, designadamente se a marca foi ou não desenvolvida pelo titular ou se este conduz ou não a algumas operações de natureza económica concernentes à promoção ou desenvolvimento da mesma.


Além disso, o facto de o montante dos royalties pagos em apenas 6 anos corresponder ao preço de venda das respetivas marcas não “prova”, por si só, um desequilíbrio contratual inaceitável entre partes independentes, dado que tal facto não leva em conta às vantagens financeiras decorrentes do recebimento imediato da totalidade do preço de venda dos ativos, traduzidas, designadamente, no aproveitamento de possível chance de negociar e de lucros gerados pelo investimento desses montantes, nem atende a que o montante dos royalties corresponde a apenas 0,6% das vendas anuais, que é, portanto, um esforço financeiro irrisório.


Provada a normalidade do direito a royalties, ficava a Recorrida impugnante dispensada de provar o carácter não exagerado dos mesmos, dada a alternatividade desses elementos.


De qualquer maneira, tendo em conta que se trata de marcas já antigas, com história e reconhecimento público, é natural que, numa sociedade como a de hoje, em que a marca tem um carácter cada vez mais distintivo do produto, aquelas valham muito, independentemente da forma como foram adquiridas. A remuneração não pode, por conseguinte, ser aquilatada em função dos encargos inerentes à “aquisição” (que, hipoteticamente, podem até ser zero, porque em datas próximas da sua formação as marcas/insígnias têm por regra um valor-custo incomensuravelmente menor).


Quanto aos custos de publicidade, é possível e comum ser a empresa comercializadora a suportar os encargos com a promoção e desenvolvimento, por esta ser também do seu interesse, importando salientar que é prática normal no setor competir à licenciada a promoção e publicidade dos produtos. Até porque, como refere a impugnante, não se deve confundir os gastos em marketing destinado à promoção da marca, inerentes aos contratos em causa, com os gastos em ações de promoção das vendas de determinados produtos a preços mais reduzidos, relacionados em primeiríssima linha com a estratégia comercial do retalhista.


Deste modo, nada habilita a concluir que os royalties são de montante exagerado.


De tudo se concluindo que, perante operações efetivas, reais e não artificiais ou simuladas, os pagamentos de royalties consubstanciam remunerações da utilização das marcas, pelo que não têm um carácter anormal.


Além disso, a AT já teve outras oportunidades de fiscalizar a situação em causa, que se reporta ao ano 1993, e nunca, até à ação de inspeção em causa nos autos, efetuada no ano 2007, questionou o direito à dedução (facto QQ do probatório retificado).


Assim, por tudo o exposto, o Tribunal concede provimento ao recurso da Fazenda Pública e, em substituição, julga procedente a impugnação, nessa parte.


*


D) – Do erro de julgamento quanto às correções por quebras de existências de bens, provocadas por diferenças de inventário:


A Recorrente Fazenda Pública formulou as seguintes conclusões:


«VIII – Quanto às correcções referentes à desconsideração fiscal dos custos suportados pelo P........ e F........ com as quebras de existências de bens por “diferenças de inventário.”, mostram-se elas plenamente justificadas, dado que não foi feita qualquer prova do abate dos bens ou da causa que conduziu à sua obsolescência ou inutilização.


IX – Ora, neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pelas sobreditas sociedades são meras presunções ou suspeitas, pelo que estes valores contabilizados como “diferenças de inventário”, acabam por reflectir o valor dos bens que deram entrada em armazém e que não foram registados como proveitos do exercício, sendo que, também não constam do valor de existências finais porque não foram objecto de contagens físicas aquando da realização dos inventários.


X – Estamos assim perante bens para os quais as sociedades não lograram identificar o respectivo destino.


XI – Estando assim perante valores que afectaram negativamente o valor das existências e positivamente o custo de vendas do exercício de cada uma das referidas sociedades, em virtude de não existirem elementos justificativos do destino dado a esses bens e de assim os sujeitos passivos não terem comprovado a indispensabilidade dos custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da sua fonte produtora nos termos do art.º 23º do CIRC, não se poderá aceitar a sua dedutibilidade fiscal, motivo pelo qual deverá a presente correcção ser mantida na ordem jurídica


Sobre esta questão, a sentença recorrida considerou o seguinte:


«Correcção no montante de € 13.760.609,67, referente à desconsideração fiscal dos custos suportados pelo P........ e F........ com as quebras de existências de bens por “diferenças de inventário”


A AT fundamenta a correcção, em síntese, no facto de os valores registados como “diferenças de inventário”, dada a sua natureza, não poderem relevar para efeitos fiscais, na medida em que a sua contabilização como custo visa apenas justificar diferenças entre o stock físico e o contabilístico, para as quais o P........ e F........ deveriam ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que minimizassem este tipo de divergências. Acresce que a dedutibilidade fiscal de um custo depende da prova do destino dado aos bens, neste caso o abate dos mesmos ou da causa que conduziu à sua obsolescência ou inutilização. Trata-se de bens para os quais a empresa não conseguiu identificar o seu destino, o que torna inviável a comprovação e aceitação como custo fiscal da contabilização efectuada, ou seja, em virtude de não existirem elementos justificativos do destino dado a esses bens, os sujeitos passivos não comprovam a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora, nos termos do artigo 23° do CIRC.


A Impugnante vem alegar, em síntese, e em primeiro lugar, o vício de falta ou insuficiente fundamentação (formal) do acto de liquidação, referindo que não é possível retirar, concludente e fundadamente, os motivos da liquidação ou as disposições legais que se consideram violadas e, bem assim, a justificação dada não é clara, nem suficiente, nem congruente, sendo inaceitável a solução a que se chega. Em segundo lugar, aponta o vício de falta de fundamentação legal, por ilegalidade da convocação do artigo 23º do CIRC para proceder à correcção em questão, o que implica a violação do princípio da tributação pelo lucro real. Além disso, é violador do princípio da justiça desconsiderar um custo que é indissociável e indispensável ao exercício da actividade de venda a retalho. Por último, invoca o erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que, ao contrário do que refere a AT, trata-se de fenómeno relativamente ao qual não é possível identificar o destino dado aos bens e é implícito na actividade retalhista; por outro lado, os valores de quebras são razoáveis e normais atenta a realidade europeia e, principalmente, são seguidos pelas sociedades os procedimentos recomendados para minimização dos efeitos da quebra de mercadorias, havendo um rigoroso controlo interno.


Apreciando.


Iniciando a apreciação integrada pelos vícios indicados em segundo e terceiro lugar –vícios materiais, cuja procedência determina mais estável ou eficaz tutela dos interesses da Impugnante, conforme alínea a) do nº 2 do artigo 124º do CPPT – diremos que resulta evidente, da prova efectuada nos autos, que a correcção não se poderá manter.


Efectivamente, como se demonstra pela alínea FF) do probatório, além das regras de experiência comum, a quebra de existências – as justificadas e as não justificadas, que apenas se identificam aquando dos procedimentos de inventariação (resultantes das diferenças de inventário) –, são um fenómeno normal e transversal ao sector do comércio a retalho, são um risco (reconhecido) associado ao próprio negócio da grande distribuição e das grandes superfícies, no âmbito do qual actuam as sociedades F........ e P........ , pelo que necessariamente estes custos têm enquadramento no princípio da indispensabilidade a que se refere o artigo 23º do CIRC.


Tanto assim é que corroboram este entendimento não só estudos nacionais e internacionais sobre o sector, como também a própria AT o veio a declarar expressamente, por despacho de 15.06.2009 – cfr. alíneas EE) e KK) do probatório, respectivamente.


A carência de comprovação do destino dos bens, neste caso, não pode motivar a conclusão de que não se encontra comprovada a indispensabilidade do custo, não podendo, ademais, justificar de per si a não dedutibilidade do custo para efeitos fiscais.


Refere ainda a AT, a este respeito [alínea KK] que um sistema organizativo de inventariação de stocks dispensa a elaboração de autos de destruição e de abate, não sendo também de exigir participações à polícia por furtos contra desconhecidos, nem de exigir apólices de seguros – documentação exigida pela AT em sede de inspecção.


Ora, considerando o sistema implementado e adoptado pelo P........ e F........ – como decorre das alíneas II) e JJ) do probatório – é de concluir que o mesmo é adequado, apto e conforme às exigências da AT, de modo a permitir a dispensa de elaboração/obtenção de comprovativos de destino dos bens.


Com efeito, as exigências documentais da AT (cuja falta ou incumprimento justificou a correcção) revelam-se manifestamente excessivas e até abusivas – como a própria AT o reconhece – carecendo, pois de legitimidade, para proceder à desconsideração do custo em causa, com base na de falta de comprovação do destino dos bens.


Mas mais:


Conforme aclara a AT – despacho de 15.06.2009, com o qual concordamos, sem reserva, por se demonstrar conforme à lei e aos princípios que enformam o direito –, a aceitação como custos sempre dependerá (i) da existência de sistemas de controlo implementados para minimizar os furtos/quebras e (ii) da demonstração que tais quebras se situam dentro dos limites razoáveis.


Mas também quanto aos referidos requisitos, a Impugnante logrou fazer prova, se não vejamos:


(i) No que concerne aos sistemas de controlo: resulta provado pelas alíneas HH); II) e JJ) do probatório, que foram várias as medidas preventivas e correctivas implementadas com o objectivo de minimizar as quebras, além do sistema organizativos e procedimentos e verificação já existentes;


(ii) Quanto à razoabilidade da quantificação:


- P........ :


Apresentando um volume de negócios, em 2003, de € 938.871.000,00 [cfr. alínea DD) do probatório], e sendo o montante do custo que se pretende desconsiderar/corrigir de € 7.188.310,30, tal representa 0,77% do volume de negócios;


- F........ :


Registando, em 2003, um volume de negócios de € 745.331.000,00 [cfr. alínea DD) do probatório], e sendo o montante do custo que se pretende desconsiderar/corrigir de € 6.572.299,37, tal representa 0,88% do volume de negócios;


Donde se conclui que os referidos rácios se encontram não só abaixo da média europeia (1,42% do volume de negócios, em 2001; 1,24%, em 2006), como consideravelmente abaixo da média registada em Portugal para quebras no sector (1,38% em 2001; 1,34% em 2006) – cfr. alínea EE) do probatório – estando, pois cumprido tal requisito.


Face ao exposto, e sem necessidade de maiores considerações, não pode prevalecer o entendimento da AT expendido no RIT, concluindo-se que a correcção em causa enferma de vício de violação de lei, procedendo, nesta medida, a pretensão da Impugnante.


Em face desta solução, fica prejudicado o conhecimento do vício formal de falta ou insuficiente fundamentação.


Nas suas alegações do recurso, a Fazenda Pública defende que:


«Correcção no montante de € 13.760.609,67, referente à desconsideração fiscal dos custos suportados pelo P........ e F........ com as quebras de existências de bens por “diferenças de inventário.”


46º.


Sobre esta correcção entendeu a douta sentença a quo que o sistema implementado e adoptado pelo P........ e F........ é adequado, apto e conforme às exigências da AT, de modo a permitir a dispensa de elaboração/obtenção de comprovativos de destino dos bens e que a Impugnante logrou fazer prova de ter implementado várias as medidas preventivas e correctivas implementadas com o objectivo de minimizar as quebras, além do sistema organizativos e procedimentos e verificação já existentes.


47º.


Porém, sempre com a ressalva da devida vénia, face à factualidade dada como provada, não se afigura que a valoração que dela é feita pela douta sentença a quo se mostre a mais correcta.


48º.


Com efeito, importa desde logo começar por salientar que os SIT aceitaram como custo fiscal as quebras que se mostravam justificadas por “documento de quebra”, isto é, trata-se daquelas quebras para as quais foi indicado um motivo, e para as quais foi possível, minimamente estabelecer um nexo de causalidade para a inutilização das existências.


49º.


Todavia, as quebras de existências, resultantes de “diferenças de inventário”, atribuídas quer ao F........ , quer ao P........ , dada a sua natureza não podem ser relevadas para efeitos fiscais na medida que a sua contabilização como custo visa apenas justificar diferenças entre o “stock” físico e o contável ou contabilístico, para os quais aquelas sociedades deveriam ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que minimizem este tipo de divergências.


50º.


A dedutibilidade de um custo depende da prova do abate dos bens e da causa que conduziu à sua obsolescência ou inutilização, ora, neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pelas sobreditas sociedades são meras presunções ou suspeitas, pelo que estes valores contabilizados como “diferenças de inventário”, acabam por reflectir o valor dos bens que deram entrada em armazém e que não foram registados como proveitos do exercício, sendo que, também não constam do valor de existências finais porque não foram objecto de contagens físicas aquando da realização dos inventários.


51º.


Em suma, estamos perante bens para os quais as sociedades não lograram identificar o respectivo destino.


52º.


Bens que, como verificaram os SIT, foram adquiridos com o fim de serem vendidos e, pura e simplesmente, já não se encontram nas instalações das sociedades e não cumpriram os fins a que se destinavam.


53º.


Posto que o que caracteriza estas quebras por “diferenças de inventário” é não se saber o que aconteceu aos bens, o que torna inviável a comprovação e aceitação como custo fiscal dos valores contabilizados.


54º.


Concluíram e bem os SIT pela não aceitação como custo fiscal dos valores das quebras dos bens alimentares e não alimentares consideradas pelas sociedades dominadas F........ e P........ , como diferenças de inventário.


55º.


Neste conspecto, não bastaria à Impugnante – e aqui dissente-se do entendimento perfilhado pela douta sentença a quo – invocar justificações plausíveis para se poder aceitar a dedutibilidade fiscal do custo incorrido.


56º.


Sendo que dos documentos exibidos pela Impugnante neste conspecto, reputa-se a respectiva informação de insuficiente, não justificando pois quebras desta natureza.


57º.


Com efeito, o documento relativo a estas quebras por “diferenças de inventário”, não comporta nenhuma justificação efectiva sobre o que ocorreu com os bens a que respeitavam os ditos inventários, ou seja, se, por exemplo, foram objecto de furto.


58º.


Ademais, entende-se que não é o facto da percentagem de perdas em existências apurada pela Impugnante se enquadrar numa taxa de perdas apuradas no sector e publicado num estudo, que permite aceitar os valores contabilizados como certos, pois tal só poderia ocorrer mediante provas idóneas e concretas e não, como se pretende e entendeu a douta sentença a quo, mediante provas meramente abstractas e de valor presuntivo.


59º.


Estamos assim perante valores que afectaram negativamente o valor das existências e positivamente o custo de vendas do exercício de cada uma das referidas sociedades, em virtude de não existirem elementos justificativos do destino dado a esses bens e de assim os sujeitos passivos não terem comprovado a indispensabilidade dos custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da sua fonte produtora nos termos do art.º 23º do CIRC, não se poderá aceitar a sua dedutibilidade fiscal, motivo pelo qual deverá a presente correcção ser mantida na ordem jurídica


Por sua vez, a recorrida impugnante concluiu as suas contra-alegações dos seguinte modo:


«MM. Sobre a questão da desconsideração fiscal dos custos suportados pela F........ e P........ com as quebras de existências de bens provocadas por diferenças de inventário, o Tribunal a quo faz uma análise irrepreensível, baseada no detalhe casuístico e na matéria probatória convenientemente convocada nos autos.

A. NN. Os argumentos em que a Recorrente entendeu sustentar a liquidação aqui impugnada – e agora insiste sustentar a falta de razoabilidade da Sentença recorrida –, são manifestamente insuficientes para permitir a desconsideração fiscal dos referidos custos, o que se traduz num vício de fundamentação imputável aos serviços. Na verdade, o acto impugnado fez impender uma obrigação sobre a aqui Recorrida, apesar de dele não ser possível retirar, concludente e fundadamente, os motivos da liquidação ou as disposições legais que se consideram violadas.

OO. A fundamentação em que assenta o acto impugnado limita-se a mencionar, a propósito da correcção proposta em matéria de quebras de existências de bens do sector alimentar e não alimentar, em virtude da verificação de diferenças de inventário, que as sociedades F........ e P........ deveriam ter tomado as providências necessárias à comprovação inequívoca do destino dado aos bens. Não o tendo feito, não se aceita que os custos incorridos àquele título pelas sociedades F........ e P........ sejam considerados comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, procedendo-se à sua correcção em sede de IRC, e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem na empresa, procedendo-se à respectiva liquidação de IVA.

A. PP. Ora, salvo melhor opinião, entendemos que esta fundamentação da AT – e agora os argumentos mobilizados em oposição à tese sufragada pelo Tribunal a quo – está insuficientemente apoiada pois que, qualquer destinatário normal colocado na situação da ora impugnante, não perceberia por que motivo a AT se nega a aceitar, para efeitos de IRC, que os bens em causa foram abatidos ou transmitidos onerosamente a terceiros – encontrando-se os mesmos, antes e ainda, na esfera das sociedades F........ e P........ , aptos à finalidade para que foram adquiridas, quando, para efeitos, de IVA, a AT admite que os bens em causa já não se encontram em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade, presumindo-se a sua transmissão a terceiros.

QQ. Por outro lado, a dúvida levantada pela AT acerca do destino dado aos bens objecto de quebra, há-de sempre redundar na inaplicabilidade da norma daquele artigo.

RR. É o próprio princípio constitucional da tributação pelo lucro real – embora não seja, naturalmente, um princípio absoluto –, que impede que o artigo 23º seja convocado para desconsiderar custos com a perda de existências que, motivados por causas que ocorreram objectivamente, contribuíram para a total perda da sua aptidão para venda, quando, concomitantemente, não sejam desconsiderada a parte dos proveitos – correspondente ao acréscimo do preço final das mercadorias, como forma de compensação do efeito negativo das quebras – que a esses custos anda objectivamente associada.

SS. Aceitar que o artigo 23º do CIRC pode ser interpretado no sentido de permitir a desconsideração de custos suportados com a quebra de existências que, por causas normais, justificáveis e de ocorrência efectiva, perderam a sua aptidão para venda e cujo impacto negativo se encontra reflectido no preço final das mercadorias, de forma a superar o efeito negativo daquele fenómeno nos resultados das sociedades em causa, sem que nenhuma correcção a esse proveito tenha lugar, põe em causa a conformidade constitucional do preceito, por violação do princípio da tributação pelo lucro real consagrado no artigo 104º da CRP, o que aqui se invocou expressamente.

A. TT. As existências foram objecto de quebra pelas sociedades F........ e P........ , pelas causas por elas invocadas, constituindo esse encargo um custo indissociável e indispensável ao exercício da actividade de comércio a retalho, o que o impede de ser desconsiderado para efeitos fiscais com base na norma do artigo 23º do CIRC.

UU. Além disso, ainda que se considere adequada a convocação do artigo 23º do CIRC no presente caso – o que mais se admite como exercício académico do que como possibilidade real – sempre se terá de concluir que existe uma clara e inequívoca divergência entre a realidade de facto e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto de liquidação ora impugnado.

VV. As quebras de existências configuram, conforme melhor se viu na petição inicial da presente impugnação para a qual agora se remete, inequívocos custos da actividade, dela indissociáveis, e, por isso, com ela irremediavelmente conexionados.

WW. É, portanto, errónea a interpretação que a Recorrente faz dos factos em causa e a aplicação legal que faz dos mesmos, devendo, com efeito, improceder o recurso do decidido por si interposto.».


Apreciando:


A AT não discute a existência hipotética de quebras normais de existências (alterações para menos nas existências armazenadas e verificadas com alguma regularidade em resultado do normal exercício da atividade, porque inerentes ao processo produtivo e ao manuseamento de certos bens) nem a existência de algumas quebras anormais (alterações para menos nas existências armazenadas em armazém de verificação imprevisível, resultantes de eventos extraordinários, como acidentes, roubos, incêndios ou outros sinistros).


Concretamente, a AT não discute que as lojas de retalho P........ e F........ sofrem quebras anormais, acima referidas.


Também não se discute a legalidade/obrigatoriedade da contabilização de tais componentes negativas do resultado contabilístico.


O que se discute aqui é a questão de saber se as quebras não justificadas podem ser consideradas como custo fiscal e, portanto, se contribuem negativamente para o apuramento do resultado fiscal.


Resulta do facto I do probatório que a AT fundou a sua decisão no facto de os registos contabilísticos terem sido efetuados com base em documentos internos e ter considerado que “


Dependendo, de facto, a dedutibilidade fiscal dos custos, do preenchimento de dois requisitos indispensáveis que consistem - por força do disposto na primeira parte do artigo 23.° n.º 1 do CIRC - na sua comprovação através de documento emitido nos termos legais, facto que não se verificou, e serem sobretudo indispensáveis à realização dos proveitos.


A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como custo fiscal.


(…)


Se relativamente às situações identificadas como quebra para as quais foi indicado um motivo, é possível, minimamente, estabelecer um nexo de causalidade para a sua inutilização, já, neste caso para a quebra motivada por diferenças de inventário, tal não acontece porque não se sabe o que aconteceu a esses bens o que torna inviável a comprovação e aceitação como custo fiscal da contabilização efectuada.[sublinhado nosso].


Da exposição aqui elaborada, conclui-se pela não aceitação como custo fiscal dos valores das quebras dos bens alimentares e não alimentares, consideradas pelas sociedades dominadas F........ e P........ como diferenças de inventário, nos montantes de € 6.572.299,37 (anexo 20, fls. 78) e € 7.188.310,30 (anexo 21, fls. 79), respectivamente (…) em virtude de não existirem elementos justificativos do destino dado a esses bens e de assim os sujeitos passivos não terem comprovado a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da sua fonte produtora nos termos do artigo 23.° do CIRC”.


Vejamos se tal asserção está correta.


O artigo 23º do CIRC determina que a dedutibilidade dos custos depende da cumulação de dois requisitos: i) a comprovação da existência do gasto, ii) e a indispensabilidade do mesmo para a obtenção do lucro ou para a manutenção da atividade.


A existência gastos comprova-se, regra geral, através de “documento justificativo” a que alude o artigo 115º, nº 3, do CIRC e a indispensabilidade, que consiste na existência de uma relação, direta ou indireta, mediata ou imediata, entre os custos e a produção de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora de rendimentos.


A AT não discute a comprovação da existência do gasto com quebras de inventário e que as mesmas se encontram documentadas e registadas contabilisticamente. Pelo que apenas subsiste o litígio quanto à indispensabilidade, dado que a AT considera que, desconhecendo-se o “destino” dos bens, não está comprovada a referida relação de empresarialidade.


A AT defende que os bens foram adquiridos para venda e agora não se encontram na loja nem no armazém e não constam nos registos das vendas, conclui-se que as mesmas não cumpriram o seu destino. Este raciocínio pressupõe a possibilidade de tais bens não terem sido utilizados na prossecução do objeto da empresa, ou, dizendo de outro modo, que foram apropriados por alguém (sócios ou gerentes ou terceiros relacionados com essas pessoas) para fins particulares. E, para afastar esta conclusão, não basta alegar meras hipóteses abstratas e não provadas.


Ora, é público e notório que as sociedades P........ e F........ são grandes empresas retalhistas que exploram centenas de lojas de razoável dimensão localizadas em zonas urbanas de todo o país. Pelo que é impossível que os sócios e gerentes da sociedade tenham ação direta em todas essas lojas. Por isso, a gestão é feita à distância e com intermediação de trabalhadores (com a função de diretor de loja, o “gerente de loja”).


Além disso, sabe-se que a explicação para as quebras de inventário no comércio retalhista, a que se refere o presente recurso, é o pequeno furto; é assim, tanto em Portugal como no resto do mundo (conforme inúmeros estudos citados pela impugnante e juntos comos doc. 29 a 34 anexos à p.i.).


Esse fenómeno “faz parte” da atividade comercial retalhista, afetando todas as empresas que a exercem, e tem de ser levado em conta, apesar de tais perdas não serem seguráveis, conforme demonstrado através do doc. 28 anexo à p.i., emitida pela companhia seguradora ..., com a qual a recorrente tentou contratar.


Resulta dos factos que as sociedades em causa tomam todas as medidas possíveis para reduzir as quebras e para as detetar logo que possível.


Contudo, tais quebras são, por natureza, indetetadas nos momento em que ocorrem, apesar dos meios disponíveis, como câmaras de vigilância e guardas contratados a empresas de segurança privada.


Por isso, não obstante a adoção do sistema de inventário eletrónico permanente, essas quebras apenas poderão ser detetadas aquando da efetivação da contagem física dos bens, por mais frequentes eu essas contagens sejam feitas.


Portanto, o desconhecimento do concreto facto que originou a quebra detetada é inerente a tais perdas, só restando concluir que a causa (furto de bens alimentares consumidos furtivamente no interior da loja ou furto de quaisquer bens transportados furtivamente para o exterior, por clientes ou por trabalhadores desleais ou fraude de fornecedores ou vendedores ou falhas administrativas internas) terá ocorrido no período que decorreu desde a contagem física anterior. Ou seja: nestes casos é impossível determinar o momento exato e a identidade do responsável pela quebra.


Ora, atenta a especificidade da situação, não seria de esperar que as testemunhas se pronunciassem especificadamente sobre a causa das referidas quebras nem sobre o destino efetivo dos bens; nem se vê que mais dizer acerca disso, para além do que ficou dito, ou seja, que na maior parte dos casos, as quebras detectadas no momento da inventariação periódica de stocks são justificadas pela ocorrência de furtos não identificados; trata-se de furtos apurados de acordo com uma percepção da realidade que, apesar de solidamente enquadrada no quotidiano das superfícies comerciais de média e grande dimensão, apenas poderá ser comprovada de uma forma indirecta através da mediação dos efeitos que a introdução de mecanismos de combate ao furto produzem nos resultados globais desta quebra; isto é, através de um juízo probabilístico e nunca real, dado que, nestes casos, justamente não ocorre a detecção do acto do furto.


Isso significa que o “destino” dos bens furtados não é rigorosamente conhecido pela vítima, mas esta consegue inferir, com elevada probabilidade, que na esmagadora maioria dos casos se trata de pequeníssimos furtos, podendo assumir-se que os bens furtados se destinam a consumo imediato e dissimulado, no próprio local, pelo próprio ladrão, cliente ou trabalhador da superfície comercial.


Portanto, tem de se considerar que o destino dos bens em causa se encontra devidamente identificado (a causa das referidas quebras é desconhecida, mas atribui-se à acumulação de pequeníssimos furtos, pelo que tem de se considerar que os bens furtados se destinaram à satisfação dos autores desses furtos ou fraudes, cuja identidade é impossível de adquirir a posteriori).


Sabe-se que as empresas em causa fazem elevado investimento na estrutura de combate ao fenómeno das quebras, desenvolvendo diversas medidas preventivas e correctivas para o minimizar, designadamente:


- Equipas de vigilância;


- Sistemas de videovigilância;


- Antenas de radiofrequência no checkout e colocação de alarmes nos produtos;


- Incentivo à colocação, pelo fornecedor, de etiquetas de segurança invioláveis;


- Negociação com fornecedores ao nível da concepção das embalagens, para maior protecção dos artigos, de modo a torná-las mais resistentes e a evitar a sua abertura;


- Colocação de produtos em caixas específicas de segurança;


- Negociação com fornecedores tendo em vista a partilha de responsabilidades (facto HH do probatório)


E que as sociedades P........ e F........ dispõem de procedimentos de verificação de stock e de normas de inventariação física de existências que passam por diferentes níveis de verificação e auditoria e diferentes hierarquias de controlo, supervisionadas pela administração das sociedades, sendo que os procedimentos e os respetivos resultados são validados pela equipa de auditoria interna e por auditoria externa (facto II do probatório) e que, relativamente às quebras de existências não identificadas, as mesmas são verificadas e justificadas pela equipa responsável pelo processo de inventariação, analisados pelo Controller da Loja, supervisionados pelo Diretor de Loja e reportados aos Serviços Centrais de Controlo Operacional (facto JJ do probatório).


Também se sabe que é praticamente impossível reduzir a possibilidade de furtos a zero, devendo considerar-se inevitável a existência de alguns furtos indetetados, geralmente de pequena quantidade e pequeno valor unitário, mas que poderão atingir elevado valor acumulado..


Assim, uma vez que esses bens faziam parte do ativo da empresa e terão sido furtados ou desviados fraudulentamente no contexto do exercício normal da atividade da empresa, tem de se considerar que existe um nexo de empresarialidade entre esse custo e tal atividade, justificando-se o direito à dedução do custo fiscal, nos termos do artigo 23º do CIRC, não sendo de aplicar a exclusão prevista no artigo 42º, nº 1, al. g), do CIRC, dado que o encargo, inicialmente indevidamente documentado, foi complementado pela prova testemunhal em termos que não deixam dúvida quanto à existência e nexo de empresarialidade do mesmo.


Logo, verificando-se os dois requisitos exigidos pela AT na fundamentação do Relatório de inspeção, tem de se considerar que o ato que julgou não verificados tais requisitos é ilegal, por erro sobre os pressupostos, pelo que deve ser anulado, tal com julgou a sentença ora recorrida, que, portanto, não padece, nessa parte, do vicio que lhe vem imputado no presente recurso.


*


E) – Quanto ao erro de julgamento referente às correções relativas dedução à coleta de retenções na fonte sobre rendimentos prediais:


A recorrente Fazenda Pública concluiu as suas conclusões do seguinte modo:


«XII – Quanto às correcções referentes à não dedutibilidade das retenções na fonte sobre rendimentos prediais auferidos pelo P........ e F........ , estão em causa nesta correcção as retenções na fonte sobre rendas pagas por terceiros às sociedades P........ e F........ , tendo os SIT apurado que não existiam documentos comprovativos da efectivação das ditas retenções na fonte, as quais foram registadas como custo pelas anteditas sociedades, atenta a inexistência na contabilidade destas de documentos externos emitidos pelas entidades pagadoras e que fossem demonstrativos da efectivação das retenções na fonte.


XIII – Por tal facto, na parte do pedido que não foi objecto de decisão favorável à Impugnante em sede administrativa, justifica-se a correcção efectuada em sede de procedimento inspectivo, dado que não foi possível apurar, nestes casos, se o imposto foi ou não entregue pelas entidades pagadoras das rendas nos cofres do estado, em face dos elementos disponibilizados pela Impugnante.


XIV - Sendo que, nestes casos, entende-se não ser exigível à AT actuação diferente daquela que teve, visto que o art.º 28º da LGT não faz recair, nesta matéria, essa obrigação sobre a entidade que reconhece o imposto retido por terceiros.


XV – Deste modo, entende a Fazenda Pública que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspecção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.º 28º da LGT, 58º e 23º do CIRC, na medida em que ali se considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente, através da prova testemunhal, sem que os documentos contabilísticos de suporte permitam retirar semelhantes conclusões».


A sentença recorrida pronunciou-se do seguinte modo:


«6. Correcção no montante de € 293.451,06, referente à não aceitação das retenções na fonte sobre rendimentos prediais auferidos pelo P........ e F........


Conforme resulta do RIT – cfr. alínea J) do probatório –, a não aceitação da dedução à colecta efectuada pelas sociedades F........ e P........ , relativa a retenções na fonte sobre rendimentos prediais auferidos, deve-se à falta de apresentação dos respectivos documentos comprovativos, necessariamente emitidos pelas entidades que procederam à retenção na fonte (lojistas), em alegada violação do disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 83°, artigos 115º e 120° do CIRC conjugado com o artigo 119° do CIRS.


A Impugnante alega, essencialmente, quanto a esta questão, para além do procedimento que segue nos casos em existe dificuldade de obter as declarações, também que o incumprimento desta exigência de ordem formal/declarativa é exclusivamente imputável às entidades devedoras dos rendimentos, e bem assim, que deve ser admitido qualquer meio de prova para comprovar a retenção na fonte efectuada, tais como cópias dos recibos e cópias das instituições de crédito a confirmarem os depósitos dos valores, sob pena de violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e capacidade contributiva, e dos valores da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé.


Apreciando.


Nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 88º do CIRC, o IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos rendimentos prediais, o que se traduz na entrega pecuniária ao Estado, pelo substituto tributário, de montante de imposto por conta, devido a final, efectuado por dedução aos rendimentos pagos ao senhorio – neste caso, F........ e P........ (cfr. artigo 34º da LGT).


Conforme disposto no artigo 120º do CIRC, que remete expressamente para o artigo 119º do CIRS (que aqui releva), as entidades devedoras destes rendimentos (i.e., substitutos tributários) são obrigadas, além do mais, a entregar aos sujeitos passivos, até 20 de Janeiro de cada ano, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, imposto retido na fonte e deduções a que haja lugar.


Apesar de se tratar de uma dedução à colecta, não deixa de ser aplicável o regime de comprovação de custos fiscais. Com efeito, a retenção na fonte a deduzir à colecta deveria, regra geral, ser suportada pela referida declaração (documento externo), a qual comprova a efectivação do mecanismo da substituição tributária, a que se referem os artigos 18º, nº3, 20º e 28º da LGT.


Não obstante, – à semelhança da questão já tratada em 3. supra –, tratando-se uma formalidade probatória, haverá que admitir quaisquer meios de prova de molde a comprovar a substância/materialidade da operação, sob pena de violação do princípio da tributação pelo lucro real (artigo 104º, nº 2 da CRP), princípio da substância sob a forma e princípios conexos.


De facto, a falta da declaração não pode obstar de per si ao direito a deduzir o valor da retenção na fonte. A suportar este entendimento veja-se o acórdão do TCAS, de 31.01.2012, processo n° 4799/11 (in www.dgsi.pt) que conclui "Na falta de entrega pelos obrigados tributários das declarações legalmente devidas dessas retenções, não impede que o sujeito passivo efectue a prova das mesmas retenções por quaisquer outros meios de prova em direito permitidos”.


Ou seja, a declaração de retenção não é o único meio de prova adequado para que a Impugnante possa exercer o seu direito à dedução, ao contrário do que entendeu a AT na presente correcção.


Com efeito, a AT limita-se a fazer a correcção com o fundamento na ausência da declaração emitida pelos lojistas, ao abrigo do artigo 119º, nº 1, alínea b) do CIRS (deixando-se claro no RIT, que esse seria o único documento capaz de comprovar a efectivação das retenções), o que se reputa ilegal.


Certo é que a Impugnante junta aos autos documentação diversa – cfr. alínea MM) do probatório – que deveria ter sido solicitada e analisada no âmbito da própria acção de inspecção, e que não foi.


De referir, em todo o caso, que a análise e apreciação efectuada ou a efectuar pela AT após a emissão da liquidação impugnada (mesmo que revogada parcialmente, quanto a uma outra correcção) constituirá fundamentação a posteriori, inadmissível nos termos da lei.


Explicita o acórdão o STA de 18.03.2015, processo nº 01911/13 (www.dgsi.pt) “Não pode considerar-se como integrando a fundamentação do acto impugnado a motivação aduzida pela AT quando da revogação parcial desse acto”, acrescentando que “só pode valer como fundamentação a declaração de motivos que a AT externou quando da prática do acto, sendo de todo irrelevante a externação de motivos que não seja coeva do acto, a denominada fundamentação a posteriori. É que, no domínio do contencioso de mera legalidade, que é o da impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto (…)”.


De facto, as notas de débito/crédito, comprovativos de depósitos bancários, recibos de quitação dos rendimentos prediais e algumas declarações emitidas ao abrigo do artigo 119º do CIRS reputam-se abstractamente aptas a comprovar a efectividade das retenções na fonte aqui em crise.


No entanto, no caso concreto, atendendo ao volume da documentação e tecnicidade, que obrigaria a confrontar cada elemento com a contabilidade da Impugnante (e que não cumpre ao Tribunal, em sede de contencioso de mera legalidade, conhecer), não é possível concluir com absoluta certeza que os documentos comprovem todo o montante de retenções na fonte em causa nesta correcção.


Assim, embora não se conclua que a Impugnante tenha efectuado prova cabal, a verdade é que a prova carreada motiva uma fundada dúvida da existência e quantificação do facto tributário, o que, em conformidade com o disposto no artigo 100° do CPPT, conduz à anulação da presente correcção.


Conclui-se, por conseguinte, que a correcção em causa é ilegal por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e nessa medida, deve ser anulada, o que se determinará.».


A Recorrente Fazenda Pública alega que


« C) – Correcção de € 293.451,06, referente à não aceitação das retenções na fonte sobre rendimentos prediais auferidos pelo P........ e F........ .


60º.


Estão em causa nesta correcção as retenções na fonte sobre rendas pagas por terceiros às sociedades P........ e F........ , tendo os SIT apurado que não existiam documentos comprovativos da efectivação das ditas retenções na fonte, as quais foram registadas como custo pelas anteditas sociedades, atenta a inexistência na contabilidade destas de documentos externos, isto é, emitidos pelas entidades pagadoras das rendas, comprovativos da efectivação das retenções na fonte.


61º.


Neste conspecto, os documentos juntos pela Impugnante – contrariamente à valoração que da respectiva informação é feita pela douta sentença a quo – não permitem concluir pela efectividade da ocorrência dos custos contabilizados.


62º.


Posto que um dos documentos apresentados mais não consiste do que numa mera listagem elaborada pela Impugnante das retenções na fonte em que incorreram as sociedades P........ e F........ , do qual se entende que não brota qualquer valor probatório.


63º.


No caso das fotocópias das notas de débito e crédito e de documentos comprovativos de depósitos bancários, além de não possuem qualquer suporte declarativo para efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 119º do CIRS, por si só, também não bastam para justificar as operações.


64º.


E como resulta do processo administrativo instrutor, já em sede de impugnação foi a Impugnante notificada para juntar elementos que permitissem aferir da correspondência entre os novos elementos por si apresentados (sem suporte declarativo) e os registos contabilísticos efectuados.


65º.


Ora, como se evidencia da respectiva análise, os serviços, perante os elementos então apresentados, consistentes em mais listagens, não puderam aferir de qualquer correspondência entre esses documentos e a contabilidade, posto que não suprem a não apresentação dos extractos de conta.


66º.


Por tal facto, na parte do pedido que não foi objecto de decisão favorável à Impugnante em sede administrativa (correcção do cálculo do imposto de € 132.270,44 à F........ e € 29.061,05 ao P........ ), justifica-se a correcção efectuada em sede de procedimento inspectivo, dado que não foi possível saber, nestes casos, se o imposto foi ou não entregue pelas entidades devedoras das rendas nos cofres do estado, em face dos elementos disponibilizados pela Impugnante


67º.


Sendo que, nestes casos, entende-se não ser exigível à AT actuação diferente daquela que teve, visto que o art.º 28º da LGT não faz recair, nesta matéria, tal ónus sobre a entidade que reconhece o imposto retido por terceiros.


68º.


Assim, dir-se-á que nos presentes autos não foi feita prova sobre se tais retenções foram ou não efectivamente efectuadas, pelo que tal correcção se deve manter na ordem jurídica, dado que não padece dos vícios que lhe são assacados pela douta sentença a quo ».


A recorrida, anterior impugnante, respondeu o seguinte:


«determina a alínea b) do nº1 do artigo 119º do CIRS, aplicável por remissão do artigo 120º do CIRC, que as entidades devedoras de rendimentos que estejam obrigadas a efectuar a retenção, total ou parcial, de imposto são obrigadas a entregar aos sujeitos passivos, até 20 de Janeiro de cada ano, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, incluindo, quando for caso disso, as correspondentes aos rendimentos em espécie que lhes hajam sido atribuídos, do imposto retido na fonte e das deduções a que eventualmente haja lugar.


Trata-se de uma responsabilidade declarativa, atribuída em termos exclusivos à entidade obrigada a efectuar a retenção – enquanto substituto tributário – e não extensível, em termos solidários ou subsidiários, ao substituído tributário.


Ora, se assim é, que sentido faz deixar de relevar a dedução relativa a retenções na fonte efectuadas por terceiros nos termos legais ao nível do apuramento do imposto a liquidar numa inversão inútil do ónus de uma prova de que a AT é, em primeiríssima instância, titular.


Repare-se no absurdo: se tudo se passa como defende a Recorrente – ou seja, se é certo que a dedução relativa a retenções na fonte efectuadas por terceiros não pode ser prejudicada pelo simples facto de ter sido por estes incumprida uma obrigação (que é reconhecidamente puramente) declarativa –, porque é que há-de ser possível prejudicá-la unicamente com base na dúvida de que as mesmas tiveram lugar? Não é à AT que o imposto retido é entregue? Não é esse um dado do conhecimento oficioso desta? Não será completamente incompreensível que a AT tenha dúvidas sobre dados de que dispõe e tem obrigação de utilizar na realização da justiça fiscal material?


Na realidade, atendendo à posição assumida pela Recorrente, não é muito diferente, sob o ponto de vista do respeito pelos princípios constitucionais da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva, questionar a dedução relativa a retenções na fonte de que as sociedades F........ e P........ foram efectivamente alvo, com base no facto de as mesmas não se encontrarem suportadas pelo documento a que se refere a al. b) do nº 1 do artigo 119º do CIRS, por remissão do artigo 120º do CIRC, cuja obrigação – como vimos – nem sequer lhes pertence, e questioná-la, como faz a Recorrente, com base na ideia de que os extractos e documentos contabilísticos juntos pela Recorrente não são suficientes para demonstrar que a efectividade daquelas retenções, num cenário em que é a AT a sua beneficiária.


Se, por um lado, a certeza quanto à efectividade das retenções na fonte – o que a AT não contesta, nem poderia contestar já que é ela a depositária das mesmas – é suficiente para justificar o direito (adquirido) à dedução a que faz referência a al. f) do nº 2 do artigo 83º do CIRC, não pode a sua comprovação ficar exclusivamente dependente do critério da própria entidade que se recusou a aceitá-la de uma forma, que, de resto, colide com os mais elementares princípios da boa-fé.


A verdade é que, quer se queira quer não, a Recorrida tem que ser admitida a realizar, por quaisquer meios – e, necessariamente, por todos e pelos únicos de que dispõe (como sucedeu no caso concreto) – a prova de que foi efectivamente diminuída nos seus acréscimos patrimoniais, fruto das retenções na fonte realizadas por terceiros em benefício do Estado e por este, naturalmente, contabilizadas e processadas. O sujeito passivo há-de sempre ser admitido a demonstrar, por quaisquer outros meios, que as retenções na fonte que deduz à respectiva colecta foram efectivamente efectuadas por quem a lei define como seu substituto tributário para esse efeito, por muito que essa demonstração apenas seja possível mediante a exibição, como no caso concreto, de documentos contabilísticos e extractos bancários que atestam que os rendimentos prediais que lhe eram devidos pelos respectivos arrendatários foram “descontados” das importâncias que estes entregaram à AT e de que esta é precisamente a receptora.


Perante a prova efectuada, não pode a Recorrente ter dúvidas de que os rendimentos prediais que as sociedades F........ e P........ auferiram foram, eles próprios, deduzidos dos montantes de imposto retidos, pelos arrendatários, na fonte: os documentos provam que os pagamentos efectuados a estas sociedades àquele título foram diminuídos na percentagem exacta da retenção na fonte de imposto a que ficaram sujeitos, não obstante esta ter incidido sobre o seu montante bruto.


Prova mais contundente do exposto apenas poderá ser fornecida pela AT, que bem sabe, e não pode desconhecer, que a negação da dedução daquelas retenções neste caso é pura e simplesmente ilegal, consubstanciando mesmo uma duplicação inaceitável de colecta e, uma vez mais, uma violação dos princípios constitucionais de tributação pelo lucro real e de capacidade contributiva que a ordem jurídica não pode admitir».


Vejamos:


Como se sabe, a retenção na fonte é um mecanismo de substituição tributária, através do qual parte dos rendimentos sujeitos a imposto é retida pelo devedor desses rendimentos no momento do respetivo pagamento, que, na qualidade de substituto, fica obrigado a entregar ao Estado, que será considerado pagamento do imposto devido, a final, pelo sujeito passivo substituído. É, portanto, uma forma de pagamento adiantado e faseado, que visa combater a evasão fiscal e, por outro lado, “anestesiar” o contribuinte e reduzir a motivação para se evadir ao pagamento final..


De acordo com o artigo 88º, nº 1, al. c), e nº 4, do CIRC, os sujeitos passivos de IRC que sejam devedores de rendimentos prediais a outros sujeitos passivos de IRC ou de IRS que devam possuir contabilidade organizada devem proceder à retenção na fonte, às taxas previstas para efeitos de IRS.


Essas entidades, obrigadas a efetuar a retenção devida, devem entregar ao Estado o tributo retido, como substitutos do verdadeiro contribuinte.


Além disso, em janeiro do ano seguinte, esse substituto é obrigado a entregar ao substituído e beneficiário dos rendimentos uma declaração relativa ao ano imediatamente anterior discriminativa dos rendimentos pagos e do imposto retido. Tudo nos termos do artigo 119º, nº 1, do CIRS, aplicável por força da remissão expressa do artigo 120º do CIRC.


Quando os substitutos entregam à AT o imposto retido identificam necessariamente - na declaração modelo 10 do CIRS - o contribuinte que pagou efetivamente esse imposto, o rendimento que pagaram e o imposto que retiveram [artigo 119º, nº 1, al. c), do CIRS].


Portanto, através da declaração modelo 10 a AT fica habilitada a saber quem pagou imposto através de retenção na fonte, a quem e quais os montantes dos rendimentos e do imposto retido.


Da posição das partes resulta que não está em causa a existência de retenções na fonte, mas apenas a falta de exibição do comprovativo dessa retenção, para efeitos do exercício do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 83º, nº 2, al. f), do CIRC.


Na verdade, a AT não alega que não existe declaração modelo 10 relativa às retenções na fonte em causa e que, portanto, desconhece a existência do pagamento do montante declarado pela contribuinte, impugnante e agora recorrida. Resulta do facto J do probatório que AT recusou o direito à dedução do imposto já pago por retenção na fonte com o único argumento de que o sujeito passivo não exibiu a declaração emitida pelo substituto legal, considerando que esse é o único meio de prova admissível por ser “documento externo”.


Ora, sendo verdade que, como já se disse, todos os registos contabilísticos devem ser efetuados com base em “documentos justificativos” e que esses são, em primeira linha os documentos externos, também é certo que a atividade da AT visa, acima de tudo, a prossecução do interesse público (no sentido próximo de “bem comum”) e, para isso, tem de obedecer aos princípios que constam nos artigos 266º da CRP e 55º da LGT, designadamente os princípios da justiça, da legalidade, da proporcionalidade e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.


Esses princípios, que constituem importantes exteriorizações do princípio do “Estado-de-Direito”, implicam a existência de limites, para o Estado e para a tributação, impostos pela capacidade tributária, que é aferida pelo rendimento/lucro real e que implica a busca da verdade material (dever de inquisitório)


Assim, a AT não pode limitar, a seu belo prazer, os meios de prova admissíveis em Direito, dado que tal limitação é contrária ao disposto nos artigos 72º e 98º da LGT, nem deve olvidar os elementos de prova que lhe tenham sido fornecidos pelo sujeito passivo ou por outros sujeitos com ele relacionados, designadamente pelos substitutos legais.


Em princípio, a contabilidade e todas as declarações dos contribuintes gozam da presunção legal de verdade e boa-fé, desde que estejam organizadas e apresentadas “nos termos da lei” (artigo 75º, nº 1, da LGT), cabendo à AT o ónus de demonstrar que existem irregularidades que justificam o afastamento dessa presunção (artigo 75º, nº 2, da LGT).


Se o sujeito passivo pagou o tributo em causa por retenção na fonte, nada mais natural do que fazer o respetivo registo contabilístico desse facto com base em qualquer documento de que disponha, nada obstando que produza um documento interno propositadamente para esse efeito.


O facto de tal documento de suporte contabilístico conter alguma “irregularidade” formal não determina, automaticamente, o afastamento do direito invocado pelo sujeito passivo com o único argumento de que o documento não é “justificativo”.


A falta de documento justificativo implica que a contabilidade não está executada nos termos da lei e, portanto, apenas determina a cessação da presunção de verdade.


Isso não habilita a AT a proceder, de imediato, a qualquer correção.


Havendo dúvida acerca da veracidade do registo efetuado, e, portanto, da existência do direito do contribuinte, antes de proceder à correção respetiva, a AT deve convidar o sujeito passivo a participar na decisão, contradizendo ou juntando prova adicional da materialidade da operação e, só no caso de subsistir dúvida acerca da existência ou valor do direito invocado pelo contribuinte, ficará a AT legitimada a proceder à correção projetada.


Note-se, contudo, que o que ficou dito apenas se aplica aos casos em que o registo contabilístico em causa é suscetível de gerar alguma dúvida acerca da materialidade da operação subjacente, designadamente, no caso de haver dúvida acerca da existência ou valor do efetivo pagamento por retenção na fonte em causa nos autos.


Ou seja, o mero facto de o registo do pagamento por retenção na fonte estar suportado em documento interno (ou em documento diverso da declaração aludida no artigo 119º, nº 1, do CIRS), que noutras condições não pudesse ser considerado “documento justificativo”, não lhe retira necessariamente essa qualidade de “documento justificativo”, apenas por razões formais, se a AT conhece ou tem obrigação de conhecer a materialidade da operação subjacente a esse registo e ao respetivo documento de suporte.


Na verdade, existem duas teses principais para valorar a exigência de suporte documental:


- i) há quem considere que os princípios da justiça, da capacidade contributiva, da tributação pelo lucro real, da verdade material e da prevalência da substância sobre a forma ou da neutralidade do IVA não são princípios absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, pelo que, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à proteção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal; essa tese defende que a contabilidade elaborada em violação formal das normas legais determina a impossibilidade de dedução dos custos não contabilizados e dos encargos não devidamente documentos e das despesas confidenciais ou não documentadas; ainda nessa tese, as exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à AT um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que à revelação de um custo para um agente contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respetivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.


- ii) no outro extremo, há quem considere que os referidos princípios têm validade quase absoluta, pelo que a função pública de “prossecução do interesse público” (artigos 266º, nº 1, e 269º, nº 1, da CRP), como fundamento, fim e limite da atuação administrativa(2), e não como limite aos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, tem de se submeter a eles, de acordo com os princípios referidos no artigo 266º, nº 2 da CRP; nesta tese, o interesse público consiste em apurar a verdade material (acerca do concreto lucro tributável), pelo que esta pode ser provada por qualquer meio admissível em direito, e não apenas por documentos.


Houve quem entendesse (e há quem entenda) que a primeira tese se aplica ao IVA, devido à sua suposta natureza essencialmente formalista (negada repetidamente pela jurisprudência uniforme do TJUE e pelo princípio da neutralidade do IVA) e que a segunda tese se aplica ao IRC e IRS, mais substancialistas.


Perante a tarefa de fixar e valorar a prova, o artigo 607º, nº 5, do CPC determina que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção, exceto quanto aos seguintes factos:


- cuja prova a lei exija formalidade especial (escritura pública, registo público, etc.);


- cuja prova só possa ser feita por documentos (estado das pessoas, etc.);


- que estejam plenamente provados por documentos, por acordo ou confissão das partes.


Nos casos de litígio quanto a custos, encargos ou despesas não documentadas ou devidamente documentadas, não existe prova plena.


O registo contabilístico com suporte documental não é uma “formalidade especial” exigida pela lei como condição de validade material da operação contabilizada, mas apenas como condição de fiabilidade da própria contabilidade; e a exigência de documento justificativo como suporte do registo contabilístico não significa que a prova da existência material da operação comercial contabilizada só possa ser efetuada por meio documental.


Embora a lei fiscal exija que o registo contabilístico fiável seja comprovado por “documento justificativo”, para facilitar o controlo do lucro tributável, deve entender-se que, para efeitos de tributação devem levar-se em conta os proveitos e as despesas reais, ainda que não contabilizados e ou não documentados, desde que cabalmente comprovados por qualquer outro meio, incluindo com recurso a indícios ou presunções. Porém, não tendo havido contabilização ou não havendo documentos justificativos das operações ativas ou passivas, a relevação fiscal dos proveitos e despesas apenas poderá ocorrer após os procedimentos legalmente previstos, onde se procederá à “instrução” com a s provas disponíveis (se a AT pretender corrigir o lucro, por omissão de proveitos, pode-deve levar a cabo um procedimento de inspeção e se o sujeito passivo pretender a relevação de despesas nas mesmas condições pode promover a abertura de procedimento de reclamação graciosa, de revisão oficiosa ou de processo de impugnação judicial).


Em suma, este Tribunal considera que a inexistência de documento justificativo dos custos (e a falta de contabilização) determina a inaceitabilidade direta do direito à dedução, sem prejuízo da prova que vier a ser produzida (na impugnação administrativa ou judicial) por quem invocar o direito (artigos 75º, nº 2, e 74º, nº 1, da LGT), devendo essa prova ser livremente apreciada pelo juiz de acordo com a sua prudente convicção.


Ou seja: adere-se sem reservas à segunda tese acima sintetizada.


Pelo que, nos termos e com os limites acima referidos, todos os custos incorridos poderão (em princípio) ser deduzidos, salvo se a AT comprovar a existência de erro ou fraude.


Estando em causa o pagamento de rendimentos prediais, os mesmos são sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto liquidado a final [artigo 88.º, nº 1, al. c), do CIRC].


Como se disse, estando em causa um pagamento de tributo retido na fonte, sujeito à entrega de declaração modelo 10, com reflexos na declaração anual de informação contabilística, a apresentar pelo substituto legal, é manifesto que a AT conhece ou tem a obrigação de conhecer a materialidade do pagamento efetuado pelo sujeito passivo substituído.


Ou seja, a AT não pode, de boa-fé, negar o direito à dedução do imposto já pago “por conta” do total devido a final, alegando apenas a irregularidade formal do documento de suporte do registo desse encargo sem alegar também a inexistência de declaração modelo 10 relativa a tal retenção e ao pagamento ao Estado do montante retido.


É verdade que a Fazenda Pública disse, nas alegações de recurso, “que não foi possível saber, nestes casos, se o imposto foi ou não entregue pelas entidades devedoras das rendas nos cofres do Estado, em face dos elementos disponibilizados pela Impugnante” (artigo 66º das alegações). Porém, a verdade é que, no procedimento de inspeção, o dever de inquisitório antecede a aplicação do ónus da prova a cargo dos sujeitos passivos, pelo que a AT não se deveria ter cingido aos elementos disponibilizados pela Impugnante, e nem sequer lhos deveria ter solicitado, dado que dispunha de todos os elementos necessários ao apuramento da verdade material. Bastava consultar as modelos 10 relativas ao mesmo ano que mencionassem o número fiscal das sociedades em causa nos autos.


Uma vez que a AT não nega a existência de declarações modelo 10 comprovativas do efetivo pagamento por retenção na fonte do imposto em causa nos autos, é manifesto que é ilegal a correção que obriga os contribuintes a pagar novamente o mesmo imposto com fundamento exclusivo na irregularidade formal do documento que serve de suporte ao registo contabilístico desse pagamento.


A aceitação da atitude da AT equivaleria à violação frontal de todos os princípios acima referidos e conduziria a intolerável duplicação de coleta.


Pelo que este Tribunal considera que, face à prova produzia e à fundamentação apresentada pela AT, a sentença recorrida não merece a critica que, nesta parte, lhe vem imputada.


*

F. – Do erro de julgamento cometido no despacho de 21.12.2018, imputado pela Recorrente Fazenda Pública


Está agora em causa a decisão, proferida por despacho de 21.12.2018, que recusou conhecer o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente.


A referida decisão assentou no facto de o pedido de dispensa do pagamento em causa ter sido apresentado quando já tinha sido proferida a sentença (e esgotado o poder jurisdicional) e apresentado o respetivo recurso contra a decisão que apreciou a matéria da causa.


A Fazenda Pública, agora recorrente, considera que existe omissão de pronúncia em resultado de errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 6.°, n.º 7 e 31.°, n.ºs 1 a 3, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).


Para isso, a Recorrente apresentou a seguintes conclusões:


« I – Nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do RCP: «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».


II – Peticionou esta ... a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, relativamente ao qual, o douto Despacho Judicial a quo, entendeu não poder haver lugar a pronúncia sobre tal pedido em razão de se ter esgotado o poder judicial para o efeito com a prolação da douta Sentença que condenou as partes em custas.


III – A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem oscilado quanto ao momento em que pode ser exercitada a possibilidade de requerer a isenção ou redução do pagamento da taxa de justiça remanescente. Para uns, mais apegados à letra da lei – como se afigura ser o caso do douto Despacho sob recurso - essa actuação processual deve ser promovida até à data da prolação da sentença ou, no máximo, até ao momento em que seja possível a reforma da decisão quanto a custas. Para outros, menos restritivos na interpretação do feixe normativo aplicável, a questão pode ser avaliada aquando ou até à elaboração da conta, ou ainda, nalguns casos, com a reclamação da conta.


IV – Seguindo aqui de perto a jurisprudência do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, nos Acórdãos supra identificados, conclui-se que o douto Despacho sob recurso errou de facto e de direito, posto que não estipulando a lei especificamente o momento para o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do art.º 6., n.º 7 do RCP, nada impede que este seja efectuado após a prolação da Sentença que condenou em custas e antes da notificação da conta afinal.


V – E uma vez efectuado o pedido, na esteira da jurisprudência a que nos temos vindo a reportar, não pode o Tribunal escudar-se no esgotamento do seu poder para se demitir de decidir ou considerá-lo extemporâneo, posto que nos termos do n.º 2 do artigo 613.º do CPC, ainda que proferida a sentença, mantém-se o poder jurisdicional do juiz da causa em relação à matéria de custas ou à tributação processual, quando na referida sentença nenhuma decisão foi tomada sobre a matéria da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


VI – Assim e em face do exposto deve entender-se que a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais, pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do Juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final.


VII – Neste conspecto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente apresentado pela ora Recorrente após a prolação da douta Sentença, tendo interpretado e aplicado erradamente o disposto no artigo 6.°, n.º 7 e o artigo 31.°, n.ºs 1 a 3, todos do Regulamento das Custas Processuais.


VIII – Caso, neste Douto Tribunal ad quem, se pretenda decidir desde já o requerimento apresentado, em vez de fazer baixar o processo à 1.ª instância para (nova) decisão, a ..., para além de tudo quanto acabou de evidenciar nesta peça, remete para e dá por reproduzido o que alegou no seu requerimento, do qual resulta clara a necessidade de ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, devendo então a sua pretensão ser acolhida. ».


O Despacho recorrido fundamentou a decisão do seguinte modo:


« Dispõe este artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a (euro) 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Do teor literal desta norma podemos entender que a regra é o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Apenas nos casos em que o juiz, ex officio, a requerimento das partes ou do Ministério Público, entenda ser de dispensar tal pagamento é que se lhe exige que pondere de forma fundamentada essa mesma dispensa de pagamento. Tal ponderação ex officio, apenas se justifica no caso de o juiz estar convencido de que há fundamento bastante para dispensar o pagamento. Caso o juiz entenda que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não se justifica, limitará a sua pronúncia quanto a custas aos termos habituais, sem fazer qualquer ponderação, uma vez que, neste caso, funcionará a regra estabelecida na 1ª parte daquele preceito legal, (…) ao proferir esta decisão sobre custas, nos termos habituais, já o juiz está a fazer um julgamento expresso quanto a custas, uma vez que sabe que, faltando a ponderação a que alude a 2ª parte do preceito em análise, será aplicado aquele regime regra estabelecido na 1ª parte do mesmo preceito. Sendo certo, como resulta do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, o momento próprio para a condenação das partes, ou de alguma delas, em custas é a decisão que julga a ação. Portanto, existindo condenação expressa em custas, na sentença proferida nos autos, podemos concluir que não existiu qualquer omissão no tocante à condenação em custas, e assim, um eventual vício imputado pela Requerente a essa mesma condenação, consubstanciado no pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, terá que se reconduzir, necessariamente, a um eventual erro de julgamento. Ora, o erro de julgamento quanto a custas apenas poderá ser conhecido pelo juiz que proferiu a decisão, no caso de lhe ser expressamente pedida a reforma quanto a custas, ou pelo Tribunal Superior, por via do recurso. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados. No caso dos autos, encontrando-se a decisão da causa sob recurso, e nos termos das disposições legais citadas, não se conhece da requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. ».


Portanto, não há dúvida de que houve pronúncia expressa sobre o pedido. Não havendo nulidade da decisão por omissão de pronúncia, apenas resta averiguar a eventual existência do vicio de erro de julgamento.


Concorda-se com a recorrente na parte em que sustenta que a prolação da sentença não produz a imediata extinção do poder jurisdicional senão quanto “à matéria da causa”, mantendo-se esse poder quanto à condenação em custas.


É isso que resulta com mediana clareza do disposto nos artigos 613º, nº 1, e 616º, nº 1, do CPC, aplicáveis por sucessiva remissão dos artigos 2º da LGT, 2º do CPPT e 1º do CPTA, e também da jurisprudência conhecida sobre essa questão.


Portanto, a sentença recorrido decidiu desacertadamente nessa parte.


De qualquer maneira, impõe-se resolver a questão de saber se, mesmo não estando esgotado poder jurisdicional do juiz de 1ª instância, poderia este reformar a sentença no sentido pretendido pela Fazenda Pública, agora recorrente.


Vejamos:


O próprio despacho agora em causa referiu que, ao condenar em custas, sem emitir pronúncia expressa sobre o remanescente da taxa de justiça devida nos termos da lei, a sentença recorrida pretendeu dizer que esse tributo era efetivamente devido e que seria levado à conta, nos termos da lei. Ou seja, no fundo, o despacho indeferiu tacitamente o pedido.


Além disso, o despacho referiu, a final, que o juiz já não tinha poderes para emitir pronúncia expressa sobre a concreta pretensão porque a sentença se encontrava sob recurso e o seu poder jurisdicional se encontrava esgotado para a alterar, nos termos das disposições legais citadas.


Na verdade, sem prejuízo do poder de retificação oficiosa, nos termos dos artigos 614º e 607º, nº 6, do CPC, o artigo 616º, nº 1, do mesmo código dispõe que as partes podem requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a reforma da decisão quanto a custas, “sem prejuízo do disposto no nº 3”.


Ora, o referido nº 3 do mesmo artigo 616º dispõe que “Cabendo recurso da decisão que condene em custas (…) o requerimento previsto no nº 1é feito na alegação” do recurso. O que inclui, obviamente, a reforma quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se refere o artigo 6º, nº 7, do RCP.


Neste caso, o valor da ação excede manifestamente o valor da alçada, nada obstando ao recurso contra a decisão em causa, o qual, como acima se viu, foi efetivamente apresentado tanto pela Fazenda Pública como pela Impugnante.


Sucede, porém, que a Fazenda Pública não levou o referido requerimento às alegações do recurso que tempestivamente apresentou, e já acima apreciado.


De qualquer modo, aquele pedido ainda poderia ser apresentado no tribunal superior, desde que isso sucedesse antes do trânsito em julgado.


Pelo que, tal como decidido no despacho recorrido, embora com diferente fundamento legal, este Tribunal entende que o juiz que proferiu a sentença andou bem ao não conhecer expressamente o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, deixando essa tarefa para apreciação no Tribunal ad quem.


Na verdade, em caso de recurso, a sentença recorrida tem valor meramente provisório, pelo que cabe ao tribunal recorrido decidir também a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente.


Decidindo essa questão de imediato, este Tribunal considera que a “taxa de justiça”, tal como definida no artigo 529º, nº 2, do CPC e determinada nos termos do artigo 5º do RCP e tabelas anexas, entendida com “o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço”), tem a natureza jurídica de “tributo” do tipo “taxa” (artigos 103º da CRP e, 3º, nº 2, e 4º, nº, da LGT), sendo, portanto, um tributo sinalagmático que assenta na equivalência entre uma concreta e individualizada prestação de serviço público (de administração de justiça) e o valor da respetiva contraprestação tributária.


A taxa de justiça incide sobre o impulso processual (facto tributário) efetuado por cada um dos intervenientes e o seu montante determina-se com base no valor e na complexidade da causa, aplicando-se, na falta de outras disposições, os valores constantes da Tabela I-A do RCP ou, nos recursos, de acordo com a Tabela I-B (artigos 529º, nº 2, do CPC e 6º do RCP), devendo o pagamento ser efetuado previamente ao impulso processual (artigos 145º, nº 1, 552º, nº 7, e 570º, nº 1, do CPC e 14º, nº 1, do RCP).


De facto, extrai-se do preâmbulo do diploma (DL nº 34/2008, de 26 de fevereiro) que aprovou o RCP que: “De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.


Deste modo quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo


Na prática, a regra é a tributação (no processos de impugnação judicial) ser efetuada com base na referida Tabela.


No entanto, sempre que o valor do processo excede € 275.000,00, a taxa correspondente ao valor remanescente (que corresponde a 3UC por cada € 25.000,00 ou fração, no caso da Tabela I-A, ou 1,5 UC no caso da Tabela I-B ou 4,5 UC no caso da Tabela I-C) será considerada na conta final, salvo se a especificidade do caso o justificar e o juiz, de forma fundamentada e atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (artigo 6º, nº 7, do RCP).


Este Tribunal entende que essa possibilidade de “dispensa de pagamento” do “remanescente” não constitui um verdadeiro benefício fiscal, na aceção do artigo 2º do EBF, dado que não visa reduzir uma tributação efetivamente devida. Mais adequadamente, tal possibilidade de “dispensa de pagamento” deve ser percecionada como a atribuição ao juiz de um poder estritamente vinculado [dado que o crédito tributário é indisponível (artigo 30º, nº 2, da LGT)] para corrigir o ato tributário (liquidação), que resultaria da simples aplicação da Tabela I do RCP, de acordo com o “principio da equivalência” e da proporcionalidade entre o valor dessa liquidação e o serviço público (de administração da justiça) efetivamente prestado, reduzindo-o ao valor que esse decidente considere justo e equitativo.


Portanto, pede-se ao juiz que formule um juízo prático com vista a aferir, em função da complexidade do processo e do comportamento processual das partes, se o serviço efetivamente prestado pelo Estado carece de ser pago com recurso ao “remanescente” da taxa de justiça que resulta da aplicação das taxas previstas na Tabela I do RCP para processos de valor superior a € 275.000,00, podendo reduzir esse pagamento ou dispensá-lo completamente, conforme os casos. Ou seja: a dispensa total ou parcial do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor remanescente não é um favor pessoal nem um benefício fiscal concedido ao sujeito passivo e uma correspondente perda de receita tributária para o sujeito ativo, mas uma válvula de escape que visa evitar a prática de ato tributário ilícito por violação do princípio da equivalência.


Em qualquer caso, tal decisão carece de ser fundamentada sucintamente.


Em casos muito simples e em que o comportamento das partes seja irrepreensível (como acontecerá na maior parte dos casos) pode ser manifesto que a liquidação e pagamento da taxa de justiça remanescente podem ser totalmente dispensados, uma vez que o tributo liquidado sobre € 275.000,00 já respeita o “principio da equivalência” subjacente aos tributos sinalagmáticos.


Porém, não pode deixar de se atender a que as tabelas acabam por conformar um padrão que serve de orientação ao juiz, tendo em vista a máxima igualdade processual entre os cidadãos.


Assim, no caso dos autos, em que as questões suscitadas são numerosas e não são manifestamente simples, originando pelo menos três recursos (até agora), pode justificar-se a liquidação de taxa remanescente total ou parcial, mesmo sendo irrepreensível o comportamento processual das partes.


Contudo, uma vez que a taxa de justiça incide autonomamente sobre o valor do processo e sobre o valor dos recursos, e que as partes agiram com a lisura processual que seria de esperar, este Tribunal decide conceder provimento ao recurso agora sob análise, reduzindo o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida para 75% do valor que resultaria da tabela, por considerar que assim se respeita os princípios da proporcionalidade e da equivalência das taxas.


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IV- DECISÃO


Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

a. - Conceder parcial provimento ao recurso apresentado pela Impugnante, na parte referente às correções relativas às rendas prediais, no montante de € 953,800,59, revogando, nessa parte, a sentença recorrida;

b. Conceder parcial provimento ao recurso da Fazenda Pública, na parte referente às correções de royalties, e, julgando em substituição, julgar procedente a impugnação, nessa parte. com todas as consequências legais. No mais, negar provimento aos recursos;

c. Custas a cargo das Recorrentes, na proporção do decaimento, que se fixa em 5% para a impugnante e o resto para a Fazenda Pública;

d. Dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente na parte que excede 75% do valor que resultaria da Tabela a aplicar em cada uma das instâncias, sem prejuízo da não sujeição da Fazenda Pública a essa taxa, na parte correspondente ao recurso da Impugnante, dado que não contra-alegou;

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Lisboa, em 21 de novembro de 2024 – Rui A. S. Ferreira (relator) – Patrícia Manuel Pires e Tânia Meireles da Cunha (Adjuntas)


(1)Segue-se, nesta parte, de muito perto, os ensinamentos de Alberto Xavier, in Direito Tributário Internacional, Almedina 2014 – 2ª edição atualizada, pág. 433 a 469.


(2)- Significando isso que a atuação da administração pública para além dos limites da “prossecução do interesse público” poderá constituir desvio de poder e implicar a responsabilização disciplinar, civil ou criminal do seu autor, conforme o caso.