Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 4479/23.4BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 10/31/2024 |
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Relator: | JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA |
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Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA PROTECÇÃO INTERNACIONAL PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO DO ESTADO RESPONSÁVEL FALHAS GRAVES PREVISÍVEL TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE |
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Sumário: | I - A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária, prevê e regula os termos do cumprimento da audiência prévia nos procedimentos de protecção internacional, o que afasta a aplicação das normas gerais sobre audiência prévia dos interessados previstas no CPA, nos termos do referido artigo 2.º, n.º 5, do CPA. II - Nos termos da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, a audiência prévia assume contornos diferentes em função do tipo de procedimento e da fase procedimental em causa, prevendo-se um regime regra no seu artigo 17.º e regimes especiais nos artigos 24.º (para os pedidos apresentados nos postos de fronteira), 33.º-A (para os pedidos apresentados na sequência de uma decisão de afastamento do território nacional) e 41.º (para os procedimentos de perda do direito de protecção internacional). III - Não obstante não se encontrar expressamente prevista e regulada nos artigos 36.º a 40.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, para o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, a audiência do requerente previamente à decisão de inadmissibilidade do pedido por aceitação da retoma pelo Estado requerido decorre da conjugação do disposto no artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, do n.º 3 do artigo 17.º da Directiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, e dos artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. IV - A alegação de falta de concessão da possibilidade de realizar exames médicos de forma gratuita e de que os alemães dão tratamento discriminatório a pessoas negras é manifestamente insuficiente para caracterizar uma situação de previsível tratamento desumano ou degradante pelas autoridades da Alemanha, não se traduzindo em indícios de falhas graves, pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do segundo parágrafo do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A… veio instaurar, ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, acção administrativa urgente contra a AIMA-AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I. P.. Pede a anulação da decisão proferida em 14/09/2023 pelo Director do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e a intimação da entidade demandada a admiti-lo, dando início à instrução do procedimento. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e, em consequência, a absolver a entidade demandada do pedido. O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “I - A decisão da Sr Diretor Nacional do SEF foi fundamentada na alínea a) do n.º1 do Artigo 19º, e no n.º 2 do artigo 37.° da Lei 27/08 alterada pela Lei 26/14, com base na Informação 2152/GAR/23 (Doc. 5-Petição Inicial), adiante transcrita Lei n.º 27/08 alterada pelas Leis n.ºs 41/2023 e 53/2023. Artigo 19.°-A Tramitação acelerada 1- O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que: a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capitulo IV. (g.n.) Artigo 20° Competência para apreciar e decidir 1- Compete ao Conselho diretivo da AIMA, I.P., proferi decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis no prazo de 30 dias a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional. 2- Na falta de decisão dentro do prazo previsto no numero anterior, considera-se admitido o pedido. Capítulo IV Estatuto do Requerente de asilo e de protecção subsidiária 1- A concessão de asilo ou de protecção subsidiária obsta ao seguimento de qualquer pedido de extradição do beneficiário, fundado nos factos com base nos quais a protecção internacional é concedida. 2- A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de protecção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional. 3- Para efeitos do cumprimento do disposto no numero anterior, a apresentação do pedido de protecção internacional é comunicado pela AIMA, I.P., à entidade onde corre o respetivo processo no prazo de dois dias úteis. Artigo 37.° Pedido de asilo apresentado em Portugal ….. 2 - Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o conselho diretivo da AIMAJ.P* profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n°1 do artigo 19°-A e do artigo 20°, que é notificada ao requerente e comunicada ao representante do ACNUR e ao Conselho Português para os Refugiados.(g.n) II- A simples leitura do relato do recorrente na Entrevista (Doc.2-petição inicial) e Requerimento (Doc.3- petição Inicial) contida na Informação 2152/GAR/23 é suficiente para enquadramento na situação de pessoa elegível para proteção subsidiária. III. Afirmações relevantes do Recorrente na Entrevista e requerimento complementar, não suscitadas na análise do pedido, nem na consideração do Juízo: a) Saiu da Guiné em Junho/2018, ou seja há mais 5(cinco) anos, passando por Marrocos e Espanha, sendo de lá transferindo pelas normas vigentes e contra sua vontade, à Alemanha, onde chegou em 17/05/2019, e permaneceu 1 ano e 8 meses, não sequenciais, posto que foi para a França, onde chegou em 28/07/2020, onde permaneceu por 2 anos e 8 meses, (item VII, fls.5/6-Entrevista). b) Seu pedido de asilo foi recusado na França e na Alemanha (item VIII - fls 6 Entrevista-doc.2) c) Solicitou proteção internacional. Tem problemas de saúde, os quais não conseguiu tratar-se na Alemanha, pois não há tal subsidio para refugiados. Na França pode tratar-se até a vigência da Carte Vital, após está sem acesso a saúde e tratamento, (item VIII subitem I, fls 7-Entrevista-doc.2) d) por razões políticas na Guiné, pois é Fula e membro do UFDG. Esteve preso 6 dias, saindo com pagamento de caução. Fugiu do país porque as pessoas de etnia Fula em uma semana de detenção em Hamdalahi são transferidas para uma prisão, de onde é muito difícil sair. ( item VIII Subitem II - Entrevista-doc.2) e) Em razão de sua fuga, sua família fugiu para a Costa do Marfim, porque a procurariam para obrigá-lo a regressar. IV - Clarificações e correções e complementações à Entrevista SEF 25/08/2023. O Recorrente fez relevantes complementações e afirmações no Requerimento entregue atempado (Doc.3- petição inicial), em 31/08/2023, cuja relevância é digna de transcrição, não suscitadas na análise do pedido, e também não consideradas pelo Juízo: a) O requerente gostaria de sublinhar que nunca lhe foi perguntado durante a entrevista junto do SEF- GAR quais as condições em gue viveu na Alemanha, qual o tratamento que lhe foi prestado, designadamente quais as condições de acolhimento e quais os cuidados de saúde a que teve acesso face aos problemas de saúde que faz referências na pergunta “Qual o percurso efetuado desde o país de origem até chegar em Portugal” (pag 6 do auto) e na seção “Vulnerabilidade”(pag.7 do auto). Para além do mais, o requerente reitera que não lhe foi feita nenhuma pergunta de seguimento ao facto de ter dito que tinha estado doente na Alemanha, (g.n) b) O requerente refere ainda que não concorda como sentido provável da proposta de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e consequente transferência para a Alemanha, não querendo ser transferido para este país, porque: i. Em primeiro lugar, o requerente explica que os cuidados de saúde são limitados para os requerentes de asilo e distintos dos nacionais. Assim, conta que quando percebeu que tinha um problema de estomago, precisou de fazer vários exames mas não teve acesso gratuito aos mesmos devido ao seu estatuto legal. O requerente explica que este acesso gratuito é apenas total se for concedido o estatuto de refugiado. Nesse sentido, não teve acesso aos cuidados de saúde necessários para os seus problemas de saúde durante sua estada na Alemanha pois não tinha recursos para pagaros exames. ii. O requerente diz que falou com a assistente social na Alemanha e que lhe disse “e se eu morrer aqui?” e que esta reiterou o acesso limitado ao sistema de saúde para requerentes de proteção internacional e confirmou que efetivamente este não tinha acesso total aos cuidados de saúde mas aconselhou-o a continuar a estudar para aceder ao curso profissional que queria. No entanto, o requerente explica que na altura continuou a tentar concluir o décimo ano letivo para depois ter acesso ao curso profissional de mecânica mas a sua saúde começou a degradar-se pelo que não conseguir terminar os estudos e teve que partir para França à procura de cuidados de saúde necessários. Assim, diz não querer de forma alguma voltará Alemanha porque não sentiu que tinha a proteção necessária, iii. Finalmente, o requerente diz também que os alemães tratam os negros de forma diferente e discriminatória pelo que não se sente bem a viver lã e refere que, nesse sentido, a França e Portugal são muito diferentes. V - Está claro que a Informação 2152/23 em que se baseia a d. decisão impugnada omitiu-se ao pronunciamento do ora recorrente, através de Requerimento (Doc.3-petição Inicial), para os efeitos do artigo 17 n.º 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, no qual esclareceu, rectificou e aditou as informações prestadas na Entrevista de 25/08/2023 (Doc.2-petição Inicial), concluindo um Relatório padronizado. Do ponto de vista jurídico, não foi apreciado o manifesto a que o autor tinha direito, bem como, não lhe foi oportunizada a audiência prévia. DIREITOS VIOLADOS VI - Ao Requerente deveria ter sido facultada, na fase procedimental, a oportunidade de se pronunciar previamente, em tempo útil, sobre a fundamentação do sentido decisório da informação n.º 2009/GAR/2022 - o que lhe permitiria eventualmente carrear os elementos probatórios que entendesse por pertinentes, ressaltando ainda que a menção genérica ao artigo 18.°, n.0 1, do Regulamento (UE) n." 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, não cumpre as exigências decorrentes do princípio constitucional da participação dos interessados, garantido no artigo 267.°, n.0 5, da CRP, e concretizado, no plano legislativo, no direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 12.°, 121.° e 122.°, n.ºs 1 e 2, do CPA. VII. Entretanto, relativamente ao direito à audiência prévia, o Exmo Juiz fundamentou que houve a concessão da audiência prévia, pela simples notificação prévia ocorrente no ato da Entrevista, da qual decorre o complemento das informações. Porém, o facto é que são dispositivos legais diversos, não substitutivos, remanescendo o direito negado, que submete-se à Instância. Essa audição prévia tem lugar no âmbito das declarações e do relatório previstos nos artigos 16° e 17° da Lei n° 27/2008, de 30 de junho, nomeadamente através da possibilidade de o interessado se pronunciar, ainda que num prazo máximo de 5 dias, sobre o seu caso e a intenção decisória do Estado português.” Ora, no caso, verifica-se que o A. foi notificado quanto ã possibilidade do seu pedido ser inadmissível e ser transferido para a Alemanha, sendo concedido ao mesmo um prazo de 5 dias sobre o projeto decisão, vindo mesmo o A. a exercer esse direito de audição prévia (cfr. factos provados 6 e7). Assim, conclui-se que inexiste qualquer violação do direito de audição prévia por banda do R., até porque o direito foi concedido e efetivamente exercido pelo A. Face ao exposto, improcede o suscitado vício. VIII - A decisão impugnada foi proferida na fase preliminar do procedimento de concessão de protecção internacional, que se reconduz tão só à verificação do fundamento e admissibilidade dos pedidos de asilo e de protecção subsidiária, para efeito de admissão ou não à fase de instrução - nos termos dos artigos 20°/1 e 24°/4 da Lei de Asilo. IX - A decisão da SEF impugnada viola o artigo 18°, 2, a) da Lei do Asilo por não terem sido tidos em conta, na apreciação do pedido pelo extinto SEF, atual AIMA, I.P, “os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação”. Trata-se de uma formalidade determinante da instrução da decisão, essencial para a correcta análise do pedido. O Art.° 18.º da mesma Lei estabelece: Artigo 18.° Apreciação do pedido 1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete ã AIMA,I.P. analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível. 2 - Na apreciação do pedido, a AIMA,I.P. tem em conta especialmente: a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, a data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação; (g.n.) X - Retranscreve-se afirmações do Requerente: “por razões políticas na Guiné, pois é Fula e membro do UFDG. Esteve preso 6 dias, saindo com pagamento de caução. Fugiu do país porque as pessoas de etnia Fula em uma semana de detenção em Hamdalahí são transferidas para uma prisão, de onde é muito difícil sair. Em razão de sua fuga, sua família fugiu para a Costa do Marfim, porque a procurariam para obrigá-lo a regressar.”( item VIII Subitem II - Entrevista-doc.2) XI- A decisão SEF impugnada se fundamenta em informação que nada menciona relativamente à situação actual dos factos respeitantes ao país de origem, Guiné, designadamente, quanto à actuação de autoridades, grupos sociais, civis, e a própria normatividade ou a falta dela no sentido de proteção individual, os quais mostram-se essenciais à apreciação do fundamento do pedido, em especial, no que concerne ao pressuposto do fundado receio de rejeição, constrangimento e perseguição. XII- Ao não ter dado cumprimento ao dever de resultante do disposto no art. o 18.°/1 e 2/a) da Lei do Asilo, a Administração preteriu uma formalidade que se revela essencial à formação da vontade do órgão decisor, devendo, também com este fundamento, considerar-se a decisão impugnada anulável No país de origem do recorrente, há sim, os temores relatados na inicial da Acção, relevadas pela SEF em violação ao dispositivo, omitindo-se a essas necessárias diligências. XIII - Entretanto, conforme fundamentos expostos, o Exmo Juiz entendeu que essa disposição legal é alternativa em face da possibilidade de aplicação da “retoma a cargo pelo Estado-Membro”, e assim, acompanhando a omissão da SEF, o d. Juizo desconsiderou os riscos relatados pelo Recorrente, expostos na inicial, o que se reitera reforma por esta Instancia É verdade que dispõe o artigo 17.° do Regulamento de Dublin, dispõe o n.° 1 que “em derrogação do artigo 3.°, n.° 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento. ” Resulta deste normativo que, em casos excecionais, poderá um Estado-Membro analisar pedido de proteção internacional que não seja da sua competência, face às regras definidas no Regulamento de Dublin, no que dispõe sobre a competência para análise dos pedidos de proteção internacional. Assim, atendendo a que a solução adotada se afigura possível e legalmente admissível, a mesma não merece qualquer censura. Face ao exposto, não merece censura a decisão impugnada, improcedendo o suscitado vício de violação de lei. XIV - Relativamente à Alemanha, Estado-Membro definido como responsável pela “retoma a cargo”, retranscreve-se as afirmações do Requerente, pela importância para a análise do pedido e julgamento na Acção: - que seu pedido de asilo foi recusado na França e na Alemanha (item VIII - fls6 Entrevista-doc.2) - tem problemas de saúde, os quais não conseguiu tratar-se na Alemanha, pois não há tal subsidio para refugiados. Na França pode tratar-se até a vigência da Carte Vital, após está sem acesso a saúde e tratamento, (item VIII subitem I, fls 7-Entrevista-doc.2) Nas clarificações desconsideradas na decisão SEF (Doc.3-petição inicial), em 31/08/2023, cuja relevância é digna de transcrição, não suscitadas no análise do pedido: - O requerente gostaria de sublinhar que nunca lhe foi perguntado durante a entrevista junto do SEF-GAR quais as condições em que viveu na Alemanha, qual o tratamento que lhe foi prestado, designadamente quais as condições de acolhimento e quais os cuidados de saúde a que teve acesso face aos problemas de saúde que faz referências na pergunta ... Para além do mais, o requerente reitera que não lhe foi feita nenhuma pergunta de seguimento ao facto de ter dito que tinha estado doente na Alemanha, (g.n) - os cuidados de saúde são limitados para os requerentes de asilo e distintos dos nacionais. Assim, conta que quando percebeu que tinha um problema de estomago, precisou de fazer vários exames mas não teve acesso gratuito aos mesmos devido ao seu estatuto legal. O requerente explica que este acesso gratuito é apenas total se for concedido o estatuto de refugiado. Nesse sentido, não teve acesso aos cuidados de saúde necessários para os seus problemas de saúde durante sua estada na Alemanha pois não tinha recursos para pagar os exames. … a assistente social na Alemanha lhe disse “e se eu morrer aqui?” e que esta reiterou o acesso limitado ao sistema de saúde para requerentes de proteção internacional e confirmou que efetivamente este não tinha acesso total aos cuidados de saúde mas aconselhou-o a continuar a estudar para aceder ao curso profissional que queria. No entanto, o requerente explica que na altura continuou a tentar concluir o décimo ano letivo para depois ter acesso ao curso profissional de mecânica mas a sua saúde começou a degradar-se pelo que não conseguir terminar os estudos e teve que partir para França à procura de cuidados de saúde necessários. Assim, diz não querer de forma alguma voltar à Alemanha porque não sentiu que tinha a proteção necessária. - Finalmente, o requerente diz também que os alemães tratam os negros de forma diferente e discriminatória pelo que não se sente bem a viver lá e refere que, nesse sentido, a França e Portugal são muito diferentes. XV - O relatório que fundamenta a decisão SEF impugnada contradiz as declarações do autor, refutando- as por não ter havido efectiva comprovação dos fatos, contudo, com privilégio de autoridade, não faz qualquer comprovação, simplesmente fundamenta nos dispositivos normativos e/ou legais, em textos padronizados, e sequer são considerados os factos e temores relatados pelo autor, relativamente à sua vinculação política e fuga de seu país de origem, nem são promovidas pesquisas a respeito XVI- Entretanto, o d. Juiz acompanha e aduz as fundamentações da SEF, contradizendo totalmente as afirmações do Requerente: Assim sendo, seguindo de perto a jurisprudência citada, conclui-se que a obrigatoriedade de indagação das condições existentes no Estado-Membro de acolhimento ocorre nos casos de existirem indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima de tratamentos desumanos ou degradantes. “ revertendo para o caso dos autos, e apreciando as declarações do Autor, verifica-se que estas não atestam essa obrigatoriedade, na medida em que o A. Refere que não lhe terão sido concedidos exames gratuitos, mas nada refere quanto ao facto de não lhe ter sido prestada assistência médica e medicamentosa. O ponto que refere reporta-se a algum tipo concreto de exames complementares de diagnóstico. Além disso, não refere o A. que doença o mesmo padecia, qual o problema que padeceu e qual ou quais os exames que lhe terá sido exigido uma comparticipação, é que o A. não refere que esses exames lhe tenham sido negados, o que menciona é que não lhe foram disponibilizados de forma gratuita. Ademais, o Autor, em momento algum afirmou que não foi alimentado ou que não lhe tenha sido concedido alojamento em condições dignas, ou seja, o A. Nada menciona quanto ao facto de ter sofrido tratamento desumano ou degradante. A única questão que estriba o descontentamento do A. prende-se com o acesso totalmente gratuito a exames complementares de diagnóstico, sem concretizar qual ou quais esses exames, nem mencionar que problema terá tido. Igualmente no que respeita ao alegado tratamento discriminatório que os alemães darão a pessoas negras, igualmente esta alegação não se encontra minimamente densifícada, não elencado o A. se sofreu ele mesmo esses tratamentos discriminatórios (ou se viu esse comportamento relativamente a outras pessoas, ou até, se é uma convicção, sem qualquer vislumbre de manifestação exógena), de quem terão partido (particulares ou autoridades), circunstanciando o modo e o lugar em que terão ocorrido. Em suma, inexistindo pormenorização quanto ao tempo, modo e local, tratam-se de declarações sem densidade concretizadora suficiente, mostrando-se inverosímil a sua ocorrência. Atê porque nada é dito de quem partem essas práticas, se de autoridades ou de terceiros. Nessa medida, das alegações do Autor não se descortina qualquer factualidade que derive na incapacidade do estado alemão em garantir a proteção do Autor contra eventuais atuações discriminatórias de terceiros. Aliás, o Autor não alega qualquer omissão de auxílio das autoridades da Alemanha, não referido que tenha apresentado queixa de eventuais elementos que o terão descriminado (seria importante circunstanciar, dentro do possível, datas aproximadas de eventuais queixas, localidade onde a efetuou, identificar a autoridade a que recorreu - policia, por exemplo) e que as autoridades alemãs não tenham dado andamento a procedimentos legais e medidas de segurança adequadas. ” XVII - Questiona-se: quais provas deveriam ser trazidas pelo autor, relativamente às sua afirmações sobre o desacolhimento, negligência, ou desatendimento sofrido na Alemanha em relação à seu estado de saúde; quanto ao sentir-se discriminado em razão da etnia, e ainda quanto ao temor sobre a prisão em seu país, a que estaria sujeito por razões da etnia e filiação política? A incredibilidade ou a relevância de facto fundamental por falta de provas dessa natureza é incoerente. XVIII - É caso de impossibilidade de comprovação, dada a hipossuficiência e vulnerabilidade do Requerente. Dessa forma, é totalmente aplicável o princípio do benefício da dúvida as normas do artigo 18.º citadas são corolário -constitui um princípio de direito internacional e tem aplicabilidade nas situações de manifesta dificuldade de prova dos factos invocados, desde que as declarações prestadas pelo requerente da protecção passem, tendo em conta os factos conhecidos, o crivo cumulativo da credibilidade, coerência e plausibilidade. XIX - Contudo, ainda antes de se proceder à aplicação deste princípio, incumbe à Administração - a par do ônus probatório a cargo do requerente de protecção internacional - recorrer a todos os meios ao seu dispor para obter elementos imparciais e pertinentes para análise dos factos relatados e do pedido formulado pelo Requerente; para tanto deve recolher toda a informação disponível, em especial, sobre os factos pertinentes respeitantes ao país de origem -obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes-, à data da decisão sobre o pedido. No caso dos autos, a informação do Gabinete de Asilo e Refugiados n.0 2152/GAR/23-que fundamenta a decisão impugnada -refere recolha de informação atual respeitante à situação em Guiné. O recorrente refere que mantém receio de regressar, especialmente por sua absoluta impossibilidade de defesa, caso seja preso, o que aparente bastante provável, pelo relato. XX -A análise jurídica do pedido de asilo em questão, impõe considerar os critérios definidos pelo artigo 1A (2) da Convenção de Genebra de1951, em conformidade com o art. 1 (2) do Protocolo de Nova York, que se encontram vertidos no, já mencionado, art.°3.°/1 e 2 da Lei do Asilo. CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1951 CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS ARTIGO 1 Definição do termo refugiado A. Para os Uns da presente Convenção, o termo refugiado aplicar-se-á a qualquer pessoa: (1) Que tenha sido considerada refugiada em aplicação dos Arranjos de 12 de Maio de1926 e de 30 de Junho de 1928, ou em aplicação das Convenções de 28 de Outubro de1933 e de 10 de Fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de Setembro de 1939, ou ainda em aplicação da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados. As decisões de não elegibilidade tomadas pela Organização Internacional dos Refugiados enquanto durar o seu mandato não obstam a que se conceda a qualidade de refugiado a pessoas que preencham as condições previstas no parágrafo (2) da presente secção; (2) Que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de I de Janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar. LEI N° 27/08, com alterações da LEI N° 26/14-LEI DO ASILO: Artigo 3.° Concessão do direito de asilo 1 -É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. 2 -Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. 3 -O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional. 4 -Para efeitos do n.° 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição. XXI - O pedido de asilo enquadra-se no Artigo 1º, A, 2 da Convenção de Genebra e no correspondente n.º 1, Artigo 3º, da Lei do Asilo, n.º 27/08, com alterações da Lei 26/14, não se justificando considerar inadmissível, sem mais, o seu pedido de asilo. XXII - Ressalte-se a importância à regra básica da união dos Estados para a missão, consubstanciada na Convenção de Genebra de 1951, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, tendo como consequência a e dos princípios da não expulsão(artigo 33° nº 1,1a parte da Convenção de Genebra de 1951), da não repulsão (artigo 3° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), bem como violação das disposições normativas( artigos 1 °, 3°, 18º e 19º, n° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artigo 78° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Assim, enquanto a decisão de considerar infundado o pedido de protecção é acto estrictamente vinculado, o direito da pessoa humana, no caso o Sr A…, expresso por sua vontade, encontram- se protegidos pelos dispositivos acima citados, e possíveis, uma vez que pediu protecção internacional a Portugal. XXIII - Caso análogo já foi objeto de apreciação por este Tribunal, no Processo 235/18.0BELSB, relevante sentença considerável ao presente caso, cujos textos transcreve-se "O Autor pede que seja o Réu condenado a conceder-lhe protecção internacional posto que se julgue provada toda a matéria factual relatada. Todavia, tendo em conta o teor da decisão impugnada, o que está efectivamente em causa nos presentes autos é saber se a decisão administrativa, que 'considerou infundado o pedido de protecção internacional formulado pelo, ora, Autor -aqui impugnada deve ser invalidada e ou condenado o R. a prosseguir com a instrução do pedido de protecção internacional apresentado pelo Autor por não dever aquele considerar-se manifestamente infundado. Com efeito, no caso dos autos a decisão impugnada foi proferida na fase preliminar do procedimento de concessão de protecção internacional, que se reconduz tão só à verificação do fundamento e admissibilidade dos pedidos de asilo e de protecção subsidiária, para efeito de admissão ou não à fase de instrução -nos termos dos artigos 20. ° e 24. °/4 da Lei de Asilo. Ora, o pedido de protecção internacional considera-se infundado quando se verifique qualquer das situações previstas no art° 19 (....) Em suma, a análise jurídica do pedido de asilo em apreço, impõe gue se tenham em consideração os critérios definidos pelo artigo 1“(2) da Convenção de Genebra de 1951, em conformidade com o art. 1 (2) do Protocolo de Nova York, que se encontram vertidos no, já mencionado, art.°3.°/1 e2da Lei do Asilo. Tendo em conta o exposto, não é manifesto que nenhum dos critérios alternativos vertidos no n.°1 e no n.°2 deste preceito seja susceptível de se considerar preenchido no caso do Autor, pelo que não seria de considerar, sem mais, o seu pedido de asilo infundado. O Autor imputa ainda à decisão impugnada a iii) violação do artigo 18.o/2/a) da Lei do Asilo por não terem sido tidos em conta, na apreciação do pedido pelo SEF «os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação». Trata-se de uma formalidade determinante do ponto de vista da (in)completude da instrução da decisão, essencial para a correcta análise do pedido. Assim, nos termos do art. o 15. o da Lei de Asilo, (....) Por sua vez, o art. o 18.° da mesma Lei estabelece [sob a epígrafe "Apreciação do pedido ’] que (...) (...) Contudo, ainda antes de se proceder ã aplicação deste princípio, incumbe ã Administração -a par do ônus probatório a cargo do requerente de protecção internacional -recorrer a todos os meios ao seu dispor para obter elementos imparciais e pertinentes para análise dos factos relatados e do pedido formulado pelo Requerente; para tanto deve recolher toda a informação disponível, em especial, sobre os factos pertinentes respeitantes ao país de origem -obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes à data da decisão sobre o pedido. No caso dos autos, a informação do Gabinete de Asilo e Refugiados n. ° 02/GAR/18 -para que a decisão impugnada remete -não refere qualquer recolha de informação atual respeitante à situação na RDC, limita-se a referir gue os factos relatados pelo Requerente se reportam a Outubro de 2014 e nada de mais actual é mencionado; contudo, o Requerente refere que, actualmente, mantém o mesmo receio de regressar. E é certo que a decisão impugnada se fundamenta em informação que nada menciona relativamente à situação actual da R. D. do c., designadamente, quanto à actuação das forças policiais e militares relativamente aos membros de grupos civis ou de partidos políticos da oposição e seus familiares, sendo que tais factos respeitantes ao país de origem mostram-se essenciais à apreciação do fundamento do pedido, em especial, no que concerne ao pressuposto do fundado receio de perseguição. Assim, ao não ter dado cumprimento ao dever de resultante do disposto no art. o 18°/1 e 2/a) da Lei do Asilo, a Administração preteriu uma formalidade que se revela essencial à formação da vontade do órgão decisor, devendo, também com este fundamento, considerar-se a decisão impugnada anulável Proteção Subsidiária - Autorização De Residência XXIV - O Artigo 7.° Protecção subsidiária 1- É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.0 e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave. 2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. (G.N) 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.». Infere-se, do regime transcrito, que o direito de asilo é garantido aos estrangeiros e aos apátridas quando: (a) sejam perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. (b) não possam voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual ou não o queiram com receio de serem perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social. Os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir uma grave violação de direitos fundamentais ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais. Já a autorização de residência por proteção subsidiária é concedida aos estrangeiros e aos apátridas que não possam ser considerados refugiados, mas se encontrem impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, seja pela sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, seja por correrem o risco real de sofrer ofensa grave. Como se referiu no Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul de 06/06/2019, proferido no Processo n0 77/19.5BELSB «...No Manual de Procedimentos e Critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado, de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, do ACNUR, gue contém linhas orientadoras para o efeito, refere-se no ponto 195 que “Os factos relevantes de cada caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio requerente. Incumbirá, então, à pessoa competente para a determinação do seu estatuto (o examinador) apreciar a validade de qualquer elemento de prova e a credibilidade das declarações do requerente.’’. No ponto 196 do referido Manual do ACNUR refere-se que “Constitui um principio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido. Contudo, frequentemente acontecerá que um requerente não é capaz de apoiar as suas declarações mediante provas documentais ou outras; e os casos em que o requerente pode fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a excepção do que a regra. Na maioria dos casos, uma pessoa ao fugir da perseguição, chegará apenas com as necessidades elementares e, muito frequentemente, sem documentos pessoais. Deste modo, enquanto o ónus da prova em principio incumbe ao requerente, o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes é repartido entre o requerente e o examinador. De facto, em alguns casos, poderá caber ao examinador a utilização de todos os meios ao seu dispor para a produção dos necessários elementos de prova no apoio ao pedido. Contudo, essa investigação independente pode nem sempre ter sucesso e podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer credível, dever-lhe-á ser concedido o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para o contrário. ” E no ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR refere-se que “O benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos. ” Notificada das alegações apresentadas, a entidade demandada não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso considerando que “os factos em presença apontam no sentido de ao R. apenas cumpre proferir decisão de transferência do Autor para a Alemanha por competir, em exclusivo, ao Estado alemão (à luz do Regulamento de Dublin) a apreciação do pedido de proteção internacional, formulado pelo Autor.” Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por: a) ter considerado cumprida a audiência prévia pela simples notificação prévia ocorrida no acto da entrevista; b) ter desconsiderado os riscos relatados pelo recorrente relativamente a falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional. «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» - cfr. fls. 60 a 62 do PA; 8. Em 01-09-2023, os serviços do R. apresentaram um pedido de retoma a cargo do Autor dirigido às autoridades alemãs ao abrigo artigo 18.º n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26.06.2013 - cfr. fls. 64 a 68 do PA; 9. Em 07-09-2023, as autoridades alemãs comunicaram aos serviços do R. que aceitam o pedido descrito na alínea antecedente ao abrigo do artigo 18.º n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26.06.2013 - cf. fls. 69 a 71 do PA; 10. Com data de 14-09-2023, os serviços do R. elaboraram a informação n.º 2152/GAR/2023 com o seguinte conteúdo: – cfr. fls. 74 a 82 do PA; 11. Em 14-09-2023, o Diretor Nacional do SEF lavrou o seguinte despacho: «Imagem em texto no original» - cfr. fls. 83 do PA; 12. Em 25-09-2023, a decisão aludida em 11., foi notificada ao Autor – cfr. fls. 85 do PA.” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO No caso em apreço, tendo o autor pedido a anulação da decisão proferida em 14/09/2023 pelo Director do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e a intimação da entidade demandada a admiti-lo, dando início à instrução do procedimento, a sentença recorrida julgou improcedente a acção e, em consequência, a absolveu a entidade demandada do pedido, nos seguintes termos: “(…) a) Da alegada violação do direito de audição prévia: (…) Ora, no caso, verifica-se que o A. foi notificado quanto á possibilidade do seu pedido ser inadmissível e ser transferido para a Alemanha, sendo concedido ao mesmo um prazo de 5 dias sobre o projeto decisão, vindo mesmo o A. a exercer esse direito de audição prévia (cfr. factos provados 6 e 7). Assim, conclui-se que inexiste qualquer violação do direito de audição prévia por banda do R., até porque o direito foi concedido e efetivamente exercido pelo A. Face ao exposto, improcede o suscitado vício. * b) Do alegado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito (…) Todavia, sem razão, uma vez que o R. entendeu não ser o país responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional formulado pelo A., pelo que teria que proceder à apreciação de alegadas violações perpetradas no país de origem (Guiné), não lhe cumprindo conhecer desta matéria, na medida em que não estava em causa a apreciação do pedido de proteção internacional (e eventual regresso ao país de origem), mas apenas a determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido (que, no caso, é a Alemanha) e essa alegação apenas tem pertinência no âmbito da análise e decisão do pedido de proteção internacional que, como referimos, não é o que está em causa nos presentes autos. (…) No caso concreto, como referimos, o Autor formulou pedido de proteção internacional em Portugal e detetando o SEF que o Autor havia formulado previamente igual pedido na Alemanha, levou a que os serviços do Réu espoletassem o referido procedimento especial de determinação do Estado responsável para a sua apreciação, peticionando perante as autoridades da Alemanha a sua retoma a cargo, em conformidade com o disposto no artigo 18, n.º 1, al. d) e artigo 25.º do Regulamento n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 e no n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06. Esse pedido, que foi efetuado em 01-09-2023 (pedido de tomada a cargo às autoridades alemãs), ao abrigo do artigo 18 º, n.º 1, al. d), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin). Em 07-09-2023, as autoridades alemãs aceitaram a retoma a cargo do Autor, ao abrigo das normas aludidas. Posto isto, torna-se, pois, evidente que, tendo as autoridades alemãs aceitado o pedido de retoma do Autor a seu cargo, o Conselho Diretivo da AIMA, de acordo com o bloco normativo supra referido, nenhuma outra solução dispunha que não a de determinar a inadmissibilidade do pedido de proteção internacional, formulado pelo A., e em consequência determinar, igualmente, a transferência do Autor para a Alemanha, tal como decorre do supra citado n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06. É verdade que dispõe o artigo 17.º do Regulamento de Dublin, dispõe o n.º 1 que “em derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.” Resulta deste normativo que, em casos excecionais, poderá um Estado-Membro analisar pedido de proteção internacional que não seja da sua competência, face às regras definidas no Regulamento de Dublin, no que dispõe sobre a competência para análise dos pedidos de proteção internacional. Todavia, essa cláusula é facultativa, ou seja, nestes casos, o Tribunal pode apreciar a validade de atos resultados do exercício da margem de livre decisão administrativa, “nunca lhe sendo admissível, no entanto, à luz do princípio da separação de poderes, se existirem diversas soluções ponderativas juridicamente possíveis, substituir aquela que foi adotada por uma sua” (cfr. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013, p. 444). Assim, atendendo a que a solução adotada se afigura possível e legalmente admissível, a mesma não merece qualquer censura. Face ao exposto, não merece censura a decisão impugnada, improcedendo o suscitado vício de violação de lei. * c) Quanto às alegadas falhas sistémicas(…) Revertendo para o caso dos autos, e apreciando as declarações do Autor, verifica-se que estas não atestam essa obrigatoriedade, na medida em que o A. refere que não lhe terão sido concedidos exames gratuitos, mas nada refere quanto ao facto de não lhe ter sido prestada assistência médica e medicamentosa. O ponto que refere reporta-se a algum tipo concreto de exames complementares de diagnóstico. Além disso, não refere o A. que doença o mesmo padecia, qual o problema que padeceu e qual ou quais os exames que lhe terá sido exigido uma comparticipação, é que o A. não refere que esses exames lhe tenham sido negados, o que menciona é que não lhe foram disponibilizados de forma gratuita. Ademais, o Autor, em momento algum afirmou que não foi alimentado ou que não lhe tenha sido concedido alojamento em condições dignas, ou seja, o A. nada menciona quanto ao facto de ter sofrido tratamento desumano ou degradante. A única questão que estriba o descontentamento do A. prende-se com o acesso totalmente gratuito a exames complementares de diagnóstico, sem concretizar qual ou quais esses exames, nem mencionar que problema terá tido. Igualmente no que respeita ao alegado tratamento discriminatório que os alemães darão a pessoas negras, igualmente esta alegação não se encontra minimamente densificada, não elencado o A. se sofreu ele mesmo esses tratamentos discriminatório (ou se viu esse comportamento relativamente a outras pessoas, ou até, se é uma convicção, sem qualquer vislumbre de manifestação exógena), de quem terão partido (particulares ou autoridades), circunstanciando o modo e o lugar em que terão ocorrido. Em suma, inexistindo pormenorização quanto ao tempo, modo e local, tratam-se de declarações sem densidade concretizadora suficiente, mostrando-se inverosímil a sua ocorrência. Até porque nada é dito de quem partem essas práticas, se de autoridades ou de terceiros. (…) Nessa, medida, das alegações do Autor não se descortina qualquer factualidade que derive na incapacidade do estado alemão em garantir a proteção do Autor contra eventuais atuações discriminatórias de terceiros. Aliás, o Autor não alega qualquer omissão de auxílio das autoridades da Alemanha, não referido que tenha apresentado queixa de eventuais elementos que o terão descriminado (seria importante circunstanciar, dentro do possível, datas aproximadas de eventuais queixas, localidade onde a efetuou, identificar a autoridade a que recorreu – policia, por exemplo) e que as autoridades alemãs não tenham dado andamento a procedimentos legais e medidas de segurança adequadas. Assim, atendendo a que inexistem factos notórios que nos levem a concluir que na Alemanha existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes que impliquem o risco de ser desrespeitado o direito dos requerentes a não serem sujeitos a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, nomeadamente no acesso à saúde, na medida em que a Alemanha é um Estado democrático de Direito, notoriamente uma das economias mais ricas da U.E., com um dos sistemas de saúde mais evoluídos e com melhor resposta da Europa, e que a alegação fáctica indiciária não se encontra minimamente densificada, conclui-se pela improcedência do alegado risco de ser desrespeitado o direito do requerente a não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos. Assim sendo, no caso dos autos, será de concluir no sentido de não recair sobre o Réu a obrigação de averiguar acerca das condições no procedimento de asilo e no acolhimento na Alemanha, inexistindo défice instrutório no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo. Face ao exposto, ao R. apenas cumpria proferir decisão de transferência do Autor para a Alemanha por competir, em exclusivo, ao Estado alemão (à luz do Regulamento de Dublin) a apreciação do pedido de proteção internacional, formulado pelo Autor, improcedendo, assim, os suscitados vícios de défice instrutório e de violação de lei. Destarte, não se deteta qualquer factualidade que, potencialmente, possa ser enquadrável como falha sistémica do Estado alemão, improcedendo a pretensão do Autor. Face ao exposto, inexiste, por isso, qualquer violação do n.º 2 do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 19.º, ambos do Regulamento n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, bem como dos artigos 3.º da CEDH e 4º da CDFUE. Assim sendo, ao R. apenas cumpria proferir decisão de transferência do Autor para a Alemanha por competir, em exclusivo, ao Estado alemão (à luz do Regulamento de Dublin) a apreciação do pedido de proteção internacional, formulado pelo Autor, improcedendo, assim, o suscitado vício de violação de lei. (…)” Em suma, o Tribunal recorrido entendeu que: a) improcede a invocada violação do direito de audição prévia, visto que o autor havia sido notificado da possibilidade de o seu pedido ser inadmissível e ser transferido para a Alemanha, tendo-lhe sido concedido um prazo de cinco dias para se pronunciar sobre o projecto de decisão, tendo o mesmo emitido pronúncia (conforme factos 6 e 7 do probatório); b) improcede o invocado erro nos pressupostos de direito, porquanto, tendo a entidade demandada entendido ser a Alemanha o país responsável pela apreciação do pedido de protecção internacional formulado pelo autor, não teria que apreciar as alegadas violações perpetradas no país de origem (Guiné) mas, antes, como fez em 01.09.2023, peticionar, perante as autoridades daquele país, a sua retoma a cargo, em conformidade com o disposto nos artigos 18.º, n.º 1, alínea d), e 25.º do Regulamento n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 (Regulamento de Dublin), e no n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, pedido que foi aceite, em 07.09.2023, pelas autoridades alemãs, o que determinou a inadmissibilidade do pedido de protecção internacional formulado pelo autor e, em consequência, a sua transferência para a Alemanha, nos termos do n.º 2 do referido artigo 37.º; c) o autor não alega qualquer factualidade que traduza a incapacidade do Estado alemão em garantir a sua protecção contra actuações discriminatórias de terceiros e inexistem factos notórios aptos a concluir que na Alemanha existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do autor que impliquem o risco de ser desrespeitado o seu direito a não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, pelo que não recai sobre a entidade demandada a obrigação de averiguar as condições no procedimento de asilo e no acolhimento na Alemanha, inexistindo défice instrutório no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo. O recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando o erro de julgamento da sentença por (i) ter considerado cumprida a audiência prévia pela simples notificação prévia ocorrida no acto da entrevista, e (ii) ter desconsiderado os riscos relatados pelo recorrente. a) Quanto à violação da audiência prévia No que concerne ao vício de violação de audiência prévia, o recorrente invocou na p.i. que foi notificado da decisão sem ter sido ouvido previamente sobre a respectiva fundamentação, constante da informação n.º 2009/GAR/2022, o que obstou a que carreasse “os elementos probatórios que entendesse por pertinentes”. A sentença recorrida julgou improcedente tal vício, ancorando-se nas normas dos artigos 121.º do CPA e 5.º, n.º 6, do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (Regulamento de Dublin), considerando que resulta dos pontos 6 e 7 do probatório que o autor foi notificado da possibilidade de o seu pedido ser considerado inadmissível e ser transferido para a Alemanha, tendo-lhe sido concedido um prazo de cinco dias para se pronunciar sobre o projecto de decisão, e tendo o mesmo emitido pronúncia. O recorrente insurge-se contra o assim decidido, alegando que a simples notificação prévia ocorrida no acto da entrevista não dá cumprimento à exigência legal de audiência prévia. Vejamos, começando por fazer o enquadramento jurídico da audiência prévia, tendo em conta que estamos perante um procedimento administrativo especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional. A audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo constitui um meio de realização do princípio da participação, consagrado no artigo 12.º do CPA e no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa. É certo que o Código do Procedimento Administrativo (CPA) prevê e regula, nos seus artigos 121.º e ss., a audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo. Mas é também certo que as disposições do CPA, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, apenas são aplicáveis subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais – cfr. artigo 2.º, n.º 5, do CPA. Ou seja, o regime geral da audiência prévia previsto no CPA só será de aplicar aos procedimentos administrativos especiais se os mesmos não estiverem especificamente regulados nessa matéria. Em causa está um procedimento de concessão de protecção internacional, regulado pela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária. Este diploma prevê e regula os termos do cumprimento da audiência prévia nos procedimentos de protecção internacional, o que afasta a aplicação das normas gerais sobre audiência prévia dos interessados previstas no CPA, nos termos do referido artigo 2.º, n.º 5, do CPA, sendo, antes, aplicável o regime especial previsto naquela lei. Nos termos da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, a audiência prévia assume contornos diferentes em função do tipo de procedimento e da fase procedimental em causa, prevendo-se um regime regra no seu artigo 17.º e regimes especiais nos artigos 24.º (para os pedidos apresentados nos postos de fronteira), 33.º-A (para os pedidos apresentados na sequência de uma decisão de afastamento do território nacional) e 41.º (para os procedimentos de perda do direito de protecção internacional). No caso em apreço, estamos perante o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, previsto e regulado nos artigos 36.º a 40.º da referida lei. Em tais normas prevê-se que, quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertence a outro Estado-Membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, a AIMA, I. P., solicita às respectivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo, e, aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o conselho directivo da AIMA, I. P., profere decisão de inadmissibilidade ou falta de fundamento do pedido, que é notificada ao requerente. As normas da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, reguladoras deste procedimento especial, não preveem qualquer notificação do interessado prévia à da decisão final. Todavia, no artigo 5.º do identificado regulamento está prevista a realização de uma entrevista pessoal, previamente à decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável (cfr. n.º 3), devendo o Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, e assegurar que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso a esse resumo em tempo útil (cfr. n.º 6). E, de acordo com o n.º 3 do artigo 17.º da Directiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de protecção internacional, “Os Estados-Membros devem assegurar que, antes de o órgão de decisão tomar uma decisão, o requerente tenha a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório ou da transcrição, no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado. Para esse efeito, os Estados-Membros devem assegurar que o requerente seja plenamente informado do conteúdo do relatório ou dos elementos substantivos da transcrição, se necessário com a assistência de um intérprete. Os Estados-Membros solicitam ao requerente que confirme que o conteúdo do relatório ou a transcrição refletem corretamente a entrevista.” Assim, no âmbito do procedimento especial em análise, a única notificação ao requerente de protecção internacional que está prevista previamente à sua notificação da decisão final é, nos termos do n.º 6 do artigo 5.º do Regulamento e do n.º 3 do artigo 17.º da Directiva, a do resumo escrito/relatório que contenha as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista pessoal, de modo que o mesmo possa fazer observações e/ou prestar esclarecimentos relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório ou da transcrição. Contudo, não estando especificamente regulada a audiência prévia no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, importa atentar no regime regra constante do artigo 17.º, de cujos n.ºs 1 e 2 decorre que, após a prestação de declarações referida no artigo 16.º (que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respectiva pretensão), a AIMA, I. P., elabora a transcrição das declarações prestadas ou um relatório exaustivo e factual, do qual constem todos os elementos essenciais das declarações prestadas, que são notificados ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de três dias, o que equivale, para todos os efeitos, a audiência prévia do interessado. Assim, não obstante não se encontrar expressamente prevista e regulada nos artigos 36.º a 40.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, para o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, a audiência do requerente previamente à decisão de inadmissibilidade do pedido por aceitação da retoma pelo Estado requerido decorre da conjugação do disposto no artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, do n.º 3 do artigo 17.º da Directiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, e dos artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. Volvendo ao caso em apreço, cumpre, agora, aferir se o recorrente foi notificado para se pronunciar sobre a sua transferência para a Alemanha. Não tendo o recorrente impugnado a decisão da matéria de facto, o que da mesma decorre (concretamente, dos seus pontos 6 e 7) é que – previamente à notificação da decisão final, ocorrida em 25.09.2023 (cfr. ponto 12. do probatório) - em 25.08.2023, o autor foi notificado do sentido provável da decisão a recair sobre o seu pedido de protecção internacional - inadmissibilidade do pedido e consequente transferência para a Alemanha - e, bem assim, para, no prazo de 5 dias úteis, se pronunciar sobre a proposta de decisão, tendo o mesmo emitido pronúncia, em 31.08.2023, apresentando “esclarecimentos e correções aos factos essenciais do seu pedido de proteção internacional”. Nestes termos, concluímos que foi cumprida a audiência prévia nos termos legalmente exigidos, com o que improcede este fundamento do recurso. b) Quanto à alegação de falhas sistémicas O recorrente invocou na p.i. que teve problemas de saúde na Alemanha, onde precisou de fazer exames médicos, mas não teve acesso gratuito aos mesmos e, como não tinha possibilidade de os custear, não teve os devidos cuidados de saúde durante o período em que esteve na Alemanha, tendo ainda alegado que os alemães tratam os negros de forma diferente e discriminatória. A sentença recorrida considerou que o autor não alegou factos que traduzissem a incapacidade do estado alemão em garantir a sua protecção contra actuações discriminatórias de terceiros - pois não invoca a falta de prestação de assistência médica e medicamentosa nem ter sofrido tratamento desumano ou degradante, não se encontrando minimamente densificada a alegação de tratamento discriminatório dos alemães a pessoas negras – e que inexistem factos notórios aptos a afirmar que na Alemanha existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do autor que impliquem o risco de ser desrespeitado o seu direito a não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, concluindo não recair sobre a entidade demandada a obrigação de averiguar as condições no procedimento de asilo e no acolhimento na Alemanha, inexistindo défice instrutório no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo. O recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando o erro devido a falta de consideração dos riscos por si alegados. Vejamos. Nos termos do segundo parágrafo do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.” A jurisprudência dos tribunais administrativos tem vindo a decidir uniformemente pela «“desnecessidade de uma específica atividade instrutória antes da determinação da transferência, tendente ao apuramento da verificação de falhas sistémicas nos procedimentos de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional quando não existam indícios que o requerente tenha sido, ou venha a ser, vítima dessas falhas, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante no art. 3.º n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/13, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013” (cfr. acórdãos de 16/01/2020, P. 02240/18.7BELSB; de 04/06/20, P. 01322/19.2BELSB; de 02/07/2020, P. 01786/19.4BELSB e P. 010/88/19.6BELSB; de 09/07/20, P. 1419/.9BELSB; de 10/09/2020, P. 01705/19.8BELSB e P. 03421/19.1BEPRT; de 5/11/2020, P. 2364/18.0BELSB; de 19/11/2020, P. 1301/19.0BELSB; de 19/11/2020, P. 1009/20.3BELSB; de 04/02/2021, P.115/20.9BELSB; de 11/03/2021, P. 01282/20.7BELSB; de 24/11/2022, P.0269/22.0BELSB)» e que, «apenas em casos devidamente justificados, naqueles casos em que existam motivos válidos para crer que «há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes» e que tais falhas impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente, por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação atualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos» - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Abril de 2023, proferido no processo n.º 1988/20.0BELSB (in www.dgsi.pt). No caso em apreço, a este propósito, o autor recorrente limitou-se a alegar na p.i. que não lhe foi concedida a possibilidade de realizar exames médicos de forma gratuita e que os alemães dão tratamento discriminatório a pessoas negras, alegação esta que se mostra manifestamente insuficiente para caracterizar uma situação de previsível tratamento desumano ou degradante pelas autoridades da Alemanha, não se traduzindo em indícios de falhas graves, pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante da norma acima enunciada. Assim sendo, concluímos – tal como o fez a sentença recorrida - pela desnecessidade de uma específica actividade instrutória antes da determinação da transferência, para verificação de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional, pelo que improcede também este fundamento do recurso. Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente. * Sem custas, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto. Sem custas. Lisboa, 31 de Outubro de 2024 Joana Costa e Nora (Relatora) Ilda Côco Lina Costa |