Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3785/22.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/14/2024
Relator:PAULA FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA
ART.º 70.º, N.º 2, AL.S E) E F) DO CCP- VINCULAÇÕES LEGAIS
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO- SUBSÍDIO DE CHEFE DE GRUPO
BAD PAST PERFORMANCE
MECANISMO DE SELF CLEANING
Sumário:I. Hodiernamente, seja em termos de controlo das vinculações legais e regulamentares de natureza laboral e social, seja em termos de enquadramento na figura do “preço anormalmente baixo”, exige-se que o preço de uma proposta apresentada seja apto a cobrir os custos mínimos necessários à execução do contrato, ainda para mais, no setor da prestação dos serviços de segurança e vigilância privada, como decorre da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, alterada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, especialmente, do seu art.º 5.º-A.
II. Assim, configura um dever das entidades adjudicantes proceder, precisamente, ao controlo e fiscalização da suficiência do preço proposto face ao custo real da execução do contrato concursado, fiscalização essa que pressupõe, sendo caso disso, a análise microscópica do preço proposto- que pode envolver a decomposição do preço global da proposta nos diversos preços parcelares ou unitários e a sua comparação com ditames normativos quanto a limites mínimos de custo-, bem como a análise macroscópica do preço final proposto.
III. A ratio essendi deste dever de fiscalização dimana de diretrizes europeias e nacionais, em atenção à especificidade da atividade de segurança privada.
IV. Não obstante a Recorrida não ser associada da AES- Associação de Empresas de Segurança, às relações laborais que a dita Recorrida empreende com os seus trabalhadores é, ainda assim, de aplicar o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a referida AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços- FETESE, em virtude das sucessivas Portarias de Extensão (v.g. Portaria de Extensão n.º 186/2020, de 6 de agosto, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 152, de 6 de agosto de 2020; Portaria de Extensão n.º 153/2021, de 16 de julho, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 137, de 16 de julho de 2021; Portaria de Extensão n.º 130/2023, de 15 de maio, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 93, de 15 de maio de 2023; Portaria de Extensão n.º 192/2024/1, de 27 de agosto, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 165, de 27 de agosto de 2024) ou o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a referida AES e o STAD- Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas, em virtude das sucessivas Portarias de Extensão (v.g. Portaria de Extensão n.º 152/2021, de 16 de julho, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 137, de 16 de julho de 2021; Portaria de Extensão n.º 196/2022, de 26 de julho, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 143, de 26 de julho de 2022; Portaria de Extensão n.º 193/2024/1, de 27 de agosto, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 165, de 27 de agosto de 2024).
V. Esclarecida a aplicação do regime dos CCT às relações laborais que a Recorrida enceta com os seus trabalhadores, importa, em seguida, apurar se as peças do presente procedimento pré-contratual, mormente, o caderno de encargos (doravante, somente CE) estipulam a existência de Chefe de Grupo, ou se a execução das prestações contratuais atinentes ao contrato concursado supõe a existência de vigilante(s) que desempenhe as funções de Chefe de Grupo.
VI. Examinadas as exigências vertidas nas cláusulas 1.ª, 4.ª, 25.ª, 27.ª e 28.ª, n.º 4 do CE, resulta apodítico que a prestação dos serviços de vigilância e segurança concursados no vertente procedimento supõe a existência de vigilantes a exercer as funções de Chefe de Grupo, sendo certo que a própria Recorrida indica como sendo 4 o número total de vigilantes a desempenhar funções de Chefe de Grupo.
VII. Sendo assim, apresenta-se indubitável que a prestação dos serviços concursados no presente procedimento implica a existência da função de Chefe de Grupo.
VIII. O subsídio de função de Chefe de Grupo não é devido por ser inerente a uma categoria profissional, mas sim para compensar o trabalhador pelo exercício de um tipo específico de tarefas ou função enquanto as mesmas subsistirem. O que quer dizer que, cessando o exercício da função, deixa de ser devido o subsídio inerente a tal.
IX. De resto, não é estranho que, na prestação dos serviços de vigilância e segurança um vigilante possa exercer as ditas funções de Chefe de Grupo num determinado local de trabalho e, alterado esse local, cesse o exercício daquelas funções porque, por exemplo, passou a exercer funções num local onde não existem outros vigilantes, ou existindo, o seu número é inferior a cinco.
X. Do que vem de se dizer resulta, então, que o pagamento do aludido subsídio está dependente do exercício efetivo daquela tarefa ou função de Chefe de Grupo, não constituindo uma contrapartida pelo trabalho de vigilante prestado.
XI. E, por assim ser, o subsídio devido pelo exercício da função de Chefe de Grupo não integra a retribuição mensal devida ao vigilante, conformemente ao que decorre dos art.ºs 258.º e 260.º do Código do Trabalho, e que o art.º 32.º de ambos os CCT não contrariam.
XII. Assente que o subsídio de função de Chefe de Grupo não integra a retribuição e não deve, por isso, ser incluído nos subsídios de férias e de Natal, assoma cristalino concluir que o pagamento do sobredito subsídio só é devido com a retribuição mensal, o que perfaz 12 meses.
XIII. O que significa que a previsão do custo adveniente do pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo foi realizada corretamente pela Recorrida, o que conduz à inevitável conclusão de que, pelo menos nesta matéria, a mencionada Recorrida cumpriu as vinculações legais e regulamentares em matéria laboral que incidia sobre o contrato de prestação de serviços concursado.
XIV. E, por esse motivo, não ocorre violação da al. f) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP, não merecendo a proposta da Recorrida a exclusão do procedimento.
XV. A Recorrente insiste que a proposta da Recorrida detém um preço anormalmente baixo, porque não se apresenta credível que os demais custos que enformam a estrutura do preço da proposta ascendam, somente, a 617,89 Euros, principalmente, quando tomando em atenção o valor do prémio anual do seguro pago pela mesma Recorrida, consonantemente com o que decorre dos pontos E, M e N do probatório.
XVI. Mas esta posição não pode merecer acoito por este Tribunal de Apelação. Por três razões:
XVII. Primeira, porque o valor total dos custos não diretos não é de 617,89 Euros, mas sim 774,32, uma vez que, além dos custos com seguros, “provisões de férias e subsídio ano seguinte”, “recrutamento, formação e estágio”, “formação em SBC-DAE”, “absentismo pago, uniforme”, “material e equipamentos técnicos”, “central de controlo e controlo operacional”, “viatura” e “medicina do trabalho”, a Recorrida também acrescentou o “custo de estrutura” no montante de 10,00 Euros, a “margem comercial” no montante de 2,16 Euros e os “aumentos salariais previstos para 2023, 2024 e 2025” no montante de 144,27 Euros.
XVIII. Segunda, porque os valores vindos de indicar referem-se a custos mensais, o que significa que aqueles custos perfazem, anualmente, o montante de 9.291,96 Euros, ascendendo a um valor global previsto de 27.875,88 Euros para 36 meses de duração do contrato. Não está em causa, portanto, um valor despiciendo ou que se apresente como irrazoavelmente baixo.
XIX. Terceira, porque, relativamente ao custo decorrente do pagamento do prémio anual de seguro, olvida a Recorrente que o custo atinente ao prémio anual do seguro deve repercutir-se pela globalidade dos contratos em execução celebrados pela Recorrida, o que é suscetível de diminuir grandemente o custo imputável a cada um dos contratos. Sendo certo que, na verdade, nada impede que o custo respeitante ao prémio anual do seguro pago pela Recorrida possa ser acrescidamente imputado a determinados contratos, em razão de uma estrutura de composição do preço do contrato realizada desse modo.
XX. Seja como for, é razoável supor que a Recorrida tenha em execução várias dezenas de contratos, considerando, por um lado, o valor do prémio anual do seguro e, por outro lado, que tem cerca de 1.800 trabalhadores, conforme consta da declaração apresentada na proposta para efeitos de demonstração da sua idoneidade, em virtude do disposto no art.º 55.º, n.º 1, al. i) do CCP (cfr. ponto E.1 do probatório). O que acarreta que não se mostre claro ou razoavelmente certo de que o custo respeitante ao prémio anual do seguro imputado ao contrato concursado ascenda ao montante que a Recorrente calcula- 352,67 Euros mensais, 204,02 Euros mensais.
XXI. Do expendido antecedentemente deriva, logicamente, que não se encontra minimamente demonstrado- nem se apresenta credível- que o preço da proposta da Recorrida seja insuficiente para cobrir os custos diretos em matéria laboral e social inerentes à execução do contrato concursado, nem que seja insuficiente para satisfazer os demais custos expectavelmente envolvidos na execução do mesmo contrato.
XXII. A Diretiva 2014/24/EU, no seu art.º 57.º, n.ºs 5, 6 e 7, nada estipula quanto ao momento em que deve ser declarada ou reconhecida a existência do impedimento- mormente, o descrito na al. g) do n.º 4 do mesmo preceito-, bem assim como nada estabelece quanto ao momento em que deve ser solicitado ou espoletado o mecanismo de relevação daquele mesmo impedimento.
XXIII. O que quer significar que, na economia da Diretiva, a invocação e prova das medidas de self cleaning tanto pode suceder por iniciativa dos próprios operadores económicos como pode ser desencadeada pela entidade adjudicante, do mesmo modo que tanto pode ser exercida no momento de apresentação da candidatura ou proposta, como numa fase posterior do procedimento, desde que em tempo útil, ou seja, em oportunidade que permita a reversão do projeto de decisão de adjudicação ou da própria decisão de adjudicação.
XXIV. O operador económico visado deve ter a possibilidade, antes de a entidade adjudicante tomar a decisão de exclusão, de invocar e de fazer examinar as medidas corretivas que, em seu entender, permitem remediar um motivo de exclusão que lhe diga respeito, podendo esperar e contar que a entidade adjudicante, em consideração do direito de defesa, possibilite efetivamente ao operador económico visado o debate sobre a existência do impedimento e da tomada de medidas corretivas adequadas antes da emissão da decisão de exclusão daquele operador do procedimento concursal.
XXV. Não basta a satisfação de uma das condições elencadas na segunda parte da norma inscrita na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º para que se dê por consumado o impedimento. É ainda necessário que a decisão sancionatória do contraente público tenha derivado diretamente de «deficiências significativas ou persistentes» na execução do contrato público por parte do cocontratante.
XXVI. Quer isto dizer que, a verificação do impedimento não decorre automaticamente da emissão, por parte do contraente público, de um ato sancionatório da atuação ilícita do cocontratante, ou seja, da atuação inadimplente deste, por tal se apresentar incompatível com o princípio da proporcionalidade e inviabilizar, de certo modo, a operatividade do mecanismo de self cleaning.
XXVII. Para se concluir pela subsistência do impedimento descrito na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP, cumpre, em primeiro lugar, averiguar que tipo de atuação assumiu o contraente inadimplente na execução do contrato, designadamente, se as falhas de execução identificadas respeitam a aspetos essenciais do contrato e se são de molde a amputar a relação de confiança entre o contraente público e o operador económico e afetar a fiabilidade deste. Cumpre, também, examinar os danos ou impactos que o interesse público sofreu na sequência da atuação do operador económico incumpridor, especialmente, no que tange à escala de gravidade.
XXVIII. Em
segundo lugar, se se concluir positivamente pela verificação do impedimento atinente ao mau desempenho contratual pretérito, impõe-se permitir ao operador económico em causa apresentar provas que demonstrem que as medidas corretivas por ele tomadas são suficientes para evitar a repetição da irregularidade que deu origem à sanção do contrato público anterior e que, por conseguinte, são suscetíveis de demonstrar a sua fiabilidade, apesar da existência de um motivo facultativo de exclusão pertinente.
XXIX. No caso versado, deve ter-se por demonstrado que as deficiências reveladas pela Recorrida na execução do contrato celebrado com a Carris não são significativas ou persistentes, ou, no mínimo, que os dados constantes dos presentes autos não permitem concluir que aquelas deficiências são significativas ou persistentes. Pelo que, não pode ter-se por verificada a existência do impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP no que se refere à Recorrida.
XXX. Mas ainda que, porventura, se alcançasse conclusão positiva quanto à ocorrência do impedimento atinente ao mau desempenho contratual pretérito, sempre se impõe, nos termos do disposto no art.º 55.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CCP, examinar o pedido de relevação formulado pela Recorrida, e que se encontra vertido no próprio DEUCP, bem como na declaração que junta na sua proposta (cfr. pontos E e E.1 do probatório).
XXXI. Ora, ante a explanação apresentada pela Recorrida, é de concluir que a adoção das enumeradas medidas de pessoal, organizativas e de certificação, apresentam-se idóneas, razoáveis e adequadas à minimização do risco identificado de incumprimento contratual, sendo aptas a restabelecer a fiabilidade da Recorrida e a confiança enquanto operador económico capaz de prestar os serviços de vigilância e segurança nos termos contratados.
XXXII. Estão, portanto, satisfeitos os condicionalismos elencados nos n.ºs 2 e 3 do art.º 55.º-A do CCP para a relevação do impedimento que recai sobre a Recorrida, acaso o mesmo se verificasse.
XXXIII. E, por isso, não ocorre o impedimento previsto no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP quanto à Recorrida, e ainda que porventura ocorresse, o mesmo deveria ser relevado, em harmonia com o disposto no art.º 55.º-A, n.ºs 2 e 3 do mesmo CCP.
Votação:Voto de vencido
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Subsecção de Contratos Públicos do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
A N... , Ld.ª (ora Recorrente) vem, na presente ação urgente de contencioso pré-contratual por si proposta contra a Universidade Nova de Lisboa- Faculdade de Ciências e Tecnologia e contra a contrainteressada C..... , Ld.ª (agora Recorridas), interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 24/05/2023, nos termos da qual a presente ação foi julgada improcedente, foi determinado o afastamento do efeito anulatório e determinada a redução da duração do contrato em 2 dias.
Com efeito, a Recorrente propôs a vertente ação urgente, peticionando a anulação do ato de adjudicação promanado em 02/12/2022- por meio do qual foi adjudicado à Recorrida C..... o contrato para prestação de serviços de vigilância e segurança-, bem como peticionando a anulação do contrato, caso o mesmo tenha já sido celebrado e a condenação da Recorrida Universidade a retomar o procedimento concursal «no momento anterior ao da prática do acto impugnado e a excluir a proposta da C..... , com a consequente adjudicação da proposta» da ora Recorrente.
Em 24/05/2023, e após várias vicissitudes, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu sentença, nos termos da qual exarou o dispositivo que se segue:
«i) Julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a R. e a Contrainteressada do pedido.
ii) Determino o afastamento do efeito anulatório do contrato previsto no artº 283º-A, nº 1, al. b), por aplicação do regime do art.º 283.º, n.º 4, do CCP, ex vi artº 283º-A, nº 3, do CCP.
iii) Determino a redução da duração do contrato em 2 dias, nos termos do artº 283º-A, nº 3, al. a), do CCP.»
Inconformada com o julgado, vem a Recorrente Noite e Dia interpor recurso jurisdicional dessa mesma sentença, culminando o seu recurso com as seguintes conclusões:
«Conclusões
A. O litígio apreciado pelo douto Tribunal a quo tem origem Concurso Público Internacional para Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança Privada lançado pelo Recorrido, para a “prestação de serviços de vigilância e segurança humana no Campus de Caparica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT NOVA)”, no âmbito do qual a proposta da Recorrente foi graduada em segundo lugar e a Recorrida adjudicou, através do Acto de Adjudicação praticado a 5 de Dezembro de 202214, a proposta da Contra-Interessada C..... .
B. Tendo o presente Recurso por objecto a Sentença de 24.05.2023, através da qual o Tribunal a quo julgou improcedente a acção, por entender, em suma, que não se verifica qualquer causa de exclusão da proposta da Contra-Interessada C..... , mormente, por não apresentar a mesma um preço anormalmente baixo, por não implicar qualquer violação de disposições legais ou regulamentares aplicáveis e por não se verificar o impedimento da C..... previsto no artigo 55.º, n.º 1, al. l) do CCP.
C. Não se pode concordar com a posição vertida na douta Sentença, porquanto a mesma padece de evidentes erros de julgamento, desde logo, na interpretação das normas legais e regulamentares aplicáveis, nas normas contidas no artigo 70.º, n.º 2, alíneas e), e f) do CCP, e artigo 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, tal como se demonstrará de seguida:
v.Impugnação da matéria de facto – da necessidade de inclusão na factualidade provada de factos provados e relevantes para a boa decisão da causa
D. Pese embora, se dê por provado, cfr. Facto E. da Matéria de Facto da Sentença recorrida que a C..... apresentou com a sua proposta uma Nota Justificativa de Peço Mensal com o valor de €211,75 atinentes aos Subsídios de Função de Chefe de Grupo (“52,00€X 3,29 Vig. Função Cefes de Grupo X 23,75% TSU”) não é, porém, indicado enquanto facto provado que tal valor apresentado pela C..... apenas inclui o pagamento de 12 meses de subsídio de função, atinentes aos Chefes de Grupo.
E. Tal facto - de a C..... ter apresentado na sua proposta apenas o valor atinente a 12 meses quanto ao subsídio de função dos Chefes de Grupo - resulta igualmente provado do próprio Relatório Final, cfr. Facto Provado I), no qual o Júri do procedimento afirma (sublinhados nossos):

“(texto integral no original; imagem)”
E ainda do 2.º Relatório Final, cfr. Facto Provado K) no qual o Júri volta novamente a afirmar (sublinhados nossos):
F. Facto que nunca foi impugnado ou desmentido ao longo do procedimento concursal ou no âmbito da presente acção pelas partes e deve, assim, dar-se por confessado.
G. Razão pela qual, impõe-se acrescentar o seguinte facto à matéria de facto provada:
Da proposta da C..... resulta que a mesma pagará apenas 12 meses de subsídio de função, atinentes aos Chefes de Grupo, tal como resulta da Nota Discriminativa de preços apresentada, e bem assim dos Relatórios do Júri, e que se tem por confessado, atento não ter sido impugnado.
vi.Do erro de julgamento na interpretação da norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alíneas e) e f) do CCP – Do preço anormalmente baixo e da violação de normas legais e regulamentares da Proposta da C..... :
H. Entende o douto Tribunal a quo que ainda que exista efectivamente uma violação por parte da proposta da C..... quanto à obrigação legal e regulamentar de efectuar o pagamento dos subsídios de função aos Chefes de Grupo, sendo insuficiente o pagamento de apenas 12 meses, tal não releva, para efeitos de considerar a proposta como apresentando um preço anormalmente baixo, cfr. previsto no artigo 70º, nº 2, al. e), do CCP, nem como causa de exclusão por violação de obrigações legais e regulamentares, cfr. previsto no artigo 70º, nº 2, al. f), do CCP.
I. Defendendo o Tribunal a quo que a existência de um preço anormalmente baixo ou a violação de normas legais e regulamentares deve ser feita por referência ao “preço global” da proposta:
“Nestes termos, mesmo a admitir-se, conforme defende a A., que para a rubrica “Subsídio de Função de Chefe de Grupo”, a Contrainteressada considerou um custo inferior ao que resulta da aplicação do Contrato Coletivo da AES, tal juízo, só por si, não permite concluir que o preço global apresentado 33 constitui uma proposta de preço anormalmente baixo, incapaz de garantir o cumprimento das prestações previstas no caderno de encargos. (…) Portanto, a eventual insuficiência do custo relativo à rubrica “Subsídio de Função de Chefe de Grupo”, para o cumprimento de normas laborais, apenas poderia constituir mero indício da invocada anomalia, que no caso não se mostra confirmada em termos globais. Improcede, por isso, a alegação da A., da verificação de uma causa de exclusão da proposta da Contrainteressada ao abrigo do disposto no artº 70º, nº 2, al. e), do CCP. Do mesmo modo, também a exclusão da proposta da Contrainteressada ao abrigo do disposto no artº 70º, nº 2, al. f), do CCP tem de improceder.”
(cf. pp. 33 e 34)
J. O Tribunal exime-se, deste modo, da apreciação das normas legal e regulamente aplicáveis ao caso, que versam sobre o pagamento dos subsídios de função dos Chefes de Grupo da C..... , afirmando, de modo genérico e vago, que tal pode indiciar, mas não é suficiente por ter de se considerar o preço global da proposta e não este valor parcelar.
K. O Tribunal a quo dá por provado, cfr. Facto Provado O) que “A Contrainteressada C..... não é associada da AES – Associação de empresas de segurança – consulta http://aesempresasdeseguranca.com/associados/.”, mas não aprecia se, afinal, será ou não suficiente, face às normas legais e regulamentares aplicáveis, o pagamento de apenas 12 meses de subsídio de função dos Chefes de Grupo, tal como apresentado pela proposta da C..... .
L. Ora, importa, desde já, esclarecer (o que foi omitido pelo Tribunal a quo) em que termos se aplica a convenção colectiva de trabalho, a que, de resto, o artigo 10.º, n.º 5, al. e) do Programa do Concurso (“PP”) manda respeitar, cfr. Facto Provado B).
M. Apesar de a Contrainteressada C..... não ser associada da AES, tal não significa que não esteja obrigada a respeitar os Contractos Colectivos de Trabalho da qual a AES faz parte e, em consequência em pagar o subsídio de função juntamente com os subsídios de férias e de Natal.
N. Todos os Contratos Colectivos de Trabalho em vigor para o sector (Contrato colectivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outro (“CCT AES FETESE); Contrato Colectivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD e outro (CCT AES 34 STAD) e Contrato Colectivo entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF e a ASSP - Associação Sindical da Segurança Privada (CCT AESIRF)), previam, cfr. artigo 1.º das Portarias de Extensão que:
4. As condições de trabalho constantes das alterações do contrato coletivo entre (…), são estendidas, no território do Continente: c) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à prestação de serviços de segurança privada e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;
O. As Portarias de Extensão vieram, nos termos dos artigos 514.º e seguintes do Código do Trabalho (“CT”), estender a aplicação dos CCT, como seja o CCT da AES STAD ou o CCT AES FETESE, dependendo daquele que se considere aplicável à C..... nos termos da alínea b) do n.º 1 artigo 483.º e dos n.º 2 a 4 do artigo 482.º do CT.
P. Estando a C..... obrigada a observar o CT, de onde decorre que as Portarias de Extensão estendem as cláusulas de instrumentos de regulamentação de trabalho negociais acima referidas às partes que não sejam outorgantes.
Q. Sob pena de a inobservância dos instrumentos de regulamentação colectiva consubstanciar a prática de uma contra-ordenação grave e uma contra-ordenação leve por cada trabalhador em relação ao qual se verifique a infracção (cfr. artigo 521.º,n.º 1 e 2 do CT).
R. Note-se que as Portarias de Extensão têm por último reduto conferir aos trabalhadores que desempenham determinada profissão as mesmas condições profissionais, tendo presente um princípio basilar das relações laborais “para trabalho igual, salário igual”, razão pela qual a redacção de todos os CCTs é igual quanto a este ponto.
S. Da cláusula 60.ª do CCT AES STAD e do CCT AES FETESE resulta que:

T. Daqui resulta que por cada grupo de 5 vigilantes, um deles terá de ser chefe de grupo e por cada Chefe de Grupo tem de ser pago um acréscimo mensal de €50,89, conforme resulta do anexo IV do CCT AES STAD e do anexo IV do CCT AES FETESE:

U. Da Cláusula 36.ª do CCT AES STAD e CCT AES FETESE resulta que este subsídio de função deve ser incluído na retribuição de férias e no respectivo subsídio:

V. O que se encontra em consonância com o estabelecido no artigo 264.º do CT que dita, quanto à retribuição do período de férias e subsídio o seguinte (sublinhados nossos):
“1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.”
W. Igualmente, quando ao subsídio de Natal, a Cláusula 35.ª dos Contratos Colectivos acima referidos , em conformidade com o artigo 263.º do CT dispõe que deve ser pago o montante igual à retribuição.
X. Ora, integram o conceito de retribuição, nos termos do artigo 258.º, n.º 1 e 2 do CT, os montantes que são pagos 12 vezes e que são contrapartida da prestação de trabalho, como é o caso do subsídio dos Chefes de Grupo.
Y. Por isso, quando no Anexo IV dos Contratos Colectivos de Trabalho acima referidos se afirma que os trabalhadores aí elencados, como os Chefes de Grupo, “terão os seguintes subsídios por mês”, tal não significa, como alega a Recorrida, que tais subsídios apenas sejam pagos por 12 meses.
Z. Devendo, ainda, tal subsídio ser incluído nos subsídios de férias e de Natal, sendo o legislador claro, quanto ao subsídio de férias, que o mesmo inclui a “retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho”.
AA. Aqui chegados, a conclusão só pode ser uma – a Contrainteressada C..... na sua proposta apresenta apenas 12 meses de pagamento de subsídio de função dos Chefes de Grupo, em notória violação das regras legais e regulamentares aplicáveis acima indicadas.
BB. Razão pela qual a proposta da C..... configura uma proposta não séria e incongruente, ao apresentar um preço que não representa a totalidade dos custos mínimos e obrigatórios a ter em conta na prestação de serviços de segurança privada e, em particular, para efeitos do contrato a celebrar na sequência do Concurso, configurando uma proposta com preço anormalmente baixo, cuja execução nos termos propostos determinará, forçosamente, que incorra em ilegalidades.
CC. Ao invés a Sentença recorrida defende (realces nossos):
Com efeito, a eventual circunstância da proposta da Contrainteressada C..... apresentar um preço inferior aos custos que decorrem da aplicação de uma série de vinculações legais, nomeadamente, um preço representativo de um custo inferior aos custos que decorreriam da aplicação de normas laborais ao caso concreto [in casu, as que decorrem de CCT], não induz, por si só, o incumprimento [durante a execução do contrato] de quaisquer obrigações legais e regulamentares, não se traduzindo, portanto, tal circunstância, numa obrigatoriedade de exclusão da proposta. Acresce que, não existindo qualquer norma específica no procedimento sub judice quanto à formação do preço proposto pelos concorrentes, mas antes, em resultado disso mesmo, e ao invés, uma liberdade de conformação ou fixação do preço, enquanto único aspeto da execução do contrato submetido à concorrência, não se poderá concluir que a proposta da Contrainteressada C..... , na eventualidade de não ter atendido – como alega a A. - na formação do preço, que o subsídio dos Chefes de Grupo deve ser incluído no respetivo subsídio de férias e de Natal, tal originará um futuro incumprimento das obrigações legais em matéria laboral que sobre si impendem.
(pp. 34 e 35 da Sentença)
DD. Salvo o devido respeito, não se pode acompanhar este entendimento, já que um incumprimento expresso numa proposta, de uma obrigação legal e regulamentar é, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, suficiente, para se considerar verificada a causa de exclusão prevista no artigo 70.º, n.º 1, al. f) do CCP, também prevista e aplicável por força das regras do procedimento, que previa expressamente como causa de exclusão o incumprimento do CCT aplicável, cfr. artigo 10.º, n.º 5, al. e) do PP.
EE. Ora, o pagamento de 14 meses de subsídio de função devidos aos Chefes de Grupo, configura um diferencial de menos €29,97/mês e um necessário acréscimo face ao valor proposto pela C..... , no total de €1.078,92, pelos 36 meses do prazo contratual, não configurando esta questão ou valor uma importância de somenos, já que a proposta da C..... deve incluir todos os custos mínimos legalmente exigíveis face à legislação laboral e CCT aplicável.
FF. Tanto mais, que, no presente concurso se exigiu, expressamente, como documento integrante da proposta, que as concorrentes apresentassem a sua Nota Justificativa do Preço Proposto, cfr. artigo 10.º, n.º 1, al. h), iv) do PP, através da qual as concorrentes discriminavam e decompunham os custos a suportar que sustentam a construção do preço proposto – resultando da Nota Justificativa da C..... que apenas pagará 12 meses de subsídios devidos aos Chefes de Grupo, tal como deve ser considerado facto provado.
GG. E não se diga, como na Sentença recorrida, que qualquer ilegalidade deverá ser aferida tendo em conta, exclusivamente, o preço global da proposta e que existe uma total liberdade pelos concorrentes para a formação deste, enquanto único aspecto submetido à concorrência.
HH. Essa total liberdade não existe, obviamente, já que a Lei impõe certos limites mínimos atinentes aos custos apresentados, em especial, com relação a normas legais e regulamentares laborais que devem de ser respeitadas, atinentes aos seus trabalhadores.
II. Ora, não só o preço global da proposta é, obviamente, composto por todos os valores discriminados na Nota Justificativa de Preço, apresentada pela C..... , incluindo a rúbrica atinente ao pagamento do subsídio de função dos Chefes de Grupo, como nem sequer existe qualquer margem nas restantes rúbricas da proposta da C..... para acomodar a insuficiência desses valores.
JJ. Com efeito, os valores indicados enquanto custos indirectos com o trabalho pela C..... , não são suficientes para cobrir os valores em falta atinentes aos subsídios a pagar aos chefes de grupo, sendo inclusivamente insuficientes para fazer face aos custos indirectos indicados nessa mesma rúbrica autónoma (com 10 rúbricas), no valor de €617,89, Cfr. Facto Provado E).
KK. Desde logo, a Contra-Interessada C..... apresenta custos com seguros que, somados, levam a que não apresente um valor suficiente para as restantes rúbricas, tal como resulta do recibo de prémio referente ao Seguro de Acidentes de Trabalho, de 14 de Maio de 2020, apresentado pela própria C..... num outro procedimento concursal (cfr. Facto Provado M)):

De tal recibo é possível concluir que, para salários no valor de € 498.165,81, esta concorrente tem um custo com o prémio de €6.007,88.
Dividindo o segundo pelo primeiro valor, resulta uma taxa 1,21% e efectuando o cálculo do valor, a Contra-Interessada C..... terá de desembolsar no mínimo € 352,67/mês (36.068,53 : 1,2375 x 0,0121).
LL. Relativamente ao Seguro de Responsabilidade Civil, é conhecido um outro recibo de 23 de Março de 2021 apresentado também pela C..... do qual resulta o seguinte, (cfr. Facto Provado N)):

De tal recibo é possível concluir que, para um Capital Seguro no valor de € 2.000.000,00, esta concorrente teria um custo com o prémio de € 14.000,00.
Ora, dividindo o segundo pelo primeiro valor, resulta uma taxa 0,7%.
Fazendo o cálculo do valor que a Contrainteressada C..... terá de desembolsar, no mínimo € 204,02/mês (36.068,53 : 1,2375 x 0,007).
Pelo que, do valor alocado para a rúbrica de Custos Indirectos (€ 617,89) sobram apenas €61,20 - valor manifestamente insuficiente para fazer face aos restantes custos elencados pela própria C..... (Provisões de Férias e subsídio ano seguinte; Recrutamento, Formação e Estágio; Formação em SBV – DAE; Absentismo pago; Uniformes; Material e equipamento técnico; Centro Controlo, coordenação e controlo operacional; viatura; Medicina do Trabalho, SST).
MM. Deste modo encontra-se demonstrado que não foram considerados pela C..... todos os custos, nesta sede, na formação do preço proposto, sendo o valor indicado na rúbrica “custos indirectos” claramente insuficiente para cobrir todos os itens aí elencados ou para poder amortizar a falta de valores atinentes ao pagamento do subsídio de função de Chefes de Grupo.
NN. Daqui decorre uma verdadeira causa de exclusão prevista na alínea e) do número 5 do artigo 10.º do PP, nos casos em:
“e) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, designadamente que implique a violação do Acordo Coletivo de Trabalho em vigor para o setor;” (realces nossos).
OO. De facto, as propostas deverão assegurar um custo mínimo obrigatório, que decorre do cumprimento das obrigações legais, sociais, laborais e fiscais, cfr. artigo 1.º-A, n.º 2 do CCP.
PP. Sempre que a informação constante da proposta permita detectar qualquer incompatibilidade com o bloco de legalidade vigente – independentemente de a respectiva fonte ser legal ou regulamentar – a entidade adjudicante pode (e deve) de imediato formular um juízo de exclusão da proposta – sob pena de ela própria se constituir como «cúmplice» da ilegalidade que seria praticada no decurso da execução do contrato, violando pois o princípio da legalidade consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição e no n.º 1 do artigo 3.º do CPA.
QQ. Pelo que, incumprindo a proposta da C..... com a vinculação regulamentar que deriva do Acordo Colectivo de Trabalho, a mesma revela-se como insuficiente para o cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria social e laboral, pelo que, por força do n.º 2, do artigo 1.º-A, conjugado com a alínea g), do n.º 4, do artigo 71.º e do n.º 2, do mesmo artigo, ambos do CCP, devendo considerar-se como apresentando um preço anormalmente baixo.
RR. Tal como decorre da actual versão do CCP, e da nova redacção do artigo 71.º, n.º 2 do CCP, introduzida pela revisão ao CCP operada em 2021, pela Lei n.º 30/2021, de 21/05, que introduziu expressamente como consubstanciando uma proposta com preço anormalmente baixo a que “revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato.”.
SS. Nas palavras de PEDRO FÉRNANDEZ SÁNCHEZ in “A Revisão de 2021 do Código dos Contratos Públicos”, AAFDL Editora, 2021, pp. 145:
“Daqui resulta que, independentemente de qualquer outra consideração, a mera comparação entre o preço proposto e os custos necessários para cumprir as obrigações imperativas do concorrente é tudo quanto basta para a entidade adjudicante desencadear, de imediato, um incidente de verificação de anomalia do preço.” (realces nossos).
TT. Nestes termos atente-se ao douto Acórdão do STA proferido em 10.02.2022, processo n.º 01429/20.3BELSB, disponível em www.dgsi.pt, acima citado no ponto 86.
UU. Esta mudança de regime, inclusivamente, já tinha sido iniciada aquando da Revisão de 2017 ao CCP, operada pelo DL. n.º 111-B/2017, de 31/08, que acrescentou três novas disposições que passaram a impor a correcta fiscalização da seriedade das propostas –aditando as alíneas f) e g) ao número 4 do artigo 71.º do CCP, bem como aditando o número 2 ao artigo 1.º-A do CCP, o qual expressamente afirma o seguinte:
“As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.” (sublinhados nossos).
VV. Acresce que, na medida em que a proposta da C..... viola normas legais e regulamentares aplicáveis à definição dos custos do trabalho, deveria também essa proposta ser excluída, nos termos do artigo 70.°, n.º , al. f) do CCP.
WW. Com efeito, sendo insuficiente o valor indicado na rúbrica atinente aos pagamentos de subsídios dos Chefes de Grupo, a cujo pagamento a lei obriga, significa que o “preço global” apresentado pela C..... está abaixo do que deveria ter apresentado, e, portanto, necessariamente, este “preço global” encerra, ele mesmo, uma violação das normas legais e regulamentares.
XX. Nestes termos e ao contrário do entendimento vertido na Sentença recorrida atente-se ao Acórdão do STA, proferido no âmbito de um recurso de revista, Processo n.º 0339/21.1BECBR, de 22.09.2022, no qual a N.... foi parte vencedora16 (realces nossos):
“I - Pelo menos desde 2017, a partir da alteração do Código dos Contratos Públicos produzida pelo DL nº 111-B/2017, de 31/8 (por imposição do direito da UE, nomeadamente da Diretiva2014/24/UE), não é mais possível defender que o risco de um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por conta das empresas adjudicatárias, sem necessidade de controlo, nesta sede, pelas Entidades Adjudicantes (…)
o relevante é o binómio relacional “preço/prestação” e não a maior ou menor capacidade dos proponentes; o que interessa aferir é, pois, se o preço proposto é, ou não, objetivamente suficiente para cobrir os custos a incorrer.
(…)
Isto é, o dever de controlo exigido às Entidades Adjudicantes não se reporta, apenas, à fase da execução do contrato, mas deve focar-se, desde logo, na fase précontratual da “formação dos contratos públicos”
(…)
Por outro lado, a alínea g) do nº 4 do art. 71º do CCP (introduzida, também pelo DL nº 111-B/2017), ao estabelecer que, na ponderação de um “preço ou custo anormalmente baixo”, se hão-de ponderar, entre outras circunstâncias, eventuais esclarecimentos relativos «Ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do artigo 1º- A», veio ligar as situações de eventual insuficiência do preço apresentado para satisfação de obrigações legais em matéria, designadamente, laboral – prevista como causa de exclusão das propostas pela alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP –, ao fundamento de exclusão por “preço ou custo anormalmente baixo”, previsto na alínea e) do mesmo nº 2 do art. 70º do CCP.
Ligação que viria, aliás, posteriormente, a ser claramente confirmada coma redação dada pela Lei nº 30/21 ao nº 4 do art. 71º do CCP.
(…)
Assim, as entidades adjudicantes passaram a estar obrigadas a excluir a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18º nº 2 da Diretiva – i.e., obrigações de cariz laboral, ambiental ou social.
Compreende-se, por isso, que o artigo 71º do CCP estabeleça, no nº 4,alínea g), que, na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente, “ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do artigo 1ª-A”.
Trata-se, reitere-se, de uma novidade decorrente das diretivas de 2014 e da revisão de 2017 que poderá implicar, no futuro, a modificação da jurisprudência administrativa relativa a PAB.
(…)
Em face da atual normação do CCP – pelo menos desde 2017 -, não é mais possível defender que o risco de um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por conta das empresas adjudicatárias, sem controlo, nesta sede, por parte das Entidades Adjudicantes; ou que basta uma declaração/compromisso no sentido do cumprimento das obrigações legais; ou que um preço ou custo insuficiente pode ser compensado com recurso a outras fontes de financiamento das empresas adjudicatárias, ou a outros contratos; ou que consubstancie um prejuízo que as empresas adjudicatárias estejam dispostas a suportar, nomeadamente por razões de marketing ou estratégia comercial, em nome da sua “liberdade de gestão empresarial”.
YY. Não é, assim, admissível, à luz da actual configuração normativa, que um concorrente possa escapar à exclusão da sua proposta quando apresenta preços abaixo dos custos mínimos e obrigatórios, desde que compense através de outros proventos da sua actividade ou através de uma redistribuição dos seus custos, ou que existe uma total liberdade na formação do preço proposto, tal como defende, erradamente, o Tribunal a quo.
ZZ. De facto, para se verificar se uma proposta é suficiente para suportar os custos mínimos inerentes aos serviços a executar, não basta que o “preço global” apresentado seja positivo (ou que se apresente uma margem comercial mensal positiva).
AAA. É necessário analisar, em concreto, todos os itens que compõem tal preço, por forma a aferir se todos os encargos (obrigatórios) são tidos em consideração, o que no caso da proposta da C..... não ocorreu.
BBB. Por tudo o exposto, impõe-se concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação que fez das normas contidas no artigo 70.º, n.º 2, alíneas e) e f), do CCP ao desconsiderar, do ponto de vista fáctico, que os custos subjacentes à proposta da Contra-Interessada C..... são inferiores ao que é imposto pelas normas legais e regulamentares aplicáveis, o que impunha a exclusão da proposta dessa concorrente com esses fundamentos.
vii.Do erro de julgamento quanto ao impedimento da C..... :
CCC. Relativamente à causa de exclusão invocada pela Recorrente na presente acção - impedimento da C..... em concorrer, nos termos do artigo 55.º, n.º 1, al. l) do CCP – pese embora o Tribunal a quo tenha considerado, e bem, que não se exige que a situação que despoleta este impedimento tenha ocorrido perante a mesma entidade adjudicante, nem que se trate do mesmo tipo de contrato, e ainda que não releva ou afasta este impedimento o facto de se encontrar pendente uma impugnação judicial que tenha por objecto a aplicação da sanção em causa, acaba por decidir, mal, que não se verifica no caso sub iudice tal impedimento quanto à C..... , ao considerar que o “o ofício de notificação da C.... à C..... não permite a verificação do 1º pressuposto em que assenta a aplicação do impedimento previsto no artº 55º, nº 1, al. l), do CCP: a existência de deficiências significativas ou persistentes na execução do contrato [e bem assim a natureza das obrigações que levaram à resolução do contrato, ao abrigo do artigo 333.º, n.º 1, al. e) do CCP].” (pp. 45 da Sentença).
DDD. Salvo o devido respeito, não se percebe como pode o Tribunal a quo afirmar que, do Ofício da C.... ., S.A. (“C.... ”), dado por provado, cfr. Facto Provado H, não decorre a verificação deste impedimento, já que do mesmo resulta expressamente que esta entidade resolveu o contrato com a C..... , nos termos do artigo 333.º, n.º 1, al. e) do CCP, por esta ter incorrido em diversas penalidades contratuais, no valor de €3.442.750,23, montante que excede 30% do valor contratual em causa.
EEE. Ora, foi precisamente a aplicação de “sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 329.º” tal como expressamente referido no Ofício da C.... que levou à resolução do contrato, nos termos do aí indicado artigo 333, n.º 1, al. e) do CCP, cometendo o Tribunal a quo um notório erro de julgamento.
FFF. Por tudo o exposto, torna-se evidente que a proposta da Contra-Interessada C..... deveria ter sido excluída, não só por apresentar um preço anormalmente baixo, como também por violar igualmente vinculações leais e regulamentares aplicáveis nos termos do artigo 70.º, n.º 2, als. e) e f) do CCP e ainda por estar impedida de participar, nos termos do artigo 55.º, n.º 1, al. l) do CCP.
GGG. Acresce que o Contrato outorgado entre a Recorrida e a C..... é inválido e anulável não só por ter sido outorgado em desrespeito com a obrigação de “stand still”, prevista no artigo 104.º, al. b) e n.º 2 do CCP, tal como bem decidiu o Tribunal a quo, mas também a título consequente, nos termos do artigo 283.º, n.º 2, do CCP, na medida em que resulta de um acto de adjudicação ilegal por violador do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, als. e) e f) e artigo 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, devendo ser anulado e a Recorrida UNL condenada a retomar o procedimento pré-contratual no momento anterior ao da prática do acto de adjudicação impugnado e a excluir a proposta da C..... , com a consequente adjudicação da proposta da Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito,
Deverá ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que declare a acção totalmente procedente, por provada, com todas as suas legais consequências, fazendo-se, assim, a já costumada JUSTIÇA!»

A Recorrida Universidade apresentou contra-alegações, tendo findado as mesmas comas conclusões que se seguem:
«Conclusões
A) A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, nem merece qualquer reparo;
B) Da proposta da Contrainteressada C..... não resulta que a mesma pagará 12 (doze) meses de subsídio de função atinentes aos Chefes de Grupo nem tão pouco ficou demonstrado pela Recorrente essa obrigatoriedade;
C) Inexiste qualquer razão à Recorrente no que respeita à existência de uma alegada proposta de preço anormalmente baixo apresentada pela Contrainteressada C..... , uma vez que, no que concerne à suficiência do preço apresentado por aquela para cobrir os custos inerentes à prestação de serviços objeto do contrato, e da ratio da norma constante da alínea e) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, o preço anormalmente baixo deve ser considerado para o valor global da proposta;
D) Já que, o preço anormalmente baixo deve ser apreciado relativamente ao seu preço global da proposta, e não quanto a preços parciais, mais ou menos decompostos;
E) Além disso, a Nota Justificativa do Preço não corresponde a um “mapa de preços” no qual o preço global é decomposto em preços unitários, mas sim um documento no qual o concorrente justifica os preços propostos e como os mesmos são formados;
F) Neste sentido, não sendo definido nas peças do concurso, os itens que devem ou não ser discriminados, é da exclusiva responsabilidade de cada concorrente a construção do preço composto por várias parcelas que, no seu todo, refletem a organização de recursos para realização das obrigações a que se comprometem para execução do contrato a celebrar;
G) Os custos parciais decompostos podem servir de elementos indiciários da anomalia do “preço global”, não passando, no entanto, disso mesmo - meros indícios;
H) Por conseguinte, sempre se impõe que as propostas sejam analisadas na sua globalidade, sendo redutor fazer centrar o juízo de “anormalidade" do preço de uma proposta numa individualizada componente unitária;
I) Motivo pelo qual, ainda que uma proposta seja apresentada com preço inferior aos custos, essa factualidade nunca poderá implicar uma presunção automática e imediata, por parte da Entidade Adjudicante, da existência de uma intenção do concorrente de incumprir dos encargos a que está legalmente vinculado;
J) Os operadores económicos detêm, no âmbito da sua liberdade de gestão empresarial, o direito de organizar a sua atividade como bem entendam, de acordo com os seus próprios critérios e opções de gestão, conforme decorre do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
K) Assim, o preço apresentado pela Contrainteressada C..... não se revela ser insuficiente para o cumprimento de obrigações em matéria laboral, ambiental e social nem insuficiente para cobrir os custos inerentes à prestação dos serviços em causa pelo que o mesmo não pode ser considerado anormalmente baixo nos termos e para os efeitos do artigo 71.º, n.º 2 do CCP;
L) No que respeita à interpretação da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º, para a verificação da causa de exclusão aí prevista, deve haver certeza objetiva de que a celebração do contrato implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
M) Ou seja, a alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, deve, nas palavras de PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, ser aplicável apenas quando o júri “detecte existir a certeza objetiva de que as prestações do contrato a celebrar, tal como foram configuradas na proposta a que o concorrente se vinculou irrevogavelmente (artigo 65.º do CCP), não podem ser executadas sem que o adjudicatário incorra numa ilegalidade”, devendo essa certeza ser aferida apenas quando aquele “se depara com um conjunto de informações que lhe atestam, sem margem para dúvidas, que a adjudicação da proposta que tem em mãos conduziria à celebração de um contrato que não poderia ser executado sem desrespeito por normas legais ou regulamentares que vinculam uma ou ambas as partes” (in Direito da Contratação Publica, Vol. II, 2021, AAFDL Editora, pp. 267-268);
N) O que, in casu, não existe;
O) Pelo que, não logra o alegado pela Recorrente no que respeita à existência de uma alegada violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis na apresentada pela Contrainteressada C..... ;
P) Inexiste, ainda, qualquer razão à Recorrente no que respeita à verificação de qualquer impedimento da Contrainteressada C..... ;
Q) Da interpretação sistemática da norma constante na alínea f) do n.º 2 do artigo 55.º, decorre, segundo FERNANDO BATISTA que este impedimento, terá de ser considerado, como um impedimento relativo, defendendo o autor o seguinte (Cfr. «O “Bad Past Perfomance, no Código dos Contratos Públicos», in Revista de Direito Administrativo n.º 6, na p. 90): «um determinado operador económico pode estar impedido de concorrer para uma determinada entidade adjudicante, mas não ter qualquer impedimento para outras entidades adjudicantes. Esta interpretação, quanto a nós, está em consonância com o direito europeu, na medida em que a diretiva clássica estabelece este "bad past performance" como uma causa de exclusão não obrigatória, o que permite aos EstadosMembros definirem o alcance desta previsão, e como tal, é perfeitamente possível defender que o impedimento só o será para os procedimentos lançados pelas entidades adjudicantes cujo interesse público subjacente ao contrato por si celebrado tenha ficado efetivamente lesado.»;
R) Assim, a Contrainteressada C..... não estava impedida nos termos do artigo 55.º, n.º 1, alínea l) do CCP uma vez que a resolução sancionatória que lhe terá sido aplicada em contrato anterior há menos de 3 anos, resultante de alegado incumprimento, não foi aplicada pela Recorrida mas sim por outra entidade adjudicante, a C.... , pelo que não se cumpre o exigido pela citada norma;
S) Por um lado, na prossecução do interesse público é essencial que os contratos celebrados sejam pontualmente executados e que, caso não sejam, possam ser utilizados mecanismos de responsabilização como sanções contratuais, a resolução sancionatória ou o pagamento de indeminizações;
T) Bem como, a possibilidade de garantia à entidade adjudicante que, ao lançar novo procedimento, não caia, ela própria, na armadilha de ter de envergar novamente numa relação contratual que, por causas que lhe são inimputáveis, se viu obrigada a pôr termo, aproximando-se a relação pública da génese de uma relação privada mais competitiva, onde questões deste tipo nem se quer são assunto;
U) Por outro lado, é imprescindível que os cocontratantes tenham os seus direitos salvaguardados numa relação que, tendencialmente, é desigual;
V) Salienta-se, que na introdução de preceitos normativos que diminuam o número de propostas apresentadas à Administração Pública, e que, por conseguinte, afetem a concorrência, deverá ser dada prevalência ao princípio do “in dubio pro concorrente” (a que se refere RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Os Princípios da Contratação Pública, in Estudos de Contratação Pública, Vol. I (Org. PEDRO GONÇALVES), 2008, Almedina, p.113), assumindo que uma restrição só deve ser imposta quando esteja em causa o princípio da igualdade ou da imparcialidade;
W) Ora, naturalmente, se uma entidade (no caso, a C.... ) aplicou sanções ou resolveu unilateralmente esse contrato na sequência de um alegado incumprimento que até está em juízo, esse feedback estará sempre viciado;
X) Daí que, pelo facto de existir um ato impugnado de uma outra entidade adjudicante, a Recorrida tenha considerado, por força do princípio da imparcialidade, a existência de um limite à verificação do impedimento;
Y) O incumprimento anterior, não poderá ser considerado de tal forma que restrinja direitos como o direito de defesa, com o perigo de serem postos em causa princípios fundamentais do contencioso administrativo anti-formalistas, pro actione e in dubio pro habilitate instantiae, podendo pôr em causa o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, em violação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP;
Z) E, ainda que este argumento não fosse válido, a Contrainteressada C..... , juntou documento demonstrativo de que «adotou medidas técnicas, organizativas e de pessoal suficientemente concretas e adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves» [cfr. artigo 55.º- A, n.º 2, alínea c) do CCP];
AA) Neste sentido, no que respeita à legalidade da adjudicação da proposta à Contrainteressada C..... , in casu, a verificação dos pressupostos de verificação da alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, é irrelevante;
BB) Uma vez que, não obstante terem ou não existido deficiências significativas (graves) ou persistentes (ainda que não consideradas graves individualmente) na execução de um contrato anterior nos últimos três anos, a Contrainteressada C..... , demonstrou a sua «re-idoneidade» na medida em que, perante o universo de contratos que executa com entidades públicas sem reparo, tudo indicia que o alegado incumprimento de anterior contrato se terá tratado de um caso isolado e sem reincidência;
CC) A possibilidade da entidade adjudicante relevar impedimentos regulada no artigo 55.º-A do CCP, apresenta-se com um alcance atenuador, em contraste com a rigidez e inflexibilidade do regime de impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP que (anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto) conduziria sempre à exclusão de quem se apresentasse a concurso com determinado background;
DD) Traduzindo-se na mais pura manifestação do princípio da proporcionalidade, permitindo às entidades adjudicantes o reconhecimento de que, perante certas circunstâncias, a rigidez e inflexibilidade da aplicação de impedimentos de participação em procedimentos se mostra desproporcional;
EE) A decisão de adjudicação no procedimento sub judice à Contrainteressada C..... é legal e revela-se cumpridora do princípio da imparcialidade e da proporcionalidade impostos pelo CCP;
FF) Atendendo ao supra exposto, a decisão de adjudicação não está ferida de qualquer vício, uma vez que a Contrainteressada C..... se mostrou idónea para levar a cabo a pontual execução do contrato e a sua proposta apresenta um preço sério e congruente, não havendo qualquer razão para que a mesma fosse excluída nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 10.º do Programa do Concurso e do artigo 70.º, n.º 2 do CCP;
GG) A decisão do Tribunal a quo não se apresenta, portanto, desconforme com a legislação aplicável em matéria de contratação pública nem, tão pouco, infringe ou viola qualquer regra ou princípio basilar do CCP;
HH) Revela-se, assim, evidente que não assiste à Recorrente qualquer razão no ora alegado, não merecendo a douta sentença recorrida, nestes termos, qualquer reparo.
II) Face ao exposto, deverá este douto Tribunal manter integralmente a decisão do Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos demais de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, e consequentemente, sendo integralmente mantida a Sentença recorrida.»

A Recorrida C..... também apresentou contra-alegações, nas quais impugnou o alegado pela Recorrente na sua impetração e clamou, a final, pela improcedência do recurso.

*
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer de mérito.
*
Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à Conferência desta Subsecção do Contratos Públicos para decisão.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Considerando o teor integral da sentença recorrida, as alegações do recurso e respetivas conclusões, bem como as contra-alegações apresentadas pelas Recorridas, é de assentar que o objeto do vertente recurso impõe, em primeiro lugar, a indagação se subsiste insuficiência da factualidade conduzida ao probatório.
Em segundo lugar, cumpre verificar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são apontados, por desrespeito do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 2, al.s e) e f) e 55.º, n.º 1, al. l) do CCP.
Concretamente, o que se discute é, por um lado, a suficiência do preço da proposta apresentada pela Recorrida C..... , mormente, quanto à cobertura de todos os custos envolvidos na execução do contrato e quanto ao cumprimento das vinculações legais e regulamentares em matéria laboral e, por outro lado, se ocorre o impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, derivado de um mau desempenho contratual anterior por banda da Recorrida C..... .
III. FACTUALIDADE CONSIDERADA PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA
A sentença recorrida considerou provada a factualidade que, ipsis verbis, se elenca em seguida:
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Aditamento ao Probatório, nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 1 do CPC
Examinada a factualidade constante da sentença recorrida e concatenando a mesma com as questões a decidir nos presentes autos, especialmente as que se encontram em disputa no vertente recurso, entendemos que se revela necessário, para adequada clarificação da base factual a subsumir nos normativos pertinentes, proceder ao aditamento de um conjunto de factos.
Com efeito, compulsado o teor dos documentos n.ºs 5 e 7 juntos com a petição inicial- atinentes, respetivamente, ao Caderno de Encargos do procedimento e à proposta apresentada pela Recorrida C..... -, e valorizando a circunstância de os mesmos não terem sido alvo de impugnação, importa completar a factualidade que o Tribunal a quo carreou para o probatório.
Por conseguinte, nos termos previstos e autorizados no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:

C.1) Do Caderno de Encargos do procedimento consta, ainda, o que se segue:
«(…)

(...)






(...)

(…)»
E.1) Da Proposta apresentada pela Recorrida C..... consta, também, o seguinte:
«(…)


(...)

(...)

(...)


(…)
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”

(…)»
IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO
A Recorrente vem, através do vertente recurso, invocar que a sentença recorrida padece de insuficiência de matéria de facto, atinente à circunstância de aí se não ter consignado uma característica da proposta da Recorrida C..... .
Concomitantemente, entende a Recorrente, também, que a sentença sofre de erros de julgamento, determinados pela violação do preceituado nos art.ºs 70.º, n.º 2, al.s e) e f) e 55.º, n.º 1, al. l) do CCP.
Estriba a sua impetração nesta parte, em suma, na insuficiência do preço da proposta apresentada pela Recorrida C..... , mormente, quanto à cobertura de todos os custos envolvidos na execução do contrato e quanto ao cumprimento das vinculações legais e regulamentares em matéria laboral, bem como na ocorrência, quanto à Recorrida C..... , do impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, derivado de um mau desempenho contratual anterior por banda da Recorrida C..... .
Indaguemos se a Recorrente tem razão.



1. Quanto à impugnação da matéria de facto
A Recorrente, nas conclusões D, E, F e G do seu recurso, vem invocar que o elenco probatório não se encontra completo, uma vez que foi omitida a factualidade atinente a uma característica da proposta apresentada pela Recorrida C..... , especificamente, que a mesma apenas prevê, em cada ano civil, o pagamento do subsídio de função de chefe de grupo para 12 meses.
Esgrime a Recorrente que tal factualidade possui relevo, dado que tem a ver com o estabelecimento de um tipo de custo do contrato a celebrar, sendo certo que tal interessa para prosseguir com o apuramento dos custos contratuais diretos mínimos que se encontram abrangidos na proposta da Recorrida C..... .
Ora, examinada a petição inicial, bem como a sentença recorrida, impera assumir que a Recorrente não tem razão, não merecendo o recurso ser acolhido nesta parte.
Com efeito, dimana da análise do probatório da sentença recorrida que o mesmo inclui a proposta da Recorrida C..... e, especificamente, a nota justificativa com os preços unitários que compõem a estrutura de custos do preço da dita proposta. O que quer dizer que, o segmento factual da proposta respeitante à remuneração do exercício da função de Chefe de Grupo encontra-se bem explicitado no aludido probatório.
Aliás, o aditamento ao probatório realizado por iniciativa deste Tribunal tem em vista, também, patentear os segmentos da proposta da Recorrida que possuem relevância para a dissolução da questão tangente ao pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo.
E, de resto, a factualidade que a Recorrente pretende agora introduzir no probatório constitui uma mera conclusão fáctica, que é perfeitamente alcançável por meio da realização de uma simples operação aritmética.
E, sendo assim, não se vislumbra motivo pertinente para exarar no probatório uma conclusão que decorre facilmente do ponto E e E.1 do probatório.
Destarte, é mister concluir que o recurso não merece procedência nesta parte.

2. Quanto aos erros de julgamento
A Recorrente assaca vários erros à sentença a quo. Concretamente, tomando em consideração o que dimana das conclusões H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA e BBB do recurso, o que resulta das mesmas é que a Recorrente vem, em primeiro lugar, disputar o entendimento do Tribunal recorrido quanto à possibilidade de inclusão do custo respeitante ao pagamento de 14 meses de subsídio de função de Chefe de Grupo na parcela do preço da proposta que se destina a cobrir não os custos diretos de natureza laboral, mas os custos indiretos do contrato, que visam satisfazer despesas inerentes à própria existência da empresa, mormente, o pagamento de seguros pessoais, custos estruturais, fardamento, etc..
Entende a Recorrente que, porque no preço da proposta da Recorrida C..... apenas está previsto o pagamento de 12 meses daquele subsídio e não- como deveria- 14 meses, ocorre violação de vinculação legal e regulamentar, o que deve conduzir à exclusão da proposta por força do disposto no art.º 70.º, n.º 2, al. f) do CCP.
Em segundo lugar, vem argumentar a Recorrente que o valor da proposta da Recorrida C..... deve ser considerado como anormalmente baixo, pois que o montante de 617,89 Euros não possibilita a satisfação de todos os custos contratuais para além dos laborais e sociais, especialmente quando atentado no valor do prémio anual do seguro. E, daí, faz a Recorrente derivar a violação do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 2, al. e) e 71.º, n.º 2 do CCP.
Em concomitância, a Recorrente argumenta que o julgamento do Tribunal recorrido quanto à verificação do impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP não se apresenta correto, nem coerente, uma vez que à Recorrida C..... foi efetivamente aplicada, no domínio da execução de um contrato pretérito, a sanção de resolução contratual, daqui decorrendo uma causa objetiva para a verificação do mencionado impedimento.
Indaguemos, pois, se assim é.

A. Quanto à violação dos art.ºs 70.º, n.ºs 2, al.s e) e f) e 71.º, n.º 2 do CCP
A problemática em discussão tem sido objeto de atenção reiterada por banda da jurisprudência administrativa, salientando-se a constatação de um percurso evolutivo no que tange à consideração dos preços-base fixados e dos valores das propostas apresentadas em termos de suficiência para cobrir os custos de execução dos contratos postos a concurso, especialmente no que diz respeito aos contratos para prestação de serviços de vigilância e segurança.
Ora, não sendo relevante, para os presentes efeitos, minuciar todo o dito percurso evolutivo, interessa, todavia, assinalar o entendimento jurisprudencial mais recente firmado pela Suprema Instância Administrativa.
Assim, sobre a matéria em discussão no caso posto, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 22/09/2022 no processo 339/21.1BECBR, veio esclarecer que:
«10.1. Sucede que toda a argumentação esgrimida pelo Recorrente “Município de Coimbra” no presente recurso de revista se mostra totalmente incompatível com as normas do CCP após a reforma de 2017, introduzida pelo DL nº 111-B/2017, de 31/8 – redação do CCP aplicável na presente ação.
Argumenta, nomeadamente, o Recorrente:
- O preço da proposta vincula a Adjudicatária face à Entidade Adjudicante, mas não pressupõe que a vincule face aos trabalhadores (conclusão IX);
- A Contrainteressada está sempre vinculada às obrigações legais em matéria laboral (conclusão X);
- Tais obrigações legais podem ser cumpridas através de outros recursos da empresa, e não somente pelo preço do contrato (conclusão XI);
- A obtenção, ou não, de apoios à contratação, corre por risco da Adjudicatária, não cumprindo à Entidade Adjudicante controlar este risco (conclusão XIV);
- De outro modo, estaria em causa a “liberdade de gestão empresarial” da Contrainteressada, garantida pelo art. 61º da CRP (conclusão XV).
Ora, toda esta argumentação é contrariada, como se disse, pelas normas do CCP, designadamente após a reforma nele introduzida pelo DL nº 111-B/2017 (em sentido que viria a ser confirmado pela posterior reforma introduzida pela Lei nº 30/21, de 21/5), em obediência, aliás, ao direito da União Europeia (Diretiva nº 2014/24/UE).
Desde logo, o nº 2 do art. 1º-A do CCP (introduzido pelo DL nº 111-B/2017) veio estipular que:
«As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional».
Isto é, o dever de controlo exigido às Entidades Adjudicantes não se reporta, apenas, à fase da execução do contrato, mas deve focar-se, desde logo, na fase pré-contratual da “formação dos contratos públicos”. É, pois, insubsistente a argumentação do Recorrente “Município de Coimbra” tendente a afastar de si, enquanto Entidade Adjudicante, qualquer responsabilidade sobre o controlo do “risco” de prejuízo consequente de uma proposta com preço insuficiente, que alegadamente correria só por conta da Adjudicatária.
Por outro lado, a alínea g) do nº 4 do art. 71º do CCP (introduzida, também pelo DL nº 111-B/2017), ao estabelecer que, na ponderação de um “preço ou custo anormalmente baixo”, se hão-de ponderar, entre outras circunstâncias, eventuais esclarecimentos relativos «ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do artigo 1º-A», veio ligar as situações de eventual insuficiência do preço apresentado para satisfação de obrigações legais em matéria, designadamente, laboral – prevista como causa de exclusão das propostas pela alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP –, ao fundamento de exclusão por “preço ou custo anormalmente baixo”, previsto na alínea e) do mesmo nº 2 do art. 70º do CCP.
Ligação que viria, aliás, posteriormente, a ser claramente confirmada com a redação dada pela Lei nº 30/21 ao nº 4 do art. 71º do CCP: «Mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato» (sublinhados nossos).
Como explica Nuno Cunha Rodrigues, a propósito da reforma introduzida pelo DL nº 111-B/2017 (in “Jornadas de Direito dos Contratos Públicos (16-17 de Maio de 2019, FDUL)”, AAFDL, 2020, págs. 167 e segs.:
«O CCP passou a proceder a uma ligação intrínseca a entre o regime do PAB [preço anormalmente baixo] e o incumprimento de obrigações de cariz laboral, ambiental ou social, procurando-se, dessa forma, ir ao encontro do previsto na Diretiva-clássica.
Assim, as entidades adjudicantes passaram a estar obrigadas a excluir a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18º nº 2 da Diretiva – i.e., obrigações de cariz laboral, ambiental ou social.
Compreende-se, por isso, que o artigo 71º do CCP estabeleça, no nº 4, alínea g), que, na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente, “ao cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do artigo 1ª-A”.
Trata-se, reitere-se, de uma novidade decorrente das diretivas de 2014 e da revisão de 2017 que poderá implicar, no futuro, a modificação da jurisprudência administrativa relativa a PAB.
É que, até à revisão do CCP operada em 2017, os tribunais administrativos consideravam que os operadores económicos tinham o direito de fixar livremente o preço a apresentar nos procedimentos concursais, tendo como única limitação o preço anormalmente baixo.
Esta jurisprudência permitia a apresentação de propostas abaixo do custo (ainda que dentro do valor do preço base) atendendo, nomeadamente, à totalidade da atividade desenvolvida pelo cocontratante que lhe podia permitir compensar prejuízos decorrentes da execução de um determinado contrato à luz da subsidiação cruzada com outros contratos rentáveis».
E estas alterações legislativas decorrem, como se disse, de imposição do direito da UE, no caso, em particular, da Diretiva nº 2014/24/EU, de 26/2, a qual expressava no seu considerando 40:
«O controlo da observância destas disposições ambientais, sociais e laborais deverá ser efetuado nas fases pertinentes do procedimento de contratação, ou seja, ao aplicar os princípios gerais que regem a escolha dos participantes e a adjudicação de contratos, ao aplicar os critérios de exclusão e ao aplicar as disposições relativas às propostas anormalmente baixas (…)».
Em face da atual normação do CCP – pelo menos desde 2017 -, não é mais possível defender que o risco de um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por conta das empresas adjudicatárias, sem controlo, nesta sede, por parte das Entidades Adjudicantes; ou que basta uma declaração/compromisso no sentido do cumprimento das obrigações legais; ou que um preço ou custo insuficiente pode ser compensado com recurso a outras fontes de financiamento das empresas adjudicatárias, ou a outros contratos; ou que consubstancie um prejuízo que as empresas adjudicatárias estejam dispostas a suportar, nomeadamente por razões de marketing ou estratégia comercial, em nome da sua “liberdade de gestão empresarial”.
O atual direito nacional, por via do direito da UE, opõe-se claramente a todo este argumentário em nome do “interesse público” e em nome de uma “livre, clara e sã concorrência”.
Assim é que o art. 69º nº 1 da citada Diretiva nº 2014/24/EU - “sempre que estes (preços ou custos indicados na proposta) se revelem anormalmente baixos para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar” - estabelece, para o efeito, a relevância da relação “preço/prestação”, no sentido de que o eventual caráter anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado exclusivamente “face à prestação”, e não pela maior ou menor capacidade dos proponentes, cabendo, em suma, aferir se o preço proposto é, ou não, objetivamente suficiente para cobrir os custos a incorrer.
Pelo exposto, improcedem os argumentos do Recorrente “Município de Coimbra” atrás listados, designadamente (conclusões IX, X, XI, XIV e XV das suas alegações) quanto ao preço da proposta vincular a Adjudicatária face à Entidade Adjudicante, mas não pressupor que o vincule face aos trabalhadores; quanto à Contrainteressada estar sempre vinculada às obrigações legais em matéria laboral; quanto a tais obrigações legais poderem ser cumpridas através de outros recursos da empresa, e não somente pelo preço do contrato; quanto à obtenção, ou não, de apoios à contratação, correr por risco da Adjudicatária, não cumprindo à Entidade Adjudicante controlar este risco; quanto a estar em causa a “liberdade de gestão empresarial” da Contrainteressada, garantida pelo art. 61º da CRP.» (negro nosso)
Esta diretriz interpretativa é subjacente, também, ao acórdão da mesma Suprema Instância, prolatado em 10/02/2022 no processo 1429/20.3BELSB, em que é dito que:
«A questão que importa conhecer é, assim, se bem andou o acórdão recorrido, a, por referência a jurisprudência anterior à revisão do CCP de 2017 e à alteração da Lei da Segurança Privada de 2019, entender que a entidade adjudicante não pode excluir uma proposta quando os elementos vertidos no procedimento evidenciem que o preço apresentado não contempla os custos retributivos legalmente imperativos e se mostra insuficiente para suportar os custos com a execução do contrato, corresponde a uma errada interpretação do artigo 70.º, n.º 2, alínea f) do CCP, em violação dos artigos 1.º-A, n.º 2 do CCP e do artigos 5.º-A, n.ºs 1 e 2, alínea b).
E, subsidiariamente, conhecer da bondade da exclusão da proposta face ao artigo 70º, nº 2, alínea e), do CCP, ou seja, com fundamento no preço anormalmente baixo da sua proposta.
(…)
Ora, o aditamento feito ao CCP pelo artigo 5º do DL n.º 111-B/2017 de 31 de Agosto artigo 1.º e que tem a epígrafe “Princípios” refere que as entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.

Não há, assim, dúvida que vem expressamente referido que as entidades adjudicantes devem ter uma posição ativa no sentido de assegurar o respeito pelas normas em matéria laboral não só na execução do contrato mas também na sua formação.
Pelo que, não podemos deixar de dizer que, de acordo com o aditamento feito ao CCP pelo artigo 5º do DL n.º 111-B/2017 de 31 de Agosto, artigo 1.º-A nº2, a expressa referência_ a que as entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional_ significa que o cumprimento pelos operadores económicos das normas laborais é uma questão que merece especial atenção da entidades adjudicantes.
É certo que já resultava do art.º. 70º nº 2 al. f) do CCP, que são excluídas as propostas cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, onde se incluem as referidas normas laborais.
E já resultava da jurisprudência em vigor e suprarreferida que o que estava em causa era aferir se resultava do contrato que essas vinculações legais não iam ser cumpridas.
Ou seja, o que cumpria aferir era se, no caso concreto, estava em causa a exclusão de uma proposta cuja realização do contrato implicava, ele próprio, a violação de vinculações legais, sem interferência de quaisquer variantes.»
A fundamentalidade desta temática foi revisitada ainda pela mesma Instância no acórdão recente de 12/09/2024, promanado no processo 1172/23.1BELSB, que consignou, além do mais, o seguinte:
«48. Por outro lado, conforme é também consensual na doutrina e na jurisprudência, de acordo com o disposto no art.º 71.º, n.º3 do CCP e art.º 69.º da Diretiva 2014/24/UE, uma proposta só poderá ser excluída com esse fundamento, quando os esclarecimentos fornecidas pelos operadores económicos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos, sendo esse, também ,o sentido da jurisprudência comunitária convocada pela Recorrente.
49.Este entendimento vem espelhado, por exemplo, no Acórdão do TJUE, de 29.03.2023, SAG ELV Slovenko a.s. e outros, C-599/10, n.º29 no qual se lê que : A “existência de um debate contraditório efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do procedimento de análise das propostas, para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma exigência fundamental…com vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas”; “cabe à entidade adjudicante formular claramente o pedido dirigido aos candidatos em causa, de modo a estes poderem justificar plena e utilmente a seriedade das suas propostas”.
50.A consagração do instituto do preço anormalmente baixo no CCP, tem o seu embrião no direito da União Europeia, tendo surgido como resposta à necessidade de assegurar um mercado livre e concorrencial entre os operadores económicos, em ordem a proteger a contratação pública dos riscos associados à adjudicação do contrato a uma proposta excessivamente baixa, seja por, uma proposta dessa natureza não assegurar a cabal execução do contrato – “perspetiva do risco de incumprimento” -, seja por a sua insuficiência para cobrir a totalidade dos custos inerentes à prestação a contratar, evidenciar o falseamento da concorrência – “perspetiva da cobertura de custos e lucro”.
51.Sobre a perspetiva comunitária do regime do preço anormalmente baixo, Ana Fernanda Neves refere que “se tem sido relativamente incontroverso que o instituto do preço anormalmente baixo é feixe de interesses contrapostos, visando conciliar, por um lado, o interesse público financeiro imediato da adjudicação da proposta de mais baixo preço e o direito à livre iniciativa económico empresarial com, por outro lado, o interesse público da tutela do risco de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato, cabe agora concluir que a referida figura jurídica é igualmente inspirada – e teleologicamente justificada – pela necessidade de tutela da concorrência na referida dúplice vertente e, portanto, também a tutela de um mercado concorrencial são e efetivo”- cfr. in “ Os Princípios da Contratação Pública”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, Vol. II, Coimbra Editora, pág.70.
52. No mesmo sentido, Mário Esteves de Oliveira e outro, afirmam que o escopo da penalização de preços anormalmente baixos radica “na necessidade de normalização dos mercados públicos, gravemente distorcidos e abalados pelo aparecimento de concorrentes que, por alguma razão (em regra, para fazer face às crises endémicas das respetivas empresas conjugadas com as resultantes do aumento da concorrência e da diminuição da procura), apresentavam propostas com preços imbatíveis (os chamados preços predatórios”), que dificilmente eram compatíveis com os custos mínimos associados às prestações a realizar. [Só que a] celebração de contratos nesses termos era causa, depois, de frequentes situações de abandono ou de grave desleixo na execução dos mesmos e de um marcado acréscimo de conflitualidade, dadas as tentativas feitas para forçar os contraentes públicos ao pagamento de preços (revistos) bastante superiores ao contratado. [A]ssim, as propostas de preço anormalmente baixo, a que a Administração, noutros tempos, aspirava, tornaram-se na realidade num pesadelo para si, exigindo uma intervenção legislativa no sentido de poderem as mesmas ser excluídas, para não terem que ser avaliadas e ordenadas favoravelmente, em função do preço que delas objetivamente constava. [E é] nesse contexto, para prevenir o interesse da entidade adjudicante em não contratar “aventureiros” e para assegurar uma concorrência leal entre todos os operadores económicos, que se instituiu o regime do art. 70.º/2 do CCP, fundado na ideia de que a proposta de melhor preço nem sempre é uma boa proposta ou uma proposta séria”- cfr. in Concursos e outros procedimentos de contratação publica, p.937.
53. Porém, importa não confundir o instituto do preço anormalmente baixo, a que se reporta o artigo 69.º da Diretiva 14/24/EU e o artigo 71.º do CCP (e artigo 17.º do PP) com a possibilidade que o legislador nacional reconhece às entidades adjudicantes de fixarem parâmeros base, máxime, em relação aos preços parciais dos serviços a prestar, através do estabelecimento de limites mínimos e máximos a partir dos quais e até aos quais pretende que a concorrência de desenvolva. Pese embora os dois institutos possam orientar-se a uma mesma finalidade (cobertura dos lucros e custos versus a proibição de contratação com prejuízo), a possibilidade prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 42.º do CCP de as entidades adjudicantes puderem estabelecer parâmetros base relativamente a aspetos submetidos à concorrência, como é o caso do preço (atributo) através da fixação de limites mínimos e máximos que as propostas devem observar sob pena de exclusão nos termos da al.b), n.º2 do art.º 70.º do CCP, e a previsão do regime do preço anormalmente baixo, que vincula a entidade adjudicante à solicitação de prévios esclarecimentos aos proponentes em relação a cujas propostas considere que apresentam um custo ou preço anormalmente baixo, e à ponderação das razões que venham a ser oferecidas, antes de tomar uma decisão que exclua a proposta, têm campos de aplicação distintos, uma vez que, como melhor veremos, num caso estão em causa preços parciais que se incluem na proposta e no outro o preço global da proposta.
Vejamos.
54.Para a compreensão da diferença entre tais regimes, basta ter presente que no regime do preço anormalmente baixo o que releva é a suficiência do preço/custo global da proposta e não o montante individual de cada preço unitário ou parcial, que embora possa atuar como elemento indiciador de uma proposta de preço anormalmente baixo, carece de ser confirmado em termos globais, não se confundindo com o preço global.
55.No regime do preço anormalmente baixo, o que está em causa é aferir se o preço global apresentado na proposta é “adequado a remunerar o conjunto dos custos, riscos e ónus que essa execução comporta, bem como a margem de lucro que o cocontratante necessariamente deve receber” - cfr. João Amaral e Almeida, in Estudos da Contratação Pública- III, “As Propostas de Preço Anormalmente Baixo”, Coimbra Editora, pág. 88.- e não se os preços (parciais) apresentados para algumas obras, fornecimentos ou serviços estão abaixo dos parâmetros mínimos fixados no PP. Pode acontecer que os preços parciais apresentados não violem os parâmetros mínimos estabelecidos no PP e ainda assim a entidade adjudicante considere que a proposta apresentada, atendendo à totalidade do preço e dos custos e na comparação com as demais, se revela como sendo uma proposta de preço anormalmente baixo.
Como tal, o campo de aplicação do instituto do preço anormalmente baixo é diferente do campo de aplicação do regime previsto no n.º4 do art.º 42.º do CCP.
56.O regime do artigo 71.º do CCP tem como pressuposto a consideração do preço global da proposta apresentada, e não cada um dos preços parciais propostos pelos concorrentes, pelo que nesse âmbito a lei apenas releva os preços anormalmente baixos dentro dos parâmetros globalmente definidos, podendo os preços parciais funcionar apenas como elementos indiciadores da anomalia do «preço global», não passando, no entanto, de meros indícios.
57.Neste sentido, com interesse, sumariou-se no Ac. do STA de 21/04/2022, proferido no processo n.º 03/21.1BEBRG que:
“O preço de uma proposta corresponde pois ao preço contratual proposto.
Deste modo, o n.º2 do artigo 71.º do CCP aplica-se ao preço global da proposta, e não a cada um dos preços unitários propostos, sendo que a lei apenas releva os preços anormalmente baixos dentro dos parâmetros globalmente definidos.
[…]mesmo que se entendesse que os valores remuneratórios unitários recursivamente invocados, seriam baixos, essa circunstância não deixaria de constituir um mero indício da invocada violação, que não foi confirmado pelo conjunto da prova disponível ( cfr.Ac TJUE de 28/1/2016, proc.T-570/13, “Agroconsulting”).
Diz-se ainda neste Acórdão do STA que “Para efeitos de ponderação de exclusão de proposta com fundamento na alínea f) do n.º2 do art. 71.º do CP (…) tal como na alínea e) …não relevam preços parcelares relativos a partes de execução do contrato, em si mesmo considerados, sem prejuízo de estes poderem servir de elementos indiciários de tais violações ou da anomalia do preço global.(…)»
58.Assim, para a aferição do preço anormalmente baixo, o que releva perante cada proposta é a demonstração de que a adjudicação de certa proposta não garante ao proponente a razoável cobertura dos custos e a obtenção da sua margem de lucro, levando à outorga de um contrato em que exista um risco sério de incumprimento, ou seja, em que se verifique a séria probabilidade de não ocorrer a satisfação integral das prestações a cargo do adjudicatário. Tal incumprimento, ou pelo menos o risco de o mesmo ocorrer, não se reporta apenas à proteção da entidade adjudicante e assim à potencial lesão do interesse público associado ao contrato, verificando-se, ao invés, que esse incumprimento também poderá advir da inobservância de normas legais ou regulamentares através dos quais se imponham custos subjacentes à execução do contrato.
59.Em qualquer desses casos, como bem assinala a CI, a entidade adjudicante fará uma comparação com um determinado perfil (o necessário e suficiente para demonstrar um mínimo de viabilidade para cumprir o contrato em respeito das normas legais e regulamentares que sejam aplicáveis) – tendo em conta o preço global da proposta e não, como ocorre com os parâmetros base, os preços parcelares que decompõem a proposta. Aquilo que se compara são os custos necessários para o cumprimento contratual num sentido amplo e aquilo que foi o preço apresentado pelo concorrente na sua proposta. E o tipo de juízo efetuado pela entidade adjudicante quanto ao preço anormalmente baixo — insista-se, um juízo globalmente comparativo — tem de ser evidentemente articulado com a autonomia que os concorrentes dispõem para definir o preço da sua proposta. O que leva a que tal regime preveja que nenhuma proposta seja excluída com fundamento em preço anormalmente baixo sem a possibilidade de o concorrente poder explicitar a razão de o seu preço global não ser insuficiente para cobrir todos os custos inerentes à prestação do serviço. Ao invés, a fixação de parâmetros base mínimos e máximos só pode ser compreendida no quadro da autonomia procedimental conferida às entidades adjudicantes pelas normas do CCP. A esta luz, o artigo 42.º, n.ºs 3 e 4, do CCP supõem um exercício de prognose por parte da entidade adjudicante sobre quais os patamares mínimos e máximos que uma proposta tem de assumir para ser aceitável à luz daquele que é o interesse público por si identificado. Igualmente ao contrário do que resulta do regime do preço anormalmente baixo, a definição de parâmetros base mínimos implica uma perspetiva microscópica sobre aqueles que são os aspectos submetidos à concorrência e paradigmaticamente o preço, não na sua vertente global, mas sim quanto aos valores parciais que o compõem. No caso dos parâmetros base mínimos, a comparação é, de todo em todo, diferente: o que se está a comparar já não é o preço total em si com os custos, mas as componentes desse preço com aquilo que, sendo fixado pela entidade adjudicante, é aceitável por parte desta.
60. Ponderando que o estabelecimento de parâmetros base mínimos e o regime do preço anormalmente baixo têm sentidos diferentes e pressupõem comparações diferentes, não se pode concluir que a fixação de parâmetros mínimos em relação ao preço, nos termos do n.º4 do artigo 42.º do CCP esvazia o regime do preço anormalmente baixo, subvertendo a disciplina legal do artigo 71.º e do artigo 69.º da Diretiva citada.
61.No caso sob escrutínio, nada impedia a Entidade Demandada de proceder à exclusão de propostas com fundamento em preço anormalmente baixo, não obstante ter fixado parâmetros base, caso tivesse concluído pela existência de propostas com indícios que fundamentassem a respetiva verificação.
62. A forma de conjugar a aplicação do regime que impõe a exclusão das propostas que não observem os parâmetros base estabelecidos no CE e do regime do preço anormalmente baixo, que proíbe a exclusão das propostas sem que se convidem os concorrentes a apresentar justificação do preço, é a de entender que só há lugar à formulação de tal convite se o Júri considerar que o limiar da anormalidade do preço se situa acima dos parâmetros mínimos fixados.
64. Daí que, naturalmente, o facto de existirem parâmetros base relativos aos preços (parciais) não só não impossibilita os concorrentes de apresentarem um preço que possa ser tido como anormalmente baixo - designadamente por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato -, como, consequentemente, se assim suceder – e dessa forma o entender a entidade adjudicante por decisão fundamentada - o concorrente terá o direito de explicar o seu preço e de o justificar, em integral cumprimento do estabelecido nos arts. 69.º da Diretiva 2014/24/EU, 71.º do CCP e cláusula 17.ª do PP.
(…)
74.Ora, estes factos apurados, são bem são reveladores de que a Entidade Adjudicante teve como escopo, ao fixar parâmetros base mínimos de preço, a proteção do mercado laboral, que é uma das estratégias que o direito da União Europeia pretende seja assegurado pelos Estados membros através dos mecanismos da contratação pública.
75.É certo, como já se disse, que a fixação de parâmetros base mínimos parciais, relacionados com os preços parciais (permitida pelo artigo 42.º, n.º 4 do CCP) delimita a concorrência, tal como também sucede com a fixação do preço base ao estabelecer o limite acima do qual as propostas são excluídas automaticamente (ainda que tais propostas pudessem ser as melhores para a satisfação do interesse público). Na verdade, com a fixação de limiar mínimo de aceitabilidade das propostas relativamente aos preços parciais quanto ao valor/custo hora dos vigilantes, a entidade adjudicante está a condicionar a concorrência que poderia existir abaixo daquele patamar mínimo, conquanto a previsão de limites mínimos e máximos para certos preços parciais, no caso, custo/hora da mão de obra, limita a liberdade dos concorrentes conformarem as suas propostas abaixo desse limiar e, nesse sentido, de concorrerem entre si na apresentação dos preços que, em termos de liberdade negocial, entendem por mais competitivos.
76. Porém, esse condicionamento é justificado em prol da prossecução do interesse público por si considerado essencial e, que, visa também, no presente caso, a salvaguarda da sã concorrência entre as empresas, na medida em que impede a apresentação de preços predatórios e proíbe preços abaixo do mínimo necessário para o cumprimento das obrigações legais e regulamentares aplicáveis, em matéria laboral e social.
77.Neste contexto são muito impressivas as considerações de Pedro Sanchez quando afirma:
“ A título de exemplo, quando a entidade adjudicante estabelece uma cláusula tão frequente como aquela que fixa o preço base do procedimento, com isso impõe uma muito relevante restrição à concorrência: qualquer operador económico incapaz de propor um preço inferior ao preço base fica automaticamente impedido de contratar com a Administração. Todavia, e como é evidente, não é por isso que se conclui que a fixação de um preço base é ilegal…”- cfr.in Direito da Contratação Pública, Vol.I, AAFDL, 2021, p.80).
Mas“…se é sabido que a noção de concorrência na contratação pública se não esgota na perspetiva de acesso dos operadores económicos ao mercado ( “concorrenza per il mercato”), antes interessando também garantir uma concorrência no mercado (“concorrenza nel mercato”), então incumbe tanto ao legislador como às entidades adjudicantes a obrigação de zelar por uma concorrência efetiva e sã- não desvirtuada de práticas que distorcem o funcionamento do mercado através da apresentação de propostas não realistas e não sérias”- in ob. cit., vol.II, 2021, p.281).
“Nem é possível replicar que, assumindo a concorrência o papel de vetor central do regime de contratação pública, ela deveria prevalecer, pelo menos neste particular âmbito de ordenamento, sobre qualquer outro interesse juridicamente relevante. Como adiante se notará, esse argumento encontra-se hoje caducado desde que a própria construção europeia impregnou a contratação pública de preocupações sociais, laborais, ambientais e atinentes a outros interesses públicos que podem submeter a severas restrições preocupação original de suscitação de competição. A concorrência é agora, mais do que nunca, “ajustada ao interesse público”.
Por outras palavras, qualquer requisito formulado no caderno de encargos pode ser aceitável- desde que contribua para aumentar o grau de satisfação da necessidade que a entidade adjudicante prossegue com a celebração do contrato»- cfr.Pedro Sanchez, ob. cit., vol.I,p.77 e 79.
78. Por outro prisma, faz parte dos poderes que assistem à entidade adjudicante a definição dos limites a partir dos quais e até aos quais pretende que a concorrência se desenvolva, desde que essa definição tenha a justificá-la razões atendíveis, impostas pela prossecução de interesses públicos. O objetivo da concorrência não pode fazer esquecer outras finalidades e valores que a contratação pública deve assegurar, como sejam os relacionados com os interesses ambientais, sociais e laborais.
79.Conforme se expende no Considerando n.º 37 da Diretiva 2014/24/EU, atribui-se às autoridades adjudicantes a obrigação de que “tomem as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações em matéria de direito ambiental, social e laboral aplicáveis no local onde as obras são executadas ou os serviços prestados, obrigações essas que decorrem de leis, regulamentos, decretos e decisões tanto a nível nacional como da União, bem como de convenções coletivas, desde que tais regras e a aplicação das mesmas sejam conformes com o direito da União.”.
80.No plano nacional, aponta-se, em reforço, o disposto no art. 1.º-A n.º 2 do CCP, onde se prescreve que “As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental, de igualdade de género e de prevenção e combate à corrupção, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional” e, bem assim, no art. 5.º-A da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, alterada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, que estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e da organização de serviços de autoproteção, que proíbe as práticas comerciais desleais na prestação de serviços de segurança privada (n.º 1), considerando-se como tal, entre o mais, a contratação com prejuízo (n.º 2 al. b)).
E como emerge no art. 70.º, n.º 2 al. f) do CCP é considerada causa de exclusão das propostas a verificação de que o contrato a celebrar implicaria a violação de vinculações legais e regulamentares.
81.Neste contexto é patente que a previsão de limites máximos e mínimos referentes aos preços parciais dos serviços a prestar, mostrando-se orientada pela necessidade de salvaguarda das obrigações em matéria de direito social e laboral, respeitantes ao cumprimento pelos prestadores de serviços das obrigações legais no que respeita a valores a pagar à mão-de-obra e à proibição da contratação com prejuízo, revela-se como uma medida racionalmente justificada.
82.A restrição à concorrência que tais parâmetros base, em abstrato, introduzem, corresponde, na realidade, a uma medida adequada e necessária ao fim do interesse público prosseguido, porquanto o interesse público só é alcançado se a prestação contratual for executada, não com os preços mais baixos a todo o custo, mas no respeito pelas vinculações legais e regulamentares que em matéria laboral e de contração sem prejuízo vigoram.
83.“É reconhecida à contratação pública especificamente o potencial de influenciar positivamente na prática a garantia dos direitos dos trabalhadores ( o que tem também uma função social relevante”- -cfr. pág. 172, Ana F. Neves, in A tutela das normas laborais e o dever de diligência em matéria de contratação pública sustentável, Comentários ao Código Dos Contratos Públicos, Vol. I, Carla Amado Gomes e outros.
84.Como se diz no acórdão recorrido: “É certo que a entidade adjudicante, ao fixar no ponto 2.1. da cláusula 2.ª, do C.E., os valores mínimos e máximos dos preços a propor pelos concorrentes, não veda o acesso dos concorrentes ao procedimento, mas está a afastar a possibilidade de admissão de propostas que apresentem outros valores que não se situem no intervalo de preços fixado.
Isto é, impede que os concorrentes compitam entre si através da apresentação de propostas com preços abaixo do limiar fixado, o que se traduz indubitavelmente numa limitação da concorrência.
No entanto, tal limitação constitui uma consequência natural da fixação de parâmetros base, que é admissível desde que seja imposta pela prossecução de outros objectivos prosseguidos pelo interesse público.»
85.A contratação pública pode ser usada como instrumento para o fomento de políticas públicas em matérias sociais, ambientais ou laborais, o que “não significa uma autorização para as entidades adjudicantes decidirem, na prática, com critérios alheios a uma racionalidade estruturalmente baseada nos ganhos de eficiência que se entende decorrerem da concorrência” - Miguel Assis Raimundo Direito dos Contratos Públicos, AAFDL, vol. I, 2023, pág. 88.
86.Necessário é assegurar que tais decisões devem “ser pautadas pela razoabilidade e pela proporcionalidade, uma vez que é ilegítimo impor exigências que restringem o universo potencial de concorrentes se o seu cumprimento é inútil ou desnecessário para a satisfação das necessidades públicas em causa - não sendo então a restrição imposta ao princípio da concorrência compensada com qualquer mais-valia na prossecução do interesse público subjacente ao contrato”,- Pedro Sánchez, Direito da Contratação Pública, AAFDL, 2020, vol. I, págs. 684.
87.No caso, a fixação de parâmetros mínimos ao preço, foi estabelecida para prossecução dos supra indicados objetivos que constam da fundamentação da decisão de abertura do procedimento, nomeadamente os de natureza laboral, que se encontram relacionados com a execução do contrato, conforme exigido pelo n.°6 do art.° 42.° do CCP, traduzindo-se numa forma da entidade adjudicante assegurar o cumprimento das normas de natureza laboral pelos operadores económicos, conforme admitido pelo n.° 2 do art.° 1.°-A do CCP.
88.Ademais, não está demonstrado que os valores fixados como parâmetros mínimos pela entidade adjudicante estejam errados, ou sejam manifestamente desadequados ou desnecessários para a prossecução dos objetivos que foram considerados aquando da sua fixação.
89.A circunstância da Recorrente ter apresentado proposta com valores inferiores aos previstos no ponto 2.1 da Cláusula 2.ª do C.E. para os dias úteis diurno, ou o facto de terem sido apresentadas outras propostas com preços iguais aos limites ou parâmetros mínimos ali previstos, não permite que se conclua ter sido violado o princípio da concorrência, uma vez que, tais parâmetros foram definidos de forma adequada, necessária e proporcional, pelo que tendo os mesmos sido violados pela proposta da Autor, esse facto determina a exclusão da sua proposta (art. 70.º, n.º 2 al. b) do CCP).»
Esta linha jurisprudencial já vinha sendo acolhida pelo Tribunal Central Administrativo Norte- veja-se o acórdão proferido em 07/12/2022 no processo 972/22.4BEPRT, bem como por este Tribunal Central Administrativo Sul, como é disso exemplo o acórdão por nós proferido em 17/06/2021 no processo 132/19.1BESNT.
A jurisprudência elencada antecedentemente permite confortavelmente concluir, seja em termos de controlo das vinculações legais e regulamentares de natureza laboral e social, seja em termos de enquadramento na figura do “preço anormalmente baixo”, que, hodiernamente, se exige que o preço de uma proposta apresentada seja apto a cobrir os custos mínimos necessários à execução do contrato, ainda para mais, no setor da prestação dos serviços de segurança e vigilância privada, como decorre da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, alterada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, especialmente, do seu art.º 5.º-A.
Assim, configura um dever das entidades adjudicantes proceder, precisamente, ao controlo e fiscalização da suficiência do preço proposto face ao custo real da execução do contrato concursado, fiscalização essa que pressupõe, sendo caso disso, a análise microscópica do preço proposto- que pode envolver a decomposição do preço global da proposta nos diversos preços parcelares ou unitários e a sua comparação com ditames normativos quanto a limites mínimos de custo-, bem como a análise macroscópica do preço final proposto.
A ratio essendi deste dever de fiscalização dimana de diretrizes europeias e nacionais, em atenção à especificidade da atividade de segurança privada. Como, de resto, se explicitou no acórdão por nós proferido em 17/06/2021 no processo 132/19.1BESNT:
«(…)
Ora, a questão aqui colocada pela Recorrente não é, na verdade, de somenos importância, não só em face do estatuído nos art.ºs 1.º-A, n.º 2 e 70.º, n.º 2, al. f) do CCP, mas- e especialmente- em face do setor de atividade que está em causa no contrato concursado, e que é a contratação de serviços de segurança privada.
Realmente, o n.º 2 do art.º 1.º-A do CCP dispõe que “as entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional”. Nessa senda, e por forma a conferir efetiva operatividade àquele ditame principiológico, o CCP prescreve, no seu art.º 70.º, n.º 2, al. f), a exclusão das propostas cuja análise revele “que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.
A prestação de serviços de segurança privada constitui um setor de atividade económica, um mercado, altamente competitivo e concorrencial, o que tem óbvios reflexos sobre os procedimentos de contratação pública. Nas palavras de RICARDO NEVES (A norma proibitiva da contratação com prejuízo nos serviços de segurança privada: sentido e validade, in Concorrência e Sustentabilidade: dois desafios para a contratação pública, Actas das II Jornadas de Direito dos Contratos Públicos, org. Miguel Assis Raimundo, abril 2021, AAFDL, pp. 246, 247 e 248), “(…) as empresas que actuam no referido mercado prestam serviços a preços de tal forma competitivos que em muitas situações se colocam dúvidas legítimas sobre a racionalidade económica que lhes está subjacente. Por outras palavras: as referidas empresas definem um preço para os seus serviços que, num cálculo elementar, não é, amiúde, suficiente para cobrir os custos incorridos para proceder à prestação dos mesmos.
Num segundo plano, e em paralelo, verifica-se também que a competitividade dos preços da prestação de tais serviços apenas é alcançada através de práticas ilegais nos planos laboral e social, com particular relevância para o pagamento de contribuições de natureza social inferiores às impostas pela lei ou o desrespeito pelas normas de convenções coletivas de trabalho referentes à remuneração e demais prestações de natureza laboral.
(…)
Desde logo, a prestação de serviços de segurança privada a estruturas administrativas qualificáveis como entidades adjudicantes envolve, na grande maioria dos casos, um procedimento aberto e de natureza concorrencial, no âmbito do qual o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa (…). Ora, é sabido que, à luz deste critério de adjudicação, as entidades adjudicantes podem optar por um critério monofactor que tende muitas vezes a ser a avaliação do preço ou custo quando, naturalmente, definam nas peças do procedimento todos os demais elementos de execução do contrato a celebrar (…). Neste quadro, é palmar que as empresas de segurança privada têm um enorme incentivo para se concentrar, tão só, no preço, reflectindo nas propostas por si apresentadas preços atractivos e que, repita-se, são por vezes inferiores aos custos necessários para prestar o serviço com as características e do modo previsto no caderno de encargos. (…)”
Aliás, este diagnóstico quanto ao mercado da prestação de serviços de segurança privada, eloquentemente descrito por RICARDO NEVES, motivou a publicação da Lei n.º 46/2019, de 8 de julho, que alterou o regime do exercício da atividade de segurança privada e da autoproteção, e no âmbito do qual foi aditado o art.º 5.º-A com vista à proibição de práticas comerciais desleais por banda das empresas deste mercado, designadamente, a contratação com prejuízo, prática esta qualificada expressamente como comercialmente desleal.
Seja como for, (…), a verdade é que a eventual insuficiência do preço proposto pelos concorrentes não constitui um aspeto meramente venial, antes assumindo verdadeira essencialidade na promoção de uma sã concorrência no mercado, bem como na promoção da conformação da atividade económica e respetivos operadores com o bloco de legalidade aplicável.
E é justamente por tais razões que, a verificar-se a insuficiência do preço proposto pelo concorrente para satisfação integral dos custos originados pela execução do contrato concursado, a proposta deve, por princípio, ser excluída, pois que, doutro modo, acarretará uma deficiente execução do contrato e/ou o incumprimento de obrigações legais, nomeadamente, de natureza laboral e social.
A problemática em causa tem tratamento doutrinário já bastante, destacando-se PEDRO FERNÁNDEZ SANCHÉZ (A exclusão de propostas prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP como meio de proteção da entidade adjudicante contra preços anormalmente baixos, in Estudos sobre Contratos Públicos, março 2019, AAFDL Editora, pp. 79 a 97), que tem vindo a afirmar a importância da al. f) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP como mecanismo de “alargamento do universo de parâmetros que apoiam a entidade adjudicante na formulação de juízos de aceitabilidade de propostas” (p. 81), esclarecendo que “a inaceitabilidade da proposta pode também resultar da informação que nela o concorrente inscreve quando apresenta um atributo ou um termo ou condição que, direta ou indiretamente, indicia ou comprova a violação de uma vinculação legal ou regulamentar. A função que a referida alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º exerce nestes casos consiste em apelar a todo o bloco de juridicidade como parâmetro de aceitabilidade da proposta, exigindo a sua exclusão no caso de violação de uma vinculação legal ou regulamentar aplicável.” (p. 82)
E continua o mesmo Autor: “É à luz deste enquadramento inicial que se procede à averiguação de qual é o regime jurídico aplicável aos casos em que esteja verificado o seguinte pressuposto: o de que se haja demonstrado objetivamente, à luz da informação que consta dos respetivos documentos- dos documentos iniciais ou de posteriores esclarecimentos prestados nos termos do artigo 72.º do CCP-, que uma dada proposta, no caso de sobre ela recair a adjudicação, daria origem à celebração de um contrato cujo preço seja inferior ao montante necessário para que o adjudicatário cobrisse rigorosamente todos os custos decorrentes de normas legais ou regulamentares vinculativas aplicáveis a tal contrato.” (p. 83) (sublinhado nosso)
A operatividade da al. f) do n.º 2 do art.º 70.º está dependente, por conseguinte, da circunstância de a entidade adjudicante determinar, “com absoluta segurança, baseada nos elementos constantes de uma proposta, que os custos cuja satisfação é exigida pelas normas jurídicas aplicáveis ao contrato que se visa celebrar, constantes de fontes vinculativas para as partes, sejam elas expressamente previstas ou não nas peças do procedimento, não podem ser cobertos pelo preço proposto”. (p. 83). E tal pode suceder nos casos em que a entidade adjudicante, ao analisar a proposta de um concorrente, “continue a verificar, com base no somatório das informações que dela constam, ser juridicamente impossível que o clausulado proposto satisfaça normas legais ou regulamentares vinculativas para ela própria ou para o proponente- por exemplo, por verificar ser matematicamente impossível que o preço proposto cubra custos laborais, ou outros, cuja satisfação é juridicamente obrigatória”. (p. 91)
É de ressaltar, consonantemente com PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ (sobre esta mesma matéria, e mais recentemente, Direito da Contratação Pública, idem, pp. 262 a 274), a imprescindibilidade de que a conclusão da entidade adjudicante- quanto à insuficiência do preço constante da proposta para fazer face a todos os custos legalmente obrigatórios- se baseie no teor dos documentos que integram a proposta, incluindo esclarecimentos posteriormente apresentados, e permitam fundar objetivamente a conclusão de que tal proposta originaria um contrato ilegal no caso de sobre a mesma recair a adjudicação. O juízo objetivo aqui necessário concerne ao exercício lógico-racional quanto aos custos mínimos legalmente obrigatórios envolvidos na execução do objeto do contrato e o montante do preço final proposto, o que traduz, em muitos casos, uma operação de cariz aritmético.
Também perfilham a mesma visão vinda de espraiar PEDRO COSTA GONÇALVES (idem, pp. 955 e 956) e ANA FERNANDA NEVES (O alcance da tutela de normas laborais na contratação pública, in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, 3.ª edição, outubro 2019, AAFDL Editora, pp. 219 a 249).»

Delineado o horizonte jurisprudencial e doutrinário que releva atentar para efeitos de aplicação ao caso posto do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 2, al.s e) e f) e 71.º, n.º 2 do CCP, impõe-se indagar se a proposta apresentada pela Recorrida C..... observa as exigências decorrentes desses normativos.
Ora, a sentença recorrida concluiu positivamente pelo acolhimento e observância do prescrito nos art.ºs 70.º, n.º 2, al.s e) e f) do CCP. E fundamentou o seu julgamento, essencialmente, no excurso seguinte:
«(…)
O artº 10º, do programa do concurso, estabelece que as propostas deveriam ser constituídas por documento contendo: “Nota justificativa do preço proposto” (cfr. artº 10º, nº 1, al. h), subal. iv)).
De acordo com o disposto no artº 10º, nº 5, serão excluídas as propostas cuja análise revele: “e) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, designadamente que implique a violação do Acordo Coletivo de Trabalho em vigor para o setor; f) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo 71º do CCP;”.
A Contrainteressada C..... apresentou, com a sua proposta, “NOTA JUSTIFICATIVA DE PREÇO MENSAL para as Instalações da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL No Campus da Nova School Of Science And Technology│FCT NOVA”, da qual consta rubrica com o seguinte descritivo: Subsídio de Função de Chefe de Grupo – 211,75€ - 52,00€ x 3,29 Vig. função Chefes de grupo x 23,75 % TSU.
A A., na análise que faz à proposta da Contrainteressada C..... , sustenta que a mesma pagará apenas 12 meses, e não os devidos 14 meses, de subsídio de função, atinentes aos Chefes de Grupo, em desconformidade com o previsto no Contrato Coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE, Anexo V [contrato coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 22, de 15/06/2020, com as atualizações publicadas no BTE nº 4, de 29/01/2021 e no BTE nº 9, de 08/03/2022].
Assim, suportada nos cálculos que apresenta [(€50,89 – valor do subsídio x 14 meses)/12] x 3,29 vigilantes x 1,2375 TSU], conclui que o montante correto a considerar é de € 241,72, e não o indicado de € 211,75, o que corresponde a uma diferença de € 29,97/mês (e a um acréscimo de € 1.078,92 para os 36 meses de duração do contrato). Como se sabe, o preço anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado relativamente ao seu preço global.
Nestes termos, mesmo a admitir-se, conforme defende a A., que para a rubrica “Subsídio de Função de Chefe de Grupo”, a Contrainteressada considerou um custo inferior ao que resulta da aplicação do Contrato Coletivo da AES, tal juízo, só por si, não permite concluir que o preço global apresentado constitui uma proposta de preço anormalmente baixo, incapaz de garantir o cumprimento das prestações previstas no caderno de encargos.
Faz-se notar que o preço base é de € 1.450.000,00. O preço da proposta da A. é de € 1.448.665,63, e o da Contrainteressada C..... € 1.445.193,00.
A diferença ao nível do preço entre as propostas é de € 3.472,63 [que representa 0,239% do preço base].
O preço da proposta da Contrainteressada é inferior ao preço base em € 4.807,00 [equivalente a 0,331% do preço base].
Portanto, a eventual insuficiência do custo relativo à rubrica “Subsídio de Função de Chefe de Grupo”, para o cumprimento de normas laborais, apenas poderia constituir mero indício da invocada anomalia, que no caso não se mostra confirmada em termos globais.
Improcede, por isso, a alegação da A., da verificação de uma causa de exclusão da proposta da Contrainteressada ao abrigo do disposto no artº 70º, nº 2, al. e), do CCP.
Do mesmo modo, também a exclusão da proposta da Contrainteressada ao abrigo do disposto no artº 70º, nº 2, al. f), do CCP tem de improceder.
Importa salientar, desde já, que a rigorosa interpretação do disposto no artº 70º, nº 2, al. f), do CCP aponta para um juízo de prognose, próximo da certeza, direcionado para o momento da execução do contrato, quanto à violação iminente de vinculações legais ou regulamentares.
Assim, a questão relativa à exclusão da proposta apresentada pela Contrainteressada C..... à luz do disposto no artº 70º, nº 2, al. f), do CCP, está resolvida em desfavor da aqui A..
Com efeito, a eventual circunstância da proposta da Contrainteressada C..... apresentar um preço inferior aos custos que decorrem da aplicação de uma série de vinculações legais, nomeadamente, um preço representativo de um custo inferior aos custos que decorreriam da aplicação de normas laborais ao caso concreto [in casu, as que decorrem de CCT], não induz, por si só, o incumprimento [durante a execução do contrato] de quaisquer obrigações legais e regulamentares, não se traduzindo, portanto, tal circunstância, numa obrigatoriedade de exclusão da proposta.
Acresce que, não existindo qualquer norma específica no procedimento sub judice quanto à formação do preço proposto pelos concorrentes, mas antes, em resultado disso mesmo, e ao invés, uma liberdade de conformação ou fixação do preço, enquanto único aspeto da execução do contrato submetido à concorrência, não se poderá concluir que a proposta da Contrainteressada C..... , na eventualidade de não ter atendido – como alega a A. – na formação do preço, que o subsídio dos Chefes de Grupo deve ser incluído no respetivo subsídio de férias e de Natal, tal originará um futuro incumprimento das obrigações legais em matéria laboral que sobre si impendem.
Em todo o caso, independentemente da análise prospetiva subjacente à causa de exclusão vertida na referida al. f), do nº 2, do artº 70º, do CCP, ainda assim, importa assinalar que da Nota Justificativa de Preço Mensal apresentada pela Contrainteressada C..... , ao contrário do alegado pela A., não resulta qualquer incumprimento das normas legais aplicáveis em matéria laboral relativamente aos custos a suportar com o subsídio dos Chefes de Grupo. Com efeito, da fórmula apresentada pela Contrainteressada apenas se extrai o valor do subsídio considerado, o nº de vigilantes com a função de Chefes de Grupo e a TSU considerada.
Não existe por parte do concorrente qualquer declaração no sentido do não pagamento de 14 meses de subsídio de função aos Chefes de Grupo.
Acresce que, também o juízo de provável violação de vinculações legais ou regulamentares aplicáveis só pode ter como objeto o preço global e não um único preço/custo parcelar insuficiente para satisfação de obrigações legais em matéria laboral.
Como se sumariou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/04/2022, proc. 03/21.1BEBRG, acessível em www.dgsi.pt, “III – Para efeitos de ponderação de exclusão de proposta com fundamento na alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP (“cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”) – tal como na alínea e) (“cuja análise revele um preço ou custo anormalmente baixo”) - não relevam preços parcelares relativos a partes de execução do contrato, em si mesmo considerados, sem prejuízo de estes poderem servir de elementos indiciários de tais violações ou da anomalia do preço global, designadamente quando corresponderem a partes com peso significativo na execução do contrato, afetando a sua coerência e a do preço global (cfr. Ac. TJUE de 28/1/2016, proc. T-570/13,
Ora, conforme concluiu o júri, o preço global apresentado pela Contrainteressada C..... é suficiente para acomodar os custos resultantes da obrigação de pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo previsto no CCT da AES, sendo que a alegação da A. quanto à insuficiência do valor considerado pela C..... quanto a custos indiretos, por referência aos custos com seguros apresentados em outros concursos, também não permite revelar que a proposta da C..... viole normas de cariz laboral e social, pois que a variação desse custo resultará, antes de mais, da maior ou menor capacidade negocial das empresas com as diversas seguradoras.
Não se trata de um custo fixo, legal ou regularmente imposto, pelo que nada se pode concluir acerca do valor apresentado a partir de recibos juntos em procedimentos distintos em data anterior, mesmo que pela mesma empresa concorrente.
Portanto, nada nos autos permite afirmar que o universo das obrigações legais de natureza laboral e social em causa não poderia ser cumprido sem violação do quadro normativo vigente.
Assim, improcede também neste ponto a alegação da A..
(…)»
Ora, ponderando o excerto da sentença recorrida que se transcreveu, resulta imperativo afirmar que o entendimento espraiado pelo Tribunal a quo revela-se, desde logo, desacertado, porquanto parte de pressupostos jurisprudenciais absolutamente desatualizados e assenta num exame superficial da questão colocada.
Expliquemos porquê.
Em primeiro lugar, impõe-se clarificar que, não obstante a Recorrida C..... não ser associada da AES- Associação de Empresas de Segurança, às relações laborais que a dita C..... empreende com os seus trabalhadores é, ainda assim, de aplicar o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a referida AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços- FETESE, em virtude das sucessivas Portarias de Extensão (v.g. Portaria de Extensão n.º 186/2020, de 6 de agosto, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 152, de 6 de agosto de 2020; Portaria de Extensão n.º 153/2021, de 16 de julho, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 137, de 16 de julho de 2021; Portaria de Extensão n.º 130/2023, de 15 de maio, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 93, de 15 de maio de 2023; Portaria de Extensão n.º 192/2024/1, de 27 de agosto, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 165, de 27 de agosto de 2024) ou o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a referida AES e o STAD- Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas, em virtude das sucessivas Portarias de Extensão (v.g. Portaria de Extensão n.º 152/2021, de 16 de julho, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 137, de 16 de julho de 2021; Portaria de Extensão n.º 196/2022, de 26 de julho, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 143, de 26 de julho de 2022; Portaria de Extensão n.º 193/2024/1, de 27 de agosto, publicada no Diário da república, 1.ª série, n.º 165, de 27 de agosto de 2024). Não se perceciona, por isso, qual a utilidade ou sentido da factualidade conduzida ao ponto O) do probatório, sendo certo que a mesma não possui qualquer aptidão para afastar a aplicação do regime estabelecido pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES e a FETESE ou o STAD (doravante, apenas CCT).
Seja como for, é de notar que, em ambos os CCT, encontra-se previsto, no respetivo art.º 60.º, sob a epígrafe Vigilância, que «em cada grupo de cinco vigilantes, por turno e local de trabalho, a um deles serão atribuídas funções de chefe de grupo, com direito, durante o desempenho dessas funções, à retribuição de chefe de grupo, auferindo o subsídio consignado no anexo IV deste CCT» (sublinhados nossos).
Esclarecida a aplicação do regime dos CCT às relações laborais que a Recorrida C..... enceta com os seus trabalhadores, importa, em seguida, apurar se as peças do presente procedimento pré-contratual, mormente, o caderno de encargos (doravante, somente CE) estipula a existência de Chefe de Grupo, ou se a execução das prestações contratuais atinentes ao contrato concursado supõe a existência de vigilante(s) que desempenhe as funções de Chefe de Grupo.
Perscrutada a factualidade descrita nos pontos C, C.1, E e E.1, não subsiste qualquer dúvida de que o CE prescreve explicitamente, na cláusula 27.ª, a título de vigilante com funções de Chefe de Grupo, um número mínimo de 3 para cada período de 24 horas. Aliás, nem poderia deixar de assim ser, uma vez que basta atentar na exigência de um número mínimo de vigilantes em permanência no seu posto de trabalho para que, imediatamente, se contabilize mais do que 5 vigilantes a exercer funções no mesmo turno. Atente-se, de resto, que a cláusula 28.ª, n.º 4 do CE consigna que os vigilantes não devem cumprir turnos de duração superior a 8 horas, o que permite concluir que, face aos períodos de trabalho elencados na cláusula 27.ª do CE, a prestação dos serviços de vigilância e segurança desenvolver-se-á, em período letivo, em 3 turnos de 8 horas cada um.
Acrescente-se que, de acordo com as cláusulas 1.ª, 4.ª e 25.ª do CE, não subsiste também dúvida de que o local de trabalho onde se cumpre a prestação dos serviços de vigilância e segurança é o mesmo- o campus da Faculdade de Ciências e Tecnologia-, ainda que repartido por um conjunto de edifícios e postos.
Sendo assim, e contrariamente à tese esgrimida pela Recorrida C..... nas suas contra-alegações, apresenta-se indubitável que a prestação dos serviços concursados no presente procedimento implica a existência da função de Chefe de Grupo.
E, acaso se registasse alguma incerteza quanto à existência e necessidade do desempenho da função de Chefe de Grupo, a mesma dissipa-se completamente ante a confrontação com o teor da proposta da própria Recorrida C..... .
É que, é a própria Recorrida C..... que, na sua proposta, prevê a existência de 4 vigilantes a desempenhar as funções de Chefe de Grupo, consonantemente com o que claramente dimana da própria nota justificativa do preço proposto- que supõe a existência de 3,29 vigilantes a exercer as funções de Chefe de Grupo para calcular o custo mensal do subsídio respetivo-, do Anexo A e do quadro relativo à “Indicação do número diário de trabalhadores e respetivas categorias”.
É, pois, apodítico que a prestação dos serviços de vigilância e segurança concursados no vertente procedimento supõe a existência de vigilantes a exercer as funções de Chefe de Grupo, sendo certo que a própria Recorrida C..... indica com sendo 4 o número total de vigilantes a desempenhar funções de Chefe de Grupo.
Dilucidada a questão referente à necessidade, ou não, de vigilantes a exercer funções de Chefe de Grupo, cumpre agora averiguar se o custo mensal indicado pela Recorrida C..... na sua nota justificativa para pagamento do subsídio da função de Chefe de Grupo se encontra subavaliado.
Com efeito, a Recorrente vem, a este propósito, clamar que o valor indicado pela Recorrida C..... como custo mensal com o pagamento do subsídio de função- 211,74 Euros- é insuficiente para cobrir o custo mensal efetivo, dado que este ascende a 241,72 Euros.
O diferencial em causa decorre da circunstância de a Recorrida C..... ter, na nota justificativa do preço global da sua proposta, assumido que aquele subsídio de função de Chefe de Grupo apenas será devido em 12 retribuições em cada ano, enquanto que a Recorrente insiste que tal subsídio deverá ser pago também nos subsídios de férias e de Natal.
Mas não assiste razão à Recorrente, e o Tribunal recorrido errou na apreciação que realizou quanto a esta problemática.
É que o subsídio de função de Chefe de Grupo não é devido por ser inerente a uma categoria profissional, mas sim para compensar o trabalhador pelo exercício de um tipo específico de tarefas ou função enquanto as mesmas subsistirem. O que quer dizer que, cessando o exercício da função, deixa de ser devido o subsídio inerente a tal.
De resto, não é estranho que, na prestação dos serviços de vigilância e segurança um vigilante possa exercer as ditas funções de Chefe de Grupo num determinado local de trabalho e, alterado esse local, cesse o exercício daquelas funções porque, por exemplo, passou a exercer funções num local onde não existem outros vigilantes, ou existindo, o seu número é inferior a cinco.
Do que vem de se dizer resulta, então, que o pagamento do aludido subsídio está dependente do exercício efetivo daquela tarefa ou função de Chefe de Grupo, não constituindo uma contrapartida pelo trabalho de vigilante prestado.
E, por assim ser, o subsídio devido pelo exercício da função de Chefe de Grupo não integra a retribuição mensal devida ao vigilante, conformemente ao que decorre dos art.ºs 258.º e 260.º do Código do Trabalho, e que o art.º 32.º de ambos os CCT não contraria.
Anote-se que, neste sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido em 09/02/2015 no processo n.º 233/13.0TTVLG.P1, em que afirma que «o «subsídio chefe de grupo» foi atribuído ao Autor enquanto o mesmo exerceu as tarefas de «chefe de grupo». Ou seja, tal complemento não tem a ver como contrapartida do trabalho do Autor mas antes com a específica função, a de chefe de grupo, que como tal pode cessar quando o trabalhador deixar de desempenhar essas concretas funções [neste sentido é a posição de Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, página 636].
Por isso, tal complemento não faz parte da retribuição em sentido estrito do Autor e, deste modo, não está abrangido pelo princípio da irredutibilidade»
.
Sendo assim, e perscrutando o estatuído nos art.ºs 263.º e 264.º, n.º 2 do Código do Trabalho, bem como o preceituado nos art.ºs 35.º e 36.º, n.º 2 de ambos os CCT, é de concluir que não é devido o pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo nos subsídios de férias e de Natal.
Assente que o subsídio de função de Chefe de Grupo não integra a retribuição e não deve, por isso, ser incluído nos subsídios de férias e de Natal, assoma cristalino concluir que o pagamento do sobredito subsídio só é devido com a retribuição mensal, o que perfaz 12 meses.
O que, revertendo ao caso posto, implica afirmar que o preço da proposta apresentada pela Recorrida C..... contempla corretamente o custo a suportar com o pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo, dado que- como já se explicou supra-, a nota justificativa do preço da proposta apresentada pela Recorrida C..... apenas prevê, precisamente, que o subsídio de função seja pago 12 meses em cada ano.
Por conseguinte, não tem razão a Recorrente quanto ao entendimento de que o aludido subsídio deve integrar os subsídios de férias e de Natal.
E o Tribunal recorrido errou no julgamento desta concreta questão, afrontando o preceituado nos art.ºs 258.º, 260.º, 263.º e 264.º, n.º 2 do Código do Trabalho, bem como os art.ºs 32.º, 35.º e 36.º, n.º 2 de ambos os CCT.
A asserção de que a previsão do custo adveniente do pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo foi realizada corretamente pela Recorrida C..... , no preço da proposta que apresentou, conduz à inevitável conclusão de que, pelo menos nesta matéria, a mencionada Recorrida cumpriu as vinculações legais e regulamentares em matéria laboral que incidia sobre o contrato de prestação de serviços concursado.
E, por esse motivo, não ocorre violação da al. f) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP, não merecendo a proposta da Recorrida C..... a exclusão do procedimento.

É claro que a Recorrente retira também da subavaliação do custo com o pagamento do subsídio de função de Chefe de Grupo a existência de uma contratação com prejuízo, o que, no seu entendimento, é enquadrável na figura da proposta de “preço anormalmente baixo”, o que determina, do mesmo modo, a exclusão da proposta, de acordo com a al. e) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP.
Mas também aqui a Recorrente fracassa. E pela óbvia razão de que, contrariamente ao que é o seu entendimento, apenas é devido o pagamento do mencionado subsídio com a retribuição dos 12 meses em cada ano, não integrando aquele subsídio os subsídios de férias e de Natal.
Adicionalmente, a Recorrente insiste que a proposta da Recorrida C..... detém um preço anormalmente baixo, porque não se apresenta credível que os demais custos que enformam a estrutura do preço da proposta ascendam, somente, a 617,89 Euros, principalmente, quando tomando em atenção o valor do prémio anual do seguro pago pela mesma Recorrida, consonantemente com o que decorre dos pontos E, M e N do probatório.
Sucede, todavia, que esta posição não pode merecer acoito por este Tribunal de Apelação. E são vários os fundamentos que justificam a rechaça.
O primeiro, porque o valor total dos custos não diretos não é de 617,89 Euros, mas sim 774,32, uma vez que, além dos custos com seguros, “provisões de férias e subsídio ano seguinte”, “recrutamento, formação e estágio”, “formação em SBC-DAE”, “absentismo pago, uniforme”, “material e equipamentos técnicos”, “central de controlo e controlo operacional”, “viatura” e “medicina do trabalho”, a Recorrida também acrescentou o “custo de estrutura” no montante de 10,00 Euros, a “margem comercial” no montante de 2,16 Euros e os “aumentos salariais previstos para 2023, 2024 e 2025” no montante de 144,27 Euros.
O segundo, porque os valores vindos de indicar referem-se a custos mensais, o que significa que aqueles custos perfazem, anualmente, o montante de 9.291,96 Euros, ascendendo a um valor global previsto de 27.875,88 Euros para 36 meses de duração do contrato. Não está em causa, portanto, um valor despiciendo ou que se apresente como irrazoavelmente baixo.
Em terceiro lugar, também não se pode acompanhar a visão da Recorrente relativamente ao custo decorrente do pagamento do prémio anual de seguro.
Realmente, a Recorrente realiza determinadas operações aritméticas por forma a imputar ao contrato concursado uma específica parcela do custo do prémio anual do seguro pago pela Recorrida que, de acordo com a sua contabilidade, alcança sempre o montante de várias centenas de euros mensais. Por esse motivo, invoca a Recorrente que a previsão dos 617,89 Euros a título de custos indiretos mensais do contrato não será suficiente para satisfazer os reais custos a suportar.
Contudo, olvida a Recorrente que o custo atinente ao prémio anual do seguro deve repercutir-se pela globalidade dos contratos em execução celebrados pela Recorrida, o que é suscetível de diminuir grandemente o custo imputável a cada um dos contratos. Mas mais. Na verdade, nada impede que o custo respeitante ao prémio anual do seguro pago pela Recorrida possa ser acrescidamente imputado a determinados contratos, em razão de uma estrutura de composição do preço do contrato realizada desse modo.
Seja como for, é razoável supor que a Recorrida tenha em execução várias dezenas de contratos, considerando, por um lado, o valor do prémio anual do seguro e, por outro lado, que tem cerca de 1.800 trabalhadores, conforme consta da declaração apresentada na proposta para efeitos de demonstração da sua idoneidade, em virtude do disposto no art.º 55.º, n.º 1, al. i) do CCP (cfr. ponto E.1 do probatório). O que acarreta que não se mostre claro ou razoavelmente certo que o custo respeitante ao prémio anual do seguro imputado ao contrato concursado ascenda ao montante que a Recorrente calcula- 352,67 Euros mensais, 204,02 Euros mensais.
Do expendido antecedentemente deriva, logicamente, que não se encontra minimamente demonstrado- nem se apresenta credível- que o preço da proposta da Recorrida C..... seja insuficiente para cobrir os custos diretos em matéria laboral e social inerentes à execução do contrato concursado, nem que seja insuficiente para satisfazer os demais custos expectavelmente envolvidos na execução do mesmo contrato.
Pelo que, inexiste indícios de que a proposta da Recorrida C..... afronte o preceituado nos art.ºs 70.º, n.º 2, al. e) e 71.º, n.º 2 do CCP.
B. Quanto à violação do art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP
A Recorrente dedica as conclusões CCC, DDD, EEE e FFF da sua impetração à discordância com o decidido pelo Tribunal a quo relativamente à invocada situação de mau desempenho contratual pretérito por banda da Recorrida C..... . Sufraga a Recorrente que a apreciação levada a efeito pelo Tribunal não é consentânea com o disposto no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, pois que a Recorrida deveria ter sido impedida de participar no vertente procedimento concursal.
Escrutinada a sentença recorrida, apura-se que o Tribunal concluiu pela não verificação do impedimento em discussão, basicamente, porque a factualidade carreada para os autos não possibilita a devida apreciação quanto à subsistência de “deficiências significativas ou persistentes” na execução do pretérito contrato público, e que terá motivado a aplicação da sanção de resolução do referenciado contrato.
Vejamos, então, se a sentença recorrida merece, nesta parte, a censura que lhe vem dirigida.

A temática que agora vem colocada é concernente à qualificação de determinadas situações contratuais pretéritas como mau desempenho por parte de um operador económico na execução de um contrato público, situações essas que relevam em termos de constituírem um entrave à participação desses operadores em procedimentos concursais, em virtude daquele mau desempenho consubstanciar um indício pertinente da existência de risco de incumprimento, ou de cumprimento deficiente, do contrato a celebrar.
Este Tribunal de Apelação já teve ocasião de se debruçar sobre a temática e, especificamente, sobre a concreta situação de bad past performance que vem convocada pela Recorrente relativamente à Recorrida C..... .
Com efeito, no acórdão por nós prolatado em 20/06/2024 no processo n.º 26/22.3BELSB, este Tribunal teve o ensejo de examinar, precisamente, a questão agora disputada, atinente ao invocado mau desempenho da Recorrida C..... na execução do contrato que havia celebrado com a C.... ., S.A., enfrentando as problemáticas que foram içadas nos presentes autos, incluindo as que agora vêm postas no recurso e nas contra-alegações da Recorrida C..... .
A apreciação realizada por este Tribunal foi a seguinte:
«(…)
I.
A primeira questão a esclarecer é a de saber se subsiste, ou não, na ordem jurídica, o ato que procedeu à resolução contratual sancionatória do contrato celebrado entre a Recorrente C..... e a Companhia C.... , uma vez que ambas as Recorrentes insistem que tal não está demonstrado nos autos. Com efeito, ambas as Recorrentes dizem que o documento constante do ponto 15 do probatório não exprime, nem demonstra, a existência do ato resolutivo, mas somente a intenção de o resolver.
Sucede, todavia, que esta argumentação apresenta-se, no mínimo, surpreendente. É que, se é certo que as Recorrentes põem em causa a existência de tal ato resolutivo, também é certo que, por outra banda, admitem a emissão do aludido ato, na medida em que a Recorrente C..... indica que o impugnou judicialmente, no processo n.º 453/21.3BELSB- e que continua a correr termos-, processo esse cuja existência a Recorrente IP revela conhecer.
Acresce que, decorre claramente do teor do ponto 15 do probatório que, indiscutivelmente, foi proferida decisão de resolver o contrato celebrado entre a Recorrente C..... e a Companhia C.... , e que tal decisão se funda no “incumprimento de obrigações contratuais” que, em devido tempo, foram assinaladas e sobre as quais a Recorrente C..... nunca se pronunciou, nem diligenciou pela correção. Ademais, essa decisão de resolução foi dada a conhecer à Recorrente C..... pela missiva datada de 03/12/2019.
Sendo assim, não procede nenhuma argumentação das Recorrentes relativamente à circunstância de ter sido proferida decisão de resolução do contrato por parte da Companhia C.... .
II.
A segunda questão a dilucidar é relativa a saber se, do ato proferido pela Companhia C.... , e que aplicou a sanção à Recorrente C..... de resolução do contrato por incumprimento no domínio do pretérito contrato celebrado entre ambas, podem ser extraídos efeitos em termos de impedimento da Recorrente C..... na participação de novos procedimentos pré-contratuais, conforme o disposto no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, uma vez que tal ato não se consolidou na ordem jurídica em virtude da impugnação jurisdicional que ainda se encontra pendente (que corre termos com o n.º de processo 453/21.3BELSB).
Realmente, a sentença recorrida concluiu positivamente pela inexistência de obstáculo à afirmação do impedimento inscrito na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP não obstante o facto de a validade do ato sancionatório em que assenta o dito impedimento estar a ser judicialmente discutida.
Por seu turno, as Recorrentes argumentam que, por se encontrar pendente a impugnação judicial do ato de resolução contratual no domínio do contrato celebrado entre a Recorrente C..... e a Companhia C.... , não pode dar-se como verificado o impedimento descrito na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º, visto que a disputa judicial inviabiliza, por si só, que se possa concluir que ocorreu incumprimento do aludido contrato.
Mas, esclareça-se, não têm razão as Recorrentes.
Com efeito, a problemática agora içada foi dissolvida, em sede de reenvio prejudicial, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no conhecido Acórdão Meca, proferido em 19/06/2019 no processo C-41/18, e que concluiu que o art.º 57.º, n.º 4, al.s c) e g) da Diretiva 2014/24/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, na sua interpretação, proíbe o afastamento da verificação, pela entidade adjudicante, da ocorrência dos impedimentos em causa mesmo que esteja pendente ação jurisdicional em que se discute a existência dos factos e a validade dos atos em que assenta a verificação dos citados impedimentos. O discurso fundamentador deste Acórdão é, na parte essencial, o seguinte:
«(…)
24. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional ao abrigo da qual a impugnação judicial da decisão de resolver um contrato público tomada por uma autoridade adjudicante devido a deficiências significativas verificadas na sua execução impede a autoridade adjudicante que lança um novo concurso de efetuar qualquer apreciação, na fase da seleção dos proponentes, sobre a fiabilidade do operador a que essa resolução diz respeito.
(…)
28. Em segundo lugar, nos termos do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, «[a]s autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das situações [a que essa disposição se refere]». Resulta assim da redação dessa disposição que foi às autoridades adjudicantes, e não a um órgão jurisdicional nacional, que foi confiada a tarefa de apreciar se um operador económico deve ser excluído de um procedimento de contratação.
29. Em terceiro lugar, a faculdade de que qualquer autoridade adjudicante dispõe de excluir um proponente de um procedimento de contratação é particularmente destinada a permitir-lhe apreciar a idoneidade e fiabilidade de cada um dos proponentes, como demonstram o artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), e o considerando 101 da Diretiva 2014/24.
(…)
31. Em quarto lugar, nos termos do artigo 57.o, n.o 5, da Diretiva 2014/24, as autoridades adjudicantes devem poder excluir um operador económico «a qualquer momento do procedimento» e não apenas após um órgão jurisdicional ter proferido a sua sentença, o que constitui um indício adicional da vontade do legislador da União de permitir à autoridade adjudicante efetuar a sua própria apreciação dos atos que um operador económico cometeu ou omitiu, antes ou durante o procedimento de contratação, numa das situações referidas no artigo 57.o, n.o 4, desta diretiva.
32. Por último, se uma autoridade adjudicante devesse estar automaticamente vinculada por uma apreciação efetuada por um terceiro, ser-lhe-ia provavelmente difícil prestar especial atenção ao princípio da proporcionalidade no momento de aplicar os motivos facultativos de exclusão. Ora, segundo o considerando 101 da Diretiva 2014/24, este princípio implica em particular que, antes de decidir excluir um operador económico, essa autoridade tome em consideração o caráter menos grave das irregularidades cometidas ou a repetição de pequenas irregularidades.
(…)
34. Ora, como foi salientado no n.o 28 do presente acórdão, resulta da redação do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 que o legislador da União entendeu atribuir à autoridade adjudicante, e só a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação.
(…)
38. Com efeito, o poder de apreciação que o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 confere à autoridade adjudicante fica paralisado pela simples impugnação judicial, por um candidato ou proponente, da resolução de um contrato público anterior de que o mesmo era signatário, ainda que se tivesse afigurado que a sua conduta mostrou deficiências suficientes para justificar essa resolução.
(…)
42. Atendendo ao exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional ao abrigo da qual a impugnação judicial da decisão de resolver um contrato público tomada por uma autoridade adjudicante devido a deficiências significativas verificadas na sua execução impede a autoridade adjudicante que lança um novo concurso de efetuar qualquer apreciação, na fase da seleção dos proponentes, sobre a fiabilidade do operador a que essa resolução diz respeito.
(…)» (sublinhado nosso)
Acrescente-se que o Tribunal de Justiça da União Europeia revisitou esta Jurisprudência no Acórdão Indaco, proferido em 20/11/2019 no processo n.º C-552/18.
Sendo assim, e porque a interpretação firmada pela Instância Europeia nos sobreditos Arestos vincula este Tribunal, em consonância com o que deriva dos art.ºs 4.º e 19.º, n.º 3, al. b) do Tratado da União Europeia (somente TUE em diante) e 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante, apenas TFUE), não pode este Tribunal de Apelação deixar de aplicar a citada Jurisprudência da Instância Jurisdicional Europeia ao caso versado.
Nesta conformidade, é claramente de rechaçar o entendimento que as Recorrentes vêm trazer aos presentes autos, de que a pendência de uma impugnação judicial da decisão sancionatória- que corporiza o impedimento atinente a um mau desempenho passado na execução de um contrato público- seja suscetível de, num novo procedimento pré-contratual, obstaculizar a verificação, por banda da entidade adjudicante, da existência do impedimento a que se refere o art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, e que corresponde, precisamente, à causa de exclusão descrita na al. g) do n.º 4 do art.º 57.º da Diretiva 2014/24.
É que, como dimana claramente da Jurisprudência europeia citada antecedentemente, a entidade adjudicante está, no caso do impedimento em discussão, obrigada a proceder à verificação da subsistência do mesmo, apresentando-se despiciente a circunstância dos factos em que assenta o dito impedimento estarem a ser discutidos judicialmente. E a ratio de tal imposição funda-se na competência da entidade adjudicante que lhe foi atribuída pelo direito europeu.
Por conseguinte, é de concluir que o Tribunal recorrido, na medida em que julgou inexistir entrave à verificação do impedimento em discussão no novo procedimento pré-contratual, apesar da pendência da impugnação judicial do ato sancionatório aplicado no domínio de um pretérito contrato público, decidiu acertadamente a questão agora em apreciação. E, por isso, improcedem as impetrações das Recorrentes no que concerne a esta parte.
III.
Em terceiro lugar, cumpre apurar se o ato de adjudicação deve ser anulado, por afronta ao disposto no art.º 55.º, n.º 1. al. l) do CCP.
O Tribunal recorrido entendeu anular o mencionado ato adjudicatório, estribando essa decisão, essencialmente, no seguinte discurso fundamentador:
«(…)
Em suma, o Tribunal recorrido anulou o ato de adjudicação impetrado, não por ter reconhecido estar consumado, quanto à Recorrente C..... , o impedimento descrito na al. l), do n.º 1 do art.º 55.º do CCP, mas sim porque a entidade adjudicante, a agora Recorrente IP, não procedeu, verdadeiramente, à apreciação e decisão respeitante à subsistência ou não do sobredito impedimento. Ademais, assinalou o Tribunal recorrido que, sendo notada a insuficiência de informação para apreciar a existência do impedimento convocado pela Recorrida Noite e Dia, impunha-se à Recorrente IP, na qualidade de entidade adjudicante, diligenciar pela obtenção da necessária informação.
Evidentemente, as Recorrentes discordam profundamente do julgado.
Vejamos então.
i) A primeira nota refere-se à relevância da aplicação da sanção de resolução, por incumprimento, do pretérito contrato celebrado entre a Recorrente C..... e a Companhia C.... para efeitos de apreciação da ocorrência de uma situação de bad past performance impeditiva da participação da Recorrente C..... no procedimento pré-contratual em discussão nos presentes autos, e que foi aberto pela Recorrente IP.
O Tribunal a quo concluiu que a mencionada resolução contratual de um pretérito contrato era enquadrável na segunda parte da previsão da norma inscrita no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, pois que o fundamento da resolução do pretérito contrato, decidida pela Companhia C.... , foi o incumprimento de obrigações contratuais.
As Recorrentes discordam desta subsunção, socorrendo-se da alegação, por um lado, de que não estava demonstrada a emissão da decisão resolutiva e, por outro lado, de que a mesma não poderia ser considerada atenta a impugnação judicial e a arguição da respetiva nulidade (o que conduz à inexistência da decisão de resolução do contrato).
Ora, como se expôs antecedentemente, não só se apresenta como factualmente incontroversa a existência de uma decisão, por parte da Companhia C.... , de resolver o contrato que tinha celebrado com a agora Recorrente C..... , em virtude do incumprimento de obrigações contratuais, como também já se explicitou que a existência dessa decisão resolutiva é bastante para, por si só, fazer espoletar o dever de proceder à apreciação da subsistência de uma situação de impedimento e de acionar o mecanismo atinente à possibilidade de relevação do impedimento no caso de concluir pela sua verificação.
É que, como se explicou supra, dimana claramente da Jurisprudência europeia citada antecedentemente, que a entidade adjudicante está, no caso do impedimento em discussão, obrigada a proceder à verificação da subsistência do mesmo, apresentando-se despiciente a circunstância dos factos em que assenta o dito impedimento estarem a ser discutidos judicialmente. E a ratio de tal imposição funda-se na competência da entidade adjudicante que lhe foi atribuída pelo direito europeu, conforme Jurisprudência citada supra, e à qual este Tribunal de Apelação deve obediência, nos termos que derivam dos art.ºs 4.º e 19.º, n.º 3, al. b) do TUE e 267.º do TFUE.
Regressando ao caso posto, o que vem sendo expendido desemboca na conclusão de que, efetivamente, a sanção de resolução do contrato aplicada à Recorrente C..... em sede da execução do contrato celebrado por esta com a Companhia C.... , atento o fundamento convocado de incumprimento de obrigações contratuais, é apta a subsumir-se na previsão normativa contida na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP.
O que quer dizer que, quanto a esta questão, as Recorrentes não têm razão.
ii) Não basta, no entanto, a satisfação de uma das condições elencadas na segunda parte da norma inscrita na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º para que se dê por consumado o impedimento. É ainda necessário que a decisão sancionatória do contraente público tenha derivado diretamente de «deficiências significativas ou persistentes» na execução do contrato público por parte do cocontratante.
Quer isto dizer, simplesmente, que a verificação do impedimento não decorre automaticamente da emissão, por parte do contraente público, de um ato sancionatório da atuação ilícita do cocontratante, ou seja, da atuação inadimplente deste.
Com efeito, o afastamento do carácter automático na verificação da existência de impedimento decorrente da prática de ilícitos contratuais pretéritos tem sido proclamada pela Jurisprudência europeia, por tal se apresentar incompatível com o princípio da proporcionalidade e inviabilizar, de certo modo, a operatividade do mecanismo de self cleaning. Veja-se, a este propósito, as explicitações prolatadas pelo TJUE nos Acórdãos Delta Antrepriza, proferido em 03/10/2019 no processo C-267/18, Tim SpA, proferido em 30/01/2020 no processo C-395/18, Rad Service, proferido em 03/06/2021 no processo C-210/20 e HSC Baltic, proferido em 26/01/2023 no processo C-682/21.
Em particular, o acórdão Delta Antrepriza explica que:
«(…)
25. Conforme resulta da redação do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, o legislador da União entendeu atribuir à entidade adjudicante, e só a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação pública (Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.o 34).
26. Esta possibilidade de a entidade adjudicante excluir um proponente de um procedimento de contratação destina-se sobretudo a permitir-lhe apreciar a idoneidade e a fiabilidade de cada um dos proponentes. Em especial, o motivo facultativo de exclusão referido no artigo 57.o, n.o 4, alínea g), da Diretiva 2014/24, conjugado com o considerando 101 desta diretiva, funda-se num elemento essencial da relação entre o adjudicatário do contrato e a entidade adjudicante, a saber, a fiabilidade do primeiro, na qual assenta a confiança que a segunda deposita naquele (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.os 29 e 30).
27. O estabelecimento de uma relação de confiança entre a entidade adjudicante e o adjudicatário pressupõe, assim, que esta entidade adjudicante não esteja automaticamente vinculada pela apreciação feita por outra entidade adjudicante, no âmbito de um contrato público anterior, para poder, nomeadamente, prestar especial atenção ao princípio da proporcionalidade no momento de aplicar os motivos facultativos de exclusão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.os 30 e 32). Com efeito, este princípio exige que seja a própria entidade adjudicante a analisar e apreciar os factos. A este respeito, como salientou o advogado-geral no n.o 32 das suas conclusões, resulta da redação do artigo 57.o, n.o 4, alínea g), da Diretiva 2014/24 que a irregularidade cometida pelo proponente deve ter sido suficientemente grave para justificar a rescisão do contrato à luz do princípio da proporcionalidade.
28. Daqui resulta que uma entidade adjudicante não pode automaticamente deduzir da decisão de outra entidade adjudicante de rescindir um contrato público anterior, com o fundamento de que o adjudicatário subcontratou uma parte das obras sem a sua aprovação prévia, que foram cometidas deficiências significativas ou persistentes por este adjudicatário, na aceção do artigo 57.o, n.o 4, alínea g), da Diretiva 2014/24, relativamente à execução de um requisito essencial desse contrato público.
29. Com efeito, cabe à entidade adjudicante proceder à sua própria avaliação do comportamento do operador económico afetado pela rescisão de um contrato público anterior. A este respeito, deve analisar, com diligência e imparcialidade, com base em todos os elementos pertinentes, nomeadamente a decisão de rescisão, e à luz do princípio da proporcionalidade, se esse operador é, na sua opinião, responsável pelas deficiências significativas ou persistentes cometidas na execução de um requisito essencial que lhe incumbia respeitar no âmbito desse contrato, sendo essas deficiências suscetíveis de provocar a rutura da relação de confiança com o operador económico em causa.
(…)
37. Por último, se concluir que as condições previstas no artigo 57.o, n.o 4, alíneas g) ou h), da Diretiva 2014/24 estão preenchidas, a entidade adjudicante deve, para cumprir as exigências do artigo 57.o, n.o 6, desta diretiva, lido em conjugação com o considerando 102 da mesma, permitir ao operador económico em causa apresentar provas que demonstrem que as medidas corretivas por ele tomadas são suficientes para evitar a repetição da irregularidade que deu origem à rescisão do contrato público anterior e que, por conseguinte, são suscetíveis de demonstrar a sua fiabilidade, apesar da existência de um motivo facultativo de exclusão pertinente.
(…)» (negro nosso)
Aplicando a Jurisprudência europeia citada ao direito nacional, tal quer significar que, para concluir pela subsistência do impedimento descrito na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP, cumpre, em primeiro lugar, averiguar que tipo de atuação assumiu o contraente inadimplente na execução do contrato, designadamente, se as falhas de execução identificadas respeitam a aspetos essenciais do contrato e se são de molde a amputar a relação de confiança entre o contraente público e o operador económico e afetar a fiabilidade deste. Cumpre, também, examinar os danos ou impactos que o interesse público sofreu na sequência da atuação do operador económico incumpridor, especialmente, no que tange à escala de gravidade.
E se se concluir positivamente pela verificação do impedimento atinente ao mau desempenho contratual pretérito, impõe-se permitir ao operador económico em causa apresentar provas que demonstrem que as medidas corretivas por ele tomadas são suficientes para evitar a repetição da irregularidade que deu origem à sanção do contrato público anterior e que, por conseguinte, são suscetíveis de demonstrar a sua fiabilidade, apesar da existência de um motivo facultativo de exclusão pertinente.
Ora, regressando ao caso posto, o que se verifica é que, em boa verdade, a entidade adjudicante, a Recorrente IP, demitiu-se do dever de proceder ao escrutínio quanto à existência do impedimento invocado pela Recorrida Noite e Dia relativamente à Recorrente C..... . Ao invés, a Recorrente IP escudou-se numa argumentação superficial e meramente conclusiva quanto à inverificação de qualquer impedimento, aduzindo que este impedimento não estava demonstrado, quer por os elementos carreados para o procedimento concursal não permitirem extrair ilações referentes à existência de decisão de resolução, mas apenas quanto à intenção de resolver o contrato, quer por a Recorrente C..... ter declarado no DEUCP que não se encontrava impedida e por ter havido impugnação judicial do ato de resolução de um pretérito contrato.
Sucede, porém, que o iter perseguido pela Recorrente IP não é o correto. Realmente, subsistindo qualquer dúvida no horizonte decisório da Recorrente IP no que concerne à efetiva decisão de resolução do sobredito contrato pretérito, celebrado pela Recorrente C..... com a Companhia C.... , bem como à causa que possa ter determinado a resolução contratual, impunha-se à Recorrente IP que efetuasse todas as diligências necessárias e pertinentes ao esclarecimento das dúvidas, incluindo solicitar a clarificação da situação à Companhia C.... e à própria Recorrente C..... que, diga-se, está obrigada a colaborar ativamente com a entidade adjudicante, seja quanto às démarches para a própria verificação do impedimento, seja quanto à relevação do mesmo. De resto, veja-se as considerações tecidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Vossloh, proferido em 24/10/2018 no processo C-124/17, a propósito do dever de diligência por banda das entidades adjudicantes e do dever de colaboração por parte dos concorrentes eventualmente impedidos.
Sendo assim, na medida em que o Tribunal a quo recortou a apontada patologia procedimental, é de concluir que decidiu acertadamente no que tange à anulação do ato de adjudicação, uma vez que não foi respeitada a ratio da al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP.
E não tem qualquer razão a Recorrente C..... quando clama pela aplicação, ao caso vertente, do afastamento do efeito anulatório ao abrigo do preceituado no art.º 163.º, n.º 5, al.s a) e c) do Código do Procedimento Administrativo. Com efeito, resultando a ilegalidade do ato adjudicatório de um vício procedimental e não material, que se relaciona com a aquisição da factologia essencial à apreciação adequada e satisfatória da existência do impedimento descrito na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP, não está este Tribunal de Apelação municiado dos elementos ônticos imprescindíveis à ponderação de qual será a decisão juridicamente mais correta em termos de verificação do impedimento respeitante à Recorrente C..... .
Deste modo, não logra este Tribunal perspetivar credivelmente qual seria o conteúdo do ato adjudicatório acaso não ocorresse a ilegalidade identificada, e se tal conteúdo só poderia ser correspondente ao do ato agora anulado. É que, não se olvide que a temática agora em análise convoca, inevitavelmente, espaços de discricionariedade, exigindo o sopeso do casuísmo por forma a alcançar uma convicção quanto à existência, ou não, de deficiências significativas na execução de um pretérito contrato público, e apurar se as mesmas conduziram à decisão de resolução do contrato celebrado entre a Recorrente C..... e a Companhia C.... , em harmonia com o estipulado na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP.
Por conseguinte, não procede, nesta parte, a censura que as Recorrentes dirigem à sentença recorrida, claudicando, por isso, os recursos quanto a esta questão.
(…)»
Observando o excerto do Aresto que se transcreveu antecedentemente, constata-se uma similitude com algumas das questões postas nos vertentes autos, designadamente, no que tange à existência do ato sancionatório resolutivo emitido pela C.... no aludido pretérito contrato celebrado com a agora Recorrida C..... , no que concerne ao dever da entidade adjudicante de- não obstante o ato sancionatório estar impugnado judicialmente- fiscalizar a existência de uma situação de bad past performance relevante para efeitos de avaliação da ocorrência do impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. i) do CCP, e no que respeita ao dever de diligência e instrução da entidade adjudicante no sentido de se municiar de toda a informação relevante para poder fiscalizar com eficácia a existência do impedimento agora em apreço.
O que quer dizer que, não pode deixar de se aplicar ao caso versado a fundamentação exarada naqueloutro processo no que se refere às enumeradas questões.
Todavia, o caso presente distancia-se do remanescentemente julgado naqueloutro processo n.º 26/22.3BELSB, pois que, enquanto neste a agora Recorrida C..... não teve a oportunidade de acionar o mecanismo de self cleaning, nos termos descritos no art.º 55.º-A do CCP, no caso dos vertentes autos a Recorrida acionou, efetivamente, o mecanismo de relevação do impedimento previsto no indicado art.º 55.º, tendo tido a oportunidade de exercer o seu direito correspondente.
Realmente, é de ressaltar que, quer no próprio DEUCP, quer numa declaração que juntou com a sua própria proposta, a Recorrida C..... reconheceu subsistir uma situação passível de ser subsumida no normativo inserto na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP, oferecendo de imediato alguma clarificação, embora breve, sobre os factos que causaram a resolução sancionatória do contrato com a C.... , bem como quanto às medidas que tomou desde então em ordem a evitar que se repetisse a mesma situação de incumprimento quanto a contratos futuros.
Impõe-se anotar nesta oportunidade que, consonantemente com a jurisprudência explanada no Acórdão RTS- proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 14/01/2021 no processo C-387/19-, que a Diretiva 2014/24/EU, no seu art.º 57.º, n.ºs 5, 6 e 7, nada estipula quanto ao momento em que deve ser declarada ou reconhecida a existência do impedimento- mormente, o descrito na al. g) do n.º 4 do mesmo preceito-, bem assim como nada estabelece quanto ao momento em que deve ser solicitado ou espoletado o mecanismo de relevação daquele mesmo impedimento. O que quer significar que, na economia da Diretiva, a invocação e prova das medidas de self cleaning tanto pode suceder por iniciativa dos próprios operadores económicos como pode ser desencadeada pela entidade adjudicante, do mesmo modo que tanto pode ser exercida no momento de apresentação da candidatura ou proposta, como numa fase posterior do procedimento, desde que em tempo útil, ou seja, em oportunidade que permita a reversão do projeto de decisão de adjudicação ou da própria decisão de adjudicação.
Decorre, também, da interpretação fixada pelo TJUE que o operador económico visado deve ter a possibilidade, antes de a entidade adjudicante tomar a decisão de exclusão, de invocar e de fazer examinar as medidas corretivas que, em seu entender, permitem remediar um motivo de exclusão que lhe diga respeito, podendo esperar e contar que a entidade adjudicante, em consideração do direito de defesa, possibilite efetivamente ao operador económico visado o debate sobre a existência do impedimento e da tomada de medidas corretivas adequadas antes da emissão da decisão de exclusão daquele operador do procedimento concursal.
Finalmente, não é de somenos importância realçar que o Aresto em análise reconhece expressamente efeito direto ao art.º 57.º, n.º 6 da Diretiva 2014/24/EU.
E, como já se explicou em momento anterior, a interpretação firmada pela Instância Europeia nos sobreditos Arestos vincula este Tribunal, em consonância com o que deriva dos art.ºs 4.º e 19.º, n.º 3, al. b) do Tratado da União Europeia (somente TUE em diante) e 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante, apenas TFUE), pelo que não pode este Tribunal de Apelação deixar de aplicar a citada Jurisprudência da Instância Jurisdicional Europeia ao caso versado.
Tendo a Recorrida C..... tido a oportunidade de exercer o seu direito de defesa e acionar o mecanismo de relevação do impedimento, nos termos conformes ao art.º 55.º-A do CCP, cumpre averiguar, então, se ocorre realmente o impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP quanto à Recorrida C..... , estando a mesma impedida de participar no procedimento concursal visado nestes autos.
Comece-se, desde logo, por dizer que não basta a satisfação de uma das condições elencadas na segunda parte da norma inscrita na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º para que se dê por consumado o impedimento. É ainda necessário que a decisão sancionatória do contraente público tenha derivado diretamente de «deficiências significativas ou persistentes» na execução do contrato público por parte do cocontratante.
Quer isto dizer, simplesmente, que a verificação do impedimento não decorre automaticamente da emissão, por parte do contraente público, de um ato sancionatório da atuação ilícita do cocontratante, ou seja, da atuação inadimplente deste.
Com efeito, o afastamento do carácter automático na verificação da existência de impedimento decorrente da prática de ilícitos contratuais pretéritos tem sido proclamada pela Jurisprudência europeia, por tal se apresentar incompatível com o princípio da proporcionalidade e inviabilizar, de certo modo, a operatividade do mecanismo de self cleaning. Veja-se, a este propósito, as explicitações prolatadas pelo TJUE nos Acórdãos Delta Antrepriza, proferido em 03/10/2019 no processo C-267/18, Tim SpA, proferido em 30/01/2020 no processo C-395/18, Rad Service, proferido em 03/06/2021 no processo C-210/20 e HSC Baltic, proferido em 26/01/2023 no processo C-682/21.
Em particular, o acórdão Delta Antrepriza explica que:
«(…)
25. Conforme resulta da redação do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, o legislador da União entendeu atribuir à entidade adjudicante, e só a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação pública (Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.o 34).
26. Esta possibilidade de a entidade adjudicante excluir um proponente de um procedimento de contratação destina-se sobretudo a permitir-lhe apreciar a idoneidade e a fiabilidade de cada um dos proponentes. Em especial, o motivo facultativo de exclusão referido no artigo 57.o, n.o 4, alínea g), da Diretiva 2014/24, conjugado com o considerando 101 desta diretiva, funda-se num elemento essencial da relação entre o adjudicatário do contrato e a entidade adjudicante, a saber, a fiabilidade do primeiro, na qual assenta a confiança que a segunda deposita naquele (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.os 29 e 30).
27. O estabelecimento de uma relação de confiança entre a entidade adjudicante e o adjudicatário pressupõe, assim, que esta entidade adjudicante não esteja automaticamente vinculada pela apreciação feita por outra entidade adjudicante, no âmbito de um contrato público anterior, para poder, nomeadamente, prestar especial atenção ao princípio da proporcionalidade no momento de aplicar os motivos facultativos de exclusão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.os 30 e 32). Com efeito, este princípio exige que seja a própria entidade adjudicante a analisar e apreciar os factos. A este respeito, como salientou o advogado-geral no n.o 32 das suas conclusões, resulta da redação do artigo 57.o, n.o 4, alínea g), da Diretiva 2014/24 que a irregularidade cometida pelo proponente deve ter sido suficientemente grave para justificar a rescisão do contrato à luz do princípio da proporcionalidade.
28. Daqui resulta que uma entidade adjudicante não pode automaticamente deduzir da decisão de outra entidade adjudicante de rescindir um contrato público anterior, com o fundamento de que o adjudicatário subcontratou uma parte das obras sem a sua aprovação prévia, que foram cometidas deficiências significativas ou persistentes por este adjudicatário, na aceção do artigo 57.o, n.o 4, alínea g), da Diretiva 2014/24, relativamente à execução de um requisito essencial desse contrato público.
29. Com efeito, cabe à entidade adjudicante proceder à sua própria avaliação do comportamento do operador económico afetado pela rescisão de um contrato público anterior. A este respeito, deve analisar, com diligência e imparcialidade, com base em todos os elementos pertinentes, nomeadamente a decisão de rescisão, e à luz do princípio da proporcionalidade, se esse operador é, na sua opinião, responsável pelas deficiências significativas ou persistentes cometidas na execução de um requisito essencial que lhe incumbia respeitar no âmbito desse contrato, sendo essas deficiências suscetíveis de provocar a rutura da relação de confiança com o operador económico em causa.
(…)
37. Por último, se concluir que as condições previstas no artigo 57.o, n.o 4, alíneas g) ou h), da Diretiva 2014/24 estão preenchidas, a entidade adjudicante deve, para cumprir as exigências do artigo 57.o, n.o 6, desta diretiva, lido em conjugação com o considerando 102 da mesma, permitir ao operador económico em causa apresentar provas que demonstrem que as medidas corretivas por ele tomadas são suficientes para evitar a repetição da irregularidade que deu origem à rescisão do contrato público anterior e que, por conseguinte, são suscetíveis de demonstrar a sua fiabilidade, apesar da existência de um motivo facultativo de exclusão pertinente.
(…)» (negro nosso)
Aplicando a Jurisprudência europeia citada ao direito nacional, tal quer significar que, para concluir pela subsistência do impedimento descrito na al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP, cumpre, em primeiro lugar, averiguar que tipo de atuação assumiu o contraente inadimplente na execução do contrato, designadamente, se as falhas de execução identificadas respeitam a aspetos essenciais do contrato e se são de molde a amputar a relação de confiança entre o contraente público e o operador económico e afetar a fiabilidade deste. Cumpre, também, examinar os danos ou impactos que o interesse público sofreu na sequência da atuação do operador económico incumpridor, especialmente, no que tange à escala de gravidade.
Em
segundo lugar, se se concluir positivamente pela verificação do impedimento atinente ao mau desempenho contratual pretérito, impõe-se permitir ao operador económico em causa apresentar provas que demonstrem que as medidas corretivas por ele tomadas são suficientes para evitar a repetição da irregularidade que deu origem à sanção do contrato público anterior e que, por conseguinte, são suscetíveis de demonstrar a sua fiabilidade, apesar da existência de um motivo facultativo de exclusão pertinente.
Sopesando a jurisprudência e as diretrizes elencadas supra, e revertendo ao caso posto, importa anotar, atendendo à factualidade consagrada nos pontos E, E.1 e H do probatório, que o pretérito contrato cuja execução esteve na base da edição do ato sancionatório, foi celebrado com a C.... em 01/07/2019 e resolvido em 06/12/2019. Mais resulta da mesma factualidade que os incumprimentos que estiveram na base da resolução respeitam ao número de vigilantes, ao número de rondas e à existência de turnos de 12 horas, situações que sucederam durante o mês de agosto de 2019.
É possível concluir do que vem de se expor que, os incumprimentos das obrigações contratuais por banda da recorrida C..... acontecerem praticamente logo no início da execução do contrato e apenas durante um mês- o mês de agosto, tradicionalmente preferido para o gozo de férias. No entanto, o contrato manteve a sua vigência durante mais quatro meses, sem que tenha sido assinalada, por parte da C.... , qualquer deficiência na execução do mesmo em momento posterior ao mês de agosto.
Sendo assim, é credivelmente de assumir que o incumprimento de obrigações contratuais por parte da Recorrida C..... só sucedeu durante um único mês, o de agosto, não tendo, posteriormente, voltado a repetir-se o incumprimento das mesmas obrigações contratuais, nem de quaisquer outras.
O que quer dizer que o prejuízo e impacto imediatos que advieram do incumprimento do contrato consistiram na deficiente execução da prestação dos serviços de vigilância e segurança durante um mês e causaram a necessidade de proceder à celebração antecipada de um novo contrato para prestação dos mesmos serviços. Todavia, para além dessas circunstâncias, inexiste aparentemente qualquer outro dano ou impacto, não se sabendo, de resto, se ocorreram outros prejuízos diretamente imputáveis à deficiente execução dos serviços de vigilância e segurança.
Sendo assim, é de concluir que, aparentemente, os danos e impactos registados no interesse público não são significativos, nem persistentes.
E, por assim ser, deve ter-se por demonstrado que as deficiências reveladas pela Recorrida C..... na execução do contrato celebrado com a C.... não são significativas ou persistentes, ou, no mínimo, que os dados constantes dos presentes autos não permitem concluir que aquelas deficiências são significativas ou persistentes. Pelo que, não pode ter-se por verificada a existência do impedimento descrito no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP no que se refere à Recorrida C..... .
Mas ainda que, porventura, se alcançasse conclusão positiva quanto à ocorrência do impedimento atinente ao mau desempenho contratual pretérito, sempre se impõe, nos termos do disposto no art.º 55.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CCP, examinar o pedido de relevação formulado pela Recorrida C..... , e que se encontra vertido no próprio DEUCP, bem como na declaração que junta na sua proposta (cfr. pontos E e E.1 do probatório).
Cita-se, nesta oportunidade, o Acórdão Rad Service, proferido pelo TJUE em 03/06/2021 no processo C-210/20, a propósito da interpretação do n.º 6 do art.º 57.º da Diretiva 2014/24/EU,
«(…)
35. Ora, em primeiro lugar, o objetivo do artigo 57.o da Diretiva 2014/24, que é igualmente o prosseguido pelo seu artigo 63.o, é permitir à autoridade adjudicante assegurar-se da integridade e da fiabilidade de cada um dos proponentes e, logo, de que não há rutura do vínculo de confiança com o operador económico em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2019, Meca, C-41/18, EU:C:2019:507, n.o 29, e de 3 de outubro de 2019, Delta Antreprizã de Construcestatísticos Montaj ºi 93, C-267/18, EU:C:2019:826, n.o 26). É nesta perspetiva que o artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o considerando 102 desta, garante, por princípio, o direito de qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.os 1 e 4 desta disposição fornecer provas de que as medidas que tomou são suficientes para comprovar a sua fiabilidade não obstante a existência de um motivo de exclusão pertinente.
(…)
37. Só a título subsidiário, portanto, e se a entidade à qual é oposta uma causa de exclusão referida no artigo 57.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2014/24 não tiver adotado nenhuma medida corretiva, ou se as que adotou forem consideradas insuficientes pela autoridade adjudicante é que esta última pode ou, se o seu direito nacional a isso a obrigar, deve exigir ao proponente que proceda à substituição da referida entidade.
(…)»
Como se explanou em momento anterior, o direito a acionar o mecanismo de relevação constitui uma exigência dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, princípios estes que consubstanciam algumas das traves mestras do direito europeu da contratação pública.
O que quer dizer que, no caso dos autos, não pode deixar de se valorizar os esclarecimentos prestados pela Recorrida C..... no que toca à demonstração da sua idoneidade e fiabilidade, não obstante a existência daquela resolução sancionatória num pretérito contrato público.
Neste ensejo, a Recorrida invoca que, o incumprimento das obrigações no contrato celebrado com a C.... tratou-se de uma situação pontual, isolada e de curta duração, visto que, desde a data da celebração daquele pretérito contrato, em 01/07/2019, até ao vertente momento já celebrou mais de 216 contratos públicos, não tendo ocorrido incumprimentos em mais nenhum contrato que tenha determinado a aplicação de multas contratuais ou a resolução do contrato.
Mais invoca a Recorrida que adotou medidas técnicas, organizativas e de pessoal por forma a garantir capacidade para executar a prestação dos serviços de vigilância e segurança que contratualiza, dispondo de cerca de 1800 vigilantes e estando preparada com uma bolsa de recrutamento ativa, que permite contratar celeremente novos vigilantes no caso de tal vir a ser necessário. Referencia que detém no seu quadro de pessoal um número adequado de supervisores e que procedeu a uma reorganização da sua estrutura, de modo a realizar um acompanhamento mais intenso da execução dos contratos- incluindo das operações no terreno-, dos clientes e do gestor do contrato.
Alude, finalmente à certificação alcançada em termos de gestão da qualidade dos serviços prestados, bem como na área da gestão ambiental.
Ora, ante a explanação apresentada pela Recorrida C..... , entendemos ser de concluir que a adoção das enumeradas medidas de pessoal, organizativas e de certificação, apresentam-se idóneas, razoáveis e adequadas à minimização do risco identificado de incumprimento contratual, sendo aptas a restabelecer a fiabilidade da Recorrida e a confiança enquanto operador económico capaz de prestar os serviços de vigilância e segurança nos termos contratados.
Estão, portanto, satisfeitos os condicionalismos elencados nos n.ºs 2 e 3 do art.º 55.º-A do CCP para a relevação do impedimento que recai sobre a Recorrida C..... , acaso o mesmo se verificasse.
Deste modo, a Recorrida C..... não poderá ser excluída do procedimento pré-contratual, em virtude, de qualquer modo, da relevação do impedimento enumerado no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP.
Pelo que, resulta imperativa a conclusão de que a sentença recorrida não merece ser revogada, visto que, não obstante ter trilhado um raciocínio fundamentador desacertado, acabou por acertar no sentido da decisão a conferir à disputa.
Desta feita, ante o exposto, impera assumir que não ocorre o impedimento previsto no art.º 55.º, n.º 1, al. l) do CCP quanto à Recorrida C..... , e ainda que porventura ocorresse, o mesmo deveria ser relevado, em harmonia com o disposto no art.º 55.º-A, n.ºs 2 e 3 do mesmo CCP.
Sendo assim, nada obstaculiza a participação da Recorrida C..... no procedimento concursal em discussão nos presentes autos, inexistindo a causa para impedir a Recorrida de participar no procedimento concursal.
E, por esse fundamento, também não se verifica a ilegalidade do ato de adjudicação que a Recorrente reclama, nem o contrato celebrado posteriormente entre as agora Recorridas pode ser anulado com base na verificação do desrespeito do estatuído nos art.ºs 70.º, n.º 2, al.s e) e f) e 55.º, n.º 1, al. l) do CCP, uma vez que não ocorre qualquer violação destes normativos por parte da proposta apresentada pela Recorrida C..... .

Desta feita, ante o exposto, impera concluir que o recurso não merece provimento, confirmando-se a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação, no tocante à decisão de improcedência da ação, mantendo-se o demais julgado relativamente ao afastamento do efeito anulatório do contrato e à redução da duração do mesmo contrato.


*
Considerando o elevado valor da presente ação de contencioso pré-contratual, procede-se, nos termos previstos no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, à dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida neste recurso, por se entender proporcional à complexidade fáctico-jurídica envolvida no vertente litígio.



V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pelo recurso a cargo da Recorrente, sem prejuízo da dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de novembro de 2024,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora

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Catarina Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela- com declaração de voto

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Ana Carla Teles Duarte Palma



Declaração de voto:
Voto a decisão, mas não a totalidade dos seus fundamentos - concretamente não concordo com o entendimento veiculado aquando da análise da alegada violação do art. 55º n.º 1, al. l), do CCP, de que as deficiências reveladas não são significativas, nem persistentes (cfr. págs. 87-88) -, pelas razões a seguir elencadas.
Da factualidade dada como provada (cfr. maxime alínea H), dos factos provados, em especial a teor do doc. 9, aí referido) decorre que:
- entre a C.... e a C..... foi celebrado um contrato para prestação de serviço similar ao ora em causa (vigilância humana para as instalações da C.... ); - em Agosto de 2019 a C.... constatou repetidos incumprimentos das obrigações contratuais, nomeadamente por de modo reiterado serem afectos vigilantes em número inferior ao contratado e realizadas rondas em número muito inferior ao previsto (incumprimentos descritos na listagem que consta do doc. 9, referido na alínea H), dos factos provados);
- enviada carta datada de 26.9.2019 pela C.... à ora autora para se pronunciar sobre os incumprimentos e corrigi-los no prazo de 15 dias, não foi emitida pronúncia sobre os incumprimentos, pelo que foram aplicadas penalidades contratuais no valor global de € 3 422 750,23 e, como o valor das penalidades ultrapassava 30% do preço contratual (€ 1 752 138,48), a C.... rescindiu o contrato, nomeadamente ao abrigo do art. 333º n.º 1, al. e), do CCP, o que foi comunicado por carta datada de 3.12.2019.
Desta factualidade extrai-se que a resolução do contrato comunicada pela C.... à C..... por carta de 3.12.2019 assentou numa deficiência persistente (repetidos incumprimentos das obrigações contratuais, nomeadamente por de modo reiterado serem afectos vigilantes em número inferior ao contratado e realizadas rondas em número muito inferior ao previsto, incumprimentos que a autora não repudiou, já que, na sequência do envio da carta datada de 26.9.2019, não emitiu pronúncia sobre os mesmos) e significativa (atenta a reiteração desses incumprimentos, tem de se considerar que também existiu uma deficiência significativa, o que é corroborado pelo montante que as multas contratuais atingiram - € 3 422 750,23) na execução de contrato para prestação de serviço similar ao ora em causa (serviços de vigilância humana), concretamente na falta de meios (afectação de vigilantes) e na falta de realização de serviços (de rondas) que são essenciais no contrato ora em causa nestes autos, ou seja, as deficiências que se verificaram na execução do contrato que a C..... celebrou com a C.... provocam a ruptura da relação de confiança com a C..... , pelo que se considera que a sentença recorrida violou o art. 55º n.º 1, al. l), do CCP, ao não julgar verificado o impedimento aí previsto (sem prejuízo de se concordar com o entendimento plasmado no presente acórdão de que estão satisfeitos os condicionalismos para a relevação deste impedimento).
Catarina Gonçalves Jarmela