Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1824/07 |
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Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 06/26/2007 |
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Relator: | JOSÉ CORREIA |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO DE SISA-RECUSA DE DOCUMENTO-PRINCÍPIO DA CONFIDENCIALIDADE -IMPUGNABILIDADE DO ACTO DE AVALIAÇÃO DIRECTA-DEFICIT INSTRUTÓRIO. |
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Sumário: | I)- Não tendo admitido, como não admitiu, que o autor do documento recusado era interessado directo no procedimento e por isso podia valer-se do direito de informação procedimental, mas tão só do direito de acesso que diz estar restringido pelo sigilo fiscal (artº 64º da LGT) e não se verificar nenhuma das situações de excepção, permite-se a decisão recorrida declarar inacessíveis os elementos requeridos. II)- Todavia, a legitimidade do autor da declaração (participante da transacção) e da própria AT em dela dispor, terá de ser aferida em função das razões por ela aduzidas e ela terá de ser reconhecida se não for ilegal o fim visado e se se justificar o uso do meio processual pela utilidade que dele pode advir para o respectivo titular, no pressuposto de que vigora na Administração Pública a regra da publicidade no acesso às fontes de informação por ela própria, constituindo o segredo ou a confidencialidade a excepção. III)- E, não sendo admissível a adopção de um regime mais restrito de que o autorizado pelo próprio texto constitucional (cfr. nº 2 do artº 268º da CRP), as restrições àquele direito terão, sempre, de se conformarem com o princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade. IV)- Assim, o critério geral das restrições deve ser o de que estas terão de se limitar ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. artº 18º da CRP), pelo que daí decorre que ele não tutela de modo directo os segredos financeiros, fiscais ou comerciais, a menos que a sua divulgação venha a contender com questões de defesa nacional, segurança interna e política externa. V)- Não é esse o caso em que o autor do documento recusado, tem, no domínio do procedimento concreto, a qualidade jurídica de contribuinte, sujeito passivo de IRC atento o âmbito de incidência estatuído nos artºs 1º, 2º e 3º do CIRC e, como tal estava sujeita ao cumprimento das obrigações declarativas estatuídas no artº 16º do CIRC, ou seja, de declarar à administração fiscal, os elementos que contribuem para o lucro tributável e de a AT tem o direito de conhecer e aquele o dever de prestar por lhe dizerem directamente respeito no âmbito da sua esfera jurídica de sujeito passivo de imposto, por força do dever de colaboração ínsito no artº 59º da LGT. VI)- A AT alegou que o autor da relação era contribuinte e parte da relação jurídica de imposto como vendedora mas na decisão olvidou-se de todo esta questão, quando é certo que o direito à informação tem sempre como pressuposto subjectivo a titularidade de um interesse legalmente protegido ( no conhecimento dos elementos requeridos)- estando em causa o próprio interessado no procedimento administrativo, o que parece ser o caso. VII)- Os dados sobre a situação tributária dos contribuintes terão um carácter sigiloso se reveladores da capacidade contributiva do cidadão e são dados de natureza patrimonial (rendimento, situação patrimonial, aquisições) que podem respeitar à esfera de privacidade, mas não de intimidade de quem, por imperativo legal os forneceu. VIII)- Por isso, as referências à aquisição de determinado imóvel por determinada pessoa e por um preço concreto não fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artigo 26°, n° 1, da Constituição. IX)- Acresce que a LGT confere aos órgãos da Administração Tributária, em vista ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, amplos poderes, que envolvem, designadamente, o livre acesso às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais, e bem assim o exame dos seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária (cfr. artigo 63°, n°1, alíneas a) e b)). X)- E as recentes alterações legislativas nesta matéria vão no sentido do alargamento dos poderes da administração e do aligeiramento do segredo fiscal. É disso exemplo o normativo que estabelece que não contende com o dever de confidencialidade, a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada e a publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de actividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade (cfr. a redacção dada ao n° 5 do artigo 64° da LGT pela Lei 6OA/2005, de 30 de Dezembro), tudo no sentido de evitar a fraude fiscal, a corrupção ou a lavagem de dinheiro. XI)- Não constando da listagem recusada pelo sr Juiz a origem dos rendimentos do contribuinte nela mencionado não estamos perante uma situação de carácter reservado, abrangível pela confidencialidade fiscal, para efeitos do disposto no artigo 64° da LGT.” XII)- Acresce que a al. d) do nº 2 do artº 64º da LGT prevê mesmo que o dever de sigilo cessa em caso de colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil, o que quer dizer que, havendo o ajuizado documento sido junto com a resposta da Fazenda Pública no âmbito deste processo judicial, se o Mº Juiz no uso dos seus poderes inquisitórios poderia obtê-lo por requisição nos termos conjugados dos artºs 13º do CPPT e 535º do CPC, sendo também de atender aos dever de cooperação para a descoberta da verdade e à dispensa de confidencialidade pelo juiz da causa nos termos preconizados nos artºs. 519º e 519º A ainda do CPC, por maioria de razão se justificava que o admitisse aos autos a requerimento da parte contrária. XIII)- Tendo o dever legal de decidir de modo a que seja atingida a verdade material, o Tribunal pode lançar mão de todos os meios de prova em direito permitidos, uma vez que goza do poder do inquisitório ou da oficialidade a que se reportam aqueles preceitos legais: mesmo que o procedimento seja da iniciativa dos particulares, podendo também usar do princípio da audiência dos interessados, afectados com a decisão final, ordenando a sua notificação para participarem no conveniente esclarecimento dos factos e descoberta da verdade, visto que lhes é imposto tal dever de colaboração activa com a Administração (cfr. também os artº59º e 60º da LGT e 69º, 90º e 91º do CPA). XIV)- O princípio do inquisitório permitia, por isso, que a Administração recorresse a todos os meios de prova em direito permitidos, procedesse a diligências não requeridas, investigasse sobre matérias conexas que não hajam sido mencionadas no requerimento inicial e, até, resolvesse coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, se tal for a consequência imposta por lei ou pelo interesse público , pois a razão deste direito está no facto de, mesmo quando dinamizada por um interesse particular, a actividade administrativa ter sempre de visar o interesse público e na instrução predominar o sistema inquisitório (que é uma manifestação do princípio da legalidade da Administração). XV)- A subjectividade inerente a qualquer avaliação (seja directa, como a determinação do valor de um imóvel, seja a indirecta, como a assente em presunções) recomenda um esgotamento dos mecanismos administrativos de reapreciação, como meio de procurar diminuir essa carga subjectiva e, tendencialmente, promover a fixação tão objectiva quanto possível da matéria colectável, desejada pela lei (art. 84.°, n.° l, da L.G.T.) XVI)- Tendo em conta os critérios próprios da sisa- (cfr. nº 1 do artº 81º da LGT) os meios administrativos previstos para a revisão eram a avaliação nos termos dos artºs. 93 e ss do CIMSISSD, o recurso hierárquico (artºs. 66 e ss do CPPT) e a reclamação graciosa (artºs. 68º e ss do CPPT). |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acorda-se nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul: I.- RELATÓRIO Dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a impugnação judicial que A...havia interposto da liquidação adicional do imposto de SISA, do Imposto de Selo e dos juros compensatórios, dela vêm recorrer as EXMAS. REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA FAZENDA PÚBLICA recorrer, formulando, após alegações, as seguintes conclusões: O MINISTÉRIO PÚBLICO: I -Tendo em conta o documento de fls. 21 (cuja junção aos autos deve ser admitida por não violar o disposto no art° 26° n° 1 da CRP nem o art° 64° da LGT) deve considerar-se como facto provado que o preço real de venda do imóvel foi de 89. 783,62€, conforme foi alegado pela FP no art° 8° da contestação, e, em consequência, plenamente válida e legal a liquidação adicional de sisa impugnada, julgando-se improcedente a impugnação. II - Caso se entenda necessário a obtenção de outros elementos de prova (constantes nomeadamente da inspecção à sociedade vendedora a que se refere o documento não admitido), deverá ser revogada a douta sentença recorrida e ordenada a baixa dos autos à 1ª instância, para realização das diligências necessárias à descoberta da verdade nos termos dos art° 13° do CPPT e art° 99° da LGT. III -Não tendo assim decidido violou a douta sentença recorrida o disposto no art° 342° n° 1 e 344° n° 1 e 2 do Código Civil, art° 13° do CPPT e art° 64°, 74° e 99° da LGT. Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis entende que deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida em conformidade com as conclusões acima enunciadas com o que se fará a melhor Justiça. EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA: 1. A questão decidenda a apreciar no presente recurso é a seguinte: a Administração Tributária provou que o valor real da venda do imóvel não foi o declarado na escritura de compra e venda? 2. Da análise aos elementos de prova recolhidos durante a acção inspectiva efectuada à empresa D... - Desenvolvimento Urbanístico e Construções do Algarve, Lda, (sociedade vendedora do imóvel aqui em causa) verificou-se que os preços de venda das fracções foram superiores aos declarados pela empresa nas respectivas escrituras públicas de compra e venda e registados na contabilidade (Vide ponto III do Relatório da Inspecção Tributária - Doc. 1); 3. No decorrer daquela acção inspectiva à empresa D..., apurou-se que o ora impugnante adquiriu em 2001/11/12 a fracção "C" do prédio urbano destinado a habitação, sito na freguesia e concelho de Albufeira, que o valor escriturado daquela fracção foi de € 79 807,66 (Cfr. Doc. 2) mas que o valor real de aquisição foi de € 89 783,62, valor que corresponde ao crédito hipotecário contraído à data da aquisição, deduzido de € 4 987,98 referente à compra de um estacionamento, havendo assim uma diferença de € 9 975,96 (Vide ponto III do Relatório da Inspecção Tributária - Doc. 3); 4. A Administração Tributária carreou indícios seguros de que os preços de venda das fracções se encontravam subestimados, ou seja, não correspondiam aos reais, nomeadamente: a) o valor total dos dois empréstimos aproxima-se dos valores de mercado praticados, e b) dos valores confirmados como reais por outros proprietários que adquiriram fracções no mesmo empreendimento, c) atendeu-se ainda à localização privilegiada da urbanização, junto à Praia da Falésia em Albufeira, o nível da construção e, em especial, os equipamentos comuns do condomínio (piscinas, parque infantil, espaços verdes, campo de jogos - Cfr. Regulamento das Infraestruturas e Serviços Básicos da Urbanização Pine Sun Park anexo às respectivas escrituras de compras e vendas - Doc. 4). 5.Corroborando tal conclusão da Administração Tributária com a própria informação comercial da empresa destinada aos seus clientes (retirada da Internet) onde constava que: "(„,) se tratava de um complexo de luxo, localizado numa zona privilegiada... a 400 m do mar e do golfe..., em condomínio fechado com aproximadamente 70 000 m2, 370 apartamentos de luxo, de várias tipologias (construímos também segundo as necessidades do cliente), em edifícios de r/c e 3 pisos, rodeados de zonas verdes, entre pinheiros, quatro conjuntos de piscinas, parque infantil, campo de prática de golfe ..., apartamentos construídos, controlados e supervisionados sob altos níveis de exigência de qualidade e especificidade: os quartos de dormir são espaçosos, a sala comum inclui lareira e sistema de som, os terraços são amplos, a porta de entrada é blindada, as cozinhas incluem equipamento eléctrico com 5 anos de garantia (...)" - Vide ponto IV do RIT(Doc. 1); 6. A necessidade de melhoramentos em construções novas e "feitas por medida" é pouco credível, mas ainda que assim se considerasse que isso tivesse acontecido em alguns imóveis, tal facto nem sequer foi alegado pelo ora impugnante, pelo que não tem que ser analisada nem discutida essa questão nos presentes autos; 7. Assim sendo, não se pode concordar com o Mm.° Juiz "a quo" quando parte da afirmação do Inspector Tributário no seu depoimento "o prédio está bem localizado mas não é luxuoso" para deixar de valorizar o prospecto publicitário constante da internet e destinado aos clientes da sociedade vendedora D..., onde constava as características do empreendimento onde se situa o imóvel aqui em apreço; 8. Por outro lado, o Mm.° Juiz "a quo" afirma que "o relatório da inspecção tributária não se refere ao citado prospecto publicitário ao contrário da contestação" mas tal não corresponde inteiramente à verdade, salvo o devido respeito por melhor opinião, pois a Representação da Fazenda Pública retirou tal informação do relatório da sociedade vendedora, o qual foi desentranhado dos presentes autos por despacho do Mm.° Juiz mas que, salvo entendimento diferente, é indispensável como elemento probatório para uma boa decisão da causa (Vide recurso do despacho interlocutório interposto pela Fazenda Pública, o qual subirá nos autos com o presente recurso interposto da decisão final, nos termos do n.° l do Art° 285° do CPPT); 9.- O preço convencionado a que alude o Art.° 19.° § 2.° ai. a) do CIMSISD (em vigor à data dos factos), como constituindo a matéria colectável para efeitos de liquidação da sisa relativa à compra e venda de imóveis (a menos que o valor patrimonial o exceda) é o preço real; 10. A sisa incide sobre o valor por que os bens forem transmitidos e a importância em dinheiro paga a esse título pelo adquirente e não qualquer outro valor, designadamente, o indicado pelo comprador, ainda que seja o que consta da escritura de compra e venda, quando se demonstre que este não é o real, que é aplicável ao caso subjudice: 11. Ainda que a liquidação da sisa seja feita de acordo com a declaração do adquirente, a Administração Tributária tem o dever de fiscalizar a veracidade das declarações, designadamente, quanto ao preço (Vide Ac. do TCA do Norte de 13/10/2005, processo n.° 00301/04), ou seja, no âmbito do procedimento administrativo - tributário incumbe à Administração Tributária indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, só podendo culminar o procedimento com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário (princípio da verdade material - Art.° 50° do CPPT e Art.° 58 ° n.° l da L6T, sem prejuízo da obrigação dos contribuintes colaborarem na produção de provas (Art.° 59.° da L6T); 12. A Administração Tributária, na sequência das diligências levadas a efeito, ao abrigo do seu poder/dever de fiscalização, concluiu, e bem no nosso entendimento, que o preço real não foi o declarado mas superior, pois o facto de na escritura pública se referir que o preço é de € 79 807,66 não assume o valor probatório que o impugnante lhe pretende conferir, pois, os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos atestados com base em percepções do documentador ou dos que se passam na respectiva presença (Vide VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 111, pag 302 e PIRES DE UMA E ANTUNES VARELA, no Código Civil Anotado, Vol. I, páginas 327/328); 13. A força probatória a que alude o Art.° 371.° do CC não exclui que as declarações nele documentadas não sejam incorrectas, simuladas, afectadas por vícios de consentimento ou produzidas em circunstâncias que afectem a sua eficácia jurídica (Vide Ac. do STA de 1999/11/24, processo n.° 24 124), já que a escritura só tem força probatória plena no que concerne ao facto dos intervenientes terem declarado determinado preço para compra e venda mas não quanto ao facto de ser esse o preço realmente praticado; 14. Por isso, nada impede que a Administração Tributária, com base noutros elementos, designadamente os preços de mercado praticados no local e à época, os valores confirmados como reais por outros proprietários que adquiriram fracções no mesmo condomínio, a localização privilegiada daquela urbanização (junto à Praia da Falésia em Albufeira), o nível da construção e, em especial os equipamentos comuns do condomínio (piscinas, parque infantil, espaços verdes, campo de jogos), concluísse não ser o preço declarado pelo impugnante o realmente praticado; 15. Os meios probatórios apresentados pela Administração Tributária, e que serviram de base à conclusão de que o preço real foi, não o declarado de € 79 807,66 mas antes de € 89 783,62 e, consequentemente, estiveram na origem da liquidação adicional de sisa, permitiram dar como provado aquele facto; 16. A sentença recorrida fez, assim, incorrecta apreciação e valoração da prova documental e testemunhal (depoimento do Inspector Tributário) apresentada pela Fazenda Pública, senão veja-se, tanto do relatório elaborado à sociedade D... como ao impugnante decorrente das respectivas acções inspectivas (que têm que ser ambos conjugados), resulta que o valor escriturado foi considerado como não real devido aos seguintes factos:- valores de mercado praticados, -valores confirmados como reais por outros proprietários, -localização privilegiada da urbanização (Praia da Falésia em Albufeira), o nível da construção e, em especial, os equipamentos comuns do condomínio (piscinas, parque infantil, espaços verdes, campo de jogos); 17. O depoimento do Inspector Tributário não põe em causa aquilo que consta dos já citados relatórios, ao contrário daquilo que parece querer passar a douta sentença com as transcrições que faz do seu depoimento; 18. Acresce que, qualquer cidadão normal ou mesmo pouco diligente não desconhece que desde a década de 80, os construtores civis têm seguido a política da evasão ao pagamento do imposto que arrasta necessariamente os adquirentes dos imóveis que beneficiando também da evasão ao pagamento do imposto de sisa (actual IMT) com aqueles têm compactuado, escriturando o valor de venda dos imóveis por valores inferiores aos reais; 19. Qualquer observador comum que, em abstracto, avalie factos como aqueles que estão presentes e provados nos autos, não desafia nenhuma regra de raciocínio lógico se afirmar que eles sugerem fortemente a existência de omissão declarativa entre ambas as partes do negócio, a saber sociedade vendedora D..., Lda e o impugnante adquirente Augusto José Monteiro Valente; 20.O elevado grau de probabilidade que esta simulação apresenta à luz da experiência, do senso comum e dos elementos probatórios apresentados pela Administração Tributária, fazem com que seja um indício suficientemente forte e válido a ser levado em consideração, o que a douta sentença recorrida não relevou na sua decisão; 21. Assim, não há qualquer dúvida de que a Administração Tributária provou através de elementos factuais demonstrativos e seriamente índiciantes, que o impugnante escriturou o seu imóvel por um valor inferior ao real, pelo que a liquidação foi correctamente efectuada, não enfermando do vício de "errónea qualificação" que lhe imputa o impugnante; 22. Já quanto à questão do desentranhamento do documento apresentado pela Fazenda Pública, ao não admitir que a presente impugnação o contenha, o qual constitui um dos suportes de prova que fundamenta a liquidação adicional de Sisa impugnada decorrente da simulação de preço ocorrida entre as partes intervenientes, o Mm° Juiz "a quo" violou o princípio do contraditório que visa permitir a alegação e prova de factos destinados a infirmar os pressupostos de facto que subjazem aos actos impugnados, ou seja; 23.0 Mm° Juiz "a quo" ao afirmar de forma conclusiva que essa diligência probatória é irrelevante para o caso em apreço, salvo o devido respeito e melhor entendimento, incorreu em "vício de presciência" sobre o resultado probatório que esse meio de prova podia trazer aos autos, violando a lei ao recusar prova susceptível de influenciar o exame e decisão da causa; 24. Assim, o douto despacho recorrido enferma de erro de julgamento, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade, nos termos do Art.° 45.° do CPPT e do Art.° 13 ° da CRP (Vide Ac. do TCA do Sul de 07/11/2006, processo n.° 1398/06); 25. E a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando decidiu que a Administração Tributária não demonstrou que o preço escriturado não correspondeu ao real, violando, assim, as normas legais do Art.° 19.° § 2.° aL. a) do CIMSISD, do Art.° 74.° n ° l da LGT e do Art ° 342.° n ° l do CC. Pelo exposto, entende que deve ser dado provimento ao recurso do despacho interlocutório, o qual subirá nos autos com o presente recurso interposto da decisão final, nos termos do Art.° 285.° n.° l do CPPT, revogando esse despacho recorrido que terá de ser substituído por outro que admita a junção do documento apresentado pela Fazenda Pública, e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal "a quo" para que seja completada a instrução com a admissão do referido documento, seguida da legal tramitação processual e a prolação de sentença e/ou deve também ser dado provimento ao recurso da decisão final e consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA. A EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, recorrera, outrossim, do despacho exarado a fls. 68 e 69 que ordenou o desentranhamento do documento de fls. 21 (relatório da Inspecção Tributária efectuada à empresa D... - Desenvolvimento Urbanístico e Construções do Algarve, Lda, (sociedade vendedora do imóvel aqui em causa), formulando as seguintes conclusões: 1- A junção aos autos do citado documento pelo Representante da Fazenda Pública é um direito que lhe assiste, nos termos do Art. 20.° da CRP e que não contende nem com o Art.° 26.° da CRP nem com o Art.° 64.° da L6T, ou seja; 2- O Art.° 26.° da CRP consagra, entre vários direitos pessoais, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (n.° 1), o qual se encontra estreitamente ligado ao direito ao sigilo profissional; 3- Esta disposição constitucional visa proteger, fundamentalmente, a esfera privada e pessoal dos cidadãos, podendo considerar-se que não abrange necessariamente a sua esfera profissional e económica, a qual foi deixada ao legislador ordinário a tarefa de legislar sobre a matéria de protecção da confidencialidade (Vide Ciência e Técnica Fiscal n.° 364 "A protecção da confidencialidade em matéria fiscal", Maria Margarida Mesquita); 4- O CPPT incluí normas relativas à revelação aos Tribunais Tributários de dados relativos à situação tributária dos contribuintes, que permitem concluir que o dever de confidencialidade não obsta à revelação de tais dados ao Tribunal, nos processos de natureza tributária, onde se inclui a presente impugnação judicial - Cfr. Art.°s 110.° n.° l ai. b), c) e d) do CPPT; 5- Assim sendo, o documento desentranhado não contende com o direito de sigilo da sociedade inspeccionada por duas ordens de razão: primeiro a sociedade vendeu um imóvel ao impugnante, por isso, foi uma das partes intervenientes na transacção; segundo porque foi através da acção inspectiva efectuada à sua contabilidade que foi individualizada a simulação de preço ocorrida relativamente à fracção adquirida pelo impugnante; 6- Não se vislumbra, desta forma, que a referida sociedade possa ser considerada terceiro para efeitos da presente impugnação judicial (aí sim se estaria a violar o seu direito de sigilo e confidencialidade ao apresentar o documento aqui em causa), muito menos considerar aquele documento como confidencial, pois, nele estão contidos dados relativos ao ora impugnante (ponto IH.2.1. do RIT) que se mostram relevantes e necessários à prova dos factos alegados na contestação da Fazenda Pública; 7- A junção aos autos do referido documento pela Fazenda Pública serviu para fazer prova de toda a factualidade discutida nos autos, que permitiu à Administração Tributária concluir que os preços declarados nas escrituras de compra e venda dos diversos adquirentes eram inferiores aos preços reais praticados (onde se inclui o ora impugnante) e onde também consta as próprias declarações de alguns compradores corroborando com esse entendimento; 8- O Mm° Juiz "a quo" ao afirmar de forma conclusiva que essa diligência probatória é irrelevante para o caso em apreço, salvo o devido respeito e melhor entendimento, incorreu em "vício de presciência" sobre o resultado probatório que esse meio de prova podia trazer aos autos, violando a lei ao recusar prova susceptível de influenciar o exame e decisão da causa; 9- As provas têm, essencialmente, por função a demonstração da realidade dos factos, nos termos do Art.° 341.° do CC, e foi, por isso, que a Fazenda Pública apresentou esse meio de prova; 10- Ao não admitir que a presente impugnação contenha o documento junto pela Fazenda Pública, que constitui um dos suportes de prova que fundamenta a liquidação adicional de Sisa impugnada decorrente da simulação de preço ocorrida entre as partes intervenientes, o Mm° Juiz "a quo" violou o princípio do contraditório que visa permitir a alegação e prova de factos destinados a infirmar os pressupostos de facto que subjazem aos actos impugnados; 11- Assim sendo, o douto despacho recorrido enferma de erro de julgamento, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade, nos termos do Art.° 45.° do CPPT e do Art.° 13.° da CRP. Pelo exposto deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogado o douto despacho recorrido e admitido nos autos o documento desentranhado, assim se fazendo JUSTIÇA. Foram apresentadas contra – alegações às do recurso da sentença, com as seguintes conclusões: 42.Assim sendo, se conclui: A) A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não provou quais seriam os valores de mercado pelo que também não pode provar que o valor dos dois empréstimos se aproximaria daqueles B) A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não provou que os valores (alegadamente) confirmados por outros proprietários do mesmo empreendimento seriam aproximados aos do valor dos empréstimos contraídos pelo recorrido C) A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não provou que a localização e equipamentos do empreendimento fossem de luxo e não tendo provado valores comparativos não provou e nem o poderia fazer, de que por tal razão o preço declarado na escritura de compra e venda tivesse sido simulado. D) A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não provou que o valor real da venda não foi o declarado na escritura de compra e venda E) A junção do doe, de fls. 21 por se referir a outro sujeito passivo não deve ser readmitido como parte do processo e nem devem ser ordenadas quaisquer outras diligências que violem o dever de sigilo a que a Administração Tributária está obrigada F) Não devem ser admitidas novas diligências pois competia à Administração Tributária o carrear das provas para fundamentar a liquidação efectuada G) A liquidação adicional de Sisa efectuada pela Administração tributária é ilegal porque baseando-se em presunções não respeitou a forma e prazo legal previsto no artigo 57° do CIMSISD para promover a avaliação do imóvel e corrigir a matéria tributável. Face ao exposto e por não sido incorrectamente apreciada ou valorada a prova produzida em Tribunal devem as alegações de recurso apresentadas pela Administração Tributária e pelo Ministério Publico serem julgadas improcedentes peio que DEVERÁ a aliás Douta sentença recorrida SER MANTIDA, negando-se provimento aos recursos pois só assim se FARÁ JUSTIÇA! Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos. * 2.-FUNDAMENTOS2.1.DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório, ordenado numericamente por nossa iniciativa: 1. Factos provados relevantes. 1.1. Da petição inicial. 1.- Por escritura de 12 de Novembro de 2001, adquiriu à sociedade D... -Desenvolvimento Urbanístico e Construções do Algarve, Lda uma fracção em estado de uso de tipologia Tl -fracção B do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da freguesia de Albufeira, concelho de Albufeira, sob o n.° 4523, pelo preço de € 79.807,66 (16.000.000$00, na moeda que então vigorava). 2.- Nessa mesma data e à mesma sociedade vendedora, adquiriu um sexto da fracção autónoma destinada a garagem, designada por letra "M" sita no lote 7, Várzeas de Quarteira ou Pinhal do Concelho, Zona A-l, em Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial da freguesia de Albufeira, concelho de Albufeira, sob o n.° 04524, pelo preço 4.987,98 (1.000.000$00 na moeda que então vigorava). 3.- O ora Impugnante contraiu dois empréstimos sendo um deles para aquisição do imóvel e outro pelo menos para compra da garagem. 4.- Sucedeu que a vendedora, D... - Desenvolvimento Urbanístico e Construções do Algarve, Ld.a, foi objecto de uma acção de fiscalização, através da qual foi verificado que alguns dos seus clientes contraíram financiamentos de valor superior ao de aquisição das fracções adquiridas. 5.- Entre os quais o ora Impugnante. 6.- Onde o Inspector Tributário concluiu que o verdadeiro valor de aquisição das fracções fora o do total do crédito obtido. 1.2. Da contestação. 7.- A sociedade D... - Desenvolvimento Urbanístico e Construções do Algarve, Ld.a, com sede em Chaves, procedeu à construção para venda de um condomínio fechado situado em Albufeira e constituído por 370 apartamentos, garagens e diversas infra-estruturas e serviços básicos comuns, aos quais lhe cabia assegurar a sua gestão. 8.- Os preços de venda de alguma das fracções foram superiores aos declarados pela empresa nas respectivas escrituras públicas de compra e venda e registados na contabilidade. 9.- Houve adquirentes que contraíram empréstimos hipotecários de montante superior ao preço constante nas escrituras de compra e venda e que notificados para justificar a diferença não forneceram quaisquer elementos justificativos da mesma. 10.- O Inspector Tributário considerou que o valor de aquisição foi de € 89.783,62, valor que correspondia ao crédito hipotecário contraído à data da aquisição deduzido de 4.987,98 referente à compra de um estacionamento, havendo assim uma diferença de € 9.975,98. 11.- A correcção proposta pelos Serviços é referente a esta diferença, apurando a falta de imposto de sisa montante de €1.085,38 e a imposto de selo no valor de € 79,81. 12.- O projecto de relatório de inspecção foi notificado à impugnante através do oficio n. ° 17.681 de 2004.09.28, o qual veio exercer o direito de audição alegando que o valor inicialmente declarado para efeitos de imposto de sisa e imposto de selo está correcto e que o segundo empréstimo que contraiu não foi aplicado na aquisição do imóvel em causa mas sim em despesas com a aquisição do estacionamento e ainda despesas com escrituras, impostos, registos, contratos de ligação de água e luz, móveis e decoração do apartamento. 13.- Os Serviços não consideraram tal argumentação com o fundamento em que o Impugnante não apresentou qualquer documento comprovativo da utilização do segundo empréstimo. 14.- No segundo empréstimo também foi constituída hipoteca sobre a referida fracção. 15.- E consideraram que do valor total dos dois empréstimos resultou a sua proximidade dos valores de mercado praticados e de valores já confirmados como reais por outros proprietários que adquiriram fracções no mesmo condomínio. * 2. Factos não provados.2.1. Da petição inicial. 16.- O outro dos dois empréstimos que o ora Impugnante contraiu, no valor de € 14.963,94 (então 3.000.000$00, foi para, além da compra da garagem, suportar outras despesas relativas às compras efectuadas tais como escrituras, sisa, registos (total de 4,156,66 € equivalente a 833.335$00) e encargos fiscais (imposto de selo no valor de 568,73 € equivalente a 114.020$00 directamente deduzidos do valor do crédito concedido pelo banco. 17.- Obteve crédito bancário em montante que excedeu o preço propriamente dito do imóvel já que pretenderam financiar as aplicações a que atrás se aludiu. 18.- O crédito pedido foi, por conseguinte, quantificado tendo em conta, quer o valor de aquisição do apartamento, quer as aplicações adicionais com ele visadas. * 2.2. Da contestação.19.- O valor de aquisição da aludida fracção foi de € 114.723,52. * 3. Fundamentação do julgamento.A decisão da matéria de facto fundou-se no teor do processo administrativo, nos documentos juntos aos autos e no depoimento prestado em juízo. Deve referir-se que a testemunha Carlos Freiras, Inspector Tributário, disse que sabia ter havido outros compradores de prédios similares no local que admitiram terem comprado simuladamente e que, confrontados com isso, corrigiram a sisa e o imposto de selo devidos sobre o remanescente ainda não declarado. Também esclareceu que os valores ora corrigidos ficavam mais próximo desses valores, embora tenha admitido que o não fossem, dando, assim, margem para dúvidas sobre a questão. De resto, também não deixa de se assinalar que a testemunha disse que na visita que fez ao local viu fracções em obras de remodelação, sem que daí se partisse (o que, a propósito de outro comprador, o próprio Representante da Fazenda Pública referiu na contestação não parecer ser normal...) para dar por assente que assim aconteceu com a dos Impugnantes. Esclareceu que o prédio está bem localizado mas não é luxuoso. Daí que se não possa deixar de considerar desvalorizado o prospecto publicitário que o Representante da Fazenda Pública disse que os serviços inspectivos viram na internet e que faziam alusão a essa característica do empreendimento e também da fracção. * 2.2.- DO DIREITO:Esquematizados os factos provados e delimitado objectivamente o recurso pelas conclusões da alegação dos recorrentes- artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC - verifica-se que a questão a decidir em primeiro lugar consiste em saber se foi ou não correcta a decisão do M° juiz ao mandar desentranhar o documento de fls. 21 a 37 dos autos, que havia sido junto pela Exma. RFP com a contestação. No despacho recorrido exarado a fls. 68/69, é do seguinte teor: 1. O Impugnante veio opor-se a que se mantivesse nos autos o documento n.° 1 junto pelo Exm.° Sr. Representante da Fazenda Pública, com o fundamento em que o mesmo respeita a uma inspecção efectuada pelos serviços da Administração Fiscal à sociedade D.... Por seu turno, o Exm.° Sr. Representante da Fazenda Pública pugna pelo oposto, invocando que nesse relatório da inspecção tributária consta uma referência ao Impugnante. * 2. Dispõe o art.° 26.°, n.° 1 da Constituição da República dispõe o seguinte:«A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.» Corporizando tal direito, veio o art.° 64.° da Lei Geral Tributária abaixo se indica: «1. Os dirigentes, funcionários e agentes , da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional1 ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado. 2. O dever de sigilo cessa em caso de: a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária; b)Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes; c )Assistência mútua e cooperação" da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estive prevista reciprocidade; d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal 3. O dever de confidencial idade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária. 4. O dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito. 5. Não contende com o dever de confidencialidade a publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de actividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deverá organizar anualmente afim de assegurar a transparência e publicidade.» Assim sendo, não podemos de concordar com o Impugnante, sendo irrelevante, para o caso, a circunstância do relatório da inspecção tributária em questão conter uma referência àquele, já que o titular do direito de sigilo não é este mas sim a sociedade inspeccionada. * 3. Face ao exposto, não admito a junção aos autos do referido documento (folhas 22 a 38), o qual determino seja desentranhado e devolvido ao Exm.° Sr. Representante da Fazenda Pública.A ERFP insurge-se contra o assim fundamentado e decidido, sustentando, em substância, que o documento desentranhado não contende com o direito de sigilo da sociedade inspeccionada por duas ordens de razão: primeiro a sociedade vendeu um imóvel ao impugnante, por isso, foi uma das partes intervenientes na transacção; segundo porque foi através da acção inspectiva efectuada à contabilidade da empresa vendedora, que foi individualizada a simulação de preço ocorrida relativamente à fracção adquirida pelo impugnante. Por isso, ainda segundo a recorrente FªPª, não se vislumbra que a referida sociedade possa ser considerada terceiro para efeitos da presente impugnação judicial (aí sim se estaria a violar o seu direito de sigilo e confidencialidade ao apresentar o documento aqui em causa), muito menos considerar aquele documento como confidencial, pois, nele estão contidos dados relativos ao ora impugnante (ponto III.2.1 do RIT) que se mostram relevantes e necessários à prova dos factos alegados na contestação da Fazenda Pública. Consequentemente, a junção aos autos do referido documento pela Fazenda Pública serviu para fazer prova de toda a factualidade discutida nos autos, que permitiu à Administração Tributária concluir que os preços declarados nas escrituras de compra e venda dos diversos adquirentes eram inferiores aos preços reais praticados (onde se inclui os ora impugnantes). Já o recorrido, na sua contra -alegação, adere à fundamentação da decisão recorrida, entendendo que foi feito um correcto julgamento quanto à prova trazida aos autos pela Representante da Fazenda Pública, constante de fls. 21 e ss dos autos, uma vez que é, de facto, violadora dos artigos 26° n° l da Constituição da República Portuguesa e 64° da lei Geral Tributária. Quid juris? A questão enunciada foi tratada no Acórdão deste TCAS de 07/11/2006, no Recurso nº 1398/06, por nós relatado, no qual, versando sobre o descritor “recusa de documento à luz do princípio da confidencialidade consagrado no artº 64º da LGT” adoptou a seguinte fundamentação que se vai adaptar ao caso concreto: Como é manifesto, a decisão recorrida aponta, no fundamental, para o entendimento de que a AT não podia valer-se do direito à informação consagrado nos artºs 61º a 64º do CPA por não ser titular de um interesse legalmente protegido no conhecimento dos elementos requeridos por não ser o próprio interessado no procedimento administrativo e, como terceiro estranho ao procedimento, com base no direito de acesso, estar em causa a intimidade das pessoas ou cidadãos que seria gravemente afectada pela satisfação da pretensão da requerente, por violadora do sigilo fiscal consagrado nos artºs 64º da LGT e 22º do RCPIT. O artº 7º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e, especialmente, em correspondência, o artº 59º da LGT, consagra o princípio da colaboração da Administração com os particulares ao estatuir que os órgãos da Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no desempenho da função administrativa, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam (cfr. nº 1/a)-) e que a colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como as relações económicas que mantenha com terceiros. Trata-se, claramente, de um princípio geral sobre organização administrativa que se polariza em dois objectivos fundamentais:- em primeiro lugar, o de consagrar o dever de prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, sendo abrangente de toda a actividade administrativa e não apenas a que se desenvolve na relação administrativa; no reverso, a prestação, pelos contribuintes, dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como as relações económicas que mantenha com terceiros. Daí que se deva ver neste corolário a afirmação do direito consagrado no artº 42º, nº 2 da CRP (Constituição da República Portuguesa) que confere ao cidadão o estatuto de elemento fundamental na formação da decisão pública e de participação democrática, sendo que o direito à informação se alicerça ainda no artº 268º, nº 1, da CRP, direito esse que é típico de uma Administração aberta, abrangendo toda e qualquer fase do procedimento administrativo, podendo ser o seu não acatamento ou deficiente cumprimento, fonte de responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados; em segundo lugar, o dever de apoiar e estimular as iniciativas e receber as suas sugestões e informações, pondo nas mãos do cidadão um instrumento de intervenção junto da Administração, incutindo nela o sentido permanente de que a sua acção não pode perder de vista os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e os fins dos poderes que lhe foram concedidos por lei. Estamos, pois, na presença do princípio do arquivo aberto que poderá levar à responsabilização da entidade administrativa não só pela recusa de informação como pela informação deficiente ou errada, desde que daí advenham prejuízos para o particular, isso também por força da responsabilidade dos entes públicos cominada no artº 21º do CPA e também face às exigências decorrentes do princípio da confiança (cfr. artº 22º, 271º da CRP), o que revela bem a natureza subjectiva do direito à informação/colaboração, e que o particular goza de garantia constitucional e de um direito subjectivo à informação objectiva. Dispõe o nº 1 do artº 61º do CPA que “os particulares têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas”. Extrai-se desse inciso legal que o interessado tem de ser directo por estarem em causa direitos e interesses que o particular pretende acautelar, sendo que no artº 64º do mesmo compêndio legal se consagra a extensão do direito de informação segundo a qual os direitos reconhecidos nos artigos 61º a 63º são extensivos a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam. Por outro lado, o direito à informação exclui qualquer direito ao segredo por parte da Administração, a não ser no que se refere às questões de defesa nacional, à segurança interna e política externa, à investigação criminal e à tutela de direitos fundamentais dos cidadãos, em especial o respeito da intimidade da sua vida privada e familiar e isso porque o direito à informação tem natureza e regime análogos aos ”direitos, liberdades e garantias” enunciados no Título II da Parte I da Lei Fundamental e está subordinado ao mesmo regime ( cfr. artºs 17º e 18º da CRP). Ainda assim há que distinguir o direito procedimental à informação – artº 61º e 64º do CPA – e o direito não procedimental de acesso aos arquivos e registos administrativos ( artº 65º do CPA) e Lei nº 65/93, de 26/8). O direito procedimental à informação pressupõe a existência de um processo pendente e um interesse directo e legítimo do requerente (entendendo-se como interesse legítimo qualquer interesse legalmente atendível), enquanto que o direito não procedimental de acesso aos arquivos e registos administrativos é conferido a todas as pessoas. A base desses direitos é o artº 268º da CRP que no nº 1 consagra um direito fundamental à informação dos directamente interessados num procedimento administrativo e no nº 2 o princípio do arquivo aberto “open file”. É neste contexto que o direito à informação, porque não é um direito absoluto, sofre limitações ou restrições, que têm que ter expressa autorização constitucional, revestir forma de lei ou de decreto – lei autorizado, respeitar o princípio da proporcionalidade e ressalvar o conteúdo essencial do direito fundamental ( artºs. 17º e 18º da CRP). Mas, sendo princípio geral o de que a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo reconhecer coactivamente, o meio procedimento previsto para o exercício da tutela jurisdicional do direito à informação procedimental era ao tempo dos factos o constante do artº 82º da LPTA, impondo-se que o mesmo abarque e tenha a amplitude que os artºs. 61º e 62º do CPA vieram conferir à informação procedimental ( nesse sentido, os Acórdãos do STA de 10/01/1995 e de 26/3/1996, nos Recursos n.ºs 36 095 e 39 724, respectivamente). Sucede que o uso, pela própria AT, tem como limite a os direitos pessoais nos termos do artº 26º nº 1 da CRP e a confidencialidade consagrada no artº 64º da LGT. Dizem-nos aqueles preceitos que: Artigo 26°, n° 1, da Constituição (Outros direitos pessoais): "1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, ã imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação". Artigo 64° da LGT (Confidencialidade): "1 - Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.” Donde que o direito à confidencialidade/informação procedimental «in casu», segundo a decisão recorrida, estava limitado pelos direitos pessoais, havendo a junção dos ajuizados documentos sido recusada com fundamento em dever de sigilo. Todavia, não o fez porque circunscrito a documentos de carácter secreto ou confidencial ou passíveis de comprometer ou prejudicar um interesse público especialmente relevante, como a segurança nacional, a política externa ou os direitos fundamentais dos cidadãos, por referência ao então vigente no nº 3 do artº 82º da LPTA, mas, descentrando a questão do direito de informação consagrado no nº 4 do artº 37º da Constituição, para o direito de acesso, a que levanta os limites que decorrem da existência de outros princípios ou direitos, maxime, a intimidade das pessoas ou cidadãos, a confidencialidade fiscal e o segredo fiscal, levando implicada a confiança entre o cidadão/contribuinte e a Administração Tributária, (...) valor com assento constitucional (artºs. 26º nºs 1 e 2, 35º, nºs 2 e 3 e 268º, nº 2 da CRP). Não tendo admitido, como não admitiu, que o autor do documento recusado era interessado directo no procedimento e por isso podia valer-se do direito de informação procedimental, mas tão só do direito de acesso que diz estar restringido pelo sigilo fiscal (artº 64º da LGT) e não se verificar nenhuma das situações de excepção, permite-se a decisão recorrida declarar inacessíveis os elementos requeridos. Todavia, a legitimidade do autor da declaração (participante da transacção) e da própria AT em dela dispor, terá de ser aferida em função das razões por ela aduzidas e ela terá de ser reconhecida se não for ilegal o fim visado e se se justificar o uso do meio processual pela utilidade que dele pode advir para o respectivo titular, no pressuposto de que vigora na Administração Pública a regra da publicidade no acesso às fontes de informação por ela própria, constituindo o segredo ou a confidencialidade a excepção. E, não sendo admissível a adopção de um regime mais restrito de que o autorizado pelo próprio texto constitucional (cfr. nº 2 do artº 268º da CRP), as restrições àquele direito terão, sempre, de se conformarem com o princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade (vide J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MORREIRA, CRP ANOTADA, PÁG. 935). Vale isto por dizer que o critério geral das restrições deve ser o de que estas terão de se limitar ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. artº 18º da CRP), pelo que daí decorre que ele não tutela de modo directo os segredos financeiros, fiscais ou comerciais, a menos que a sua divulgação venha a contender com questões de defesa nacional, segurança interna e política externa, o que manifestamente não é o caso. É que o autor do documento recusado, tem, no domínio do procedimento concreto, a qualidade jurídica de contribuinte, sujeito passivo de IRC, atento o âmbito de incidência estatuído nos artºs 1º, 2º e 3º do CIRC e o disposto no artº 7º do CIMSISD, que diz:- “A sisa e o imposto sobre as sucessões e doações são devidos por aqueles a quem se transmitirem os bens”. Como tal está sujeita ao cumprimento das obrigações declarativas estatuídas no artº 16º do CIRC, ou seja, de declarar à administração fiscal, os elementos que contribuem para o lucro tributável e de a AT tem o direito de conhecer e aquele o dever de prestar por lhe dizerem directamente respeito no âmbito da sua esfera jurídica de sujeito passivo de imposto, por força do dever de colaboração ínsito no artº 59º da LGT. A AT alegou que o autor da relação era contribuinte e parte da relação jurídica de imposto como vendedora mas na decisão olvidou-se de todo esta questão, quando é certo que o direito à informação tem sempre como pressuposto subjectivo a titularidade de um interesse legalmente protegido (no conhecimento dos elementos requeridos) - estando em causa o próprio interessado no procedimento administrativo, o que parece ser o caso. Equacionada não foi, sequer, a questão, que a recorrente expressamente suscitou, de o documento provir do vendedor e as consequências derivadas dessa qualidade em relação a um procedimento em que eventualmente estão em investigação factos que poderão traduzir a existência de valores com relevância jurídico – fiscal no âmbito do imposto de sisa se os impugnantes, mesmo em razão dos seus interesses particulares (nesse caso coincidentes com o próprio interesse público!), os achar incorrecto. Neste ponto, mais concretamente sobre o que deve entender-se por dados relativos à situação tributária dos contribuintes, louvamo-nos no douto parecer do EPGA quando remete para o Parecer n° 20/94, de 9/2/95, emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, com as seguintes conclusões: "1 - A expressão "dados relativos à situação tributária dos contribuintes", constante da alínea d) do artigo 17° do Código de Processo Tributário (hoje constante do n° 1 do artigo 64° da LGT) abrange, na sua previsão, quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas colectivas, comerciantes ou não comerciantes. - A "confidencialidade" protegida na disposição referida na conclusão anterior não abrange os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, v. g., os registos predial, comercial e civil. A ideia fundamental é esta: Os dados terão um carácter sigiloso se reveladores da capacidade contributiva do cidadão."São dados de natureza patrimonial (rendimento, situação patrimonial, aquisições) que podem respeitar à esfera de privacidade, mas não de intimidade de quem, por imperativo legal os forneceu" (Saldanha Sanches, ibidem, pág. 36). Ora, as referências à aquisição de determinado imóvel por determinada pessoa e por um preço concreto não fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artigo 26° n° 1, da Constituição. Acresce que a LGT confere aos órgãos da Administração Tributária, em vista ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, amplos poderes, que envolvem, designadamente, o livre acesso às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais, e bem assim o exame dos seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária (cfr. artigo 63°, n°1, alíneas a) e b)). Ora, as recentes alterações legislativas nesta matéria vão no sentido do alargamento dos poderes da administração e do aligeiramento do segredo fiscal. É disso exemplo o normativo que estabelece que não contende com o dever de confidencialidade, a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada e a publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de actividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade (cfr. a redacção dada ao n° 5 do artigo 64° da LGT pela Lei 6OA/2005, de 30 de Dezembro). Tudo no sentido de evitar a fraude fiscal, a corrupção ou a lavagem de dinheiro. Não constando da listagem em causa a origem dos rendimentos dos contribuintes nela mencionados não estamos perante uma situação de carácter reservado, abrangível pela confidencialidade fiscal, para efeitos do disposto no artigo 64° da LGT.” Acresce que a al. d) do nº 2 do artº 64º da LGT prevê mesmo que o dever de sigilo cessa em caso de colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil, o que quer dizer que, havendo o ajuizado documento sido junto com a resposta da Fazenda Pública no âmbito deste processo judicial, se o Mº Juiz no uso dos seus poderes inquisitórios poderia obtê-lo por requisição nos termos conjugados dos artºs 13º do CPPT e 535º do CPC, sendo também de atender ao dever de cooperação para a descoberta da verdade e à dispensa de confidencialidade pelo juiz da causa nos termos preconizados nos artºs. 519º e 519º A ainda do CPC, por maioria de razão se justificava que o admitisse aos autos a requerimento da parte contrária. Debalde, portanto, buscamos na decisão em causa a mais leve abordagem da questão da titularidade de um interesse legítimo da recorrente (que é, nem mais nem menos, que o interesse público na descoberta da verdade), apesar dele ser patente. Pertinentemente, impõe-se referir que o juiz «a quo» deveria ter apreciado a questão por esta vertente, o que não está em correspondência directa com os deveres que lhe eram impostos nos termos dos citados normativos. Com efeito, aí se declara que, tendo o dever legal de decidir de modo a que seja atingida a verdade material, o Tribunal pode lançar mão de todos os meios de prova em direito permitidos, uma vez que goza do poder do inquisitório ou da oficialidade a que se reportam aqueles preceitos legais: mesmo que o procedimento seja da iniciativa dos particulares, podendo também usar do princípio da audiência dos interessados, afectados com a decisão final, ordenando a sua notificação para participarem no conveniente esclarecimento dos factos e descoberta da verdade, visto que lhes é imposto tal dever de colaboração activa com a Administração (cfr. também os artº59º e 60º da LGT e 69º, 90º e 91º do CPA). O princípio do inquisitório permitia, por isso, que a Administração recorresse a todos os meios de prova em direito permitidos, procedesse a diligências não requeridas, investigasse sobre matérias conexas que não hajam sido mencionadas no requerimento inicial e, até, resolvesse coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, se tal for a consequência imposta por lei ou pelo interesse público, pois a razão deste direito está no facto de, mesmo quando dinamizada por um interesse particular, a actividade administrativa ter sempre de visar o interesse público e na instrução predominar o sistema inquisitório (que é uma manifestação do princípio da legalidade da Administração). Ora, a decisão recorrida, «in casu», postergou esse poder/dever ao mandar desentranhar o ajuizado documento e, assim, não poderá manter-se. * Porém, será que os elementos documentais cujo desentranhamento foi ordenado têm a eficácia probatória pretendida pelos recorrentes?Pretende o MP que deve considerar-se como facto provado que o preço real de venda do imóvel foi de 89. 783,62€, conforme foi alegado pela FP no art° 8° da contestação. O mesmo afirma a FªPª:- no decorrer daquela acção inspectiva à empresa D..., apurou-se que o ora impugnante adquiriu em 2001/11/12 a fracção "C" do prédio urbano destinado a habitação, sito na freguesia e concelho de Albufeira, que o valor escriturado daquela fracção foi de € 79 807,66 (Cfr. Doc. 2) mas que o valor real de aquisição foi de € 89 783,62, valor que corresponde ao crédito hipotecário contraído à data da aquisição, deduzido de € 4 987,98 referente à compra de um estacionamento, havendo assim uma diferença de € 9 975,96 (Vide ponto III do Relatório da Inspecção Tributária - Doc. 3). O Mº juiz «a quo» considerou como não provada essa factualidade. Sustenta as recorrentes que foi através da acção inspectiva efectuada à empresa vendedora, que retirou a existência de negócios simulados quanto ao valor, sendo através do respectivo relatório que essa conclusão pode extrair-se, correspondente ao documento desentranhado pelo Mm.° Juiz "a quo". Ora, foi a junção aos autos do referido documento pela Fazenda Pública serviu para fazer prova de toda a factualidade discutida nos autos, que permitiu à Administração Tributária concluir que o preço declarado na escritura de compra e venda do adquirente era inferiores ao preço real praticado. Segundo a recorrente FªPª, o Mm° Juiz "a quo" ao afirmar de forma conclusiva que essa diligência probatória não é admissível para o caso em apreço, salvo o devido respeito e melhor entendimento, incorreu em "vício de presciência" sobre o resultado probatório que esse meio de prova podia trazer aos autos, violando a lei ao recusar prova susceptível de influenciar o exame e decisão da causa. Isso porque as provas têm, essencialmente, por função a demonstração da realidade dos factos, nos termos do Art.° 341.° do CC, e foi, por isso, que a Fazenda Pública apresentou esse meio de prova; ao não admitir que a presente impugnação contenha o documento junto pela Fazenda Pública, que constitui um dos suportes de prova que fundamenta a liquidação adicional de Sisa ora impugnada decorrente da simulação de preço ocorrida entre as partes intervenientes, o Mm° Juiz "a quo" violou o princípio do contraditório que visa permitir a alegação e prova de factos destinados a infirmar os pressupostos de facto que subjazem aos actos impugnados. Ao dar como facto não provado, o documento desentranhado, impediu a Administração Fiscal de provar que o valor real da venda não foi o declarado na escritura de compra e venda do imóvel aqui em causa; Da documentação poderá eventualmente concluir-se definitivamente, tal como decorre do acto tributário, que o comprador pagou um preço de compra superior ao declarado na escritura. É que a prova constituída pelos documentos a juntar, tem natureza claramente crítica ou indiciária na medida em que, constituindo prova indirecta porque entre o julgador e os factos se metem de permeio alguma coisa e pessoas, a percepção da AT deve recair não imediatamente sobre o facto a provar, mas sobre outros factos e, além da percepção, a AT tem de utilizar outros instrumentos, que são o raciocínio, as regras da experiência face às quais também se poderá concluir que foi celebrado outro contrato – promessa além do exibido nos autos e também relativo ao negócio de compra e venda que veio a ser celebrado mediante a escritura pública junta ao presente processo. Na interpretação de tais declarações deve apurar-se o sentido normal da declaração, isto é, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. O que significa que a interpretação da declaração deve fazer-se, em princípio, no sentido propugnado pela teoria da impressão do destinatário de acordo com a qual, no seu sentido objectivo, cfr. artº 236º nº 1 C. Civil, o que é decisivo é a vontade do declarante desde que ao declaratário seja possível entendê-la tendo em conta um uso linguístico comum, o que explica a razão de o risco do uso linguístico ser atribuído por lei ao declarante na exacta medida em que é ele que dispõe de todos os meios para se fazer entender quando expressa a sua vontade de forma directa e por meio escrito. Todavia, a lei tem o cuidado de precisar que “(..) Apenas, quando o declarante não pode contar razoavelmente com o sentido deduzido pelo “declaratário normal” do seu “comportamento”, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao declaratário (..)”- cfr. Heinrich Ewald Hörster, A parte geral do código civil português – teoria geral do direito civil, Almedina, 1992, pág. 510. Tal teoria está reflectida nos artºs.236º e 238º do Código Civil, e tem que ser manuseada com as maiores cautelas. A declaração/comunicação deve ser entendida com o sentido que um declaratário normal medianamente instruído e inteligente lhe daria, como reza o nº1 do artº 236º citado (eis a corrente objectivista da interpretação da declaração negocial), mas também é necessário ver em primeira mão a literalidade do seu teor, eventualmente enriquecido por factores dedutivos sobre o comportamento do declarante que reforce o sentido da impressão do destinatário. Claro está que esta teoria só vale quando o declaratário não conheça a vontade real do declarante. Por outro lado, não pode esquecer-se que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, como manda o art. 238º, nº1 referido. Por outro lado, se se confirmar que na realidade a AT quantificou a matéria colectável para efeitos de liquidação da sisa e de imposto de selo por recurso a avaliação indirecta ou, mesmo, por recurso a presunções (avaliação directa), haverá que equacionar a inimpugnabilidade directa de tais actos. Os impugnantes deduziram a impugnação judicial contra a liquidação adicional de sisa inerente ao valor que supostamente foi omitido na transmissão do imóvel identificado nos autos. Ora, face a essa factualidade, poderá suscitar-se a questão prévia da falta de pressupostos da impugnação porquanto aquela a que estes autos se reportam visava a liquidação adicional da sisa tendo por fundamento a errada avaliação da matéria tributável. Daí que possa admitir-se que o impugnante deduziu impugnação contenciosa directa do acto de avaliação directa, sendo certo que a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão por injunção do artigo 86º nºs 1 e 2 da LGT. Sendo manifesto que não usou nenhum desses meios, em princípio, não seria admissível a impugnação contra o acto de liquidação com aquele fundamento. O fundamento base da impugnação que se estribe na ilegalidade da decisão de corrigir, por avaliação directa, o valor tributável, não pode ser objecto de impugnação da liquidação porque é directa e reportada a matéria que visa apenas pôr em causa a avaliação da matéria tributável. Definindo o âmbito da avaliação directa, dispõe o Artigo 81.° da LGT que: 1. A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei. No preceito faz-se a referência cumulativa a avaliação e cálculo da matéria colectável dir-se-á, na senda de Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Comentada e Anotada, 3ª ed., pág. 418 e ss, que a designação de avaliação estará reservada para os casos em que a determinação da matéria tributável é feita através de métodos que, mesmo com utilização de critérios objectivos (como exige o n.° l do art. 84.° da L.G.T.), não podem deixar de envolver uma margem de subjectividade, como sucede nos casos de determinação do valor de bens (entre outros casos, para efeitos de sisa, imposto sobre sucessões e doações, contribuição autárquica, em certos casos, direitos alfandegários e imposto automóvel) e naqueles em que a determinação é feita utilizando métodos indirectos. Destarte as referências a avaliação circunscrevem-se aos casos em que houver aplicação de elementos de carácter subjectivo. Ora, como flui da fundamentação constante do Relatório e dos respectivos elementos de suporte, a avaliação operada pela AT poderá estar carregada de subjectividade, caso em que estaremos perante uma mera “presunção”. E, contra a subjectividade desse entendimento se insurgem os impugnantes indo ao ponto de considerar que se operou com a avaliação indirecta. Decorre do artº 81º da LGT que a utilização da avaliação directa é a regra como meio de determinação da matéria tributável e que tem carácter subsidiário da avaliação indirecta, que só pode ser utilizada dentro do condicionalismo e nos casos previstos na lei. E, como se disse, essa regra, tem um âmbito de aplicação limitado aos casos em há a necessidade de utilização de elementos subjectivos, o que acontecerá no caso vertente como o revela os termos utilizados pelo Sr. perito para fixar o valor do imóvel e reconhece o próprio contribuinte quando considera que foi utilizada a avaliação indirecta. Conforme preceitua o Artigo 83.° da LGT a avaliação directa (que parece ter sido usada pela FT) visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação (nº 1) e a avaliação indirecta (que o contribuinte disse ter sido utilizada) visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (nº 2). Resulta do inciso legal transcrito que quer a avaliação directa como a indirecta têm por fim determinar o valor dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, nos seguintes termos: a)- no primeiro caso, a avaliação é feita com base em elementos de prova do valor real dos bens ou rendimentos tributáveis e, por isso, visa-se determinar com exactidão este valor, metodologia que parece ter sido seguida pelo Exmo Perito Tributário; b)- Os casos em que se procede a avaliação indirecta, indicados no art. 87.° da L.G.T., são situações em que não existem elementos fiáveis suficientes para demonstrar exactamente o valor daqueles bens ou rendimentos, metodologia que o contribuinte diz ter sido seguida pela IT, o que não corresponderá à verdade se confirmar a existência de confissão a averiguar nos termos já definidos pois, desse modo, a avaliação do bem sujeito a tributação não terá sido feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária dispuser, inclusivamente alguns que poderiam ser utilizados na avaliação directa. De resto, dado o seu carácter excepcional, apenas se procede a avaliação indirecta em casos em que não seja viável determinar a matéria tributável através de avaliação directa, quer por falta de elementos para esta ser levada a cabo, quer por haver razões para suspeitar que o valor a que conduz a aplicação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real [arts. 87.°, n.° l, alínea c), e 89.° da L.G.T.]. Tudo aponta, pois, para que pelo Exmº IT foi feita a avaliação directa seguindo critérios objectivos em acatamento do comando legal contido no Artigo 84.° que impõe a utilização de critérios técnicos ao determinar que a avaliação dos rendimentos ou valores sujeitos a tributação baseia-se em critérios objectivos (nº 1), devendo a fundamentação da avaliação conter obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado (nº 2). A ser assim, e de acordo com a lei, a avaliação efectuada pelo Srº IT baseou-se em critérios objectivos, com a possível base técnico - científica, pois da análise, atrás feita, das razões que levaram à atribuição do valor tributável e não de outro, o percurso lógico que foi seguido na avaliação para chegar ao resultado alcançado, foi em perfeito silogismo, demonstrado integralmente de forma objectiva, quer quanto aos elementos utilizados quer quanto ao método de cálculo que tenha sido utilizado. Isso apesar de com a realização das necessárias diligências, se poder vir a concluir que a objectividade não pode ser concretizada totalmente, pois para realizar a avaliação foram ponderados factores claramente subjectivos. É por isso que, segundo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a exigência de objectividade nos critérios de avaliação terá de ser meramente tendencial, a objectividade possível no caso concreto, que se traduzirá, nos casos em que têm de ser valorados factores subjectivos, na utilização de uma fundamentação que ultrapasse a estrita subjectividade e permita controlar a correcção dos juízos formulados. Daí que como requisito maior da fundamentação do acto de avaliação, figure a exigência de que ela contenha a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado, devendo esta indicação e ponderação dar a conhecer, na sua totalidade, o itinerário seguido na avaliação para se alcançar o valor da matéria tributável, permitindo conhecer integralmente as razões por que foi atingido esse valor e não qualquer outro, o que tudo terá sido cumprido pelo Sr. PT caso se prove a confissão nos aludidos termos. Sendo, pois, indiscutível de que em tal situação nos encontramos perante uma avaliação directa, há que atentar no regime leal de impugnação judicial, regulado no artigo 86.° da LGT, de acordo com o qual: l. A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa. 2. A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão. Registe-se que a redacção do n.° 2 foi introduzida pela Lei n.° 100/99, de 26 de Julho, sendo a sua redacção inicial a seguinte: 2. A impugnação da avaliação indirecta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão. Como ensinam os ilustres anotadores, em anotação ao artº 86º da LGT e na sede indicada, no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres. Este princípio é concretizado no art. 66.° desta Lei e no art. 54.° do C.P.P.T., em que se estabelece que, salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida. No entanto, por vezes, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de actos anteriores ao acto final do procedimento, que têm especial relevo para condicionar a - "decisão final. Estes actos preparatórios da decisão final que são directa e imediatamente impugnáveis por via contenciosa assumem a natureza de actos destacáveis». «In casu», o acto de avaliação directa efectuado pela AT seria susceptível de impugnação contenciosa autónoma pois se inseria num procedimento tributário tendente à liquidação da sisa assumindo a natureza de acto destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, mas, os vícios que afectem o acto de avaliação directa, quer os existentes no próprio acto quer os que se reportem ao respectivo procedimento de avaliação, apenas podiam ser invocados na respectiva impugnação e não na impugnação do acto final de liquidação. Ora, se o contribuinte vier atacar o acto de liquidação por via de impugnação não poderá servir-se dos fundamentos que tiver para atacar a avaliação directa e, designadamente, não poderá sustentar que a matéria tributável a considerar não é a que foi utilizada, para efectuar a liquidação. Isto porque, precedendo logicamente o acto de avaliação da matéria tributável que se insere num processo de liquidação de um tributo, o acto de liquidação, na realidade, a notificação do acto de fixação da matéria tributável foi feita em simultâneo à notificação do acto de liquidação, como decorre do probatório. De acordo com Alberto Xavier, o acto tributário pode ser definido como o acto que aplica uma norma reguladora de uma obrigação de imposto, ou seja, uma norma material, definindo no caso concreto a existência e o quantitativo da prestação tributária individual. E, atendendo à função exercida pelos mais diversos actos praticados no processo {iter} de definição desse acto tributário (actos que lhe são complementares), a definição que caberia ao acto de avaliação em causa seria, segundo esse ilustre autor, a de acto pressuposto, cuja nota característica reside na "(...)função de reconhecimento ou qualificação de situações previstas pela norma tributária e apenas dentro das quais se poderá praticar legitimamente o acto tributário ou poderá praticar-se de certo modo" e, enquanto acto pressuposto, ele constitui uma questão prejudicial e, por isso, impugnável autonomamente. É certo que, usando as palavras de Jorge de Sousa, as ilegalidades que afectam o acto tributário e constituem fundamento de impugnação judicial podem não ocorrer directamente em relação a ele mas sim relativamente a actos procedimentais preparatórios cuja ilegalidade se repercute no acto subsequente que tem aqueles como pressuposto. Ora, no caso em apreço, o acto de avaliação ao qual foram imputadas as ilegalidades constitui um acto autónomo, uma questão prejudicial pelo que, se a invalidade do acto prejudicial não for directamente invocada preclude-se o seu conhecimento, que já não poderá ser solicitado a respeito do acto prejudicado. Como se prova, será em decorrência do acto de avaliação directa que foi operada a liquidação impugnada, donde que é uma consequência do ajustamento obrigatório resultante do caso resolvido formado por aquele se não for atacado na oportunidade, sendo que o que os serviços da AT fizeram foi proceder aos correspondentes ajustamentos. A esta luz, a liquidação configura a prática de um acto administrativo consequente. Este, é aquele que é praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática de acto anterior; isto é, estamos na presença de actos consequentes quando a Administração prática um acto no qual se alicercem outros. Uma vez que o acto consequente é todo aquele que foi praticado ou dotado de um certo conteúdo em virtude de um acto administrativo anterior, em vista da situação vertente, caso fosse determinada a anulação do acto de avaliação na impugnação que dele obrigatoriamente tinha de ser interposto, em relação à liquidação aqui em causa, operaria o regime segundo o qual um acto "subsequente de um acto anterior revogado", e como tal abrangido pela previsão do art. 133º, nº 2, al. i), do CPA. Nesta alínea prevê-se que, anulado ou revogado determinado acto, fiquem sem efeito, sem necessidade de pronúncia anulatória ou revogatória expressa, ou pelo menos sem sujeição aos prazos legais de interposição de recurso, os actos que tenham sido praticados em consequência do primeiro, no pressuposto de que o mesmo era um acto válido. É forçoso concluir que caberia aqui a figura do «acto consequente» que é aquele que é praticado, ou dotado de certo conteúdo, em virtude da prática de outro acto anterior, que lhe serve de causa, raiz ou fundamento (cf. Acs. deste S.T.A. de 10.11.98, proc.º nº 34.873, 8.6.99, proc.º nº 37.243, 14.3.01, proc.º nº 38.674, e 4.12.02, proc.º nº 654/02). A lei considera a impugnabilidade de um acto cometido no procedimento que culmina com a liquidação que era o acto de "fixação definitiva do imposto". Ou seja, na falta de reacção autónoma mediante impugnação contenciosa, o acto de avaliação e o respectivo quantum consolidava-se, tornando indiscutível os seus eventuais vícios. Mas não assim quanto aos vícios próprios do acto tributário de liquidação que na impugnação da liquidação podiam ser suscitados, porque se tratariam de vícios de um acto não destacável, inserido no procedimento que culmina com a própria liquidação. O princípio da impugnação unitária impõe que todos os vícios ocorridos ao longo do procedimento sejam denunciados na impugnação do seu acto terminal, salvo quando a lei destaque como autonomamente sindicável um acto intermédio. Todavia, na parte final do n.° 2 do artº 86º da LGT, estabelece-se o “princípio da exaustão dos meiso graciosos” determinando-se que a impugnação contenciosa do acto de avaliação directa apenas é possível após estarem esgotados os meios de impugnação administrativa, que estiverem previstos na lei. Como se viu, na redacção inicial deste n.° 2, só quanto à avaliação indirecta é que se previa a necessidade de esgotamento dos meios administrativos de impugnação, mas, actualmente e já ao tempo da dedução da impugnação, o esgotamento dos meios administrativos justifica-se quer na avaliação directa como na indirecta, sempre que haja uma avaliação propriamente dita, com intervenção de elementos subjectivos, e não um mero cálculo, baseado em operações matemáticas. Como salientam Diogo Leite de Campos e os Exmºs. Conselheiros Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, obra citada, pág. 427,a subjectividade inerente a qualquer avaliação (seja directa, como a determinação do valor de um imóvel, seja a indirecta, como a assente em presunções) recomenda um esgotamento dos mecanismos administrativos de reapreciação, como meio de procurar diminuir essa carga subjectiva e, tendencialmente, promover a fixação tão objectiva quanto possível da matéria colectável, desejada pela lei (art. 84.°, n.° l, da L.G.T.)- exigência, de resto, feita pelo contribuinte. Tendo em conta os critérios próprios da sisa- (cfr. nº 1 do artº 81º da LGT) os meios administrativos previstos para a revisão eram a avaliação nos termos dos artºs. 93 e ss do CIMSISSD, o recurso hierárquico (artºs. 66 e ss do CPPT) e reclamação graciosa (artºs. 68º e ss do CPPT). Daí a conclusão geral e definitiva de que se tem de contextualizar o conteúdo do documento cuja junção foi recusada fazendo uso dos necessários poderes inquisitórios. * Refira-se, então, a conveniência de ter em conta que ao abrigo do disposto no art. 40.° do CPT, agora 13º do CPPT e 99º da LGT, para proceder à produção de prova pois por aqueles preceitos se faz recair sobre os juízes dos tribunais tributários o dever de «realizar ou ordenar todas as diligências que considerarem úteis ao apuramento da verdade».Ora, é inquestionável a relevância e, por isso, a utilidade da indagação sobre as questões factuais que atrás se apontaram em resultado das alegações da recorrente. Afigura-se-nos, pois, que o Juiz do Tribunal recorrido poderá e deverá indagar daquelas questões diligenciando por obter prova por confissão/documental sobre os factos atinentes pois mesmo que se considerem como factos instrumentais, nada impede que o Tribunal indague sobre eles, faculdade que era admitida no processo civil já antes da reforma de 1995/1996 (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual, págs. 412 a 417.). Por outro lado, no art. 264.°, n.° 3, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 180/96, de 25 de Setembro, e passamos a citar JORGE LOPES DE SOUSA, «ocorreu uma extensão dos poderes de cognição do tribunal em termos de este poder considerar na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária seja sido facultado o exercício do contraditório. Não se trata aqui de factos de conhecimento oficioso, pois o seu conhecimento pelo tribunal depende de uma actuação das partes, o que demonstra que, mesmo no domínio do processo civil as obrigações de alegação impostas às partes e os poderes de requerer a realização de diligências probatórias relativas aos factos alegados não é incompatível com a possibilidade de o tribunal atender a factos não alegados. De qualquer modo, parece que esta última ampliação dos poderes de cognição dos tribunais no domínio do processo civil, não poderá deixar de ser aplicada no domínio do processo judicial tributário, uma vez que os interesses públicos que neste estão em causa justificam, por maioria de razão, poderes de cognição ampliados» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 5 ao art. 13.°, págs. 119/120.). Deverá, pois, o Tribunal Tributário de 1a Instância de Lisboa, ao abrigo dos poderes que lhe eram conferidos pelo art. 40.° do CPT e agora pelos artºs. 13º do CPPT e 99º da LGT, indagar a ocorrência dos factos indicados fazendo juntar os pertinentes documentos de suporte e levá-los ao probatório que se impõe que seja elaborado por forma a contemplar todas aquelas questões. Porque tal indagação se nos afigura indispensável à boa decisão da causa, consideramos ocorrer motivo de anulação oficiosa da sentença, a determinar a remessa do processo ao Tribunal recorrido, para melhor investigação e nova decisão, de harmonia com os termos do disposto no art. 712.°, n.° 4, do CPC, por força dos arts. 792.° e 749.° do mesmo diploma, e art. 2,° alínea e) do CPPT. * É que a competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em lª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa - cfr. art° 712° n° l a) CPC, aplicável nesta jurisdição ex vi art° 2° e) CPPT - além da hipótese estatuída na alínea b) do mesmo n° l do citado art° 712° (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", Lex, 2a edição, pág. 415).É o caso, na medida em que a ampliação da matéria de facto passa pela produção de prova sobre factos alegados pelas partes e que não constam da base instrutória. E, assim sendo, impõe-se o uso dos poderes de cassação conferidos no artº 712° n° 4 CPC de anulação da decisão proferida na 1a Instância para, em consonância com o que atrás este TCA determinou, ali se juntar aos autos os elementos probatórios supra referidos. Uma vez juntos os indicados elementos, observado o contraditório e demais trâmites instrutórios da causa considerados pertinentes, cumprirá, em via de repetição do julgamento, ampliar a matéria de facto nos termos determinados pelo Tribunal Superior. * 3.- DECISÃO:Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento aos recursos, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância, cumprindo-se em conformidade após as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias para os fins acima precisados - art°s. 712° n° 4 do CPC ex vi art° 2° e) CPPT. Custas pelo recorrido em ambas as instâncias. * Lisboa, 26/06/07 (Gomes Correia) (Eugénio Sequeira) (Ascensão Lopes) |