Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1454/12.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REMUNERAÇÕES ACESSÓRIAS
VANTAGEM ECONÓMICA E SEU ÓNUS
FLUXO DE ENTRADA NAS CONTAS PESSOAIS
Sumário:I) O artigo 2.º, nº2 do CIRS, estabelece uma enumeração exemplificativa dos principais tipos de pagamentos e prestações que podem ser enquadrados e tributados como rendimentos do trabalho dependente, sendo que o seu nº3, concretamente a alínea b), estatui que são, igualmente, considerados rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias.

II) O legislador mediante um elenco não exaustivo pretende tributar as remunerações auferidas devido à prestação de trabalho ou em ligação com esta e que constituam para o beneficiário uma vantagem económica.

III) Face ao âmbito e extensão do aludido conceito normativo, é possível inferir que as mesmas representam um benefício para o trabalhador de natureza heterógena, sendo, portanto, atribuídas a qualquer trabalhador e em qualquer setor de atividade, podendo revestir uma natureza pecuniária ou em espécie, e um encargo para a entidade patronal.

IV) Se os pressupostos legitimadores da qualificação e tributação são manifestamente insuficientes, radicando em premissas conclusivas, sem demonstrar o aludido binómio para efeitos de assunção como vantagem económica adstrita ao desenvolvimento da sua atividade, os valores depositados na esfera pessoal do Impugnante não podem ser qualificados como remunerações acessórias.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por H ……………., contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º …………….639, relativa ao ano de 2007, no valor de €7.635,22.


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O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando, as conclusões que infra se reproduzem:

i. Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

ii. O impugnante foi objeto de uma análise inspetiva interna à sua declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, respeitante ao ano de 2007, tendo detetado dos serviços inspetivos a existência de cheques bancários emitidos pela I............ para pagamento de faturas do seu fornecedor “D............ – Construção Civil, Lda.” que tiveram como destinatário do Reclamante, e que totalizaram o montante de €26.223,02.

iii. A testemunha Luís ……………….., afirmou não saber se quem adiantou o dinheiro à D............ foi o Sr. H………. ou a empresa da qual este era gerente, I…………………….. – minuto 11:30 a 12:10 da gravação áudio.

iv. A testemunha Ana ……………………., afiança (ao minuto 4:50 a 5:11 e minuto 8:00 a 8:30 da gravação áudio) que em resultado do adiantamento, ficou acordado que a D............ se comprometia a fazer reparações em outros prédios da I…………..-Imobiliária, por conta da dívida, não se mostrando muito segura em afirmar se o adiantamento do dinheiro à D............ foi feito pelo Sr. H………………… pela empresa que este geria.

v. Tendo ambas afirmado não ter estado presente em qualquer reunião onde tivesse sido estabelecido o, alegado, acordo de pagamento.

vi. De facto, os depoimentos das testemunhas, sem qualquer suporte documental, não podem servir para corroborar, sem margem para dúvidas, o alegado pelo impugnante.

vii. Pelo que, salvo, o devido respeito não poderia o tribunal ter dado como assente, nos pontos 13º a 16º da fundamentação de facto, que os cheques se destinavam ressarcir o impugnante do adiantamento, feito à D............, através da sua conta pessoal.

viii. Nos termos do nº 3, al. b) do art. 2º do CIRS dispunha que se consideram ainda rendimentos do trabalho dependente “as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal que sejam auferidas devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica…”.

ix. Ora, de acordo com o relatório dos serviços inspetivos foi detetada a existência de cheques bancários emitidos pela sociedade “I............ – Imobiliária ………………, SA”, ao portador, que foram recebidos pelo impugnante.

x. Sendo que, contrariamente ao sustentado na douta sentença, não resultou da prova produzida pelo impugnante que tais cheques se destinassem a cumprir qualquer acordo de pagamento nos moldes já descritos.

xi. Assim, tudo leva a concluir que tais pagamentos se subsumem a remunerações acessórias sujeitas a IRS nos termos do art.º 2º, nº 3, al. b) do CIRS.

xii. Nestes termos, não tendo o impugnante feito prova de que tais montantes não eram remunerações acessórias, não pode o ato de liquidação impugnado padecer de qualquer ilegalidade.

xiii. Sendo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal, na douta sentença o disposto nos art.º 2º do CIRS e 74º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

A) A mui douta sentença recorrida julgou de forma correta a matéria de fato e aplicou bem o direito, não merecendo, assim, qualquer censura;

B) De forma sintética: - Em 2000, o impugnante pagou, pessoalmente, do seu bolso, material de construção (soalho) para uma obra da aludida D............, ficando a D............ devedora do impugnante dos montantes que este pagou pessoalmente, para que a obra não parasse; - Em 2007, - A D............ realizou obras para a I............; - A D............ faturou tais obras à I............; - - A I............ pagou tais obras e faturas à I............ através da entrega de cheques ao portador; - A D............, através do seu gerente João ……….., entregou ao impugnante alguns dos cheques recebidos – os referenciados no auto de inspeção, para pagamento de dívidas anteriores daquela ao ora impugnante. - Em 2007, o ora impugnante era detentor de um saldo-credor sobre a I............ de 347.700,05€ - (cfr. facto dado como provado no ponto 9 da mui douta sentença de fls….);

C) Os montantes recebidos da D............ não se tratavam de remunerações da I............, mas antes uma forma de pagamento de uma dívida contraída em 2000 - Ao contrário do pretendido pela AT a D............ estava assim, em dívida, para com o impugnante, pessoalmente, o que comprova, mais uma vez, a decisão da matéria de facto dos artigos 13º a 16º da mui douta sentença recorrida. Impunha, entre outros, tal decisão o Depoimento de Ana ………………., no segmento de 19:27 a 21:00;

D) Impunham a decisão dos factos constantes dos artigos 13º a 14º da mui douta sentença recorrida os depoimentos das testemunhas Luís ……………. (segmento de 4:30 a 7:00) e Ana …………………… (segmentos 3:00 a 5:00 e 17:00 a 21:10) e pelos documentos juntos no PA (cfr. entre outros docs 1 e 2 – fatura 77 de 2000 e extrato de conta corrente de 2007);

E) Impunham a prova dos artigos 15 e 16 da mui douta sentença, quer os documentos juntos à reclamação graciosa – PA. Cfr. ainda doc. 2, que o depoimento da testemunha Ana ……………….. (segmentos 4:30 a 5:00, 07:00 a 10:00, 14:40 a 16:00, 17:00 a 21:00);

F) A liquidação adicional de IRS n.º ……………639, relativa ao IRS de 2007, é claramente ilegal, por violação do disposto nos artigos 1º e 2º, n.º 3, alínea b) do CIRS, pelo que foi bem anulada, devendo a mui douta sentença de fls… manter-se in totum.

Nestes termos, e nos demais de direito do sempre mui douto suprimento de V. Exa., deve ser negado provimento ao presente recurso da AT, mantendo-se a mui douta sentença.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

Com relevância para a decisão a proferir dos presentes autos, julgo provados os seguintes factos:

1. O impugnante é administrador da sociedade «I............ – Imobiliária ……………… SA.» com rendimento de trabalhador da mesma tendo auferido no ano 2007 o montante de €5.642,00 de trabalho dependente Categoria “A” de IRS; (cf. fls. 49 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

2. Em resultado à ação de fiscalização interna à declaração de IRS do Impugnante levada a efeito pela Ordem de Serviço Interna OI201102774 datada de 18.05.2011, relativa ao ano de 2007, os Serviços de Inspeção Tributária procederam à correção dos rendimentos declarados da Categoria “A” no montante de €26.223,02 com fundamento de terem detetado a existência de cheques bancários emitidos pela «I............ SA.» para pagamento de faturas do seu fornecedor «D............ – Construção Civil Lda.», que tiveram como destinatário a pessoa de Horácio ……………….; (cf. fls. 49 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

3. Em 23.11.2011 o Impugnante foi notificado de uma liquidação oficiosa de IRS n.º ………………….639, relativa ao ano de 2007, com imposto a pagar, no montante de € 7.635,22; (cf. fls. 50 do PAT )

4. O Impugnante deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-7 de Reclamação Graciosa daquela liquidação como os fundamentos que se dão por reproduzidos; (cf. fls. 3 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

5. Com a reclamação graciosa o impugnante juntou Mapa dos locais dos trabalhos de reparações efetuados nas frações da Rua da ……………… e na Rua …………….., cópias de cheques, recibos e faturas correspondentes; (Cf., fls. 6 a 24 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

6. Em 20.04.2012 deu entrada do exercício do direito de audição na Direção de Finanças de Lisboa, com os fundamentos que se dão por reproduzidos tendo ainda junto Extrato de Conta 255101, Balancete Geral e Balanço relativo ao ano 2007; (Cf., fls. 78 a 94 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

7. Do projeto de indeferimento da reclamação graciosa o impugnante deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa do exercício do direito de audição prévia com os fundamentos que se dão por reproduzidos; (Cf., doc. de fls. 96 a 112 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

8. Por Despacho de 30.04.2012 do Chefe de Divisão (por delegação de competências) a reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos que se dão por reproduzidos, tendo o impugnante sido notificado do mesmo em 04.05.2012, conforme assinatura do aviso de receção; (Cf., doc. de fls. 116 a 121 do Processo Reclamação Graciosa apenso)

9. O impugnante, H…….. …………………., administrador da sociedade «I............ SA.» tinha uma conta corrente de suprimentos, conforme folhas 102 do Processo do processo de reclamação graciosa, onde detinha um saldo credor, no montante de €347.700,00; (Cf. depoimento das testemunhas e documento 1, 2 e 3 do Processo Reclamação Graciosa)

10. Entre 1999 e 2005, a sociedade «I............ SA.» realizou uma obra de edificação de um prédio com 9 andares e 4 caves na Av. 5 …………. n.º 72, em Lisboa, cujos pavimentos incluindo o hole de entrada eram forrados a madeira; (Cf. depoimento das testemunhas)

11. A empresa contratada pela «I............ SA.» para efetuar o assentamento da madeira, em subempreitada, foi a empresa «D............ – Construção Civil Lda.», cujo gerente era, João ………… tendo este recebido antecipadamente na íntegra, através da fatura n.º0077 de 5 de julho de 2000, o montante total dos materiais de construção para a obra a realizar na Av. Cinco de Outubro; (Cf. depoimento das testemunhas doc de fls.142 do SITAF)

12. Na fase de acabamento da obra e do assentamento do pavimento em madeira a «D............ Lda.» não dispunha dos respetivos materiais de construção por ter investido noutras obras que se encontrava a realizar nem tinha disponibilidades financeiras para os adquirir; (Cf. depoimento das testemunhas)

13. O Impugnante, mediante acordo com João ……………, gerente da «D............ – Construção Civil Lda.», efetuou adiantamento, da sua conta pessoal, para a aquisição do material de construção (pavimento em madeira) a utilizar na referida obra para que a mesma pudesse ser acabada no tempo acordado, sob pena de incorrer em penalidades pelo atraso; (Cf. depoimento das testemunhas)

14. O acordo de pagamento da «D............ – Construção Civil Lda.» para com o impugnante foi materializado no valor das prestações de serviços de execução de obras de reparação em apartamentos da sociedade «I............ SA.» em arrendamento na Rua Vila ………. e na Rua ……………..; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa)

15. As faturas das prestações de serviços efetuadas pela «D............ – Construção Civil Lda.» foram emitidas à sociedade «I............ SA.» e constam do Extrato de Conta 2211062 a crédito desta sociedade; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa e 143 do SITAF)

16. Os cheques, em branco, emitidos pela sociedade «I............ SA.» para pagamento das prestações de serviços efetuadas pela sociedade «D............ – Construção Civil Lda.» serviram de pagamento, desta sociedade e do seu gerente, aos adiantamentos efetuados pelo Impugnante; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa)

17. Esses mesmos cheques deram entrada na conta pessoal do impugnante para pagamento dos adiantamentos atrás referidos, no montante de €26.223,02; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa)


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A decisão recorrida consignou como factos não provados:

“Não se provaram outros factos com relevância para a decisão a proferir. Motivação.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram.

Quanto aos pontos 9º a 14º do elenco probatório, a decisão da matéria de facto teve por base o depoimento das testemunhas, arroladas pelo impugnante, Luis ………………., fiscal da obra da Av. ……………… e Ana ……………… ajudante de contabilidade, em 2007, confirmaram ao tribunal que o, ora impugnante, como administrador da sociedade «I............ SA.» efetuou adiantamentos da sua conta pessoal à sociedade empreiteira «D............ Lda.» referente ao acabamento (revestimento em madeira) da edificação de uma obra com 9 pisos e 4 caves contratada pela empresa «I............ SA.» na Av. ………….. em Lisboa.

Os adiantamentos foram efetuados uma vez que a obra estava em fase de acabamento e a sociedade empreiteira já não dispunha de disponibilidade financeira para o efeito. Mais confirmaram as testemunhas que o Impugnante e a «D............ Lda.» fizeram um acordo em que esta empresa pagaria os referidos adiantamentos com prestações de serviços em imóveis da «I............ SA.» sitos na Rua da República ………….. e na Rua …………. Que esses serviços foram faturados pela «D............ Lda.» à «I............ SA.» e que esta efetuou os correspondentes pagamentos em cheque. No entanto, como a «D............ Lda.» e seu gerente João ……….. tinham uma dívida com o Impugnante, referente à obra da Av. …………….., os cheques referentes ao pagamento das prestações de serviço foram depositados na conta do impugnante para pagamento da referida dívida. O depoimento das testemunhas decorreu sem hesitações, mostrou isento e credível o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, e respetivos JC, respeitantes ao ano 2007.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso e respetivas contra-alegações, cumpre aferir:

Ø Se o Tribunal a quo incorreu em:

i. Erro de julgamento de facto, porquanto:

§ Ponderou indevidamente, a prova testemunhal produzida, a qual desacompanhada da competente prova documental determina a supressão do respetivo probatório, ao abrigo do artigo 640.º do CPC;

§ Não foi ponderada a prova testemunhal e documental a qual implicaria um aditamento de factualidade relevante para a presente lide;

ii. Errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto a AT cumpriu o ónus que sobre si impende demonstrando que as quantias auferidas pelo Recorrido representam uma remuneração acessória e vantagem económica tributadas enquanto rendimento de trabalho dependente, não tendo, por seu turno, o Recorrido produzido prova suficiente para afastar essa qualificação e tributação.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(1).

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Mais importa, ainda, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

Com efeito, [q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (2)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (3).

Sendo, outrossim, de sublinhar que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos, analisemos a concreta impugnação da matéria de facto.

A Recorrente, ainda que de forma pouco clara e algo conclusiva, alega que os factos elencados nos pontos 13 a 16 da matéria de facto devem ser suprimidos na medida em que, do depoimento das testemunhas e cujos trechos particulariza, não é possível extrair as realidades de facto nela constantes porquanto os depoimentos são pouco particularizados, hesitantes e desacompanhados de prova documental.

O Recorrido dissente do supra expendido, advogando pela manutenção das aludidas asserções de facto visto que, por um lado, as testemunhas asseveraram o que nelas se encontra plasmado, convocando, para o efeito, os respetivos trechos áudio, e por outro lado, porque existe prova documental que as legitima e suporta.

Vejamos, então.

Comecemos por ter presente o teor dos pontos da matéria de facto que foram sindicados, e os respetivos meios probatórios nele constantes.

“13. O Impugnante, mediante acordo com João Carraça, gerente da «D............ – Construção Civil Lda.», efetuou adiantamento, da sua conta pessoal, para a aquisição do material de construção (pavimento em madeira) a utilizar na referida obra para que a mesma pudesse ser acabada no tempo acordado, sob pena de incorrer em penalidades pelo atraso; (Cf. depoimento das testemunhas)

14. O acordo de pagamento da «D............ – Construção Civil Lda.» para com o impugnante foi materializado no valor das prestações de serviços de execução de obras de reparação em apartamentos da sociedade «I............ SA.» em arrendamento na Rua ………….. e na Rua …………….; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa)

15. As faturas das prestações de serviços efetuadas pela «D............ – Construção Civil Lda.» foram emitidas à sociedade «I............ SA.» e constam do Extrato de Conta 2211062 a crédito desta sociedade; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa e 143 do SITAF)

16. Os cheques, em branco, emitidos pela sociedade «I............ SA.» para pagamento das prestações de serviços efetuadas pela sociedade «D............ – Construção Civil Lda.» serviram de pagamento, desta sociedade e do seu gerente, aos adiantamentos efetuados pelo Impugnante; (Cf. depoimento das testemunhas e documento de fls. 6 a 25 do Processo de Reclamação Graciosa)”

Ora, tendo presente as aludidas asserções, cumpre, desde logo, evidenciar que o entendimento da Recorrente não pode lograr o provimento por si requerido na medida em que, inversamente ao por si aduzido, existe prova documental que as ampara, conforme resulta, de forma clara e expressa, do teor dos pontos 14) a 16) nas quais existe expressa menção a prova documental, devidamente identificada e particularizada e sem qualquer tipo de impugnação nesse e para esse efeito.

Daqui resulta, portanto, que é destituída de qualquer fundamento a alegação da Recorrente no sentido de que a decisão recorrida conferiu, sem mais, valor probatório à prova testemunhal produzida.

Com efeito, a factualidade assente contemplada em 14) a 16) firmada no depoimento das testemunhas, não teve por base, exclusivamente, esse meio probatório, visto que, conforme supra expendido, foi fixada mediante a concatenação de dois meios probatórios, ou seja, da prova documental nela evidenciada, coadjuvada com a prova testemunhal produzida, logo a alegação da Recorrente jamais teria o alcance e amplitude por si reclamada, donde, votada ao insucesso.

Subsiste, assim, por aferir da pertinência da supressão do ponto 13) do probatório, porquanto firmada apenas na prova testemunhal.

Como visto a mesma coaduna-se com o acordo firmado entre o Impugnante, ora Recorrido, com J…………….., gerente da D............–Construção Civil Lda, com o adiantamento por si realizado da sua conta pessoal, e com o fito inerente ao mesmo.

Mediante convocação dos respetivos trechos evidencia que a testemunha Luís ………………….., demonstrou hesitação e não conhecer, com rigor, quem adiantou o dinheiro à D............, e bem assim que a testemunha Ana ………………., não se mostrou, igualmente, segura nesse domínio.

Não acompanhamos, no entanto, esse entendimento, na medida em que este Tribunal procedeu à audição integral dos aludidos depoimentos e os mesmos não se mostraram hesitantes, inseguros, demonstrando conhecer, de forma séria e isenta, as dificuldades financeiras da D............, as obras por si realizadas, os fornecimentos e a sua ordem de grandeza, os materiais em falta, conexionando-os com a necessidade de adiantamentos e a sua proveniência.

Sendo, outrossim, asseverado por Luís ……………………, que era o próprio que fiscalizava as obras, controlava a qualidade dos materiais, dos timings, dos fornecimentos, de assentamentos, particularizando a existência de uma empreitada bastante complicada, na qual ocorreu um acordo em que o Impugnante aceitou pagar todo o fornecimento à cabeça atenta a dificuldade económico-financeira da D............. Mais adensando que, tal opção de gestão e adiantamento pessoal foi inclusivamente contra a sua vontade, e que até sugeriu uma alteração de fornecedor.

Por seu turno, Ana ………………………, demonstrou razões de ciência firmes, atentas as funções desenvolvidas na empresa I............, concretamente empregada de escritório desde 1990, e à data com funções no departamento de contabilidade, e respetivos lançamentos. Revelou, igualmente, conhecer de forma objetiva e séria a empresa em questão, as dificuldades de tesouraria dos mesmos, concretizando inclusivamente que a dada altura não conseguia cumprir os prazos, afiançando, adicionalmente, que por forma a obviar qualquer paralisação da obra o Impugnante começou a fazer adiantamentos em nome pessoal, densificando inclusive os seus valores monetários, os quais se mostram conformes com as verbas em causa.

Ulteriormente, e mediante confronto com as faturas, e respetivos cheques, concretizou o empréstimo pessoal, o pagamento das dívidas, asseverando que o mesmo não provinha da sociedade, a qual sublinhou as suas dificuldades financeiras, avançando com o predicativo “red line”.

Ora, face ao supra expendido não se vislumbra qualquer erro na valoração da prova, e cuja motivação se encontra, outrossim, devidamente corporizada no item inerente à motivação da matéria de facto, revelando, assim, que os depoimentos prestados apresentavam razões de ciência, sendo firmes e credíveis.

Ademais, e embora o ponto 13 da factualidade assente não convoque qualquer prova documental, a verdade é que, tal como evidencia o Recorrido, existe prova documental que alicerça tais asserções de facto, mormente, faturas, recibos e cheques, com a devida materialização nas correspondentes obras, conforme resulta dos documentos constantes no processo de reclamação graciosa apenso a fls. 6 a 25, razão pela qual este Tribunal procede ao competente aditamento dos evidenciados meios probatórios porquanto a apoiam e fundamentam.

Face ao exposto, improcede a arguida supressão dos pontos 13) a 16) da factualidade assente.

Prosseguindo.

O Recorrido nas suas contra-alegações impugna, igualmente, a matéria de facto -cuja legitimidade não é controvertida e lhe advém, de resto, do consignado no artigo 636.º, nº2 do CPC-requerendo mediante a convocação das respetivas transcrições dos depoimentos das testemunhas o aditamento dos seguintes factos:

i. Se o impugnante pretendesse ser ressarcido de alguma quantia, bastava abatê-la ao seu saldo credor junto da I.............

ii. Saldo este que, em 2007, o ano fiscal em apreço, era de 347.700,05€.

iii. Ou seja, o impugnante apresentava um saldo credor face à I............ nesse montante, sendo totalmente abnóxio, que podendo ser ressarcido da dívida existente, fosse ser remunerado.

iv. Sendo credor de tais montantes, quaisquer montantes que aufira da I............, quando muito seriam corrigidos no seu saldo credor de 347.700,05€.

Ora, tendo presente os aludidos aditamentos, os considerandos de direito já expendidos quanto aos requisitos atinentes ao artigo 640.º do CPC, e cotejando-os inclusive com o probatório dos autos, os mesmos têm de improceder.

E isto porque, por um lado, os pontos i), iii), e iv), não têm a roupagem de um facto representando antes um juízo conclusivo e opinativo, e por outro lado, a asserção consignada em ii) já se encontra contemplada no ponto 9) do probatório.

Destarte, improcede, assim, o aludido aditamento.

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto cumpre, ora, analisar o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente alega, desde logo, que a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia na medida em que, ao ter constatado a existências de cheques emitidos pela sociedade I............ – Imobiliária Levi do Nascimento, SA, ao portador, que foram recebidos pelo Impugnante, ora Recorrido, os mesmos têm de ser enquadrados como remunerações acessórias, nos termos do nº 3, alínea b), do artigo 2.º do CIRS, e enquanto rendimentos do trabalho dependente.

Conclui, assim, que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 2.º do CIRS e 74.º da LGT, porquanto não resultou da prova produzida pelo Impugnante que tais cheques se destinassem a cumprir qualquer acordo de pagamento, donde têm de ser enquadrados como remunerações acessórias.

Dissente o Recorrido, advogando que inversamente ao propugnado pela Recorrente, os montantes recebidos da D............ não se tratavam de remunerações da I............, mas antes uma forma de pagamento de uma dívida contraída em 2000 para com o Impugnante, pessoalmente, realidade que se encontra devidamente plasmada no probatório e sem que mereça qualquer censura.

Conclui, assim, que a liquidação em contenda, tal como sentenciado padece de ilegalidade, pelo que a decisão recorrida não merece qualquer censura, devendo, por conseguinte, ser mantida.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado.

Comecemos por ter presente a fundamentação jurídica que esteou a procedência da impugnação.

O Tribunal a quo esteou a procedência com base na seguinte fundamentação jurídica:

“Neste contexto, da execução destas obras de reparação efetuadas naquelas frações no ano de 2007, foram emitidas as respetivas faturas, algumas das quais incluíam outros trabalhos em frações do imóvel da Av. …………………… conforme fls. 6 a 25 do processo de reclamação graciosa.
A empresa «D............ Lda.» emitiu recibos de quitação das importâncias faturadas, conforme documentos de folhas 6 a 25 do processo de reclamação graciosa.
Para pagamento dos respetivos serviços, a sociedade «I............ SA.» emitiu cheques com o destinatário (à ordem de) em branco, correspondentes aos montantes das respetivas faturas.
Os cheques foram endossados pelo impugnante e depositados da sua conta pessoal para pagamento do financiamento que este efetuou à «D............ Lda.» e ao seu gerente J …………... (…)
No caso em apreço, o empréstimo pessoal efetuado pelo Impugnante H ………………, ora impugnante, e J ……………, é efetivamente uma situação que não se mostra alheia à atividade financeira das sociedades que cada um representa e implica diretamente com a realização dos trabalhos efetuados.
Segundo o depoimento unanime das testemunhas, a intervenção do Impugnante a nível pessoal teve a ver com a negligência do responsável gerente da sociedade «D............ Lda.» que utilizou o primitivo financiamento da «I............ SA.» noutras obras que se encontrava a realizar.
Uma vez que já havia uma dívida da sociedade «D............ Lda.» para com a sociedade «I............ SA.» relativa ao financiamento efetuado por esta para a realização da obra da Av. ………….., impunha-se que a obra fosse efetivamente acabada.
A forma de pagamento da «D............ Lda.» ao financiamento pessoal do impugnante residiu, segundo o depoimento das testemunhas por acordo entre os seus dois responsáveis, nas prestações de serviço de execução, a realizar nas obras de reparação, nas aludidas frações da «I............ SA.», conforme resulta dos documentos de folhas 2 a 25 do Processo de reclamação graciosa.
Neste desiderato em resultado do depoimento das testemunhas e dos documentos juntos aos autos podemos constatar que o impugnante foi ressarcido do referido montante, de €26.223,02, através do valor das obras de reparação das duas frações pertencentes à sociedade de que o impugnante é administrador.
Constata-se assim que, os cheques que deveriam servir de pagamento desses trabalhos da sociedade «I............ SA.» à sociedade «D............ Lda.», segundo o citado acordo entre o Impugnante e J………………., foram utilizados no pagamento do adiantamento efetuado pelo impugnante e deram entrada na sua conta pessoal.
Sendo esta a questão central dos autos, impunha-se que a informação dos SIT, em sede de relatório inspetivo, fosse minimamente mais detalhada, no cumprimento dos Princípios do Inquisitório, da Legalidade e da Justiça, a que esses serviços se encontram legalmente obrigados, nos termos previstos no artigo 58º da Lei Geral Tributária, em que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.
Na verdade, sendo certo que a situação dos autos foi despoletada pela análise da declaração de rendimentos do impugnante, referente ao ano de 2007, por parte dos SIT não se vislumbra que do relatório inspetivo que determinou a correção aritmética dos valores da declaração de rendimentos apresentada pelo impugnante, os SIT tenham confirmado ou infirmado as declarações do impugnante por ação de analise interna ou inspeção externa à sociedade «D............ Lda.», ou ao seu gerente estando estes diretamente ligados à questão decidenda dos autos.
Enfatize-se que, para a determinação da existência do dever legal de decidir quanto às correções levadas a efeito no relatório inspetivo, impunha-se que os SIT fossem mais longe, nomeadamente que as declarações do impugnante fossem cruzadas com declarações do gerente da sociedade «D............ Lda.» e, máxime, se os documentos da contabilidade de ambas as sociedades relativas à questão em apreço eram ou não condicentes com as respetivas alegações, o que de todo não foi efetuado.
Ao invés, quedaram-se os SIT por uma notificação ao impugnante justificativa da ausência dos referidos rendimentos, cuja carta registada foi devolvida ao remetente, entendendo assim bastante para concluir que as verbas dos referidos cheques constituíam rendimentos da categoria “A”, para efeitos de IRS, no ano 2007.
Ou seja, além de parca, é manifestamente insuficiente a informação transmitida no relatório inspetivo como se referiu, pelo que em face da prova produzida nos presentes autos claudicam os SIT, na fundamentação ali vertida bem como na sua atuação nos deveres a que estão legalmente investidos.
Neste contexto, podemos concluir que os montantes dos cheques que deram entrada na conta pessoal do impugnante no ano de 2007, não resultam de vencimento escriturado na contabilidade da sociedade «I............ SA.» para o seu administrador nem de qualquer outro tipo de remuneração.
Consubstanciam o ressarcimento do impugnante quanto ao montante do financiamento efetuado por este, da sua conta pessoal, à sociedade «D............ Lda.» dos materiais de construção para acabamento da obra realizada na Av……………. n.º 74, em Lisboa.
Soçobram assim os fundamentos da correção efetuada pelos SIT e, pelo supra exposto, deve a liquidação oficiosa sindicada nos autos ser anulada e removida da ordem jurídica porque ilegal, procedendo assim a impugnação.”

E a verdade é que, tendo presente a fundamentação contemporânea do ato e o respetivo quadro normativo aplicado ao recorte fático dos autos há, efetivamente, que secundar o entendimento constante na decisão recorrida.

Senão vejamos.

Do probatório, e em termos de enquadramento da ação inspetiva e fundamentação que fundou as correções aritméticas, e respetivo ato de liquidação de IRS impugnado, resulta, desde logo, que o Impugnante, ora, Recorrido foi objeto de uma análise inspetiva interna, à sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2007, na qual foram declarados rendimentos, quer da Categoria A, quer da categoria F, os quais acenderam a €5.642,00, e € 15.207,30, respetivamente.

E nesse contexto, constataram os serviços de inspeção que:

· No ano de 2007, o Recorrido consta como trabalhador e administrador da sociedade I............- Imobliária ……………….., S.A.;

· Os rendimentos de trabalho dependente foram pagos por aquela sociedade;

· Existem cheques bancários emitidos pela I............- Imobliária …………………., S.A. para o pagamento de faturas do seu fornecedor D............-Construção Civil, Lda., e que tiveram como destinatário o Impugnante, e que ascenderam ao valor global de €26.223,02.

Concluindo, nessa conformidade, que o pagamento de verbas por parte da sociedade I............-imobiliária …………, SA a H ………………………, configura a obtenção de uma vantagem económica real e efetiva, e nessa medida, nos termos da alínea b), do n° 3, do artigo 2.º do CIRS, será considerado como rendimento de trabalho dependente o montante de €26.223,02, por se considerar uma remuneração acessória, benefício ou regalia, não incluído na remuneração principal, que foi obtido em resultado da prestação do trabalho ou em conexão com esta.

Atenhamos, ora, ao quadro normativo.

Preceitua o artigo 2.º, nº2 do CIRS, uma enumeração exemplificativa dos principais tipos de pagamentos e prestações que podem ser enquadrados e tributados como rendimentos do trabalho dependente.

Por seu turno, o seu nº3, enumera na sua alínea b), que são, igualmente, considerados rendimentos do trabalho dependente:

“As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.

Enumerando, depois, de forma não taxativa, que podem ser considerados enquanto tal:

“1) Os abonos de família e respetivas prestações complementares, exceto na parte em que não excedam os limites legais estabelecidos;
2) O subsídio de refeição na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60 % sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição;
3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado;
4) Os subsídios de residência ou equivalentes ou a utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal;
5) Os resultantes de empréstimos sem juros ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operação em causa, concedidos ou suportados pela entidade patronal, com exceção dos que se destinem à aquisição de habitação própria permanente, de valor não superior a 27 000 000$00 (€134 675,43) e cuja taxa não seja inferior a 65% da prevista no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 138/98, de 16 de maio;
6) As importâncias despendidas pela entidade patronal com viagens e estadas, de turismo e similares, não conexas com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da mesma entidade;
7) Os ganhos derivados de planos de opções, de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente, sobre valores mobiliários ou direitos equiparados, ainda que de natureza ideal, criados em benefício de trabalhadores ou membros de órgãos sociais, incluindo os resultantes da alienação ou liquidação financeira das opções ou direitos ou de renúncia onerosa ao seu exercício, a favor da entidade patronal ou de terceiros, e, bem assim, os resultantes da recompra por essa entidade, mas, em qualquer caso, apenas na parte em que a mesma se revista de carácter remuneratório, dos valores mobiliários ou direitos equiparados, mesmo que os ganhos apenas se materializem após a cessação da relação de trabalho ou de mandato social.
8) Os rendimentos, em dinheiro ou em espécie, pagos ou colocados à disposição a título de direito a rendimento inerente a valores mobiliários ou direitos equiparados, ainda que estes se revistam de natureza ideal, e, bem assim, a título de valorização patrimonial daqueles valores ou direitos, independentemente do índice utilizado para a respetiva determinação, derivados de planos de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente, criados em benefício de trabalhadores ou membros de órgãos sociais, mesmo que o pagamento ou colocação à disposição ocorra apenas após a cessação da relação de trabalho ou de mandato social;
9) Os resultantes da utilização pessoal pelo trabalhador ou membro de órgão social de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal, quando exista acordo escrito entre o trabalhador ou membro do órgão social e a entidade patronal sobre a imputação àquele da referida viatura automóvel;
10) A aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal.”

Daí resulta, portanto, que o legislador mediante um elenco não exaustivo pretende tributar as remunerações auferidas devido à prestação de trabalho ou em ligação com esta e que constituam para o beneficiário uma vantagem económica.

Neste concreto particular, e tal como nos enuncia, desde logo, José Guilherme Xavier de Basto (4), não se revela de fácil apreensão a definição e concreto enquadramento de remunerações acessórias, porquanto é “[d]ifícil distinguir, relativamente a algumas das “vantagens”, em que medida realmente o são, ou se não são antes despesas necessárias à actividade normal da empresa.”

Sendo que, em rigor, face ao âmbito e extensão do aludido conceito normativo, é possível inferir que as mesmas representam um benefício para o trabalhador de natureza heterógena, sendo, portanto, atribuídas a qualquer trabalhador e em qualquer setor de atividade, podendo revestir uma natureza pecuniária ou em espécie, e um encargo para a entidade patronal.

Ora, aqui chegados cumpre concluir que para efeitos da subsunção normativa no citado normativo competia à AT demonstrar, de forma devidamente sustentada, que o valor de €26.223,02 respeitava inequivocamente a uma remuneração acessória.

E isto porque, em termos de ónus probatório incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável, e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Mais se refira, com particular interesse para os presentes autos, que vigora neste âmbito o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, segundo o qual:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Daí resulta que, gozando o contribuinte da presunção de verdade da sua declaração, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação. O que significa que, in casu, tem o ónus de demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos rendimentos declarados pelo Impugnante, ora Recorrido, só então passando a competir o ónus da prova de que os mesmos correspondem à realidade.

E a verdade é que, atendendo ao enquadramento normativo supra expendido, e ao probatório dos autos, não se vislumbra que a decisão recorrida mereça qualquer censura, porquanto, aquiesce-se que, efetivamente, os pressupostos legitimadores são manifestamente insuficientes, radicando em premissas conclusivas, sem demonstrar o aludido binómio para efeitos de assunção como vantagem económica adstrita ao desenvolvimento da sua atividade.

Ademais, o Recorrente em sede inspetiva presta declarações em que faz alusão à proveniência desses rendimentos, convocando a existência de um adiantamento pecuniário ao fornecedor e que tais cheques visaram apenas ressarcir esse adiantamento/empréstimo, e a verdade é que os mesmos são apartados sem qualquer indagação atinente ao efeito, seja mediante pedido de esclarecimentos junto da entidade fornecedora visada, seja mediante fiscalização cruzada, seja mediante um confronto e cruzamento dos meios de pagamento, e respetivas obras.

Por outro lado, importa evidenciar que foram juntos em sede reclamação graciosa os respetivos mapas dos locais dos trabalhos de reparações efetuados nas frações da Rua da República ……….. e na Rua ………….., cópias de cheques, recibos e faturas correspondentes, e bem assim um Extrato de Conta 255101, Balancete Geral e Balanço relativo ao ano 2007, e nada se indaga, de forma minimamente sustentada, quanto à veracidade da realidade alegada e documentada. De resto, há que sublinhar e adensar que a AT na sequência da aludida instrução e prova documental limita-se a evidenciar que “o Reclamante nada traz de novo aos autos, quer em termos de alegações, porquanto estas já constam do relatório de inspecção, quer em documentos probatórios das suas alegações”.

Logo, a AT não logrou demonstrar factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos rendimentos declarados pelo Impugnante.

Sem embargo de todo o exposto, e na linha do expendido na decisão recorrida, há que ter presente que inversamente ao expendido pela Recorrente a prova produzida nos autos permitiu aferir a origem de tal entrada pecuniária, a justificação atinente ao seu recebimento, no contexto empresarial e pessoal, e a concreta inexistência de uma vantagem económica adveniente da empresa e que redunde numa omissão declarativa enquanto rendimento da categoria A.

Com efeito, e mediante apelo ao probatório dos autos, resulta, desde logo, que H ……………………, administrador da sociedade I............ SA tinha uma conta corrente de suprimentos, com saldo credor, no montante de €347.700,00.

Sendo que, em termos de concreto exercício de atividade comercial, entre 1999 e 2005, a sociedade I............ SA realizou uma obra de edificação de um prédio com nove andares e quatro caves na Av. ……………. n.º 72, em Lisboa, cujos pavimentos incluindo o hall de entrada eram forrados a madeira.

Tendo, nesse concreto particular, sido contratada pela I............ SA em subempreitada, a empresa D............ – Construção Civil Lda, cujo gerente era, J …………...

Promanando ainda provado que, o mesmo recebeu antecipadamente, na íntegra, através da fatura n.º0077 de 5 de julho de 2000, o montante total dos materiais de construção para a obra a realizar na Av. Cinco de Outubro, contudo na fase de acabamento da obra e do assentamento do pavimento em madeira a mesma não dispunha dos respetivos materiais de construção por ter investido noutras obras que se encontrava a realizar, não dispondo de quaisquer disponibilidades financeiras para os adquirir.

Por forma a obviar uma paralisação da obra, e ulteriores penalidades o Impugnante, ora Recorrido, mediante acordo com João Carraça, efetuou um adiantamento, da sua conta pessoal, para a aquisição do material de construção a utilizar na referida obra para que a mesma pudesse ser acabada no tempo acordado.

Resultando, ainda, da prova produzida que o acordo de pagamento da D............ para com o Impugnante, ora Recorrido, foi materializado no valor das prestações de serviços de execução de obras de reparação em apartamentos da sociedade I............ SA em arrendamento na Rua …………. e na Rua ………….

Tendo, portanto, as faturas das prestações de serviços efetuadas pela D............ sido emitidas à sociedade I............ SA , objeto de contabilização na conta 2211062 a crédito desta sociedade.

Dimanando, in fine, e por seu turno que os cheques emitidos pela sociedade I............ SA para pagamento das prestações de serviços efetuadas pela sociedade D............ serviram de pagamento, desta sociedade e do seu gerente, aos adiantamentos efetuados pelo Impugnante.

Daí resulta, portanto, que os visados cheques deram entrada na conta pessoal do impugnante visando o pagamento dos adiantamentos suprarreferidos, no montante de €26.223,02, não assumindo, por conseguinte, a natureza de remuneração acessória, donde subsunção normativa e tributação enquanto rendimento de trabalho dependente.

De relevar, a final, que, in casu, a única questão em contenda reside na concreta qualificação dos rendimentos como remunerações acessórias, em nada competindo tecer quaisquer dilucidações laterais sobre adequação do procedimento do adiantamento, formas alternativas de corporizar o fluxo financeiro, e inerente contabilização. E o certo é que, face a todo o expendido anteriormente, as mesmas não podem assumir a qualificação como remuneração acessória, donde subsunção na Categoria A.

E por assim ser, tendo sido este o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é visada.

Face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede, na íntegra, o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E manter A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 26 de junho de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(maria da Luz Cardoso)

(Rui A.S. Ferreira)
(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(2) Henrique Araújo “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
(3) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(4) IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, página 67.