Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1033/16.0BEALM |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 11/29/2022 |
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Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
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Descritores: | JUROS DE MORA TRANSAÇÕES COMERCIAIS JUROS COMERCIAIS |
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Sumário: | I - A Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, veio prever no seu artigo 1.º o pagamento de juros de mora civis pelo atraso no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias, mas apenas para as situações que não envolvam transações comerciais. II - Estando em causa transação comercial entre empresa privada e entidade pública, tem aplicação ao caso dos autos o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, nos termos do qual os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento são os juros comerciais estabelecidos no Código Comercial, regime mantido pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que revogou aquele diploma legal. III - Não obstante este diploma legal não se aplicar à entidade recorrente até 31 de dezembro de 2015, cf. o respetivo artigo 12.º, por se tratar de entidade pública que faz parte do Serviço Nacional de Saúde, esta desaplicação afigura-se inócua para o caso, uma vez que o mesmo não veio operar qualquer alteração quanto à taxa aplicável. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO B…, S.P.A., intentou a presente ação administrativa contra Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E., alegando incumprimento contratual e pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de €541.126,76, sendo €476.289,99 referente a capital, acrescido de juros de mora calculados às sucessivas taxas de juros legais comerciais em vigor no valor de €63.963,77, ainda €720,00 por cada fatura vencida e não liquidada e €153,00 referente à taxa de justiça, acrescida de juros vincendos, à taxa legal dos juros comerciais, até efetivo e integral pagamento. Por sentença de 27/09/2018, o TAF de Almada declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento da quantia de €476.289,99 referente a capital, condenou o réu a pagar à autora a quantia de €72.576,05 a título de juros de mora vencidos à taxa legal dos juros comerciais, e absolveu o réu do pagamento à autora da quantia de €720,00 por cada fatura vencida e não liquidada. Inconformado, o réu interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “A).- O Centro Hospitalar demandado é um Centro Hospitalar público, integrado no Serviço Nacional de Saúde nos termos do nº 2 do artº 7º do Dec.-Lei 124/2011 de 29 de Dezembro; B).- A sentença, sob recurso, condena o réu ora recorrente a pagar à autora juros de mora à taxa comercial no valor de € 72.576,05 pelo pagamento para além da data do vencimento dos valores em capital referidos na acção . C).- O sentido de tal decisão tem como fundamento de direito, a inaplicabilidade à entidade demandada e ora recorrente, da norma transitória contida no artº 12º do Dec.-Lei 62/2013 de 10 de Maio D).- Para assim decidir a sentença recorrida entende que “ até 31/12/2015 o legislador ter ressalvado a aplicação do Dec-Lei 62/2013 às entidades publicas que façam parte do Serviço Nacional de Saúde como é o caso da entidade demandada, garantindo, no entanto, que se manterá em vigor o artº 6º do Dec.-Lei 32/2002 sendo portanto aplicável a esta mesma entidade e nessa medida, também o disposto no § 3º do artº 102º do Código Comercial, onde se prevê a aplicação da taxa de juro constante da portaria conjunta dos ministérios das Finanças e da Justiça”. E).- Pelo que, na tese da sentença recorrida, a norma transitória do artº 12º Dec.-Lei 62/2013 nenhuma influencia teria quanto a juros moratórios, sendo sempre aplicáveis os juros computados à taxa comercial previstos no Código Comercial. F).- Porém, o artº 12º do citado decreto lei, não pode deixar de ser entendido como norma excecional, emitida em benefício das entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, pretendendo o legislador transitória e excecionalmente não aplicar o Decreto-Lei 62/2013 ás entidades do SNS. G).- Não aplicação que tem reflexo em matéria de juros, porquanto a Lei 3/2010 de 27 de Abril no seu artº 1º estatui a obrigatoriedade de pagamento de juros pelo Estado e entidades publicas à taxa do artº 806º nº 2 do Código Civil e o artigo 5º do Decreto-Lei 62/2013 vem estatuir que “Os juros de mora legais aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas e entidades públicas são os estabelecidos no Código Comercial”. H).- Esta norma só pode ser interpretada no sentido de que o legislador no Decreto-Lei 32/2003 de 17 de Fevereiro, não revogou o regime da Lei 3/2010 relativamente aos juros a cargo do Estado que só com o Decreto-Lei 62/2013 foi expressamente derrogada a Lei 3/2010 pelo nº 5 do artº 5º daquele diploma. I).- Consequentemente apenas após a entrada em vigor do Decreto-Lei 62/2013 os juros aplicáveis às entidades publicas são computados às taxas comerciais. J).- Mas por força da noma transitória do artº 12 daquele decreto-lei, transitória e excecionalmente, ele não é aplicável até 31/12/2015 às entidades integradas no SNS, mantendo-se em vigor em matéria de juros moratórios para o Estado e entidades publicas o regime da Lei 3/2010 que prevê a taxa comum civil de 4%, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida.. L).- Ao decidir como decidiu, violou a sentença sob impugnação, por errada interpretação, o artº 12º do Decreto-Lei 62/2013, devendo consequentemente ser revogado o seu segmento decisório relativo à condenação em juros e ser substituído pela condenação em juros à taxa de 4% que se cifram em € 36 620,40.” Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, por entender que o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 é norma excecional, emitida em benefício das entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, certamente devido à sua debilidade financeira, sendo que da conjugação daquele normativo com a Lei n.º 3/2010 resulta ser de aplicar a taxa de juros prevista no artigo 806.º, n.º 2, do Código Civil. Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento quanto à taxa legal aplicável aos juros de mora. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância. * II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento quanto à taxa legal aplicável aos juros de mora. A este propósito, consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: “[A] Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, que estabelece a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária independentemente da sua fonte, prevê no seu artigo 1.º que se aplica a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa. No caso, a Autora entende ser de aplicar a taxa legal dos juros comerciais, prevista no Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, diploma que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais e transpõe a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, onde no artigo 5.º, respeitante às transações entre empresas e entidades públicas, se prevê que: “1 - Nas transações comerciais entre empresas e uma entidade pública, sendo esta devedora da obrigação de pagamento: a) O prazo de pagamento não pode exceder os prazos previstos no n.º 3 do artigo anterior, exceto nos termos dos n.os 2 e 3; b) A determinação da data em que é recebida a fatura não pode ficar sujeita a acordo entre devedor e credor; c) O prazo máximo de duração do processo de aceitação ou verificação para determinar a conformidade dos bens ou dos serviços não pode exceder 30 dias a contar da data de receção dos bens ou dos serviços, salvo disposição expressa em contrário no contrato e no respetivo caderno de encargos, e desde que tal não constitua um abuso manifesto face ao credor na aceção do artigo 8.º. 2 - Os prazos definidos na alínea a) do número anterior não podem exceder 60 dias para as entidades públicas que prestem cuidados de saúde e estejam devidamente reconhecidas como tal. 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o prazo de pagamento pode exceder os prazos previstos na alínea a) do n.º 1, quando tal for previsto expressamente no contrato e desde que seja objetivamente justificado pela natureza particular ou pelas características do contrato, não podendo exceder, em caso algum, 60 dias. 4 - Em caso de atraso de pagamento da entidade pública, o credor tem direito aos juros de mora legais pelo período correspondente à mora, após o termo do prazo fixado nos n.os 1 a 3, sem necessidade de interpelação. 5 - Os juros de mora legais aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas e entidades públicas são os estabelecidos no Código Comercial”. No entanto, a Entidade Demandada apela ao artigo 12.º do mesmo diploma que prevê que “Até 31 de dezembro de 2015 o disposto no presente diploma não é aplicável às entidades públicas que façam parte do Serviço Nacional de Saúde, salvo quando o credor seja uma micro ou pequena empresa cujo estatuto esteja certificado pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de junho”. Ainda com interesse, no mesmo Decreto-Lei n.º 62/2013 se indica no n.º 1 do artigo 13.º que “É revogado o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho e pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, com exceção dos artigos 6.º e 8.º, mantendo-se em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma.”, ao passo que o artigo 14.º prevê o seguinte: “O presente diploma é aplicável aos contratos celebrados a partir da data de entrada em vigor do mesmo, salvo quando esteja em causa: a) A celebração ou renovação de contratos públicos decorrentes de procedimentos de formação iniciados antes da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados antes dessa data; b) Prorrogações, expressas ou tácitas, do prazo de execução das prestações que constituem o objeto de contratos públicos cujo procedimento tenha sido iniciado previamente à data de entrada em vigor do presente diploma”. Por fim, o artigo 15.º deste mesmo diploma prevê a sua entrada em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 03-06-2013 por ser o primeiro dia útil daquele mês. Aqui chegados, é certo que as faturas foram emitidas durante a vigência deste diploma e que a Entidade Demandada é uma entidade pública que faz parte do Serviço Nacional de Saúde, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, conjugado como artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro. Porém, certo é também que nada consta nos autos nem sequer foi alegado que o credor original, a sociedade “V… Unipessoal, Lda.”, era à data das faturas uma micro ou pequena empresa cujo estatuto estivesse certificado pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de junho, pelo que não se aplica a salvaguarda do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 e, desta forma, este diploma não é aplicável à situação dos autos até 31-12-2015. Contudo, como referimos, o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 mantém em vigor o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, que por sua vez determina que o artigo 102.º do Código Comercial, aprovado pela Carta de Lei de 28 de junho de 1888, publicada no Diário do Governo n.º 203 de 6 de setembro, passa a ter a seguinte redação: “Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código. § 1º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito. § 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559º-A e 1146º do Código Civil. § 3º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça. § 4º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais”. Do exposto não poderemos deixar de entender que se até 31-12-2015 o legislador ressalvou a aplicação do Decreto-Lei n.º 62/2013 às entidades públicas que façam parte do Serviço Nacional de Saúde, como é o caso da Entidade Demandada, garantiu, no entanto, que se manteria em vigor o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, sendo, portanto, este aplicável a esta mesma Entidade e, na mesma medida, também será o disposto no § 3º do artigo 102.º do Código Comercial onde se prevê a aplicação da taxa de juro constante de portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça. Por assim ser, nos termos da referida Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, uma vez que existe disposição legal a estabelecer o contrário, não se aplica até 31-12-2015 a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil, mas sim aquela a que se refere o § 3º do artigo 102.º do Código Comercial. Já a partir de 01-01-2016, por se encontrar em vigor o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, sem a disposição transitória a que alude o já aqui referido artigo 12.º, a taxa de juro a aplicar é a prevista no n.º 5 do artigo 5.º, ou seja, exatamente a mesma aplicável anteriormente e prevista no § 3º do artigo 102.º do Código Comercial. Assim, face às datas das faturas, a taxa de juro aplicável em 2012, nos termos da Portaria n.º 597/2005, publicada no Diário da República, 1.ª Série — B, n.º 137, de 19 de julho de 2005, é a dada pelos Avisos n.º 692/2012 e n.º 9944/2012, publicados no Diário da República, 2.ª série, respetivamente no n.º 12, de 17 de janeiro de 2012, e n.º 142, de 24 de julho de 2012, sendo esta de 8% para ambos os semestres. Para o ano de 2013, conforme a mesma Portaria, a taxa de juro aplicável é a dada pelos Avisos n.º 594/2013 e n.º 10478/2013, publicados no Diário da República, 2.ª série, respetivamente no n.º 8, de 11 de janeiro de 2013, e n.º 162, de 23 de agosto de 2013, sendo esta de 7,75% no primeiro semestre e de 7,50% no segundo. Já para o ano de 2014, a taxa de juro aplicável, nos termos da Portaria n.º 277/2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de agosto de 2013, é a dada pelos Avisos n.º 1019/2014 e n.º 8266/2014, publicados no Diário da República, 2.ª série, respetivamente no n.º 17, de 24 de janeiro de 2014, e n.º 135, de 16 de julho de 2014, sendo de 7,25% para o primeiro trimestre e de 7,15% para o segundo. No ano de 2015, a taxa de juro aplicável, conforme a Portaria n.º 277/2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de agosto de 2013, é a dada pelos Avisos n.º 563/2015 e n.º 7758/2015, publicados no Diário da República, 2.ª série, respetivamente no n.º 12, de 19 de janeiro de 2015, e n.º 135, de 14 de julho de 2015, ou seja, 7,05% para ambos os semestres. Por fim, para o ano de 2016 e nos termos da mesma Portaria, a taxa de juro aplicável é a dada pelos Avisos n.º 890/2016 e n.º 7758/2015, publicados no Diário da República, 2.ª série, respetivamente no n.º 18, de 27 de janeiro de 2016, e n.º 132, de 12 de julho de 2016, ou seja, 7,05% para o primeiro trimestre e de 7,00% para o segundo. Perante o exposto, deve ser julgada extinta a instância relativamente ao pedido de condenação da Entidade Demandada no pagamento da quantia de €476.289,99 referente a capital, uma vez que as faturas reclamadas foram liquidadas por esta após a apresentação do requerimento de injunção que originou a presente ação administrativa comum, conforme a alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Quanto aos demais pedidos, não estando em discussão o cálculo dos juros mas apenas a taxa a aplicar, deve a ação proceder, sendo a Entidade Demandada condenada a pagar à Autora a quantia de €72.576,05, por juros de mora vencidos até ao integral pagamento de cada uma das faturas, calculados às sucessivas taxas de juros legais comerciais em vigor. Contrariamente, não pode proceder o pedido de condenação da Entidade Demandada ao pagamento de €720,00 por cada fatura vencida e não liquidada, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, porque, como vimos, este diploma não era aplicável à referida Entidade à data em que as faturas se venceram, por força da disposição transitória prevista no artigo 12.º do mesmo diploma legal.” Ao que contrapõe o recorrente, em síntese: - o artigo 12.º do Decreto-Lei 62/2013 é norma excecional, emitida em benefício das entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, a quem tal regime transitoriamente não se aplica, designadamente em matéria de juros, aplicando-se o artigo 1.º da Lei 3/2010; - a alteração ao Decreto-Lei 32/2003 não implicou revogar o regime da Lei 3/2010 relativamente aos juros a cargo do Estado, que apenas após a entrada em vigor do Decreto-Lei 62/2013 são computados às taxas comerciais; - com a exceção, até 31/12/2015, das entidades integradas no SNS, mantendo-se em vigor em matéria de juros o regime da Lei 3/2010. Vejamos se lhe assiste razão. Está em causa a prestação de bens e serviços à entidade recorrente, faturados entre 18/04/2012 e 28/05/2015. Nos termos do artigo 559.º do CCivil, os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano – n.º 1. E a estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais – n.º 2. E quanto às obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, artigo 806.º, n.º 1, sendo os juros devidos os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal, artigo 806.º, n.º 2, do CCivil. O Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, veio estabelecer o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho. Tal regime veio a ser alterado pela Lei n.º 107/2005, de 1 de julho, e pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, e finalmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que estabeleceu medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011. Todavia, sem alteração quanto à natureza da taxa de juros devida. O artigo 3.º, al. a), do D-L n.º 32/2003, define transação comercial como qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração. E de acordo com o respetivo n.º 4, os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações previstas neste diploma são os estabelecidos no Código Comercial. A Lei n.º 3/2010 veio prever no seu artigo 1.º o pagamento de juros de mora civis pelo atraso no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias, mas apenas para as situações que não envolvessem transações comerciais, pelo que não tem aplicação ao caso. Igualmente já se notou que o D-L n.º 32/2003 veio a ser revogado pelo D-L n.º 62/2013. E é verdade que este diploma legal não se aplica à entidade recorrente até 31 de dezembro de 2015, conforme decorre do disposto na disposição transitória que consta do respetivo artigo 12.º, posto que se trata de entidade pública que faz parte do Serviço Nacional de Saúde. Contudo, esta desaplicação afigura-se inócua para o caso, uma vez que o D-L n.º 62/2013 não veio operar qualquer alteração quanto à taxa aplicável, prevendo o respetivo artigo 5.º, n.º 5, que os juros de mora legais aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas e entidades públicas são os estabelecidos no Código Comercial, mantendo o regime estatuído no Decreto-Lei n.º 32/2003. Vale isto por dizer que, estando em causa transação comercial entre empresa e entidade pública, os juros a aplicar são os juros comerciais estabelecidos no Código Comercial. Neste sentido podem ver-se os acórdãos do STA de 05/04/2005, proc. n.º 09/04, de 18/10/2012, proc. n.º 0634/12, e de 13/09/2012, n.º 0753/12, e deste TCAS de 04/07/2019, n.º 437/14.8BELSB, de 19/01/2017, n.º 117/13.1BEFUN, de 18/06/2020, proc. n.º 215/16.0BELLE, e de 20/10/2021, proc. n.º 657/11.7BELSB (todos disponíveis em www.dgsi.pt). Será, pois, de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, com a fundamentação que antecede. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 29 de novembro de 2022 (Pedro Nuno Figueiredo) (Ana Cristina Lameira) (Ricardo Ferreira Leite) |