Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:308/18.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:ART. 45.º N.º 5 DA LGT
CADUCIDADE
ALARGAMENTO DO PRAZO
Sumário:I - Nos termos do art. 45.º n.º 5 da LGT, o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do mesmo artigo «é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano», nos casos em que «a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal»;

II - Este alargamento do prazo de caducidade exige apenas que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A sociedade I.........., Lda., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida, em 25 de Junho de 2024, pelo TAF de Almada, que julgou a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício do ano de 2011, improcedente.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«1. O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação Judicial apresentada pela Recorrente contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) correspondente ao ano 2011 por entender que ainda não ter decorrido o prazo da caducidade previsto nos n.°s 1 e 4 do art.° 45° da LGT.

2. Fundamentou a sua decisão no facto de existir o inquérito criminal n.° 195/11.8TAALM, instaurado contra os sócios da Recorrente, J.......... e E.........., na 1.ª Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Almada, que suspendeu o prazo de caducidade da liquidação do IRC.

3. Pensa-se que fundamentou a decisão em factos e pressupostos errados, na medida em que, certamente por lapso, refere “...que a denúncia que deu origem ao inquérito mencionava expressamente irregularidades fiscais ao nível do IRC da Impugnante...”, o que não corresponde à verdade.

4. As denúncias que deram origem ao inquérito criminal não mencionavam expressamente irregularidades fiscais ao nível do IRC, nem isso consta sequer dos factos provados na douta Sentença, nem no inquérito criminal existe qualquer referência factual ao IRC.

5. A investigação feita no âmbito do inquérito destinou-se a apurar se as irregularidades denunciadas consubstanciavam a prática de crime, designadamente, de burla e de fraude fiscal.

6. O Ministério Público proferiu um despacho, em 25-03-2015, a determinar a constituição de uma “Equipa Mista entre a Polícia Judiciária e a Autoridade Tributária” para a investigação de factos suscetíveis de integrar o crime de fraude fiscal, branqueamento de capitais, entre outros.

7. Posteriormente, em 21-11-2017, foi realizado um procedimento externo de inspeção tributária à Impugnante, relativamente aos exercícios de 2010 a 2013.

8. A seguir, em 11-12-2017, na sequência daquela inspeção, funcionários da Direção de Finanças de Setúbal afixaram “Nota de marcação de hora certa” na porta do estabelecimento da Recorrente, com marcação de nova deslocação no dia 12-12-2017, o que cumpriram, afixando “certidão de verificação de hora certa” com a finalidade de notificar o representante legal da Requerente, do projeto relatório da inspeção.

9. No dia 27-12-2017, foi elaborado o “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA”, que efetuou correções à matéria tributável, em sede de IRC, para o ano de 2011.

10. Em 29-12-2017, foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2011, da qual resulta um montante de imposto a pagar no valor de € 17.113,10, tendo sido remetida para a caixa de correio eletrónico da Impugnante, em 04-01-2018.

11. O inquérito criminal n.° 195/11.8TAALM veio a ser arquivado em 13-09-2019, “(...) por não ter sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da prática do referido ilícito penal, e no que diz respeito ao crime de fraude fiscal (...) - uma vez que se recolher prova bastante de se não ter praticado o mencionado crime.”

12. Resumindo:

a) A inspeção tributária teve início em 21-11-2017, depois de decorrido mais de quatro anos desde o final do ano fiscal em que se verificou o facto tributário;

b) E embora o n.° 5 o art.° 45° da LGT preveja que o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal”;

c) A jurisprudência dos tribunais superiores, tem entendido, de forma unânime, que esta norma apenas exige uma identidade objetiva, entre os factos tributários e os factos objeto de inquérito criminal, o que não sucedeu nos presentes autos;

d) Pois o escopo do processo-crime foi averiguar se as irregularidades detetadas no preenchimento de fichas clínicas dos beneficiários do SAD - PSP, bem como elevados números de consultas de clínica geral e estomatologia de alguns beneficiários e seus familiares, eram passíveis de preencher o tipo dos crimes de burla qualificada ou de fraude fiscal;

e) E foi com base essa factualidade que o Ministério Público pediu o apoio da Autoridade Tributária e Aduaneira, para aferir da eventual prática de ilícito criminal;

f) Ora, tendo sido no âmbito da investigação criminal que foi iniciado o procedimento de inspeção tributária que deu origem à liquidação impugnada, se compararmos os factos subjacentes e investigados no âmbito do procedimento criminal e os factos subjacentes ao ato de liquidação, conclui-se que não existe uma coincidência objetiva entre os mesmos;

g) Só nas situações em que a liquidação resulta de factos apurados em processo- crime se justifica o alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo 45.°, n.° 5 da LGT;

13. Portanto, o prazo de caducidade referente ao IRC de 2011 iniciou a sua contagem em 31 de dezembro de 2011, pelo que, não se verificando causas de suspensão, o prazo de caducidade terminou em 31 de dezembro de 2015.

14. Acontece que a liquidação adicional de IRC impugnada foi emitida em 29-12-2017, após o prazo de caducidade do direito.

15. Pelo que devia o Tribunal a quo ter julgado procedente o vício de caducidade do direito à liquidação de IRC do ano 2011.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim

Justiça!»

****

A Recorrida, Fazenda Pública, notificada para o efeito, não contra-alegou.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
****
Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento, de facto e de direito, por não ter julgado procedente o vício da caducidade do direito à liquidação, por se aplicar o alargamento do prazo, previsto no art. 45.º n.º 5 da LGT.
****

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante «I.........., Lda.» é uma sociedade que exerce a atividade de "Actividades Prática Médica Clínica Geral, Ambulatório'', com o CAE 86210. [cfr. "RIT" de fls. 11/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

B) A Impugnante «I.........., Lda.» tem sede social na "Rua do Feijó, n.° …….— cave — esq., 2810-…… — Almada". [cfr. Certidão permanente - Anexo 1A do RIT de fls. 113/1147 do PA a fls. 65-356 dos auto e facto que se extrai da petição inicial e depoimento da testemunha];

C) O capital social da impugnante é detido, em quotas iguais, por E.........., gerente da sociedade, e J........... [cfr. Certidão permanente - Anexo 1A do RIT de fls. 113/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

D) J.......... é sócio e diretor clínico da sociedade Impugnante desde 2003. [cfr. prova testemunhal];

E) Em sede de IRC, a sociedade impugnante encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, desde 27 de Outubro de 2003. [cfr. "RIT" de fls. 11/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

F) Em sede de IRC, a sociedade impugnante encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, desde 27 de Outubro de 2003. [cfr. "RIT" de fls. 11/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

G) Durante o ano de 2011 foi instaurado processo de inquérito crime, contra a «Implantemédica», «J..........» e «E..........«, que correu termos com o n.° 195/11.8TAALM no DIAP - 3.ª Seção de Almada, por alegado crime de Burla qualificada, praticado em 2010. [cfr. de fls. 1485 dos autos];

H) Em 10 de Maio de 2012 o DIAP de Almada solicitou, no âmbito do processo n.° n.° 195/11.8TAALM, aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira dados fiscais, por referência, entre outros, à Impugnante. [cfr. de fls. 1485 dos autos];

I) Em data que o Tribunal não conseguiu apurar, mas seguramente durante o ano de 2013 foi instaurado processo de inquérito crime, n.° 1345/13.5TAALM no DIAP - 3.ª Seção de Almada, o qual foi incorporado no processo n.° 195/11.8TAALM, mencionado em G). [cfr. de fls. 1519 dos autos];

J) Em 25 de Março de 2015 foi remetido pelo Ministério Público à AT despacho a determinar a constituição de uma equipa mista para investigação, entre outros, da Impugnante no quadro de possível crime de fraude fiscal no âmbito do inquérito n.° 195/11.8TAALM. [cfr. de fls. 1485 dos autos];

K) Através do ofício da AT n.° 019652 de 21 de Novembro de 2017, foi enviado à Impugnante a "CARTA AVISO" com respeito às Ordens de Serviço OI201701081, OI201701082, OI201701083 e OI201701084. [cfr. doc. 4 da pi];

L) Ao abrigo das Ordens de Serviço n.° OI201701081, OI201701082, OI201701083 e OI201701084, de 21 de Novembro de 2017, foi efetuada pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal uma ação inspetiva, à Impugnante, de âmbito geral com referência aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013. [cfr. "RIT" de fls. 10/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

M) Em 28 de Novembro de 2017, foi assinado, por E.........., na qualidade de sócia gerente da sociedade «I.........., Lda.», o documento "Notificação", no qual se lê, em extrato: "(...) facultar os seguintes elementos: - Comprovativos dos valores contabilizados como gastos na conta 631 - PPR (...)" [cfr. Anexo 11 do RIT de fls. 1125 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

N) Através do ofício da AT de 7 de Dezembro de 2017 com o n.° 20444 foi enviado à Impugnante o projeto do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) elaborado na sequência da inspeção tributária efetuada para, querendo, exercer o direito de audição (nos termos do art.° 60.° do RCPITA). [cfr. Anexo 12 do "RIT" de fls.1134/1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

O) Em 11 de Dezembro de 2017 foi elaborado o documento «NOTA DE MARCAÇÃO DE HORA CERTA - AFIXAÇÃO», assinado por 1 funcionária da AT e 1 testemunha (funcionária) da AT:

"Certifico que hoje, 11 de dezembro de 2017, pelas 15h30 horas, me desloquei à Rua do Feijó n.° …..RC esq a fim de notificar o representante legal da sociedade I.........., Lda. (...) do ofício n.° 204447 de 07/12/2017 (...) não pude levar a efeito essa diligência.

Não se encontrando igualmente qualquer pessoa capaz de transmitir os termos da notificação, procedo à afixação, na porta da sede do sujeito passivo, da presente Nota de Marcação de Hora Certa. (...)" [cfr. Anexo 12 do RIT de fls. 1128 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

P) Em 12 de Dezembro de 2017 foi elaborado o documento «CERTIDÃO DE VERIFICAÇÃO DE HORA CERTA - AFIXAÇÃO», assinado por 1 funcionária da AT e 2 (funcionárias) testemunhas:

"Certifico que hoje, 12 de dezembro de 2017, pelas 15h30 horas ... voltei à Rua do Feijó n.° …… RC esq a fim de notificar o representante legal da sociedade I.........., Lda. (...).

A notificação da presente Certidão foi efetuada na porta da sede do sujeito passivo, por não se encontrar qualquer pessoa capaz de transmitir a notificação ao gerente.

O objeto da notificação e documentos ficam à disposição do notificando nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal (...)." [cfr. Anexo 12 do RIT de fls. 1127 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

Q) Foi enviado, por carta registada, o ofício de 13 de Dezembro de 2017 com o n.° 20668, para o representante legal da «I.........., Lda.» - Rua do Feijó n.° ….. Esq - 2810-…. Almada", com o assunto: "Carta a que se refere o art.° 233.° do Código de Processo Civil" no qual se lê, em extrato:

"(...) informa-se que ficou notificado naquela morada, seu domicilio fiscal, do ofício n.° 020444, de 07-12-2017, que constitui notificação do projeto de relatório da ação inspetiva pelas ordens de serviço OI201701081/2/3/4.(...)

Juntam-se em anexo: - Cópia da "nota de Marcação com Hora Certa"; - Cópia da Certidão de Verificação de Hora Certa"; - Cópia do ofício n.° 020444 de 07-12-2017." [cfr. Anexo 12 do RIT de fls. 1126 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

R) Foi enviado, por carta registada, o ofício de 13 de Dezembro de 2017 com o n.° 20669, para o representante legal da «I.........., Lda.» - Rua do Cacheu n.° ……. Almada", com o assunto: "Carta a que se refere o art.° 233.° do Código de Processo Civil". [cfr. Anexo 12 do RIT de fls. 1131 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

S) Foi enviado, por carta registada, o ofício de 13 de Dezembro de 2017 com o n.° 20667, para o "representante legal da «I.........., Lda.» - Rua do Feijó n.°…. CV Esq - 2810-…. Almada", com o assunto: "Carta a que se refere o art.° 233.° do Código de Processo Civil'' no qual se lê, em extrato:

"(...) informa-se que ficou notificado naquela morada, seu domicilio fiscal, para assinatura das notas de diligência n.° NDO2017448, NDO2017449, NDO2017450 e NDO2017451. (...)" [cfr. Anexo 13 do RIT de fls. 1136 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

T) Foi enviado, por carta registada, o ofício de 13 de Dezembro de 2017 com o n.° 20667, para o "representante legal da «I.........., Lda.» - Rua do Cacheu n.° ….. Almada", com o assunto: "Carta a que se refere o art.° 233.° do Código de Processo Civil". [cfr. Anexo 13 do RIT de fls. 1140 de 1147 do PA a fls. 1128 dos autos];

U) Em 27 de Dezembro de 2017, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) no âmbito do qual foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética em sede de IRC nos montantes de €36.377,27 (2010), €38.662,55 (2011), €47.340,48 (2012), €27.217,70 (2013). [cfr. "RIT" de fls. 10/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

V) Com referência à correção de natureza meramente aritmética, em sede de IRC (2011) refere o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) o seguinte:

"III.2 CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL - IRC

III.2.1 - ENCARGOS NÃO DEDUTÍVEIS PARA EFEITOS FISCAIS, NOS TERMOS DO ARTIGO 23.° DO CIRC:

"Apenas são fiscalmente dedutíveis os gastos suportados pela empresa e indispensáveis à realização dos proveitos e ganhos ou à manutenção da fonte produtora, conforme resulta do artigo 23.° do CIRC.

Da análise efetuada verificou-se que o sujeito passivo não respeitou o princípio da tributação efetiva do rendimento real, e não só considerou como gasto efetivo o gasto corretamente contabilizado, mas também considerou despesas pessoais e despesas de terceiros.

Foram assim apuradas correções que conduzem à alteração da situação tributária do sujeito passivo, praticadas nos períodos de 2010 a 2013, por afetarem de forma indevida os resultados fiscais, sendo de corrigir, conforme se descreve:

Foram analisados os documentos e os requisitos necessários à dedutibilidade dos gastos considerados indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Os gastos fiscais não se restringem apenas ao disposto no artigo 23.° do CIRC, mas integram também outras categorias de gastos e encargos previstos nos artigos 34.° e 45.° do CIRC, os quais são suscetíveis de serem dedutíveis fiscalmente e assim concorrem para a formação do lucro tributável.

III.2.1.2 - FORNECIMENTO SERVIÇOS EXTERNOS (FSE)

Ainda em relação aos gastos, é exigido que tenham um único destinatário ou uma única categoria de destinatários-, isto é, que tenham sido suportados pela própria empresa e não por sujeitos alheios à empresa.

Na análise efetuada aos documentos de suporte aos gastos relacionados no quando seguinte, conclui-se que houve gastos suportados pela empresa, mas referentes a despesas realizadas por terceiros estranhos a sociedade, e que concorreram para a determinação da matéria coletável de IRC.

Não concorrem para a formação do lucro tributável os valores abaixo indicados, por estarem relacionados com despesas da esfera pessoal dos sócios.

Anexo 3 — encargos relacionados com despesas não dedutíveis para efeitos fiscais no ano 2010;
Anexo 5 - encargos relacionados com despesas não dedutíveis para efeitos fiscais no ano 2011;
Anexo 7 - encargos relacionados com despesas não dedutiveis para efeitos fiscais no ano 2012;
Anexo 9 - encargos relacionados com despesas não dedutiveis para efeitos fiscais no ano 2013;


Os valores constantes do quadro anterior, cujos documentos de suporte permitiram verificar que as despesas nelas constantes não são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.° do CÍRC, estão registados nas seguintes subcontas:
- 6241 - Eletricidade, referente às moradias situadas em Verdizela, Armação de Pera e Feijó;
- 6262 - Comunicação, referente a despesas de R..........(filho dos sócios);
- 623 e 6267- limpeza, higiene e conforto, referente a despesas com supermercado (mercearia, carne, peixe e outros bens de consumo), despesas com roupas, calçado, perfumes, cremes e viagens do R……...

III.2.1.3 - Planos de Poupança e Reforma (PPR)
Os valores contabilizados na conta 631 - PPR por contrapartida da conta 1213 - BES, consideram-se gastos, do período de tributação, ao abrigo do artigo 23.° do IRC, sem limite, desde que os benefícios sejam estabelecidos para todos os trabalhadores, nos termos do artigo 43.° do CIRC.

De salientar também que nos termos do art. 43° do CIRC (realizações de utilidade social) são dedutíveis os gastos, do período de tributação, feitos em benefício do pessoal da empresa desde que tenham carácter geral.

Na análise efetuada verificou-se que estes benefícios não foram estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem, nos termos do n.° 4 do artigo 43.° do CIRC (realizações de utilidade social).

Da contabilidade do sujeito passivo apenas foi possível verificar a contabilização desses benefícios aos sócios da empresa, não existindo documentos de suporte a esses gastos.

Em 28-11-2017 procedeu-se á notificação do sujeito passivo (Anexo 11), para apresentar em 04-12-2017 os comprovativos do pagamento dos PPR. Na data prevista, o sujeito passivo apresentou os elementos solicitados (arquivados em papeis trabalho), tendo-se verificado que esses valores foram efetivamente pagos apenas aos sócios da empresa.
III.2.2 - DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 45.° DO CIRC

A admissibilidade fiscal dos encargos não só deve obedecer aos requisitos gerais do artigo 23.° do CIRC, como aos do artigo 45.° do CIRC, que proíbe a dedutibilidade fiscal de certos encargos mesmo quando contabilizados como gastos ou perdas. Apesar de efetiva e comprovadamente suportados pela empresa, certos encargos podem não ser fiscalmente dedutíveis e, além disso, serem objeto de tributação autónoma.

É o caso das despesas não documentadas que são sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50% [artigo 45,°, n.° 1, al. g) e 88.n.° 1 do CIRC], por serem despesas cuja natureza, origem e finalidade não são especificadas, e que, não sendo conhecidas e efetivamente concretizáveis, não têm uma base documental na contabilidade.

Não existindo qualquer prova ou suporte documental do gasto efetivamente suportado pelo sujeito passivo, proíbe-se a sua dedutibilidade a fim de evitar a contabilização de despesas que não estão diretamente relacionadas com a atividade da empresa.

III.2.2.1 - FORNECIMENTO SERVIÇOS EXTERNOS (FSE)

As correções efetuadas e mencionadas no quadro seguinte respeitam a despesas que não se encontram documentadas, apenas constando nas pastas folhas brancas com anotações e outras notas de lançamento internas, que se desconhece se o gasto foi efetivamente concretizado e está relacionado com atividade da empresa.

Na contabilidade constam ainda documentos de pagamento (através do banco) sem o correspondente documento de suporte (fatura) do gasto associado, que permita aferir da sua dedutibilidade fiscal.

Por esses motivos, vão ser acrescidos ao lucro tributável do respetivo período, bem como sujeitos a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.°, n.° 1 do CIRC, tal como já referido, os montantes indicados no quadro seguinte.

Os valores corrigidos constam dos anexos:
Anexo 4 -despesas não documentadas no ano 2010; Anexo 6 - despesas não documentadas no ano 2011; Anexo 8 -despesas não documentadas no ano 2012; Anexo 10 -despesas não documentadas no ano 2013; [cfr. páginas 5 a 10 do "RIT" de fls. 10/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];
W) Através de carta registada com aviso de receção n.° RF177958935 PT foi enviado o ofício n.° 021412 de 29 de Dezembro de 2017 para "I.........., Lda.» - Rua do Feijó n.° …. CV Esq - 2810-…. Almada", com o Assunto: "Notificação do resultado da ação de inspeção - artigo 77.° da Lei Geral Tributária (L.G.T.) artigo 62.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA)". [cfr. de fls. 27/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];
X) A carta com aviso de receção n.° RF177958935 PT foi devolvido com a informação "objeto não reclamado" em 12 de Janeiro de 2018. [cfr. de fls. 28/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];
Y) Na sequência das correções efetuadas foi emitida, em 29 de Dezembro de 2017, em nome da sociedade «I.........., Lda.» a liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2011, com o n.° 2017 8310061260 no montante de €17.113,10, com data limite de pagamento em 12 de Fevereiro de 2018. [cfr. doc. 1
da pi];
Z) Através de carta registada com aviso de receção n.° RF22154303 9 PT foi enviado o ofício n.° 00856 de 17 de Janeiro de 2018 para "«I.........., Lda.» - Rua do Feijó n.°….. CV Esq - 2810-…. Almada", com o Assunto: "Notificação art.°39.°, n.°5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário". [cfr. de fls. 23/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

AA) A carta com o aviso de receção n.º RF22154303 9 PT foi devolvido com a informação “objeto não reclamado” em 31 de Janeiro de 2018. [cfr. de fls. 24/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

BB) Em 2 de Fevereiro de 2018, constava do documento “Visão Integrada do Contribuinte”, com respeito ao domicílio fiscal do Impugnante a seguinte morada:


“(texto integral no original; imagem)”

[cfr. de fls. 31/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

CC) A presente Impugnação, deu entrada no Serviço de Finanças de Almada 2 em 29 de Março de 2018 e depois foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. [cfr. a fls. 3 dos autos];

Mais, ficou provado,

DD) O documento "NOTIFICAÇÃO - TOMADA DE MEDIDAS, DA ACT", em nome da impugnante «I.........., Lda.», no qual se lê: "local de trabalho "Rua do Calheu, n.°…., Amora" - n.° de trabalhadores 3 e sede: "Rua do Feijó n.° ..CV Esq - 2810-…. Almada"", com data de 12 de Dezembro de 2017 e hora 17:10, foi assinado por "P.........." - Auxiliar de Consultório. [cfr. doc. 5 da pi];

EE) Através de carta registada com aviso de receção de 29 de Dezembro de 2017, assinado em 2 de Janeiro de 2018 foi enviado pela Impugnante, requerimento dirigido à Direção de Finanças de Setúbal com referência ao Ofício da AT n.° 020669 de 13-122017. [cfr. doc. 3 da pi];

FF) Em 22 de Fevereiro de 2018 a mandatária da Impugnante remeteu mensagem de correio eletrónico para os serviços da AT a referir que naquele dia se teria deslocado aos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal e, perante o insucesso em obter o relatório de inspeção, a agendar nova deslocação para o mesmo efeito a realizar no "...dia 26/02/2017...". [cfr. doc. 4 da pi];

GG) Em 13 de Setembro de 2019, foi concluso à Magistrada do Ministério Público o processo de inquérito n.° 195/11.8TAALM, tendo sido proferido despacho de arquivamento. [cfr. de fls. 1485 dos autos];

HH) No decurso do ano de 2011 a Impugnante registou na sua contabilidade um conjunto de gastos com a aquisição de bens e serviços em que a fatura ou foi emitida para consumidor final, ou foi emitida em nome dos sócios da sociedade, ou foi emitida em nome de terceiros que não a sociedade ou foi emitida para titular a aquisição de bens ou serviços de utilização pessoal. [cfr. facto que se extrai de extrato contabilístico e faturas - Anexo 2 do RIT a fls. 139/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

II) No decurso do ano de 2011 a Impugnante registou gastos com planos poupança reforma por referência aos seus sócios nas contas #6313 e #6314. [cfr. facto que se extrai de Balancete - Anexo 1 do RIT a fls. 32/1147 do PA a fls. 65-356 dos autos];

JJ) No decurso do ano de 2011 a Impugnante teria um total de três funcionários, uma rececionista e dois auxiliares clínicos, a que se somavam a gerente e o diretor clínico. [cfr. doc. 5 da pi];

KK) Durante os dias 11 e 12 de Dezembro de 2017 foram emitidas pela Impugnante «I.........., Lda.» faturas com referência aos serviços prestados pela mesma naqueles dias, todas com igual informação na parte que se reproduz


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

[cfr. facto que se extrai da consulta dos documentos de fls. 1454 e ss. dos autos e prova testemunhal];


****
A sentença considerou não provados os seguintes factos:
«1. De 11 de Dezembro de 2017 a 12 de Dezembro de 2007 a sócia gerente da Impugnante encontrava-se no estrangeiro.
2. De 11 de Dezembro de 2017 a 12 de Dezembro de 2007 a funcionária Vanessa Geadas encontrava-se presente na sede da Impugnante.
[atenta a ausência de prova documental e testemunhal não foi possível ao Tribunal dar como provado os factos supra alegados na petição inicial. Da prova testemunhal, foi ainda explicado ao Tribunal que a sede social da Impugnante (morada fiscal) não coincide com a morada da clínica da Impugnante. Do depoimento da testemunha foi ainda referido que os médicos e funcionários encontravam-se na clínica da impugnante, ou seja, "rua do Cacheu".];»

****
Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, consta da sentença o seguinte:

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos - que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal em conjugação com a livre apreciação da prova. Foi ainda ponderado o depoimento da testemunha inquirida J.........., como referido a propósito de cada ponto do recorte probatório.

No que respeita à prova testemunhal, o depoimento da testemunha J.........., referiu ter conhecimento direto dos factos por ser sócio da aqui impugnante, não obstante o conhecimento dos factos, o depoimento da testemunha não se mostrou isento e afastado da relação que mantém como sócio da Impugnante.

Questionado pelo Il. Mandatário referiu que a clínica estava em funções nos dias 11 e 12 de Dezembro de 2017, requerendo a junção aos autos das faturas emitidas nessas datas, comprovativas das consultas efetuadas naquele dia. Referiu, ainda, a testemunha que a sede social da Impugnante é na "Rua do Feijó" e a morada da clínica é na "Rua de Cacheu".

Questionada a testemunha, a instâncias respondeu que só teve conhecimento da ação de inspeção aquando da receção do ofício da AT para levantar o Relatório de Inspeção Tributária. Confrontada a testemunha com o documento 2 junto com a petição inicial referiu ao Tribunal nunca ter visto o documento, identificando, contudo, a assinatura ali patente como sendo da gerente da Impugnante. Questionada a testemunha quanto à data do documento e ao facto de ser anterior à data das notificações "hora certa" [O) e P) dos factos] respondeu de forma titubeante.

A demais matéria alegada não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito, constituir considerações pessoais ou não relevar para a decisão da causa.

Quanto à motivação dos factos não provados, atendendo ao princípio previsto no art.° 342.° do Código Civil, segundo o qual quem invoque um determinado facto tem de o provar, assim, como ali referido, dada a ausência de prova documental e testemunhal comprovativa dos mesmos, não foi possível ao Tribunal dar como provados os factos 1. a 2.»


****
II.2.
Antes de mais, tendo em conta os fundamentos da impugnação e a matéria julgada provada no tribunal recorrido, e levando em consideração que a decisão sobre essa matéria de facto se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal considera importante para apreciação dos fundamentos da impugnação aditar dois factos, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do C.P.Civil, no seguintes termos:

LL) O Relatório de Inspecção a que se referem os pontos U) e V) supra, no seu ponto II.2 tem o seguinte teor:

“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. PA, a fls. 11 do doc. n.º 005463620 do SITAF);

MM) Em 06-08-2018 a 3.ª Secção de Almada do DIAP emitiu certidão relativa ao proc. de inquérito n.º 195/11.8TAALM, que aqui se dá por integralmente reproduzida, certificando que “a data da participação (pº 1345/13.5TAALM) é de 17.04.2013, a data de instauração é 03.05.2015, sendo a data de constituição como arguida da Sociedade I.........., Lda. é de 21.03.2016.” (cfr. doc. 005463630 do SITAF);

Atendendo ao facto acima aditado com as letras MM), e uma vez que, de acordo com a norma do art. 45.º n.º 5 da LGT, é relevante a data de instauração do processo de inquérito criminal, há que corrigir o facto I) da sentença recorrida, o qual tem o seguinte teor:
“I) Em data que o Tribunal não conseguiu apurar, mas seguramente durante o ano de 2013 foi instaurado processo de inquérito crime, n.° 1345/13.5TAALM no DIAP - 3.ª Seção de Almada, o qual foi incorporado no processo n.° 195/11.8TAALM, mencionado em G). [cfr. de fls. 1519 dos autos];”
Passando o mesmo a ter o seguinte teor:
“I) Em 03-05-2015 foi instaurado processo de inquérito-crime, n.º 1345/13.5TAALM no DIAP – 3.ª Secção de Almada, o qual foi incorporado no processo n.º 195/11.8TAALM, mencionado em G) [cfr. flss. 1519 dos autos , doc. 005463637 do SITAF e ponto MM) supra]”

Por fim, dada a relevância do seu conteúdo, completa-se o facto GG), relativo ao despacho de arquivamento do inquérito criminal, com parte do seu teor, nos seguintes termos:

“GG) Em 13 de Setembro de 2019, foi concluso à Magistrada do Ministério Público o processo de inquérito n.° 195/11.8TAALM, tendo sido proferido despacho de arquivamento, o qual tem, designadamente, o seguinte conteúdo:
“(…) DO CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA:
Tendo em conta a factualidade supra referida, em que, igualmente, se indiciava a eventual prática de ilícito criminal de natureza fiscal (fraude fiscal qualificada - art. 104.º, n.º 1 al. a) e al. d), do R.G.T.I.T.) foi efectuado um levantamento de dados patrimoniais dos arguidos (bancários e fiscais), obtidos através de informações solicitadas a entidades bancárias, bem como pela análise de documentação contabilística e bancária, entretanto, apreendida no âmbito de buscas domiciliárias e às instalações da sociedade arguida.
Assim, e de acordo com o extenso parecer final emitido pela A.T. que consta defls. 1309 a 1373 e relatório conclusivo defls. 1374 a 1375, para os quais remeto dando por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, após análise efectuada pela referida entidade aos documentos de suporte à contabilidade; extratos bancários e extratos de conta corrente dos subsistemas de saúde ADM; ADSE; SAD-PSP; ARS Lisboa e Vale do Tejo e PT ACS, não foram detectados factos susceptíveis de correção ao nível das receitas, apesar de ao nível das despesas terem sido verificadas diversas irregularidades das quais resultam correções ao lucro tributário declarado. Outrossim, verifcou-se o registo contabilístico de despesas respeitantes a aquisição de bens e serviços que não se coadunam com a actividade desenvolvida pela sociedade.
Das irregularidades detectadas resulta uma vantagem patrimonial consubstanciada no imposto que a sociedade arguida não entregou aos cofres do Estado, constituindo essas irregularidades infracções contra-ordenacionais puníveis pelos artigos 119.º (Omissões e inexatidões nas declarações ou em outros documentos fiscalmente relevantes) e artigo 114.º (Falta de entrega da prestação tributária) ambos do R.G.I.T.
Em suma, não foram identificados factos que consubstanciam ilícitos criminais, mas sim contra- ordenacionais. (…)” [cfr. de fls. 1485 dos autos e doc. 005463681 do SITAF];

Assente que está o probatório, o qual, de resto não foi impugnado, avancemos na apreciação do recurso.

II.3. De Direito

Como se viu, a Recorrente invoca o erro de julgamento da decisão recorrida ao concluir pela não caducidade do direito à liquidação, já que:

i) Não existiu identidade objectiva entre os factos tributários e os factos objecto de inquérito criminal, pois o escopo do processo-crime foi averiguar irregularidades detectadas no preenchimento de fichas clínicas dos beneficiários do SAD – PSP, bem como de elevados números de consultas de clínica geral e estomatologia de alguns beneficiários e seus familiares, passíveis de preencher o tipo de crimes de burla qualificada ou de fraude fiscal;

ii) Só nas situações em que a liquidação resulta de factos apurados em processo-crime se justifica o alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º n.º 5 da LGT;

iii) Portanto, o prazo de caducidade referente a IRC de 2011 iniciou a sua contagem em 31-12-2011 e, não havendo causas de suspensão, terminou em 31-12-2015;

iv) Tendo a liquidação sido emitida em 29-12-2017, foi-o após caducidade do respectivo direito, pelo que o Tribunal a quo devia ter julgado a impugnação procedente, por vício da caducidade do direito à liquidação.

Ou seja, não pondo em causa a factualidade assente, a discordância da Recorrente com a decisão recorrida cinge-se apenas à questão da não identidade dos factos entre o processo-crime e o procedimento tributário.


A decisão recorrida, quanto a esta questão, tem o seguinte discurso fundamentador:
“(…) Subsumindo os factos ao direito, considerando que está em causa nos autos a liquidação de IRC n.° 2017 8310061260, referente ao período tributário de 2011, o prazo ordinário de caducidade do direito de liquidação de quatro anos acabaria em 31 de Dezembro de 2016, nos termos do n.°s 1 e 4 do art.° 45.° da LGT.
A mencionada liquidação adicional de IRC, aqui impugnada, foi emitida em 29 de Dezembro de 2017 e enviada à impugnante, nela constando como data limite de pagamento o dia 12 de Fevereiro de 2018. [cfr. al. A) dos factos]
Resulta, ainda, do recorte probatório que no decurso do ano de 2011 foi instaurado contra J.......... e E.......... inquérito crime com o n.° 195/11.8TAALM. [cfr. al. G) dos factos]
Sendo certo que o inquérito inicialmente foi instaurado contra os sócios da Impugnante, não é menos certo que a denúncia que deu origem ao inquérito mencionava expressamente irregularidades fiscais ao nível do IRC da Impugnante, sendo claro que, pelo menos desde 25 de Março de 2015, o inquérito abrange a Impugnante por possíveis crimes de fraude fiscal. [cfr. al. H) e J) dos factos]
Ora, existindo um inquérito crime desde 2011, iniciado com base em denúncia em que se referia haver irregularidades no apuramento do IRC da Impugnante, sendo que pelo menos desde 2015 que tal inquérito abrange a Impugnante por crimes de fraude fiscal, será forçoso concluir que tal facto estendeu imediatamente o prazo de caducidade da liquidação do IRC referente a 2011, aqui impugnada, ao suspendê-lo, mantendo-se tal efeito pelo menos até ao arquivamento de tal inquérito, o que veio a suceder em 13 de Setembro de 2019, acrescido de um ano, nos termos do n.° 5 do art.° 45.° da LGT. [cfr. al. GG) dos factos]
pelo que a caducidade do direito de liquidação apenas terá ocorrido, necessariamente, depois da apresentação da petição inicial;
Considerando que a presente impugnação foi apresentada junto do serviço de finanças em 29 de Março de 2018 e com ela foi junto cópia da liquidação impugnada, como documento 1. [cfr. al. CC) dos factos]
Mais não resta que concluir, que à data de entrada da petição inicial objeto dos autos no Serviço de Finanças do Almada 2 ainda não se teria verificado a caducidade do direito à liquidação por referência à liquidação de IRC de 2011, impugnada.”

Vejamos, pois, se da factualidade fixada e da agora aditada e completada é possível concluir pela identidade entre os factos do processo-crime e do procedimento de liquidação como decidiu a sentença recorrida, ou se, pelo contrário, tal identidade não existe, como defende a Recorrente.
Ora, adianta-se, desde já, que a razão está do lado da sentença recorrida.
Com efeito, do probatório resultam vários factos que, conjugados entre si, permitem concluir por essa identidade, nomeadamente:
- a instauração em 2011 do processo de inquérito n.º 195/11.8TAALM (ponto G)), o qual veio a incorporar o proc. de inquérito n.º 1345/13.5TAALM, instaurado em 03-05-2015 (I), agora corrigido e MM) do probatório);
- Em 25-03-2015, no âmbito do processo de inquérito n.º 195/11.8TAALM, foi remetido pelo MP à AT despacho a determinar a constituição de uma equipa mista, para investigação da Impugnante, entre outros, no quadro de uma possível fraude fiscal (ponto J));
- Do ponto II.2. do relatório de inspecção consta, além da acima mencionada constituição da equipa mista formada por uma inspectora da PJ e uma inspectora da AT, que “foi efectuada uma análise de âmbito contabilístico e fiscal aos períodos de 2010 a 2013, referente às situações relevantes que afetam tributariamente o sujeito passivo, cujas irregularidades detectadas deram origem a aberturas das ordens de serviço” (ponto LL)).
- O despacho de arquivamento do processo de inquérito (ponto GG), agora completado), tem um capítulo relativo ao crime de fraude fiscal qualificada, referindo que a factualidade anteriormente indicada indiciava a prática de ilícito criminal de natureza fiscal (art. 104.º do RGIT) dando conta das diligências efectuadas para recolha de informação e referindo expressamente o parecer e relatório elaborados pela AT, bem como a análise aos documentos de suporte da contabilidade, tendo sido detectadas diversas irregularidades ao nível das despesas, as quais deram lugar a correcções ao lucro tributável declarado e que “Das irregularidades detectadas resulta uma vantagem patrimonial consubstanciada no imposto que a sociedade arguida não entregou aos cofres do Estado, constituindo essas irregularidades infracções contra-ordenacionais puníveis pelos artigos 119.º e artigo 114.º ambos do R.G.I.T
Ou seja, não há dúvidas de que foram os factos detectados no processo de inquérito que deram origem à abertura das ordens de serviço para efectivação do procedimento de inspecção, que culminou na emissão da liquidação impugnada. Isto mesmo foi confirmado, para além da sucessão temporal (o processo de inquérito antecedeu e deu origem ao procedimento de inspecção), também no despacho de arquivamento do processo de inquérito, cujo teor parcialmente se transcreveu no probatório.
E, por isso, não tem razão a Recorrente quando delimita “o escopo do processo-crime” à averiguação de irregularidades detectadas no preenchimento de fichas clínicas dos beneficiários do SAD-PSP, bem como do elevado número de consultas de clínica geral e estomatologia de alguns beneficiários e seus familiares, já que, além de tais situações poderem enquadrar o tipo legal de crime de burla qualificada, também podem originar o crime de fraude fiscal, e não esgotaram, certamente, o âmbito da investigação levada a efeito tanto pela PJ como pela AT, como se retira do conteúdo do relatório de inspecção, parcialmente transcrito no probatório.

E assim sendo, estando assente que há coincidência entre os factos subjacentes ao procedimento de liquidação e os do processo de inquérito, não há dúvida de que se justifica o alargamento do prazo de caducidade previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, já que a liquidação resultou de factos apurados inicialmente no processo-crime e, posteriormente, também no procedimento de inspecção.

Com efeito, o art. 45.º da LGT preceitua que “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - (…).
3 – (…).
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Precisamente sobre as questões aqui levantadas pronunciou-se STA num recente acórdão, de 23-10-2024, proferido no proc. n.º 1782/21.1BELRS, que fez uma sumúla da maioria da jurisprudência daquele Tribunal no tratamento das questões que têm sido levantadas no âmbito deste alargamento do prazo de caducidade, e que, para o que aqui releva, tem o seguinte teor:
“(…)
Ou seja, porque a obrigação de imposto se mantém, independentemente da prática do crime tributário, para garantir a liquidação dos impostos evadidos, tendo em conta a complexidade geralmente associada à investigação da criminalidade tributária, o legislador terá adoptado como solução o alargamento do prazo de caducidade da liquidação do imposto respeitante a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Alargamento esse que, como deixámos dito, se deve verificar, quer o processo penal seja por crime comum quer seja por crime tributário; ponto é que a liquidação se refira a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. …”.
(…)
“Não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.”, mas igualmente no Acórdão deste Supremo Tribunal, no Processo n.º 73/16, de 6 de Dezembro de 2017, onde se declarou que: “…uma vez as facturas cujo IVA foi não pode ser deduzido (no entendimento da AT) foram objecto de inquérito criminal, existe uma identidade objectiva entre o processo fiscal e o inquérito criminal, que determina o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não sendo para tal necessário que o sujeito passivo tenha sido constituído arguido no inquérito ou que contra ele tivesse sido instaurado inquérito.” - disponível em www.dgsi.pt (sublinhados nossos).
Tal leitura é de molde a logo demonstrar a inviabilidade da tese da suposta existência de uma questão prejudicial, posto que a putativa prejudicialidade não deixaria de, forçosamente, abranger quer a factualidade quer a sua imputação subjectiva; quer dizer, não só não é de exigir qualquer relação de prejudicialidade para a verificação da hipótese normativa do artigo 45.º, n.º 5 da LGT, como, mesmo dentro da identidade exigida, não se impõe sequer que a mesma se estenda à imputação subjectiva dos factos.
Noutra anterior ocasião, por Acórdão prolatado no Processo n.º 777/18, em 5 de Setembro de 2018, este Supremo Tribunal esclareceu que: “É, por isso, de afirmar que os elementos recolhidos no procedimento inspetivo, instaurado em 16/12/2014, se destinaram a apurar a responsabilidade tributária dos sujeitos passivos e a instruir o processo-crime instaurado nessa data, uma vez que tanto naquele como neste caso a instauração foi efetuada com base nos mesmos elementos indiciantes de ocultação de rendimentos pelo que são os mesmos os factos que deram origem ao processo-crime e ao procedimento que culminou na fixação do rendimento tributável cuja decisão foi impugnada.
É, por isso, aplicável à situação dos presentes autos o alargamento do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT sendo que o prazo de caducidade só termina um ano após o arquivamento do inquérito ou do trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
Não se torna necessário, para que ocorra o mencionado alargamento do prazo, como se sustenta na sentença recorrida, que se apurem novos factos no processo-crime mas diversamente que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação.” - disponível em www.dgsi.pt (sublinhados nossos)
Numa outra ocasião, ainda, no Acórdão vertido no Processo n.º 1313/16, de 30 de Abril de 2019, pode ler-se que: “O legislador estabeleceu que quando haja identidade entre os factos tributários e aqueles que estão a ser investigados em inquérito criminal, o prazo de caducidade da liquidação dos tributos suportados nesses factos tributários se estende até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, sem desvendar a razão de tal opção ou lhe estabelecer restrições, o que impede o intérprete de o fazer. Assim, mesmo que a Autoridade Tributária disponha de todos os elementos necessários à liquidação, pode aguardar o desenrolar do processo criminal para proceder à liquidação.
O processo criminal que utiliza especializados e mais eficientes meios de investigação que os que estão ao alcance da Autoridade Tributária pode vir a encontrar elementos seguros que apontem para a liquidação do acto de liquidação ou que demonstrem que ela não deva ter lugar, ou que deva ter uma diferente amplitude daquela inicialmente antevista pela Autoridade Tributária, como pode não acrescentar qualquer elemento novo àqueles que já se conheciam no momento da instauração do inquérito sem que isso diminua o alargamento do prazo de caducidade de liquidação do tributo aqui em referência.” - disponível em www.dgsi.pt (sublinhados e negritos nossos).
(…)”

Tal como no Acórdão acabado de citar, também nos presentes autos se reafirma o entendimento ali expendido quanto ao alargamento do prazo de caducidade, nos termos do art. 45.º n.º 5 da LGT, já que se verifica o pressuposto legal da coincidência entre os factos subjacentes ao procedimento de liquidação e ao processo-crime.

Aqui chegados, a conclusão a que chegou a sentença recorrida, de que não se verificou a caducidade do direito à liquidação relativamente ao IRC do exercício de 2011, não merece censura.
Com efeito, como se disse, resulta da factualidade apurada que os factos tributários que deram origem à liquidação de IRC do exercício de 2011 estão incluídos nos processos-crime instaurados em 2011 (ponto G) do probatório) e em 03-05-3015 (pontos I) e MM)), portanto, dentro do prazo de 4 anos previsto na lei.
Nesta conformidade, o prazo de 4 anos foi alargado até ao arquivamento dos processos, em 13-09-2019 (ponto GG) do probatório), acrescido de um ano, por força do estatuído na norma do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, ou seja, até 13-09-2020.
O que significa que, uma vez que o imposto se reporta ao ano de 2011, que o inquérito criminal foi instaurado no prazo de quatro anos, que os factos subjacentes à liquidação foram objecto de investigação criminal, que o processo de inquérito foi arquivado em 13-09-2019 e que a liquidação foi notificada, seguramente, antes de 29 de Março de 2018, data da apresentação da presente impugnação (ponto CC) do probatório), contendo a nota de liquidação, impõe-se concluir que, aquando da notificação da liquidação, ainda não tinha decorrido o prazo previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, pelo que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação.

Em suma, a sentença recorrida que concluiu pela improcedência da caducidade do direito à liquidação de IRC do exercício de 2011 não incorreu nos apontados erros de julgamento, pelo que deve ser confirmada.


III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.

Lisboa, 3 de Abril de 2025


--------------------------------
[Teresa Costa Alemão]


-------------------------------
[Rui A. S. Ferreira]



--------------------------------
[Vital Lopes]