Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1077/12.IBESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 03/12/2025 |
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Relator: | MARGARIDA REIS |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA ART. 59.º, N.º 6 DO CPPT IRS MAIS VALIAS N.º 2 DO ART. 10.º DO CIRS |
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Sumário: | I - Não se preenchem os requisitos previstos no n.º 6 do art. 59.º do CPPT por ter sido interposta reclamação administrativa tendo por objeto uma (segunda) liquidação de IRS decorrente da apresentação de uma declaração de substituição, se a Administração fiscal determina o arquivamento da reclamação graciosa interposta contra a primeira liquidação, sustentada no entendimento de que a primeira liquidação teria sido substituída pela segunda liquidação. II - Sendo a Lei n.º 15/2010, de 26 de julho omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo por não conter qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “[a] presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, há que aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12.º da LGT, concluindo-se, deste modo, que as mais-valias produzidas antes de 27 de julho de 2010 – data da entrada em vigor da Lei 15/2010 – no caso em apreço, com a alienação de ações, continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no n.º 2 do art. 10.º do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010 de 26 de julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. Relatório A Fazenda Pública, inconformado com a sentença proferida em 2019-12-02 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial interposta por C… e M…, tendo por objeto a liquidação IRS n.º 2012.5004494432 respeitante ao exercício de 2010 no valor de EUR 18.884,97, vem dela interpor o presente recurso. A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: Conclusões I – Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 02-12-2019, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por C… (e Outros), NIF 1…, contra o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2010, já devidamente identificado nos autos, no valor de € 18.884,97 (dezoito mil, oitocentos e oitenta e quatro euros e noventa e sete cêntimos). II – Perscrutada a Sentença recorrida, constatamos que o Douto Tribunal a quo postulou, em primeiro lugar, que não se verificou qualquer violação ao disposto no n.º 6 do artigo 59.º do CPPT, pois que da apresentação da declaração de substituição não resultou a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, e, depois, que o facto tributário gerador da mais-valia ora em apreço é instantâneo, autónomo e completo, pelo que a mesma, realizando-se em 02.07.2010, isto é, antes da revogação do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, se encontra abrangida pela exclusão de tributação prevista nesta disposição legal. III – Ora, quanto à violação do disposto no n.º 6 do artigo 59.º do CPPT, na situação ora em apreço, emergiram duas liquidações: uma emitida em 02-07-2011, da qual reclamaram graciosamente, e outra, proveniente de declaração de substituição, emitida em 23-06-2012, que foi impugnada judicialmente. Porém, quando foi interposta a presente impugnação judicial, há muito se encontrava precludido o prazo legal previsto para o efeito. IV – Com especial importância para o que ora nos ocupa e sem que tenha merecido qualquer valoração na Sentença recorrida, no âmbito da reclamação graciosa apresentada pelos Impugnantes contra a primeira liquidação, e por ofício n.º 4459, de 06-06-2012, foram os Impugnantes notificados do respectivo projecto decisão, o qual manifestava a intenção de indeferir a pretensão daqueles com base na extemporaneidade do pedido e, para, querendo, exercerem o respectivo direito de audição, cfr. fls. 90 do procedimento de reclamação graciosa apenso, o que deve ser aditado ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT. V – O mesmo é dizer que, quando os Impugnantes submeteram a declaração de substituição de IRS para o ano de 2010, já tinha tomado conhecimento do projecto de indeferimento da reclamação graciosa que tinha apresentado anteriormente. VI – Da mesma forma, da perscrutação realizada, verifica-se que as divergências entre as declarações constantes das alíneas B) e E) do probatório recai apenas sobre os valores de realização inscritos nos campos 801 e 802 do anexo G, referente à alienação das participações sociais, por valores substancialmente superiores aos inicialmente declarados, apurando-se uma mais-valia e colecta superiores, no montante de € 100.995,00 e € 20.199,00, respectivamente, o que deve ser aditado ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT. VII – Portanto, a apresentação da declaração de substituição em causa, operando automática e necessariamente a emissão de segunda liquidação, provocou, de forma inadmissível, a ampliação do prazo de impugnação, permitindo aos Impugnantes, nessa sede, discutir a causa exactamente com os mesmos factos e fundamentos que foram utilizados em sede de reclamação graciosa da primeira liquidação. VIII – Tendo em atenção que a apresentação das declarações de substituição não permite que sejam alterados os prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, cfr. Acórdão do STA de 20-09-2017, proc. n.º 01217/16, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, e verificando-se que a presente impugnação judicial foi interposta em 02-10-2012, cfr. alínea I) do probatório, facilmente se conclui que já se encontra precludido o direito dos Impugnantes impugnar judicialmente a primeira liquidação efectuada. IX – Contrariamente ao que foi postulado na Sentença recorrida, encontramo-nos perante uma actuação que desvirtua a “ratio legis” do n.º 6 do artigo 59 e do artigo 102.º, ambos do CPPT, ampliando-se, de forma intolerável e ilegal, os prazos de defesa, mediante a apresentação de declarações de substituição, das quais resultam actos de liquidação sobre os quais se pretende ver discutido os mesmos factos, causas de pedir e pedidos idênticos aos da liquidação originária, mas que relativamente aos mesmos já não seria possível lançar mão do correspondente meio de defesa, por extemporaneidade, apesar de terem sidos inteiramente colocados ao alcance dos contribuintes, o que origina a total improcedência da presente impugnação e que os Venerandos Desembargadores, muito Doutamente, não deixarão de suprir. Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, X – É consabido que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, veio proceder à introdução de uma novo regime de tributação das mais-valias mobiliárias, alterando, por um lado, a taxa prevista no n.º 4 do artigo 72.º do Código do CIRS e, por outro, revogando os n.ºs 2 e 4 do artigo 10.º do mesmo diploma legal, extinguindo a exclusão tributária vigente até então, referente às mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas pelos seus titulares por período superior a 12 meses. XI – Na esteira do entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 399/2010, de 27-10-2010, o IRS caracteriza-se por ser um imposto directo e periódico que tributa os rendimentos obtidos pelas pessoas singulares. Este importo, apesar de compartimentado por categorias ou tipos de rendimentos, assenta em factos tributários de formação sucessiva ou complexos, que apenas se estabilizam no término do ano fiscal, em 31 de Dezembro de cada ano. XII – Como decorre efectivamente do n.º 4 do artigo 72.º e do n.º 1 do artigo 43.º, ambos do Código do IRS, o facto tributário é constituído pelo eventual saldo positivo que se apure no final de cada ano e não por cada uma das operações efectuadas ao longo do mesmo ano que proporcionam mais-valias, já que estas, só por si, não geram qualquer obrigação de imposto, apenas surgindo eventualmente um facto tributário, no final do ano, se a soma de todas as mais-valias obtidas exceder a soma das menos-valias. XIII – E assim, apenas depois de apurado esse saldo, é que se encontra o rendimento tributável e só então será possível saber se há ou não tributação (recorda-se, aliás, que os primeiros €500,00 de saldo positivo de mais-valias não são tributados em IRS para os residentes, i.e., só no final do ano se completa ou torna perfeito o facto tributário correspondente. XIV – Logo, não basta dizermos, como faz o Douto Tribunal a quo, que a mais-valia foi obtida com a venda das acções em 02-07-2010, porque, para além disso, é sempre necessário verificar outras mais ou menos-valias que possam concorrer para o apuramento do saldo positivo objecto de tributação. Ou seja, cada mais-valia realizada será, se assim quisermos, análoga, a um salário e não a uma despesa sujeita a tributação autónoma, o que resulta da circunstância de ser tributado o saldo das mais e menos valias, e nunca cada uma das mais-valias individualmente realizadas e desligadas das restantes variações patrimoniais do mesmo género. XV – E tudo isto fica ainda mais evidenciado pela existência da opção pelo englobamento. Nesta circunstância, optando o sujeito passivo de imposto pelo englobamento do rendimento proveniente das mais-valias com o restante rendimento auferido e sujeito a IRS, não se compreenderia como é que o rendimento dos salários auferidos no início do ano estaria sujeito à taxa agravada a meio do mesmo, enquanto que as mais-valias englobadas com aqueles escapariam à “retrospectividade” daquela taxa e da delimitação da base tributável. XVI – Destarte, a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, ao revogar o n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, regula a formação de um facto tributário relativo ao ano de 2010 que é constituído pelo saldo entre mais-valias e menos-valias com tributação autónoma, antes de ele ocorrer, pois só se apura no final desse ano. XVII – E, sendo o facto tributário subjacente à tributação das mais-valias ora em apreço, caracterizado com um facto continuado, tal levaria, em princípio, à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT, contudo a interpretação excessivamente literal e descontextualizada desta norma, porém, conduziria à inaplicabilidade no caso em apreço, do regime trazido pela disposição revogatória em causa, uma vez que o mesmo só se aplicaria a situações ocorridas após a sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010) e não já a factos anteriores àquela. XVIII – Pois que, devidamente interpretado o regime legal da tributação das mais-valias resultante da entrada em vigor das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, conclui-se pela intencionalidade deste tributar o saldo resultante da totalidade das mais e menos valias realizadas no período de tributação em curso na data da entrada em vigor daquela lei. XIX – Razão pela qual se deve apelar, aqui, ao critério da especialidade, no sentido de que o regime previsto no Código do IRS é especial em relação ao regime da LGT, pelo que haverá de afastar a aplicação do n.º 2 do artigo 12.º da LGT e aplicar a regra constante do n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS, segundo a qual “[o] valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”, considerando-se o período de tributação desde o seu início e na sua integralidade. XX – Conclui-se, assim, que, se o faco tributário complexo apenas se formou no final do ano de 2010, e encontrando-se em vigor a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, desde o dia 27 de Julho, não se verifica qualquer violação ao disposto no artigo 12.º da LGT. XXI – Pois que, contrariamente ao que foi postulado na Sentença recorrida e na esteira do entendimento vertido no Acórdão do TC n.º 399/2010, de 27-10-2010, não são as mais-valias realizadas individualmente em cada uma dessas operações, mas o saldo positivo verificado, no final de 2010, entre as mais-valias e as menos-valias realizadas durante esse mesmo ano. XXII – Por último, e mantendo-se a liquidação correcta nos seus pressupostos, inexiste, nessa medida, erro imputável aos serviços que determine o pagamento dos juros indemnizatórios, pelo que não se verificam os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, não assistindo aos Impugnantes o direito a juros indemnizatórios. XXIII – Com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais. Termina pedindo: Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, substituindo-se por acórdão que julgue os presentes autos totalmente improcedentes, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada justiça! *** Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais concluem como se segue: Conclusões: A. Quanto à alegada violação do disposto no n.º 6 do artigo 59.º do CPPT, com o mui respeito, tal invocação consubstancia um expediente meramente dilatório, sendo totalmente falso o alegado no artigo 5 das alegações da Recorrente, pois o ofício n.º 4459, datado de 06.06.2012 apenas foi rececionado pelos Recorridos no dia 12.06.2016. B. Não resultou da entrega de declaração de substituição a ampliação de quaisquer prazos, uma vez que a liquidação n.º 201154614403 havia sido, anterior e tempestivamente, objeto de Reclamação Graciosa, ainda não havendo sequer decisão à data da entrega da declaração de substituição, a qual seria sempre passível de Impugnação Judicial. C. Tanto mais que a reclamação graciosa foi arquivada em virtude de ter sido substituída por nova liquidação, pelo que, caso a AT considerasse que as liquidações eram estanques e cujos fundamentos em sede de reclamação/impugnação invocados não ser aplicados a ambas as liquidações, devia ter decidido a reclamação graciosa e não determinado o seu arquivamento. D. Visam assim os presentes autos, saber se, no caso concreto, às mais-valias obtidas em 2010, mediante ato de disposição realizado antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2010 de 26/07, é ou não aplicável o regime instituído por tal diploma legal, o qual através do seu n.º 2 veio a revogar o disposto na al. a), do n.º 2, do artigo 10 do CIRS. E. O Tribunal a quo, e bem, no entender dos Recorridos, mais não fez do que perfilhar o entendimento dos Tribunais Superiores, dado que, sobre a matéria dos presentes autos, já o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão uniformizador de jurisprudência, colocando assim um fim à querela que se arrastou desde 2010, conforme se pode verificar pela análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2017. F. O referido Acórdão Uniformizador é expresso ao decidir que: “Uniformiza/confirma a jurisprudência do STA, nos seguintes termos: I - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho apenas podem aplicar-se aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 - art. 5.º da Lei n.º 15/2010). II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC)”. G. Assim, as alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho apenas podem aplicar-se aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 - art. 5.º da Lei n.º 15/2010). H. Ora se a alienação das acções ocorreu no dia 2 de Julho de 2010, e as mesmas foram adquiridas em Setembro de 2004 e Novembro de 2007 sendo que, na data da alienação, ainda não havia entrado em vigor a Lei nº 15/2010, de 26/7, não deveriam ter sido tributadas tais mais-valias. I. Decorre do disposto no n.º 1 dos artigos 12.º da Lei Geral Tributária e do Código Civil, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor, sendo ilegal, senão mesmo inconstitucional, a sua aplicação a factos tributários anteriores a essa data. J. No caso da tributação das mais-valias estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria coletável ser apurada anualmente. K. Analisando a própria Lei n.º 15/2010, verifica-se que a mesma é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo. L. Assim, tendo o legislador optado por não disciplinar essa matéria, limitando-se a determinar a data da entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação, sem estabelecer qualquer norma que permitisse a sua aplicação a um período tributário anterior, impõe-se, necessariamente, aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12.º da LGT. M. Razão por que consideramos que a lei aplicável é a vigente na data da ocorrência do facto tributário instantâneo gerador. N. E não há, no caso, qualquer dificuldade em situar esse facto no tempo, dado que a alienação é datada de 02/07/2010. O. Conclui-se, assim, que a aplicação da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho efectuada pela A.T na liquidação sindicada, foi realizada, em violação do disposto no artigo 12.º n.º 1 ou n.º 2 da LGT, pelo que a mesma enferma de erro sobre os pressupostos de direito, devendo ser anulada na parte sindicada. P. Encontrando-se, preenchidos os requisitos fixados no citado artigo 43.º da LGT, acima mencionados, para a tributação de juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo, são devidos pela Fazenda Pública, aos ora Recorridos, juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago, contados desde a data desse pagamento até à data do processamento da respectiva nota de crédito, à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT – art. 100.º da LGT e 61.º n.º 5 do CPPT. Q. Deve assim manter-se a decisão recorrida. Termina pedindo: Nestes termos, nos melhores de direito e nos demais que V/Exas. mui doutamente proferirão, deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se na íntegra a decisão recorrida que não merece, pois, qualquer censura, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA! *** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente, por não ter fixado todos os factos pertinentes para a decisão a proferir e por nela se fazer uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto no n.º 6 do art. 59.º do CPPT e do âmbito da revogação do n.º 2 do art. 10.º do CIRS efetuado pelo DL 15/2010. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: III – FUNDAMENTAÇÃO III.1. De facto Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito: A. A 02.07.2010 pelo impugnante foram vendidas acções do capital social da sociedade D… – Consultores, S.A., nipc 502317175, correspondente a 4,40% do capital social [cf. cópia do contrato de compra e venda de acção a fls. 28 a 58 dos autos]. B. A 30.05.2011 pelos impugnantes foi apresentada declaração modelo 3 de IRS, referente ao exercício de 2010, contendo os anexos A, B, F, G e H, tendo resultado na emissão da liquidação de IRS n.º 2011.5004614403, de 02.07.2011, no valor a pagar de €5.862,31, que teve data limite de pagamento a 30.09.2011 [cf. cópia da declaração de rendimentos de modelo 3 de IRS a fls. 66 a 70 do PAT em apenso, e cópia da liquidação a fls. 22 do processo de reclamação em apenso]. C. A 30.09.2011 foi pago o montante identificado no ponto anterior [cf. cópia do talão de multibanco a fls. 44 do processo de reclamação graciosa]. D. A 30.01.2012 os impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra o acto de liquidação identificado em B) supra [cf. fls. 2 do processo de reclamação em apenso]. E. A 07.05.2012 pelos impugnantes foi apresentada declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente ao exercício de 2010, contendo os anexos A, B, F, G e H [cf. cópia da declaração de rendimentos de modelo 3 de IRS a fls. 19 a 27 dos autos e fls. 71 a 75 do PAT em apenso]. F. No anexo G da declaração identificada no ponto anterior foi pelos impugnantes declarado no quadro 8, referente a alienação onerosa de partes sociais e outros valores imobiliários, a alienação por parte do impugnante no mês de Julho de 2010, de acções adquiridas em Setembro de 2004 pelo valor de €10.809,00 vendidas pelo valor de €111.169,53; e de acções adquiridas em Novembro de 2007 pelo valor de €1.030,00 vendidas pelo valor de €10.592,47 [cf. cópia da declaração de rendimentos de modelo 3 de IRS – anexo G a fls. 25 dos autos e fls. 71 a 75 do PAT em apenso]. G. A 23.06.2012 foi emitida a liquidação adicional n.º 2012.5004494432, no montante de €18.884,97, bem como a liquidação de juros compensatórios n.º 2012.1492552, que deram origem à emissão da demonstração de acerto de contas n.º 2012.6328560, de 02.07.2012, no montante de €12.628,76, que teve data limite de pagamento a 08.08.2012 [cf. cópia da demonstração de acerto de contas a fls. 18, 59 e 60 dos autos e fls. 75 a 79 do PAT em apenso]. H. A 10.08.2012 foi pago o montante identificado no ponto anterior [cf. cópia da comprovativo de operação de pagamento a fls. 60 dos autos e fls. 64 do PAT em apenso]. I. A presente impugnação judicial foi remetida via sitaf em 02.10.2012 [cf. fls. 2 dos autos]. J. Por despacho de 16.10.2012, da Chefe do Serviço de Finanças de Amadora 3, foi determinado o arquivamento do processo de reclamação graciosa identificada em D) supra, em virtude da liquidação impugnada – identificada em B) ter sido substituída pela liquidação identificada em G) supra [cf. cópia da decisão fls. 106 e 107 do processo de reclamação graciosa em apenso]. * Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir. * II.2. Fundamentação de Direito Começa a Recorrente por imputar erro de julgamento de facto à sentença sob recurso, alegando para tanto que para a correta apreciação da questão de saber se foi ou não violado o disposto no n.º 6 do art. 59.º do CPPT, se deveria ali ter feito constar, de entre os factos provados, que “no âmbito da reclamação graciosa apresentada pelos Impugnantes contra a primeira liquidação, e por ofício n.º 4459, de 06-06-2012, foram os Impugnantes notificados do respectivo projecto decisão, o qual manifestava a intenção de indeferir a pretensão daqueles com base na extemporaneidade do pedido e, para, querendo, exercerem o respectivo direito de audição, cfr. fls. 90 do procedimento de reclamação graciosa apenso”, e que “as divergências entre as declarações constantes das alíneas B) e E) do probatório recai apenas sobre os valores de realização inscritos nos campos 801 e 802 do anexo G, referente à alienação das participações sociais, por valores substancialmente superiores aos inicialmente declarados, apurando-se uma mais-valia e colecta superiores, no montante de € 100.995,00 e € 20.199,00, respectivamente” (cf., respetivamente, pontos IV e VI, das conclusões de recurso). Sucede, no entanto, que ao contrário do que alega, o primeiro facto que alega é totalmente irrelevante para a apreciação da questão em apreço, como melhor se verá adiante, e a segunda afirmação que pretende que seja aditada à fundamentação de facto é marcadamente conclusiva, não constituindo qualquer facto, mas uma conclusão, motivo pelo qual o seu recurso deve ser julgado improcedente neste extrato, não padecendo a decisão recorrida de qualquer erro de julgamento de facto. Vejamos então. Alega a Recorrente, e em síntese, que foi violado o disposto no n.º 6 do art. 59.º do CPPT, norma na qual se dispunha, então como agora, que “Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas”, e que ao não reconhecer tal violação a sentença erra no julgamento de direito que faz. Não tem, no entanto, razão. Com efeito, e perante a liquidação com a qual não se conformam, dispunham os Recorridos da possibilidade de reclamarem administrativamente da mesma, ou, ainda, dela interporem pedido de revisão oficiosa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 78.º da LGT. Do indeferimento das decisões proferidas em qualquer um destes meios de reação administrativa, tinham ainda a possibilidade de recorrer contenciosamente, através da impugnação judicial. Ora, o que resulta da factualidade provada é que a Administração fiscal entendeu em 16 de outubro de 2010 proceder ao arquivamento da reclamação graciosa que interpuseram, por terem considerado que a primeira liquidação teria sido substituída pela segunda liquidação (cf. ponto j, da fundamentação de facto). Tal arquivamento equivale, para todos os efeitos, a uma não decisão da reclamação administrativa, pelo que, desde logo, considerar que nesta circunstância se preenchem os requisitos do n.º 6 do art. 59.º do CPPT, corresponderia a deixar os Recorridos numa situação de indefesa intolerável. Com efeito, e a ser assim, bastaria que sempre fosse apresentada uma declaração de substituição na pendência de uma reclamação administrativa a Administração tributária arquivasse a reclamação, com fundamento na substituição da primeira pela segunda liquidação, para que os contribuintes ficassem sistematicamente privados do seu direito à tutela contenciosa. Nem se argumente que a reclamação graciosa interposta foi intempestivamente interposta, como parece pretender a Recorrente com a alegação constante no ponto IV das suas conclusões de recurso, pois, e atendendo a que os aqui Recorrentes sempre disporiam do direito de interpor pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do art. 78.º da LGT, sempre caberia à Administração tributária a obrigação de promover a convolação da reclamação em revisão oficiosa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 52.º da LGT. Tanto é quanto basta para que se conclua que não se verifica no caso qualquer violação do disposto no n.º 6 do art. 59.º do CPPT, não se verificando no caso em apreço qualquer ampliação indevida do prazo de impugnação judicial. Mais alega a Recorrente, e em síntese, que a sentença fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do âmbito da revogação do n.º 2 do art. 10.º do CIRS efetuado pelo DL 15/2010, que entende regular a formação de um facto tributário relativo ao ano de 2010, que apenas se poderia apurar no final desse ano. Também quanto a esta questão a Recorrente não tem razão. De facto, e como resulta de jurisprudência constante e consolidada dos nossos tribunais superiores, na qual nos revemos integralmente e sem qualquer reserva, atendendo a que o Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação – cf art. 10.º, n.º 1, al. b), e n.ºs 3 e 4 -, sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido –, as mais-valias não podem deixar de se reportar a cada ganho de per si, pelo que o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (cf. neste sentido os Acórdão proferidos pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA em 2015-09-16, no proc. 01504/14, em 2015-09-16, no proc. 01292/14, em 2016-05-18, no proc. 0784/15, em 2017-06-07, no proc. 01471/14, e ainda os Acórdão proferidos pelo STA em 2019-02-20, no proc. 0244/11.0BELRS, em 2019-12-11, no proc. 0514/12.0BESNT 0909/16, em 2021-07-13, no proc. 02496/15.7BESNT, e em 2021-12-09, no proc. 01313/16.5BEPRT, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Assim sendo, e ainda na esteira da citada jurisprudência, sendo a Lei n.º 15/2010, de 26 de julho omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo por não conter qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “[a] presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, há que aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12.º da LGT, concluindo-se, deste modo, que as mais-valias produzidas antes de 27 de julho de 2010 – data da entrada em vigor da Lei 15/2010 – no caso em apreço, com a alienação de ações, continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no n.º 2 do art. 10.º do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010 de 26 de julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias. Ora, e tendo o facto tributário aqui em causa ocorrido em 2 de julho de 2010 – data em que foram vendidas as ações referentes ao capital social da sociedade DIGISIS - Consultores, S.A., no correspondente a 4,40% do capital social (cf. ponto 1, da fundamentação de facto), tanto é quanto basta para que se conclua que ao mesmo, por ter ocorrido antes de 27 de julho de 2010, não era aplicável a revogação do n.º 2 do art. 10.º do CIRS resultante do disposto no art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, antes lhe sendo aplicado o regime de não sujeição previsto naquela norma. Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente. *** Atento o decaimento do Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. Não se preenchem os requisitos previstos no n.º 6 do art. 59.º do CPPT por ter sido interposta reclamação administrativa tendo por objeto uma (segunda) liquidação de IRS decorrente da apresentação de uma declaração de substituição, se a Administração fiscal determina o arquivamento da reclamação graciosa interposta contra a primeira liquidação, sustentada no entendimento de que a primeira liquidação teria sido substituída pela segunda liquidação. II. Sendo a Lei n.º 15/2010, de 26 de julho omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo por não conter qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “[a] presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, há que aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12.º da LGT, concluindo-se, deste modo, que as mais-valias produzidas antes de 27 de julho de 2010 – data da entrada em vigor da Lei 15/2010 – no caso em apreço, com a alienação de ações, continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no n.º 2 do art. 10.º do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010 de 26 de julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 12 março de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Patrícia Manuel Pires – Tiago Brandão de Pinho (em substituição). |