Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1/24.3BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:NÃO PREENCHIMENTO INTEGRAL DO Nº 1 DO ARTº 199º DO RD DA FPF
DESTRINÇA DA DURAÇÃO TEMPORAL DA INTERRUPÇÃO DO JOGO
NEXO CAUSAL NECESSÁRIO PARA O JUÍZO DE CENSURABILIDADE NA VERIFICAÇÃO DA CULPA DO AGENTE INFRACTOR
Sumário:I - Não se encontrando preenchidos in totum, os pressupostos consignados no nº 1 do artº 199º do RD da FPF, escapando o requisito da destrinça da duração temporal da interrupção do jogo, ou seja, quanto decorreu da celebração da marcação de um golo, qual o destinado ao acto de levantamento da rede de protecção pelos adeptos e ao do arremessamento para o terreno do jogo de um líquido e de uma cadeira, bem como o despendido à limpeza desse líquido e à retirada da cadeira.
II - Não se podia considerar ter sido superior a 5 minutos o período de tempo em que o jogo foi interrompido, por não se saber em que instante o jogo retomaria, no caso de inexistência de distúrbios durante os festejos dos adeptos do clube que marcou golo.
III - Não estando demonstrado, por não se ter medido, qual seria o hiato temporal que a partida levaria a reiniciar, na situação de ter sido levada a cabo a comemoração pelos adeptos da marcação de golo, não se formou o nexo causal tendente a estabelecer o juízo de censurabilidade intrínseco à necessária verificação da culpa do agente infractor e que reverteu para o S... na aplicação de uma sanção de multa no valor de 25 UC e na realização de um jogo à porta fechada.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A Federação Portuguesa de Futebol, ora Recorrente, demandada no Processo nº 70/2023, no qual é demandante S..., vem recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do referido processo, datado de 17 de Novembro de 2023, que julgou procedente o pedido de revogação do acórdão de 8 de Setembro de 2023, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol-Secção Profissional, que condenou o S... pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 199º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol 2022/2023 (RD da FPF), nas sanções de realização de 1 (um) jogo à porta fechada e 25 UC de multa, pela prática da referida infracção disciplinar.
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente Federação Portuguesa de Futebol formulou as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente vem apresentar recurso da decisão proferida pelo Colégio Arbitral no âmbito do processo de ação arbitral necessária nº 70/2023, que declarou procedente a ação interposta pela ora Recorrida e determinou a revogação do Acórdão de 8 de setembro de 2023, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol-Secção Profissional, através do qual a ora Recorrida foi condenada nas sanções de realização de 1 (um) jogo à porta fechada e 25 UC de multa, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 199.º, n.º 1 do RD da FPF.
2. Em concreto, a Recorrida havia sido sancionada pelo Conselho de Disciplina por, aos 22'30 minutos de jogo, os seus adeptos, que ocupavam a bancada B, exclusivamente destinada aos adeptos dessa equipa, que envergavam adereços como cachecóis e camisolas com as cores e as insígnias do Sporting e que ao longo do jogo entoaram cânticos e dizeres de apoio à sua equipa, no momento dos festejos da marcação do golo do Sporting, levantaram a rede de proteção que separa a bancada e arremessaram para dentro do terreno de jogo uma cadeira e um líquido semelhante a água que, não obstante não ter atingido ninguém, interrompeu o jogo (atrasando o seu reinicio) por seis minutos para se proceder à limpeza do recinto de jogo e à remoção da cadeira, tudo conforme Relatório elaborado pela equipa de arbitragem, Relatório de Ocorrências dos delegados da FPF, Relatório das forças policiais e demais elementos juntos ao processo disciplinar cuja cópia se juntou aos autos.
3. O Tribunal a quo entendeu, porém, que não ficou demonstrado nos autos que "não se pode considerar provado que a duração desse atraso ou dessa interrupção seja superior a cinco minutos em consequência da ocorrência dos distúrbios aqui em apreço e das suas consequências" pelo que, consequentemente, determinou a revogação do Acórdão impugnado.
4. O Colégio Arbitral, apesar de dar como provado o ponto 6., no sentido que foi na sequência da marcação do golo e do descrito em 5. (isto é, que aos 22'30 minutos de jogo, os adeptos afetos à Demandante que ocupavam a bancada B, exclusivamente destinada aos adeptos dessa equipa, que envergavam adereços como cachecóis e camisolas com as cores e as insígnias do Sporting e que ao longo do jogo entoaram cânticos e dizeres de apoio à sua equipa, no momento dos festejos da marcação do golo da Demandante, levantaram a rede de protecção que separa a bancada e arremessaram para dentro do terreno de jogo uma cadeira e um líquido semelhante a água que não atingiu ninguém) e ademais tendo dito que o tempo de interrupção foi dedicado à limpeza do recinto e da remoção da cadeira, não dá como provado que a interrupção do jogo se tenha ficado a dever ao comportamento dos adeptos da Recorrida.
5. A conclusão do tribunal não é lógica tendo em conta os factos dados como provados. Sem qualquer dúvida, resulta da prova produzida - designadamente a junta com o processo disciplinar - que os atos perpetrados pelos adeptos da Recorrida foram a causa de interrupção do jogo pelos minutos descritos nos respetivos relatórios oficiais que, recorde-se, têm presunção de veracidade do seu conteúdo.
6. Para se dar como preenchido o artigo 199.º do Regulamento Disciplinar da FPF é necessário que se demonstre que, voluntariamente, e ainda que de forma meramente culposa:
a) um adepto de um clube;
b) invada o terreno de jogo com o intuito de protesto ou exercício de ameaça à integridade física, ou de tentativa de agressão, de qualquer pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou de outro espectador, ou provoque distúrbios;
c) de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinício de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período superior a 5 minutos.
7. Conforme resulta da factualidade dada como provada e, no que respeita ao preenchimento do tipo objetivo, demonstrou-se que:
(i) aos 22'30 minutos de jogo, os adeptos afetos ao Sporting CP que ocupavam a bancada B, exclusivamente destinada aos adeptos dessa equipa, que envergavam adereços como cachecóis e camisolas com as cores e as insígnias do Sporting e que ao longo do jogo entoaram cânticos e dizeres de apoio à sua equipa, no momento dos festejos da marcação do golo do Sporting, levantaram a rede de proteção que separa a bancada e arremessaram para dentro do terreno de jogo uma cadeira e um líquido semelhante a água que não atingiu ninguém; e
(ii) na sequência dessa ocorrência, a equipa de arbitragem interrompeu o jogo por seis minutos para se proceder à limpeza do recinto de jogo e à remoção da cadeira.
8. Tal factualidade foi dada como provada pelo TAD por constar inequivocamente em dois relatórios oficiais que beneficiam da presunção de veracidade, a Ficha de Jogo elaborada pela equipa de arbitragem e o Relatório de Ocorrências elaborado pelo Delegado da FPF e, ainda, do Relatório de Policiamento Desportivo.
9. O TAD não pode, pura e simplesmente, criar hipóteses alternativas aos factos relatados pelos elementos oficiais do jogo, que estiveram presentes no local, simplesmente para lhe permitir concluir pelo não preenchimento dos requisitos do artigo 199.º do Regulamento Disciplinar.
10. Os árbitros são os decisores no terreno do jogo, incidindo a sua atenção no que se passa no decurso do jogo, o qual se disputa sob o seu controlo, detendo toda a autoridade necessária para zelar pela aplicação das Leis do Jogo, no encontro para que foi nomeado.
11. Nesse sentido, o CD da ora Recorrente fez, como não poderia deixar de ser, fé no descrito no relatório do jogo sub judice.
12. Já o TAD coloca dúvidas - infundadas, sem qualquer base para tal - sobre se o tempo de interrupção foi este mais podia ter sido outro, se foi este e só uns minutos se ficou a dever aos distúrbios, etc. Nada disto pode ter acolhimento por não se basearem nenhum facto alegado nem sustentado em prova concreta dos autos.
13. Com efeito, o Colégio Arbitral não pode esquecer que os Delegados da FPF, para além de verificarem juntamente com o árbitro as boas condições técnicas da superfície de jogo, são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube (cfr. Artigo 61.º, n.º 2, al.s b) e g) do Regulamento da Liga Placard).
14. Assim, quando a equipa de arbitragem ou os Delegados da FPF colocam nos respetivos relatórios que os comportamentos perpetrados por adeptos de determinada equipa levaram ao retardamento do reinício do jogo, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos mesmos no local.
15. De acordo com o artigo 220.º, n.º 3 do RDFPF "Presumem-se verdadeiros, enquanto a sua veracidade não for fundadamente posta em causa, os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da FPF, no exercício de funções, e constantes de relatórios de jogo e de declarações complementares".
16. Nem o Recorrido nem o TAD, não logrou, de todo, afastar esta presunção de veracidade, não juntando qualquer meio de prova que, fundamentadamente, coloque em crise os factos constantes dos mencionados relatórios oficiais.
17. E, neste particular, sublinhe-se, em nada releva o vídeo do jogo junto aos autos porquanto, na verdade, o mesmo não infirma, de qualquer forma, a factualidade constante dos relatórios oficiais juntos aos autos, ao contrário do que entendeu o TAD. Analisando o mencionado vídeo, facilmente se percebe que, durante a interrupção sub judice, são visionadas repetições de golos, as bancadas, entre outros, não surgindo quaisquer imagens de relevo do terreno do jogo durante a respetiva interrupção.
18. Não foi junta aos autos qualquer prova que permita conclusão diversa da que chegou o Conselho de Disciplina, pelo que os factos considerados provados por aquele órgão e, diga-se, também pelo TAD - designadamente os comportamentos dos adeptos, a duração da interrupção do jogo e o motivo pelo qual o mesmo foi interrompido é irrefutável à luz de toda a prova junta ao autos, designadamente o relatório do jogo elaborado pela equipa de arbitragem, o relatório do delegado da FPF e o relatório de policiamento desportivo.
19. Atendendo à factualidade supra transcrita e considerada provada, estamos, inequivocamente, perante um comportamento suscetível de criar medo, que coloca em causa as condições de segurança para a continuação do jogo, interferindo, portanto, no normal desenrolar do espetáculo desportivo e enquadrando-se, pela sua gravidade, no conceito de «distúrbio». Aquilo que é efetivamente importante, sublinhe-se uma vez mais, é que os "distúrbios", quaisquer que sejam, determinem justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinício de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período superior a 5 minutos, o que, efetivamente, ocorreu nos presentes autos. Ou, por outras palavras, numa perspetiva de causalidade adequada, o que determinou o árbitro a interromper o jogo foi - como resulta dos relatórios oficiais juntos aos autos - o arremesso da cadeira e de um líquido semelhante a água.
20. Por tudo o exposto, o Acórdão arbitral recorrido merece a maior censura, devendo ser revogado e devendo ser confirmadas as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina da ora Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul alterar a factualidade dada como provada no Acórdão recorrido e, em sequência, dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

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O Recorrido S..., por sua vez, apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. Por via do presente recurso, a recorrente pretende impugnar o acórdão proferido pelo TAD no âmbito do processo arbitral n.º 70/2023, que revogou a decisão do Conselho de Disciplina da FPF que havia condenado o recorrido em sanção de realização de um jogo à porta fechada e multa pela alegada prática da infração disciplinar prevista no artigo 199º n.º 1 do RDFPF.
B. Dado que a recorrente não impugnou a factualidade considerada provada na decisão recorrida, o recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito.
C. O artigo 199.° n.º 1 do RDFPF estabelece que ‘O clube cujo adepto invada o terreno de jogo com o intuito de protesto ou exercício de ameaça à integridade física de qualquer pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou de outro espectador, ou provoque distúrbios, de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinicio de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período superior a 5 minutos é sancionado com realização de 1 a 5 jogos à porta fechada e cumulativamente com multa entre 20 e 30 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste 'Regulamento'’.
D. O tipo objectivo do artigo 199. ° n.º 1 do RDFPF não se basta com a decisão do árbitro de atrasar o reinício do jogo, exigindo ainda a demonstração, em sede de procedimento disciplinar, de que essa decisão foi objectivamente justificada. Outrossim, resulta directamente do artigo 199. ° n.º 1 do RDFPF que a sua aplicação depende igualmente da verificação concreta de uma adequada causalidade, exigida tipicamente, entre os distúrbios provocados pelo comportamento dos adeptos e o atraso registado, designada e especialmente no que diz respeito â sua duração.
E. No caso concreto, está desde logo em causa saber se o comportamento dos adeptos consistente no arremesso de objectos para o terreno de jogo num momento em que o jogo se encontrava interrompido por força da marcação (e dos subsequentes festejos) de um golo constitui ou não causa adequada para o atraso registado no reinício do jogo.
F. A circunstância de o jogo se encontrar interrompido no momento em que os objectos foram arremessados reveste-se de capital importância para a análise do problema, pois que não é admissível simplisticamente reconduzir toda a duração do atraso que se venha a registar ao comportamento dos adeptos.
G. Sucede, porém, que a decisão recorrida assentou no ponto 6 da matéria de facto que “Na sequência da marcação do golo e do descrito em 5. [comportamento dos adeptos], a equipa de arbitragem interrompeu o jogo (atrasando o seu reinício) por seis minutos, tendo-se procedido dentro desse período de tempo à limpeza do recinto de jogo e à remoção da cadeira;”
H. Tal facto, por si só, conduz forçosamente à improcedência do recurso, pois não só não se sabe (nem se pode saber) por quanto tempo, em concreto, o jogo foi interrompido devido aos distúrbios ocorridos, nem se sabe (nem se pode saber) se esse mesmo período foi totalmente despendido na limpeza do terreno do jogo.
I. De qualquer forma, a verdade é que tanto a decisão do Conselho de Disciplina como a decisão recorrida são absolutamente silentes quanto à questão central de saber se a decisão do árbitro de atrasar o reinício do jogo foi ou não justificada e, bem assim, se o atraso foi ou não adequadamente causado pelos supostos distúrbios.
J. Nessa medida, seja por inexistir qualquer referência objectiva na matéria de facto à justificação da decisão do árbitro e ao nexo de causalidade entre o atraso registado e o comportamento dos adeptos, seja por resultar desses factos a impossibilidade de se aferir do preenchimento dos elementos do tipo do artigo 199.º do RDFPF, o recurso deve improceder e a decisão recorrida ser confirmada.
K. Adicionalmente, atendendo a que a recorrente não impugnou a matéria de facto e, bem assim, à circunstância de materialização da infração disciplinar prevista no artigo 199.° do RDFPF depender da verificação concreta dos elementos do tipo objectivo e subjectivo do artigo 193º do RDFPF, forçoso se torna concluir que inexiste qualquer facto susceptível de imputar ao recorrido uma atuação ilícita e culposa, devendo o recurso invariavelmente ser julgado improcedente e a decisão recorrida ser confirmada.
L. Igual resultado se retira do teor dos relatórios oficiais de jogo, não subsistindo qualquer dúvida de que a decisão recorrida encerra um juízo acertado acerca da não verificação dos pressupostos punitivos resultantes da aplicação conjunta dos artigos 193º e 199º do RDFPF.
M. A título subsidiário, caso assim não se entenda, o objecto do presente recurso deve ser ampliado a fim de este Venerando Tribunal constatar que a decisão recorrida procedeu a uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável, devendo ser reconhecido que os artigos 196.°-A, 198.204.°, 205.° e 209.° do RDFPF, através da especificação do elemento descritivo (visando o “arremesso de objectos para o terreno de jogo”), se encontram numa relação de especialidade face à disposição contida no artigo 199.° do RDFPF, impondo-se de igual modo a revogação da decisão do Conselho de Disciplina face à falta de verificação dos respectivos elementos típicos.
N. Além disso, subsidiariamente, atendendo a que a decisão recorrida é objectiva e subjectivamente omissa relativamente à intencionalidade específica exigida pelo artigo 199.° de os adeptos visarem interromper o jogo com o seu comportamento - o que se retira do emprego da expressão “de forma a” —, também se deve concluir pela não verificação dos elementos do tipo do artigo 199.° do RDFPF, devendo, por conseguinte, ser o recurso julgado totalmente improcedente e mantida a revogação da decisão do Conselho de Disciplina.
Nestes termos, nos mais de Direito e com o douto suprimento de v. Exas, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida que determinou a revogação das sanções disciplinares aplicadas ao recorrido.”
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o D. º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para julgamento.
II. Objecto do Recurso – Questões a conhecer
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas
alegações, nos termos do nº 4 do artº 146º do CPTA e do artº 5º, do nº 2 do artº 608º, dos nºs 4 e 5 do artº 639º do CPC ex vi do artº 1º e artº 140º do CPTA e nº 2 do artº 8º da Lei do TAD.
No caso, face aos termos em que foram enunciadas pelo Recorrente as conclusões de recurso, são as seguintes as questões essenciais a resolver:
- saber se o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artº 199º e no nº 3 do artº 220º, ambos do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RD da FPF).
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
1. A Demandante, na época desportiva 2022/2023, disputou entre outras competições, a Liga Placard, prova de futsal sénior masculino organizada pela FPF;
2. No dia 21/06/2023, realizou-se o jogo oficial de futsal nº 510…, no Pavilhão F.…, em Lisboa, disputado entre o Sport L....e o S.…, a contar para a final da Liga Placard, da época desportiva 2022/2023, que terminou, com o resultado de 1-2, com vitória do Sporting, equipa visitante;

3. A equipa de arbitragem que dirigiu o jogo foi constituída pelo árbitro principal E..., pelo 2º árbitro P...., pelo Cronometrista J..., pelo 3º árbitro Alexandre Emanuel Gomes Costa e pelo árbitro Assistente Reserva Renato Jorge Lopes Pereira;

4. No jogo em causa a segurança esteve a cargo da Polícia de Segurança Pública, contou com a presença de Delegado da FPF, foi objeto de transmissão televisiva, e não foi alvo de observação por parte do Conselho de Arbitragem da FPF;

5. Aos 22´30 minutos de jogo, os adeptos afetos à Demandante que ocupavam a bancada B, exclusivamente destinada aos adeptos dessa equipa, que envergavam adereços como cachecóis e camisolas com as cores e as insígnias do Sporting e que ao longo do jogo entoaram cânticos e dizeres de apoio à sua equipa, no momento dos festejos da marcação do golo da Demandante, levantaram a rede de protecção que separa a bancada e arremessaram para dentro do terreno do jogo uma cadeira e um líquido semelhante e água que não atingiu ninguém;

6. Na sequência da marcação do golo e do descrito em 5., a equipa da arbitragem interrompeu o jogo (atrasando o seu reinício) por seis minutos, tendo-se procedido dentro desse período de tempo à limpeza do recinto de jogo e à remoção da cadeira;

7. A Demandante não reagiu ao ocorrido aos 22,30 minutos de jogo;

8. A Demandante apresenta cadastro disciplinar, naquela competição, na época desportiva 2022/2023 e nas últimas três em que esteve inscrita na competição.
Matéria de Facto dada como não provada:
Com relevo para a apreciação e decisão destes autos, não existe matéria de facto dada como não provada.
Fundamentação da decisão de facto:
A matéria de facto dada como provada resulta da documentação junta aos autos, em especial da cópia do Processo Disciplinar a eles trazido pela Demandante, bem como o vídeo do jogo também pela Demandante junto aos autos.
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova carreada para os autos, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da sua livre apreciação da prova, seguindo as regras do processo penal (artigo 127.º do CPP) com as garantias daí resultantes para o arguido, nomeadamente o princípio da presunção da inocência e o princípio in dubio pro reo.
A livre apreciação da prova resulta, aliás, do disposto no artigo 607.º n.º 5 do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA e artigo 61.º da LTAD, daí resultando que o tribunal aprecia livremente as provas produzidas decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (Código do Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570).
Também temos de ter em linha de conta que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas” (artigo 413.º do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.
Em concreto, com referência aos factos considerados provados, o Tribunal formou a sua convicção nos seguintes moldes:
1. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 37 a 39 do processo disciplinar.
2. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 8 a 10 do processo disciplinar.
3. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 8 a 10 do processo disciplinar.
4. Resulta aos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 8 a 10, 11 a 13, 28 a 31, 89 e 93 do processo disciplinar.
5. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 10, 11 e 31 do processo disciplinar, bem como da visualização da gravação dos referidos minutos de jogo, bem como dos que o precedem e lhe sucedem, junta aos presentes autos.
6. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 10, 11 e 31 do processo disciplinar, bem como da visualização da gravação dos referidos minutos de jogo, bem como dos que o precedem e lhe sucedem, junta aos presentes autos.
7. Resulta da visualização da gravação dos referidos minutos de jogo, bem como dos que lhe sucedem, junta aos presentes autos.
8. Resulta dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente a fls. 66 a 84 do processo disciplinar”.


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IV. Direito

A Recorrente não se conforma com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de Desporto (TAD), de 17 de Novembro de 2023 que julgou procedente o pedido de revogação do acórdão de 8 de Setembro de 2023, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol-Secção Profissional, que condenou o S... pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. pelo artº 199º do RD da FPF, na sanção de realização de 1 (um) jogo à porta fechada e 25 UC de multa, pela prática da referida infracção disciplinar.
Peticiona, assim, que seja dado provimento ao recurso e, consequentemente, se revogue o acórdão arbitral.
Apreciando.
No acórdão recorrido, em síntese, expressa-se que “No caso em análise, dúvidas não existem de que se registou a ocorrência de distúrbios: os comportamentos descritos (arremesso de cadeiras e de líquidos para dentro do terreno de jogo) consubstanciam factos capazes de pôr em causa o bom e regular andamento do jogo, o que basta para que como tal sejam considerados, no contexto do preenchimento da previsão desta norma.
Considera-se ainda provado que o autor dos distúrbios é adepto da Demandante, uma vez que não foi trazido aos autos qualquer elemento que credivelmente permita pôr em causa essa inferência, decorrente das circunstâncias descritas (ocupavam a bancada exclusivamente destinada aos adeptos da Demandante; e envergavam adereços como cachecóis e camisolas com as cores e as insígnias da Demandante e ao longo do jogo entoaram cânticos e dizeres de apoio à sua equipa).
Também se considera provado que os distúrbios motivaram a interrupção do jogo, ou antes, in casu, atrasaram o seu reinicio, por o jogo já se encontrar interrompido devido à marcação de um golo pela equipa da Demandante - e que, no total, o jogo esteve interrompido por cerca de seis minutos, como resulta da visualização do vídeo do jogo junto aos autos.
Mas não se pode considerar provado que a duração desse atraso ou dessa interrupção seja superior a cinco minutos em consequência da ocorrência dos distúrbios aqui em apreço e das suas consequências (apesar de no Relatório de Ocorrências, a fls. 11 do processo disciplinar, se poder ler "[a] equipa de arbitragem retardou o reinicio do jogo em cerca de 6' minutos, para se proceder à limpeza do recinto de jogo e da remoção das cadeiras", é possível concluir, através da visualização da gravação do jogo junta aos autos, que a duração total da interrupção não chega a ter a duração de 6’ minutos, não podendo então considerar-se todo esse período de tempo um “retardamento” do reinicio, mas apenas uma fracção indeterminada dele).
De facto, quer se entenda que houve um atraso no reinicio do jogo depois da interrupção ocorrida por força da marcação do golo que se entenda que houve uma interrupção que teve uma duração superior à que existiria por força da marcação do golo, não fica provado nem suficientemente indiciado que o período de tempo a considerar como causalmente imputável à ocorrência dos distúrbios seja superior a cinco minutos, por uma razão: não existe nenhuma evidência que permita identificar o momento em que o jogo seria retomado depois da usual ocorrência de festejos sem distúrbios.
Não sabemos nem podemos, com base nos elementos carreados para os autos, se o jogo normalmente seria retomado, por exemplo, um ou dois minutos após a marcação do golo. Tal não é provado, indiciado ou sequer alegado”.
O artº 199º do RD da FPF sob a epígrafe ‘Invasão de terreno de jogo ou distúrbios com reflexo grave no decurso de jogo oficial’, prevê que “1. O clube cujo adepto invada o terreno de jogo com o intuito de protesto ou exercício de ameaça à integridade física de qualquer pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou de outro espectador, ou provoque distúrbios, de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinicio de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período superior a 5 minutos é sancionado com realização de 1 a 5 jogos à porta fechada e cumulativamente com multa entre 20 e 30 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento.
2. A redução na sanção de multa prevista no artigo 25º não é aplicável”.
O artº 204º do mesmo diploma, sob a epígrafe ‘Arremesso perigoso de objecto ou arremesso de objeto perigoso com reflexo no decurso de jogo oficial’, dispõe que “1. O clube cujo adepto arremesse para dentro do terreno de jogo objeto perigoso, de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinício de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período igual ou inferior a 5 minutos, é sancionado com multa entre 20 e 50 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento.
2. É sancionado nos termos do número anterior o clube cujo adepto arremesse perigosamente objeto, ainda que não perigoso, de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinício de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período igual ou inferior a 5 minutos”.
Resulta do Probatório do acórdão recorrido que se realizou na época desportiva 2022/2023 a Liga Placard que consiste numa prova de futsal sénior masculino organizada pela FPF.
Em 21 de Junho de 2023, teve lugar o jogo oficial de futsal nº 510...., no Pavilhão F..., em Lisboa, disputado entre o Sport L....e o S..., a contar para a final da Liga Placard, da época desportiva 2022/2023, quando aos 22´30 minutos de jogo, os adeptos da Recorrida que ocupavam a bancada B, no momento dos festejos da marcação do golo, levantaram a rede de protecção que separa a bancada e arremessaram para dentro do terreno do jogo uma cadeira e um líquido semelhante a água que não atingiu ninguém.
Nessa altura, o jogo foi interrompido pela equipa da arbitragem por seis minutos, para limpeza do recinto de jogo e remoção da cadeira, o que atrasou o seu reinício.
Do que imediatamente antecede, estão reunidos, parcialmente, os pressupostos previstos no supra referido artº 199º do RD da FPF, ou seja, o facto de ter sido atirada uma cadeira e um líquido indefinido para o terreno de jogo e que, por isso, o árbitro determinou a interrupção do jogo.
Contudo, escapa ao preenchimento daquele normativo o requisito da duração temporal da interrupção.
É que apesar de a Recorrida ter considerado que aquele hiato de tempo em que o jogo foi parado, se contou como superior a 5 minutos e que essa dilação se devia aos distúrbios causados, do qual resultou o efeito de se diligenciar pela limpeza da área do jogo e retirada de uma cadeira, inexiste destrinça sobre qual do tempo foi ocupado com uma e outra situação.
Concretizando, aos 22'30 minutos de jogo os adeptos afectos ao Sporting CP comemoraram a marcação de um golo, contudo, não se sabe o tempo que tal demorou; assim como não se apreende, qual a duração do período temporal em que os referidos adeptos levantaram a rede de protecção que separa a bancada, nem o decorrido com o arremesso para dentro do terreno de jogo de uma cadeira e de um líquido semelhante a água, nem o da respectiva limpeza.
O que é consabido é que esses episódios causaram a interrupção do jogo pela equipa de arbitragem por seis minutos, mas dos autos não resulta provado em que instante o jogo retomaria, no caso de inexistência de distúrbios durante os festejos dos adeptos do clube que marcou golo.
Assim, não estando demonstrado qual seria o período de tempo em que a partida levaria a reiniciar, na situação de ter sido levada a cabo a celebração pelos adeptos da marcação de golo, não se formou o nexo causal tendente a estabelecer o juízo de censurabilidade intrínseco à necessária verificação da culpa do agente infractor e que reverteu para a Recorrente a aplicação de uma sanção de multa no valor de 25 UC e a realização de um jogo à porta fechada.
Ora, a punição disciplinar no direito desportivo não prescinde da verificação da culpa do infractor, em harmonia com o preceituado no artº 10º, no artº 16º, no nº 1 do artº 17º e na alínea b) do nº 1 do artº 187º, todos do RD da FPF, mais convocando os artºs 52º, 53º e 55º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, bem como o artº 32º da CRP.
Na averiguação de todos os elementos da infracção que culminaram com a aplicação das duas sanções supra indicadas, falta precisamente o apuramento real de quanto tempo demoraria a ser retomado o jogo depois de ser marcado um golo, assente na condição da sua interrupção pelas correspondentes festividades dos adeptos, pelo que não é possível validar que in casu esse hiato temporal tenha ultrapassado os 5 minutos.
Reza o Acórdão do STA, Processo nº 065/18.9BCLSB, de 5 de Setembro de 2019, in www.dgsi.pt, que “toda a prova susceptível de conduzir à responsabilidade jurídico-penal do arguido deve ser carreada para os autos pelo titular da acção disciplinar, não sendo, por isso, admissível qualquer inversão do ónus da prova em sede disciplinar (cf. Acórdão do STA de 17.02.2008, processo nº 0327/08, acórdão do STA de 28.04.2005, processo nº 333/05, bem como o acórdão do STA de 12.01.1998, processo nº 023940, disponíveis em www.dgsi.pt)”.
Assim sendo, o acórdão recorrido do TAD não padece de erro de julgamento, uma vez que não se encontram provados, na íntegra, os elementos necessários ao preenchimento do estabelecido no artº 119º do RD da FPF, em que se sedimentou a condenação do S... na sanção de multa no valor de 2.550,00 Euros e na realização de um jogo à porta fechada.
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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no nº 7 do artº 663º do CPC):
I. Não se encontrando preenchidos in totum, os pressupostos consignados no nº 1 do artº 199º do RD da FPF, escapando o requisito da destrinça da duração temporal da interrupção do jogo, ou seja, quanto decorreu da celebração da marcação de um golo, qual o destinado ao acto de levantamento da rede de protecção pelos adeptos e ao do arremessamento para o terreno do jogo de um líquido e de uma cadeira, bem como o despendido à limpeza desse líquido e à retirada da cadeira.
II. Não se podia considerar ter sido superior a 5 minutos o período de tempo em que o jogo foi interrompido, por não se saber em que instante o jogo retomaria, no caso de inexistência de distúrbios durante os festejos dos adeptos do clube que marcou golo.
III. Não estando demonstrado, por não se ter medido, qual seria o hiato temporal que a partida levaria a reiniciar, na situação de ter sido levada a cabo a comemoração pelos adeptos da marcação de golo, não se formou o nexo causal tendente a estabelecer o juízo de censurabilidade intrínseco à necessária verificação da culpa do agente infractor e que reverteu para o S... na aplicação de uma sanção de multa no valor de 25 UC e na realização de um jogo à porta fechada.

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V. Decisão

Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, não conceder provimento ao recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol, mantendo o acórdão arbitral de 17 de Novembro de 2023.

Custas pela Federação Portuguesa de Futebol.

Registe e notifique.

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Lisboa, 9 de Maio de 2024

(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Eliana de Almeida Pinto – 1ª Adjunta)
(Frederico Macedo Branco – 2º Adjunto)