Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 3114/07.2BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/06/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | PROVA DO PAGAMENTO DESPESAS DE INSTALAÇÃO DO MUNICÍPIO SUBSÍDIO DO ESTADO |
| Sumário: | I - O plano de actividades contém objectivos, programas e projectos a concretizar futuramente, e o orçamento especifica as receitas e as despesas nele previstas como necessárias à realização de uma operação, pelo que tais documentos, atenta a sua natureza prévia e provisória, são inaptos a provar qualquer pagamento, nem sequer a concretização das operações que prevêem. II - Embora no relatório de actividades seja explicitada a execução do plano de actividades do ano anterior e a conta de gerência contenha os resultados da execução orçamental, respeitando tais documentos à Comissão Instaladora do Município de Odivelas, e não ao Município, não são os mesmos aptos a provar que as despesas em causa tenham sido suportadas por este, até porque se provou que o Estado financiou parte da instalação do Município. III - Cabe ao Estado conceder um subsídio para a instalação de novos municípios, e não cobrir integralmente as despesas de instalação. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO MUNICIPIO DE ODIVELAS intentou acção administrativa comum sob a forma ordinária contra a Presidência do Conselho de Ministros. Pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 18.319.767,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efectivo pagamento, por incumprimento da obrigação legal do Estado de suportar a instalação do município. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido. O autor interpôs recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A — A sentença posta em crise deveria dar por provados os factos alegados nos artigos 104.º, 105.º e 106.º da p.i., porquanto tal matéria consta dos documentos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com a p.i. que, além de não terem sido impugnados, foram dados pro reproduzidos pelo próprio Tribunal. B — Na verdade, se a natureza e os fins dos investimentos elencados nos artigos 104.º, 105.º e 106.º da p.i. encontram demonstração em documentos não impugnados e dados por reproduzidos na sentença, a factualidade constante daqueles artigos deveria ter integrado o elenco dos Factos Assentes. C — A sentença padece também de contradição entre a fundamentação de facto e a decisão, porquanto no Ponto 13 daquela dá-se por provado que que o Recorrente "não recebeu do município de origem nenhum equipamento, nem veículos, fossem ligeiros, fossem pesados, nem instalações em número e dimensão suficientes ao funcionamento dos Serviços" e no decisório escreve-se que o Recorrente "alguns bens terá recebido do Município de Loures". D— A sentença padece ainda de erro na aplicação do Direito. Na verdade E - Ao invés do que ali se escreve, a aplicação da Lei 42/98, de 6 de Agosto (LFL) ao novo município, no sentido de este ser credor das transferências do Orçamento de Estado ali previstas, só se deu com a entrada em vigor da Lei 48/99, de 16 de Junho. F — E também erra ao afirmar que " ... com vista à adequação desse novo regime da LFL e à recepção dessas transferências que a comissão instaladora passou a ter mais competências do que tinha anteriormente...". G - Quando foi exactamente ao contrário, isto é, porque a Lei 48/99, de 16 de Junho veio alargar as competências dos novos municípios, é que estes passaram a ter direito a perceber as receitas previstas na LFL (como se infere dos debates parlamentares travados em sede de aprovação da Lei 48/99, de 16 de Junho). H — Errou também o Tribunal "a quo" quando decidiu que as transferências financeiras que o Recorrente recebeu ao abrigo da LFL se destinaram a suportar os encargos com a instalação do novo município, quando, afinal, aquelas transferências serviram para o exercício das novas competências que foram atribuídas ao Recorrente por força da publicação da Lei 48/99, de 16 de Junho, algumas das quais (as provindas no âmbito do FGM e do FCM) estão consignadas. I — E erra ainda quando parte do pressuposto que com a publicação da Lei 48/99, de 16 de Junho ficou afastado o regime de instalação de novos municípios previsto na lei 142/85, quando aquele primeiro diploma, afinal, apenas veio atribuir aos novos municípios competências alargadas e garantir-lhes fontes de financiamento para o exercício destas. J - E errou, por último, quando decidiu que a interpretação válida do disposto no artigo 9.º da Lei 48/99, de 16 de Junho e no n.º 3 do artigo 13.º da Lei 142/85, de 18 de Novembro é no sentido de que o R não está obrigado a suportar por inteiro os encargos com a instalação do novo município. L — Porquanto o teor do artigo 9.º da lei 48/99, de 16 de Junho e do n.º 3 do artigo 13.º da Lei 142/85, de 18 de Novembro apenas autoriza a interpretação de que ao R cabia assegurar o apoio financeiro indispensável ao exercício de funções da comissão instaladora do Recorrente por via do quadro da cooperação técnica e financeira ou de outro quadro.” A recorrida respondeu à alegação do recorrente, com as seguintes conclusões: “1ª) O quadro legal referente ao apoio do Estado à criação de novos municípios não prevê a obrigatoriedade de serem por aquele suportadas todas as despesas incorridas na instalação dessas novas entidades; 2ª) Na verdade, o Decreto-Lei nº 363/88, de 14/10, previa a possibilidade de concessão pelo Estado de auxílios financeiros para a instalação de novas autarquias locais, podendo tal auxílio compreender o financiamento na aquisição ou construção do edifício sede e respetivo equipamento (artº 2º, nº 1, f)); 3ª) O artº 3º, nº 1, a), b) e c) do referido Decreto-Lei nº 363/88, de 14/10, para efeitos da concessão de tais auxílios, estabelece um específico procedimento, consistente na apresentação de candidaturas pelos novos municípios, de onde constassem as concretas situações para as quais se requeria auxílio financeiro, estimativa de custos, fontes de financiamento e proposta de repartição dos encargos; 4ª) O artº 6º do indicado Decreto-Lei nº 363/88, de 14/10, impunha que na concessão desses auxílios por parte do Estado, deveria ser tido em conta, entre outros elementos, o número de eleitores da nova autarquia; 5ª) Ao abrigo desse regime legal, a Comissão Instaladora do Município de Odivelas apresentou a sua candidatura para a concessão, pelo Estado, de auxílio financeiro no âmbito dos custos da instalação do novo município, com a indicação dos custos a incorrer, das concretas despesas a suportar e propondo que o Estado suportasse em 50% tais custos; 6ª) Aprovada a candidatura, foi celebrado um protocolo com a indicação do apoio financeiro a conceder pelo Estado e, posteriormente, foi celebrado um outro acordo entre as mesmas entidades, nos termos do qual o Estado apoiou em 50% as despesas para a reconstrução de um edifício, bem como para o seu equipamento, edifício esse destinado à instalação da sede do novo município; 7ª) Em face do referido quadro legal e dos acordos celebrados, é evidente que não procede o pedido feito pelo recorrente, para que o Estado suporte a totalidade das despesas em que teria incorrido na sua instalação enquanto novo município; 8ª) Nem pode proceder o argumento aduzido pelo recorrente, segundo o qual tendo a Lei nº 48/99, de 16/6, alargado o âmbito das competências das comissões instaladoras de novos municípios, era obrigatório que essas novas competências fossem acompanhadas pela atribuição de novos meios financeiros; 9ª) Essas novas competências consistiram em as referidas comissões instaladoras poderem também exercer as competências que cabiam as câmaras municipais, para além das competências referentes à instalação de novos municípios; 10ª) Porém, na medida em que tais comissões instaladoras passaram atuar no exercício das competências próprias das Câmaras Municipais, passaram também a receber as transferências previstas na Lei das Finanças Locais para as Câmaras Municipais; 11ª) De onde decorre, portanto, que esse aumento de competências foi acompanhado de um aumento dos meios financeiros; 12ª) Assim, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura.” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Com dispensa de vistos dos juízes-adjuntos (cfr. n.º 4 do artigo 657.º do CPC), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de: a) Nulidade; b) Erro de julgamento de facto; c) Erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados: “1. O Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território proferiu o Despacho n° 15.760/98, publicado no DR, II série, n° 204, de 4 de Setembro, através do qual nomeou a Comissão encarregue de elaborar o Relatório previsto no n° 2 do artigo 7° da Lei n° 142/85, de 18.11. 2. Essa Comissão elaborou o Relatório que se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais (cfr. doc. 1, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido) e que conclui pela viabilidade do futuro Município de Odivelas (cfr. respectiva página 25). 3. A Comissão Instaladora do Município de Odivelas tomou, na pendência do seu mandato, diversas deliberações ao abrigo alínea 1) do n° 1 do artigo 4° da Lei 48/99, de 16 de Junho, (deliberações tomadas sobre matérias da competência das assembleias municipais) sujeitando-as à ratificação do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território. De entre essas deliberações, destacam-se, com relevância para os presentes autos: 4. Aprovação do Orçamento e Plano de Actividades para 1999 (cfr. doe. 2 junto à p.i.). 5. Aprovação do Orçamento e Plano de Actividades para 2000 (cfr. doc. 3 junto à p.i.). 6. Aprovação do Orçamento e Plano de Actividades para 2001 (cfr. doc. 4 junto à p.i.). 7. Aprovação das Contas de 1999 (cfr. doc. 5 junto à p.i.). 8. Aprovação das Contas de 2000 (cfr. doc. 6 junto à p.i.). 9. Aprovação do Mapa de Pessoal (cfr. doc. 7 junto à p.i.). 10. As Contas de 2001 foram aprovadas pela Assembleia Municipal eleita no sufrágio eleitoral que ocorreu em Dezembro de 2001. 11. A Comissão Instaladora do Município de Odivelas iniciou funções em 20/01/1999 e viu-se confrontada com a quase inexistência de instalações, bem como dos meios humanos e materiais necessários ao desempenho das suas competências. 12. O processo de partilha com o município de origem ficou concluído em Julho de 2001. 13. O A não recebeu do município de origem nenhum equipamento, nem veículos, fossem ligeiros, fossem pesados, nem instalações em número e dimensão suficientes ao funcionamento dos Serviços. 14. Para cumprir a obrigação do n° 6 do artigo 15° da Lei 48/99, de 16 de Junho, relativamente a 178 trabalhadores que transitaram do município de origem, o A despendeu a quantia de € 817.118,25. 15. O A, através da sua Comissão Instaladora, foi insistindo com os sucessivos Governos sobre a obrigação legal que recai sobre o Estado, de apoiar financeiramente o processo de instalação do novo município. 16. Com efeito, em 11/07/2000, o então Presidente da Comissão Instaladora do Município de Odivelas enviou ao Secretário de Estado da Administração Local um oficio reclamando o cumprimento da lei no que ao apoio financeiro extraordinário tange (cfr. doc. junto com a p.i). 17. Em resposta, o Secretário de Estado da Administração Local confirmou o direito do A a ser apoiado financeiramente com as despesas de instalação, informando-o, por oficio datado de 30/08/2000, que "o apoio a considerar deverá ser o previsto no artigo 9° da Lei 48/99, de 16 de Junho e, sobretudo na óptica da instalação fisica dos órgãos e serviços do novo município" (cfr. doc. 9 junto à p.i.). 18. Posteriormente, o Secretário de Estado da Administração Local reafirmou o direito do A. ao mencionado apoio, informando-o, por oficio recebido em 20/11/2000, que "... é seu propósito celebrar com Odivelas e cada um dos restantes dois novos municípios, em 2001, um contrato-programa para os efeitos do artigo 9° da Lei 48/99, de 16 de Junho..." (cfr. doc. 10 junto à p.i.). 19. O A fechou com o Município de Loures, e sob a égide da Administração Central, o Relatório de Partilha para Transmissão de Bens, Direitos e Obrigações do Município de Loures para o Município de Odivelas. 20. Em 21/07/2000 a Comissão prevista no n° 3 do artigo 11° da Lei 48/99, de 16 de Junho, aprovou o mencionado Relatório de Partilha para Transmissão de Bens, Direitos e Obrigações do Município de Loures para o Município de Odivelas, tendo ficado exarado em acta que "O Presidente da Comissão Instaladora do Município de Odivelas manifestou, no entanto, a sua disponibilidade para votar favoravelmente a presente proposta de relatório final desde que veja assegurado por parte do Governo um apoio financeiro na ordem de 2,2 milhões de contos que corresponde ao conjunto de encargos que o Município de Odivelas entende não dever nem poder pagar" (cfr. doc. 11 junto à p.i.). 21 A Comissão instaladora de tal Município, em 27.07.01., candidatou-se, nos termos do referido Decreto-Lei n° 363/88, de 14.10, à concessão de auxílio: " no âmbito dos custos da instalação do novo Município de Odivelas", anexando memória descritiva da situação para a qual requeria o auxílio, a estimativa do custo, a indicação das fontes de financiamento para cada acção e respectiva proposta de repartição de encargos, cabendo, de acordo com a proposta da Comissão Instaladora, 50% de financiamento ao Estado (cfr. doc 2 junto ao PA). 22. E, em 24 de Setembro de 2001, foi assinado o protocolo com o Município de Odivelas, estabelecendo-se o quadro dos auxílios a conceder pelo Estado (cfr. doc. 3 junto ao PA). 23. O A. recebeu, a título de apoio para sua instalação, por parte do Estado Português, a quantia de € 997.595,79 (confessado e docs. n° 1, 3 e 4 juntos ao PA). 24. E recebeu, ainda, uma comparticipação no montante de € 1.456.971,24, destinada à reconstrução do antigo Palácio do Arcebispo (Quinta da Memória) para instalação dos Paços do Concelho e que correspondeu a metade do investimento realizado (confessado e doc. n° 5 junto ao PA). 25. O Município de Odivelas apresentou o Relatório Final referente à utilização dos auxílios, nele se dizendo que os objectivos do Projecto foram alcançados, cumpridas as etapas e respeitada a calendarização apresentada, prevista e constante do Protocolo (cfr. doc. 4 junto ao PA). 26. O A. recebeu do Orçamento do Estado as transferências financeiras previstas na lei das finanças locais (LFL) então em vigor (Lei 42/98, de 6 de Agosto) (confessado).” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A. Da nulidade da sentença Alega o recorrente que a sentença padece de contradição entre a fundamentação de facto e a decisão porquanto no ponto 13 daquela se dá por provado que o recorrente "não recebeu do município de origem nenhum equipamento, nem veículos, fossem ligeiros, fossem pesados, nem instalações em número e dimensão suficientes ao funcionamento dos Serviços" e no decisório escreve-se que o recorrente "alguns bens terá recebido do Município de Loures". Vejamos. Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” A nulidade a que se reporta a alínea c) corresponde, ora a um “vício lógico da sentença” - em que o juiz se serve de fundamentos que conduziriam a uma conclusão diversa daquela a que chegou, a qual se mostra, assim, em contradição com aqueles -, ora à ininteligibilidade da decisão por ambiguidade ou obscuridade. Como escreve Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, pp. 370 e 371), “Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que se não confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstrata, vício esse só sindicável em sede de recurso jurisdicional.” A ambiguidade existirá quando se retire da fundamentação ou da decisão mais do que uma interpretação ou do que um sentido, e a obscuridade determina a dúvida para qualquer destinatário normal. É certo que, de acordo com o ponto 13. da matéria de facto, resultou provado que “O A não recebeu do município de origem nenhum equipamento, nem veículos, fossem ligeiros, fossem pesados, nem instalações em número e dimensão suficientes ao funcionamento dos Serviços.” Todavia, a afirmação de que “o A. terá recebido alguns bens do Município de Loures” não se reconduz à decisão, integrando, antes, a fundamentação fáctico-jurídica da sentença. A decisão foi de improcedência do pedido por não ter havido incumprimento da obrigação legal que ao Estado impende de suportar a instalação do autor, nada lhe devendo aquele, consequentemente, a título de despesas de instalação do município. Não há, assim, qualquer contradição entre o decidido e a fundamentação da decisão. Ademais, as afirmações citadas pelo recorrente nem sequer são contraditórias entre si, pois que o que resulta do referido ponto 13. da matéria de facto provada é que o município não recebeu do município de origem qualquer equipamento ou veículo nem instalações em número e dimensão suficientes ao funcionamento dos serviços, o que não invalida que o município tenha recebido alguns bens do município de Loures, conforme resulta da afirmação constante da fundamentação fático-jurídica da sentença. Ante o exposto, improcede a invocada nulidade da sentença. B. Do erro de julgamento de facto Alega o recorrente que a sentença recorrida deveria ter dado por provados os factos alegados nos artigos 104.º, 105.º e 106.º da p.i., por tal matéria constar dos documentos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com a p.i. que, além de não terem sido impugnados, foram dados por reproduzidos pelo próprio Tribunal. Vejamos. É o seguinte o alegado pelo recorrente nos artigos 104.º, 105.º e 106.º p.i.: Ou seja, a factualidade que resulta alegada nos artigos 104 a 106 da p.i. tem a ver com as quantias que o autor terá suportado com a sua instalação nos anos de 1999, 2000 e 2001. Os documentos 2, 3 e 4 juntos com a p.i. correspondem aos orçamentos e planos de actividades dos anos de 1999, 2000 e 2001, da Comissão Instaladora do Município de Odivelas. Os documentos 5 e 6 correspondem às contas de gerência e relatórios de actividades dos anos de 1999 e 2000, da Comissão Instaladora do Município de Odivelas. O documento 7 corresponde à acta de 3.ª reunião extraordinária daquela Comissão, datada de 19.10.2001, nos termos da qual foi aprovada deliberação com o novo mapa de pessoal do município. Sucede que tais documentos não provam a factualidade referida. Com efeito, como resulta dos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 341/83, de 21 de Julho - que regulamentava, à data, o plano de actividades e orçamento, o relatório de actividades e a conta de gerência das autarquias locais -, o plano de actividades contém objectivos, programas e projectos a concretizar futuramente, e o orçamento especifica as receitas e as despesas nele previstas como necessárias à realização de uma operação, pelo que tais documentos, atenta a sua natureza prévia e provisória, são inaptos a provar qualquer pagamento por parte do autor, nem sequer a concretização das operações que prevêem. E, embora no relatório de actividades seja explicitada a execução do plano de actividades do ano anterior e a conta de gerência contenha os resultados da execução orçamental (artigo 33.º, n.ºs 1 e 2), tais documentos – assim como os referidos plano de actividades e orçamento, e a acta que deliberou o novo mapa de pessoal do município - respeitam à Comissão Instaladora do Município de Odivelas, e não ao autor, não provando, assim, que as despesas em causa tenham sido suportadas por este. De resto, tendo ficado provado (nos pontos 23 e 24 da matéria de facto) que o recorrente, pela instalação do município, recebeu da entidade demandada as quantias de € 997.595,79 e de € 1.456.971,24, esta destinada à reconstrução do antigo Palácio do Arcebispo (Quinta da Memória) para instalação dos Paços do Concelho, e que correspondeu a metade do investimento realizado, no total de € 2.454.567,03, não podemos concluir que as mesmas não foram suporte daquelas despesas de instalação. Pelo exposto, improcede o erro de julgamento de facto. C. Do erro de julgamento de direito A sentença recorrida concluiu que o Estado nada devia ao autor a título de despesas de instalação do município, considerando que, face ao disposto nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 142/85, e 4.º e 9.º da Lei n.º 48/99, de 16 de Junho, a criação de novos municípios implica para o Estado a obrigação de concessão de apoios financeiros previstos na lei necessários à sua instalação, mas não a totalidade das despesas de instalação. Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, contrapondo que, da conjugação do artigo 9.º da Lei n.º 48/99, de 16 de Junho, com o n.º 3 do artigo 13.º da Lei n.º 142/85, resulta que ao Estado cabia assegurar o apoio financeiro indispensável ao exercício de funções da comissão instaladora do recorrente, servindo as transferências financeiras que o recorrente recebeu ao abrigo da LFL para o exercício das novas competências, e não para suportar os encargos com a instalação do novo município. Atendendo a que o autor pede a condenação da entidade demandada a pagar-lhe a quantia de € 18.319.767,91, por incumprimento da obrigação legal do Estado de suportar a instalação do município, está em causa saber se impende sobre o Estado tal obrigação e, em caso afirmativo, qual o âmbito da mesma, bem como se essa obrigação foi cumprida no caso. Vejamos, começando por definir o âmbito da obrigação legal do Estado de apoio financeiro à criação de novos municípios, tendo em conta a legislação aplicável à data dos factos, tendo em conta que o Município de Odivelas foi criado pela Lei n.º 84/98, de 14 de Dezembro. A Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, estabelece o regime da criação de municípios, dispondo o n.º 3 do seu artigo 13.º que ao Ministério da Administração Interna compete assegurar as instalações e os meios materiais e financeiros necessários à actividade da comissão instaladora, actividade esta que, nos termos do n.º 1, consistia em promover as acções necessárias à instalação dos órgãos municipais e assegurar a gestão corrente da autarquia. A Lei n.º 48/99, de 16 de Junho, veio consagrar o regime de instalação de novos municípios, tendo revogado o disposto no n.º 1 do referido artigo 13.º, ampliando as competências da comissão instaladora (cfr. artigo 4.º). A Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais), estabelecia, na alínea e) do n.º 2 do seu artigo 13.º que poderia haver auxílio financeiro do Estado às autarquias locais para "instalação de novos municípios ou freguesias". Em cumprimento dessa disposição legal, o Decreto-Lei n.º 363/88, de 14 de Outubro, veio estabelecer as condições de concessão de tal auxílio financeiro (cfr. artigo 1.º, n.º 1), estipulando, na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, que, especificamente “Para a instalação de novos municípios ou freguesias, o Estado concederá um subsídio tendo em consideração o número de eleitores da nova autarquia e a estimativa do custo da aquisição ou construção de edifício sede.” Aquela Lei das Finanças Locais veio a ser revogada pela Lei n.º 42/98, de 06 de Agosto, que passou a dispor que as autarquias locais recebessem transferências financeiras próprias para afectar ao exercício das suas competências próprias, prevendo, na alínea e) do n.º 3 do artigo 7.º, a possibilidade de o Governo tomar providências orçamentais necessárias à concessão de auxílios financeiros às autarquias locais para instalação de novos municípios. Apesar de esta lei ter revogado a Lei n.º 1/87, de 06 de Janeiro, determinou que se mantêm “em vigor até à respectiva substituição os diplomas legais vigentes publicados em execução de anteriores leis das finanças locais, na parte não contrariada pela presente lei.” (cfr. artigo 36.º), pelo que se mantêm em vigor, nestes termos, as normas do Decreto-Lei n.º 363/88, de 14 de Outubro. Procedendo este diploma à regulamentação da tomada excepcional de providências orçamentais necessárias à concessão de auxílio financeiro do Estado às autarquias locais, prevista no n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 1/87, de 06 de Janeiro, e dado que esta norma tem correspondência com o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 06 de Agosto, considera-se que, após a entrada em vigor da Lei n.º 42/98, de 06 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 363/88, de 14 de Outubro, regulamenta o disposto no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 42/98, de 06 de Agosto, vigorando, designadamente, o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, acima citado, à data da criação do Município de Odivelas. Em suma, a lei prevê que as autarquias locais recebam, não só transferências financeiras próprias para afectar ao exercício das suas competências próprias, mas também auxílios financeiros para instalação de novos municípios. Quanto a estes, decorre da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 363/88, de 14 de Outubro, que “o Estado concederá um subsídio tendo em consideração o número de eleitores da nova autarquia e a estimativa do custo da aquisição ou construção de edifício sede.”. Deste modo, cabe ao Estado conceder um subsídio para a instalação de novos municípios, e não cobrir integralmente as despesas de instalação, como pretende o recorrente, conclusão esta que determina a improcedência do pedido por inexistir a obrigação legal em cuja violação o recorrente faz assentar o seu direito a indemnização. Assim sendo, improcede o invocado erro de julgamento. * Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente. Lisboa, 06 de Novembro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) – a relatora atesta o voto de conformidade dos adjuntos Mara de Magalhães Silveira (em substituição) Ana Lameira |