Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:173/25.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário:I - O pagamento em prestações apenas pode ser autorizado nos casos previstos na lei, pois consubstancia uma moratória, para efeitos do n.º3 do artigo 85.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
II - De harmonia com o disposto nos artigos 200º, nº 1 e 189º, nº 6 do Código de Procedimento e Processo Tributário, a falta de pagamento de qualquer prestação implica a perda do direito ao pagamento em prestações, com vencimento imediato das restantes e com a consequente exigência imediata das mesmas no processo de execução fiscal.
III - Decorre, pois, destes normativos, que, uma vez excluído o executado do plano prestacional, o processo de execução fiscal prossegue os seus regulares termos, não podendo aquele beneficiar, de novo, do regime de pagamento em prestações.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO


A… – Serviços Partilhados, S.A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação contra o despacho de 2024.12.19, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de indeferimento do pedido de pagamento em prestações apresentado nos processos de execução que correm termos no Serviço de Finanças de Loures-1, sob os n.º 1520202201059637, 1520202201193716, 152020221071980, 1520202201225391, 1520202201088823, 1520202201237772, 1520202201169831, 1520202201252879, 1520202201283774, 1520202301004689, instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IVA, no valor global de € 259.907,30.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

A. «Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que negou provimento à reclamação judicial que a ora Recorrente apresentara relativamente ao despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações nos processos de execução n.ºs 1520202201059637, 152020221071980, 1520202201088823, 1520202201169831, 1520202201193716, 1520202201225391, 1520202201237772, 1520202201252879, 1520202201283774, 1520202301004689 e 1520202301040588 a correr termos pelo Serviço de Finanças de Loures 1.

B. Aderindo à fundamentação da AT, o Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Recorrente concluindo que, nos termos do art. 200.º do CPPT, a consequência do incumprimento de plano prestacional em vigor é o prosseguimento da execução sem possibilidade de aprovação de novo plano prestacional, em respeito ao princípio da indisponibilidade do crédito fiscal e da proibição de moratórias fora dos casos previstos na lei.

C. Para o Tribunal a quo a decisão proferida pela AT não merece qualquer censura, estando, inclusivamente, em linha com a orientação do Supremo Tribunal Administrativo constante do acórdão de 06/09/2023, proferido no proc. n.º 064/23.9BEALM.

D. A Recorrente não se conforma, mantendo o que veio alegado em sede de reclamação judicial.

E. No entender da Recorrente apenas o incumprimento do plano prestacional nos precisos e restritos moldes consagrados no art. 200.º do CPPT poderá implicar a perda do direito ao pagamento em prestações, com vencimento imediato das restantes e com exigência imediata das mesmas no processo de execução fiscal.

F. E esse incumprimento do plano prestacional nos precisos e restritos moldes consagrados no art. 200.º do CPPT implica a notificação do executado para regularizar a situação em 30 dias, sob pena de prosseguimento da execução.

G. Sucede que, como resulta do elenco de factos provados, não está demonstrado nos autos que tal notificação tenha sido efectuada

H. Não tendo sido efectuada tal notificação, nunca poderia ser recusada a manutenção do plano prestacional ou aprovação de novo plano prestacional.

I. Em face do exposto, e tendo por base o elenco de factos provados, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, pelo que a sentença deve ser revogada, dando-se integral provimento à reclamação da Recorrente.

J. Em complemento, cumpre referir que a interpretação do referido art. 200.º do CPPT no sentido de que, em caso de incumprimento de plano prestacional, o contribuinte fica impossibilitado de aderir a novo plano prestacional não tem adesão à letra da lei, desde logo, porque não existe qualquer proibição ou limitação expressa nesse sentido.

K. Se fosse essa a intenção do legislador, certamente que tal restrição ou limitação teria sido vertida expressamente na letra da lei.

L. Reconhecendo, como princípio geral da interpretação da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como resulta do n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, não se pode concluir pela existência de restrições ou limitações legais não previstas, sob pena de violação do princípio da legalidade.

M. Acresce que, como este Tribunal certamente reconhecerá, o pagamento em prestações pode ser autorizado com diversos fundamentos e em momentos distintos da vida do sujeito passivo tal como resulta expressamente do previsto no art. 196.º do CPPT, sendo, nessa medida, possível sucederem-se planos prestacionais para pagamento da mesma dívida.

N. Basta por exemplo que, após interrupção de um plano prestacional autorizado ao abrigo do regime geral do n.º 1 do art. 196.º do CPPT, seja pedido um novo plano prestacional ao abrigo de um plano especial de revitalização, de um regime extrajudicial de recuperação de empresas ou mesmo de um plano de recuperação aprovado no âmbito de um processo de insolvência.

O. É, nessa medida, incorrecta a conclusão de que, no mesmo processo de execução e para a mesma dívida, não pode ser autorizado mais do que um plano prestacional.

P. Acresce que, contrariamente ao que parece ser o entendimento do Tribunal a quo, a autorização de mais do que um plano prestacional não viola o princípio da indisponibilidade do crédito tributário previsto no n.º 2 do art. 30.º da LGT uma vez que tal autorização não implica qualquer redução ou extinção da dívida exequenda que, não só continua exigível e a pagamento, como continua a vencer juros de mora, nos termos legalmente prescritos.

Q. E não viola, também, a proibição de concessão de moratórias não previstas na lei precisamente porque o regime de pagamento em prestações está expressamente previsto e regulado na lei, sem qualquer outra limitação, restrição ou requisito para além do disposto nos arts. 196.º e seguintes do CPPT, designadamente quanto ao vencimento de juros de mora e à necessidade ou dispensa de prestação de garantia.

R. É à luz deste entendimento que deve ser interpretado o art. 200.º do CPPT ao determinar que o incumprimento do plano, nos termos e condições aí previstos, implica o vencimento das prestações em divida, prosseguindo o processo de execução fiscal os seus termos.

S. Ora, o prosseguimento dos termos processuais inclui, necessariamente, a possibilidade de pagamento em prestações que - como resulta expressamente do n.º 1 do art. 196.º do CPPT - pode ser requerida até à marcação da venda.

T. Mais uma vez cumpre notar que a letra da lei não refere prosseguimento do processo de execução fiscal com vista à realização de penhoras para obtenção do pagamento coercivo da quantia exequenda.

U. O legislador limitou-se a determinar o prosseguimento dos autos podendo qualquer dos intervenientes - executado e exequente - praticar quaisquer dos actos legalmente admissíveis, incluindo a apresentação de pedido de pagamento em regime prestacional e consequente autorização desde que tal pedido não seja extemporâneo (porque posterior à determinação da venda dos bens penhorados).

V. Em face do exposto, conclui a Reclamante pela ilegalidade da sentença recorrida e do despacho de indeferimento reclamado, por violação do disposto no art. 196.º do CPPT, pelo que, dando-se integral provimento ao presente recurso, deverá ser revogada a sentença recorrida e anulado o despacho de indeferimento proferido pela AT.

W. O Tribunal a quo, ao manter como válida a referida decisão da AT, aplicou mal o direito aos factos juridicamente relevantes para a completa e integral composição do litigo, violando o disposto no n art. 196.º do CPPT.

X. Conclui, por isso, a Recorrente pela necessidade deste Tribunal revogar a sentença recorrida e o despacho reclamado, dando, em consequência, integral provimento à reclamação judicial apresentada pela Recorrente, ao abrigo dos arts. 276.º e seguintes do CPPT.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vs. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, considerando procedente a reclamação judicial deduzida pela Recorrente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!!

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações,

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos, por se tratar de processo urgente, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença recorrida que manteve o despacho de indeferimento do pedido de aprovação de um novo plano de pagamento da dívida exequenda em prestações, padece de erro de julgamento, na interpretação dos factos e aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

«Da prova reunida no processo, com interesse para a causa, consideram-se provados os factos infra indicados:
1. Foram instaurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira contra a Reclamante, A… SERVIÇOS PARTILHADOS, S.A., (NIPC 5…), os seguintes processos de execução fiscal, cuja quantia exequenda ascende ao montante total de € 259.907,30 (cfr. info. de fls. 93 e ss. (doc. n.º 008102240) do SITAF, certidões de dívidas juntas a fls. 40 e ss. do SITAF e com o Pi.
i. Em 17.03.2022, o PEF n.º 1520202201059637, por divida de IVA relativa ao período de 12/2021, com a quantia exequenda de € 29.616,49;
ii. Em 06.04.2022, o PEF n.º 1520202201071980, por divida de IVA relativa ao período de 01/2022, com a quantia exequenda de € 23.847,15;
iii. Em 11.05.2022, o PEF n.º 1520202201088823, por divida de IVA relativa ao período de 02/2022, com a quantia exequenda de € 19.981,66;
iv. Em 09.07.2022, o PEF n.º 1520202201169831, por divida de IVA relativa ao período de 04/2022, com a quantia exequenda de € 25.174,60;
v. Em 06.08.2022, o PEF n.º 1520202201193716, por divida de IVA relativa ao período de 05/2022, com a quantia exequenda de € 23.514,78;
vi. Em 21.09.2022, o PEF n.º 1520202201225391, por divida de IVA relativa ao período de 06/2022, com a quantia exequenda de € 30.624,20;
vii. Em 08.10.2022, o PEF n.º 1520202201237772, por divida de IVA relativa ao período de 07/2022, com a quantia exequenda de € 19.244,74;
viii. Em 08.11.2022, o PEF n.º 1520202201252879, por divida de IVA relativa ao período de 08/2022, com a quantia exequenda de € 25.229,73; PEF apenso aos autos e facto não controvertido):
ix. Em 17.12.2022, o PEF n.º 1520202201283774, por divida de IVA relativa ao período de 09/2022, com a quantia exequenda de € 30.451,41;
x. Em 12.01.2023, o PEF n.º 1520202301004689, por divida de IVA relativa ao período de 10/2022, com a quantia exequenda de € 17.903,16;
xi. Em 11.02.2023, o PEF n.º 1520202301040588, por divida de IVA relativa ao período de 11/2022, com a quantia exequenda de €14.319,38;

2. Em 21.11.2023 foi deferido o plano prestacional n.º 2023.32531 de 24 prestações autorizadas, englobando, entre outras, as dívidas identificadas no ponto antecedente – cf. info. juntas aos autos pelo OEF, de fls. 32 e ss. do doc. n.º 008116967 do SITAF e de fls. 93 e ss. (doc. n.º 008102240) do SITAF, e facto não controvertido;
3. Em 16.06.2024 foi interrompido o plano prestacional n.º 2023.32531 por incumprimento, sem que fosse paga qualquer prestação – cf. info. junta aos autos pelo OEF, de fls. 32 e ss. do doc. n.º 008116967 do SITAF e info. de fls. 93 e ss. (doc. n.º 008102240) do SITAF, e facto não controvertido;
4. Em 29.10.2024, a Reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Loures1, pedido de pagamento em 24 prestações com dispensa da prestação de garantia no âmbito dos PEF’s mencionados no ponto 1. – cfr. fls. 18 do doc. n.º 008116967 do SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
5. Em 22.11.2024, foi elaborada informação pelos Serviços da Direção de Finanças de Lisboa, da qual se extrai, designadamente, o seguinte (cf. fls. 19 e ss. do doc. n.º 008116967 do SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais):
“m) Ora, verifica-se também que a executada já beneficiou de anterior plano prestacional.
n) Contudo, foi interrompido o plano prestacional, por incumprimento.
o) Assim, afigura-se-nos que a executada não poderá beneficiar da aprovação de novo plano de pagamento em prestações.
p) Veja-se, em abono da posição aqui defendida, o entendimento que emerge do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.° 01379/13, de 18-09-2013 (…)
q) Pelo exposto, no que concerne ao pedido de dispensa de garantia associado ao pedido de pagamento em prestações, nos termos do disposto no n.° 5 do artigo 198.° do CPPT, não fará sentido a sua análise nesta sede. Contudo, para esclarecimento da executada sempre se dirá que os pressupostos para o seu deferimento não se encontravam preenchidos (é dispensada a prestação de garantia para dívidas de valor inferior ou igual e € 5.000,00 para pessoas singulares, ou € 10.000,00 para pessoas coletivas), porquanto o valor de quantia exequenda dos PEF 1520202201059637, 1520202201071980, 1520202201088823, 1520202201169831, 1520202201225391, 1520202201237772, 1520202201193716, 1520202201252879, 1520202201283774, 1520202301004689, 1520202301040588 excede estes limites.
VII) Conclusão
Face ao exposto, no âmbito dos PEF 1520202201059637, 1520202201071980, 1520202201088823, 1520202201193716, 1520202201252879, 1520202201225391, 1520202201283774, 1520202201169831, 1520202201237772, 1520202301004689, 1520202301040588, propõe-se o indeferimento do pedido de pagamento em 24 prestações, porquanto a executada já beneficiou de plano de pagamento em prestações, entretanto interrompido por incumprimento, sendo que, nos termos conjugados do disposto no artigo 30.°, n.° 2, da LGT, com os artigos 85.°, n.° 3, 189.°, n.° 6 e 200.°, n.° 1, todos do CPPT, o crédito tributário é indisponível.(…)”
6. Em 25.11.2024, o pedido mencionado no ponto antecedente foi objeto de despacho do Chefe de Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos da Direção de Finanças de Lisboa que, acolhendo os fundamentos vertidos na informação do Serviços mencionada no ponto antecedente e o parecer nela exarado emitidos pela Chefe de Equipa cujo teor se dá integralmente por reproduzido, decidiu o seguinte: “Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos, indefiro o pedido de pagamento prestações, no âmbito dos PEF 1520202201059637, 152020221071980, 1520202201088823, 1520202201169831, 1520202201193716, 1520202201225391, 1520202201237772, 1520202201252879, 1520202201283774, 1520202301004689 e 1520202301040588, por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para tal. (…)” – cfr. fls. 19 do doc. n.º 008116967 do SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
7. Em 19.12.2024, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento do pedido de pagamento prestações formulado pela Reclamante, melhor identificado no ponto 4., ratificando o despacho mencionado no ponto antecedente, que havia sido proferido pelo Chefe de Divisão da DADE sem prévia subdelegação de competências – cfr. fls. 32 e ss. do doc. n.º 008116967 do SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
8. Em 30.12.2024, a Reclamante foi notificada do despacho de 19.12.2024, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, formulado no âmbito dos processos de execução fiscal (PEF) n.ºs 1520202201059637, 152020221071980, 1520202201193716, 1520202201252879, 1520202201088823, 1520202201225391, 1520202201283774, 1520202201169831, 1520202201237772, 1520202301004689 e 1520202301040588 – cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 39-41 do doc. n.º 008116967 do SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
9. Em 09.01.2025, a Reclamante deduziu a presente Reclamação – cfr. registo postal aposto em envelope de fls. 70 e informação de fls. 71 e ss., ambas do doc. n.º 008117315 do SITAF.


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.;»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas posições assumidas pelas partes e no exame da prova documental e informações oficiais não impugnadas, existentes nos autos, conforme especificado a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


II.2 Do Direito

A Reclamante e ora Recorrente está a ser executada nos processos de execução fiscal instaurados no Serviço de Finanças de Loures-1 e que correm termos sob os nº 1520202201059637, 1520202201193716, 152020221071980, 1520202201225391, 1520202201088823, 1520202201237772, 1520202201169831, 1520202201252879, 1520202201283774, 1520202301004689 e 1520202301040588, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, no valor global de € 259.907,30.

No âmbito dos suprarreferidos processos de execução fiscal, apresentou pedido de pagamento da dívida em prestações, plano prestacional que foi aprovado e do qual foi posteriormente excluída por falta de pagamento das prestações.

Posteriormente apresentou novo pedido de pagamento da dívida em prestações que foi indeferido, e do qual reclamou judicialmente.

Notificada da sentença que manteve o despacho reclamado e confirmou o entendimento de que a ora Recorrente não podia beneficiar de novo plano prestacional, por ter já beneficiado de plano anterior para pagamento da mesma dívida, dela interpôs o presente recurso.

Alega, em suma, que o facto de ter sido excluída de anterior plano de pagamento da dívida em prestações não impede a apresentação e aprovação de novo plano, porquanto nada na letra da lei limita o número de planos de pagamento que podem ser requeridos e concedidos, não existindo qualquer proibição ou limitação expressa nesse sentido, imputando à sentença recorrida que assim não entendeu erro de julgamento, na interpretação do direito aplicável.

Nas conclusões F), G) H) e L) das alegações de recurso, e como bem dá nota o Ministério Público no seu parecer, veio a ora Recorrente suscitar questão nova, respeitante à falta de notificação anterior à exclusão daquele primeiro plano prestacional aprovado, a que se refere o artigo 200º para regularizar a situação, em 30 dias.

Trata-se de argumento que não foi suscitado na reclamação e sobre a qual, naturalmente, o Tribunal a quo se não pronunciou e que não pode ser agora aqui conhecida em sede de recurso.

Todavia, ainda se dirá que o argumento não teria a relevância que a ora Recorrente lhe atribui, porquanto como refere ainda o Ministério Público no seu parecer: «(…) [d]e todo o modo, extrai-se do processo administrativo “instrutor” (fls. 9 e 11 – Ref. Sitaf 005644543, de 27.02.2025) que a Reclamante foi notificada, nos termos do disposto no art. 200º do CPPT para regularizar a situação, em 30 dias. (…)»


Desde já adiantaremos que a sentença recorrida não merece a censura que lhe é feita.

A sentença começa por discorrer assertivamente sobre o quadro legal aplicável, sobre o regime do pagamento a prestações em termos tais que pouco ou nada temos a acrescentar. Diz:

«(…)
O art. 42.º da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe, sob a epígrafe «Pagamento em prestações», o seguinte: “1 - O devedor que não possa cumprir integralmente e de uma só vez a dívida tributária pode requerer o pagamento em prestações, nos termos que a lei fixar. // 2 - O disposto no número anterior não se aplica, nos termos da lei, às quantias retidas na fonte ou legalmente repercutidas a terceiros ou ainda quando o pagamento do imposto seja condição da entrega ou transmissão dos bens.”.
O pagamento em prestações consubstancia uma moratória, para efeitos do disposto nos arts. 36.º, n.º 3 da LGT e 85.º, n.º 3 do CPPT, pelo que apenas pode ser autorizado nos termos da lei, em respeito pelo princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (cf. art. 30.º, n.º 2 da LGT), que decorre dos princípios da legalidade e da igualdade tributárias (cf., entre outros, Ac. STA de 28.01.2009, proc. n.º 0968/08 e Ac. TCAS de 22.01.2015, proc. n.º 08320/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Pode ser requerido após a instauração do processo de execução fiscal, encontrando-se o respetivo regime legal consagrado nos arts. 196.º e ss do CPPT.
Estabelece o art. 196.º, n.º 1 do CPPT, sob a epígrafe «Pagamento em prestações e outras medidas», designadamente, o seguinte:
“1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal, sem prejuízo do disposto no artigo 198.º-A.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respetivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado.
3 - É excecionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações é autorizado desde que se verifique que o executado pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número as prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a um quarto da unidade de conta no momento da autorização, exceto se demonstrada a falsidade da situação económica que fundamenta o pedido. (…)”.
Dispondo, ainda, o art. 200.º do CPPT, sob a epígrafe «Consequências da falta de pagamento», que: “[a] falta de pagamento sucessivo de três prestações, ou de seis interpoladas, importa o vencimento das seguintes se, no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito, o executado não proceder ao pagamento das prestações incumpridas, prosseguindo o processo de execução fiscal os seus termos.” (n.º 1).
Portanto, as dívidas tributárias devem, em regra, ser pagas integralmente e de uma só vez, apenas se admitindo que o respetivo pagamento seja feito em prestações mensais, iguais e sucessivas, quando verificadas certas circunstâncias e observados os condicionalismos legalmente impostos para o efeito, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal (cf. art.s 86.º e 196.º, n.º 1 do CPPT).
(…)»

Seguidamente sintetiza a matéria de facto dada como provada:

«(…)
Confrontada a factualidade assente, verifica-se que, em 21.11.2023, havia sido autorizado um plano prestacional à Reclamante, que previa o pagamento em 24 prestações, entre outras, das dívidas melhor descritas no ponto 1. da factualidade assente.
O referido plano veio, contudo, a ser interrompido por incumprimento, tendo a Reclamante, em 29.10.2024, apresentado, junto do Serviço de Finanças de Loures-1, novo pedido de pagamento em 24 prestações com dispensa da prestação de garantia no âmbito dos PEF’s melhor descritos no ponto 1. da factualidade assente (cf. pontos 2. a 4. da factualidade assente).
O pedido de pagamento prestações formulado pela Reclamante, em 29.10.2024, veio a ser indeferido, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, com fundamento no facto de a Reclamante já ter beneficiado de anterior plano prestacional, que abrangia a dívida exequenda em questão, entretanto interrompido por incumprimento, sendo que, nos termos conjugados do disposto no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, com os artigos 85.º, n.º 3, 189.°, n.º 6 e 200.°, nº 1, todos do CPPT, o crédito tributário é indisponível (cf. pontos 5. a 7. da factualidade assente).
(…)»

Prossegue a sentença recorrida, citando e seguindo a principal jurisprudência sobre a matéria aqui em causa, nomeadamente o Acórdão STA de 2023.09.06, proferido no processo nº 064/23.9BEALM (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos:

«(…)
A propósito da questão em apreciação nos presentes autos, cumpre atender à seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Ac. do STA de 06.09.2023, proc. n.º 064/23.9BEALM; vide, também, Ac. do STA de 18.09.2013, proc. n.º 01379/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt):
“(…) 3.2.4. Do pedido de aprovação de um novo (segundo) plano de pagamento em prestações da dívida tributária em execução
(…) Salvo o devido respeito, é manifesta a falta de fundamento legal da pretensão, o que significa que a decisão da Fazenda Pública – que o sustentou no entendimento de que o incumprimento do plano prestacional implica a perda do direito ao pagamento em prestações, com o vencimento imediato das prestações restantes e da sua exigência imediata na execução fiscal e que é legalmente inadmissível a aprovação de um novo plano de pagamento da dívida exequenda em prestações - só podia, como foi, ser judicialmente confirmada.
(…) Diz-nos a Recorrente que não pode ser estabelecida qualquer relação entre incumprimento e aprovação de novo plano de pagamentos porque este apenas está dependente do preenchimento dos pressupostos contidos no artigo 196.º e 198.º do CPPT e da letra da lei não se pode concluir que haja limite ao número de planos de pagamento que podem ser apresentados e autorizados.
Diga-se, mais uma vez, que sem razão. Aliás, o cuidado que a Recorrente não deixou de ter em convocar os critérios de interpretação de normas permitem-nos concluir que a Recorrente tem total consciência do infundado do que nos pede que lhe seja reconhecido, quiçá por saber que a letra da lei não é o único critério e que o espírito das normas e a unidade do sistema jurídico apontam, no caso, precisamente no sentido inverso ao por si preconizado.
É verdade que os pressupostos de autorização de pagamento de uma dívida exequenda estão previstos nos artigos 196.º e 198.º do CPPT, os quais foram atendidos para apreciar e validar o seu primitivo pagamento em prestações da dívida em execução. Tal como é verdade que as consequências do incumprimento do plano a que supra aludimos estão expressamente previstas no artigo 200.º do mesmo diploma legal e são aquelas que igualmente identificamos, ou seja, o imediato vencimento de todas as prestações e o dever de o órgão de execução fiscal prosseguir com a execução.
Serve o que fica dito para que se esclareça a Recorrente que não consta da letra da lei expressamente que não pode haver mais do que um plano de pagamento em prestações precisamente porque consta expressamente da letra da lei as consequências de não cumprimento do plano de pagamento acordado. Utilizando a terminologia e raciocínio da Recorrente, ainda que em sentido oposto, afirmamos que admitir que possam ser aprovados planos de pagamento em prestações de dívidas exequendas após incumprimento de plano de pagamento legalmente autorizado seria esvaziar de “qualquer conteúdo útil” a norma que estabelece as consequências do incumprimento e subverter todo o sistema gizado pelo legislador para assegurar o cumprimento e conformidade constitucional da moratória que este instituto consagra e criar as condições a que qualquer Executado se permitisse, se e quando bem entendesse, incumprir com o pagamento excecional de pagamento em prestações arrogando-se o direito a apresentar e ver aprovado, sucessiva e ilimitadamente, outros planos de pagamento nas mesmas condições.” (…)

Como vimos, a questão suscitada no presente recurso não é nova e foi já tratada na citada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos Acórdãos de 2013.09.18, proferido no processo nº 01379/13 e mais recentemente no Acórdão de 2023.09.06, proferido no processo nº 064/23.9BEALM, ambos no sentido que uma vez excluído o executado do plano prestacional, o processo de execução fiscal prossegue os seus regulares termos, não podendo aquele beneficiar, de novo, do regime de pagamento em prestações.

Entendimento jurisprudencial com a qual concordamos e que, com a devida vénia subscrevemos, não convencendo os argumentos apresentados pela ora Recorrente a decidir em sentido diverso.

Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida que cita e segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo plasmada nos citados acórdãos, aderindo e considerando inteiramente transponível para o caso em análise, com as necessárias adaptações que o caso concreto exige.

Termos em que o recurso interposto só pode improceder.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I - O pagamento em prestações apenas pode ser autorizado nos casos previstos na lei, pois consubstancia uma moratória, para efeitos do n.º3 do artigo 85.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
II - De harmonia com o disposto nos artigos 200º, nº 1 e 189º, nº 6 do Código de Procedimento e Processo Tributário, a falta de pagamento de qualquer prestação implica a perda do direito ao pagamento em prestações, com vencimento imediato das restantes e com a consequente exigência imediata das mesmas no processo de execução fiscal.
III - Decorre, pois, destes normativos, que, uma vez excluído o executado do plano prestacional, o processo de execução fiscal prossegue os seus regulares termos, não podendo aquele beneficiar, de novo, do regime de pagamento em prestações.


III – Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 26 de junho de 2025

Susana Barreto

Isabel Vaz Fernandes

Lurdes Toscano