Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:55075/24.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:IPDLG;
ARI;
109.º, N.º 1, DO CPTA
Sumário:I - Atenta a urgência, celeridade e excepcionalidade que caracterizam o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não ocorre nulidade processual, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, a omissão de despacho-convite para mera pronúncia sobre a impropriedade do meio processual na fase de apreciação liminar/despacho liminar (cf. artigo 110.º, n.º 1, do CPTA) do processo de intimação, sobretudo, quando ao Juiz seja evidente a falta de verificação dos pressupostos exigidos pelo artigo 109.º do CPTA.
II - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
III - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação, em tempo útil, se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
IV - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
J…., cidadão de nacionalidade britânica, residente no Reino Unido, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à intimação da Recorrida para, em síntese, agendar a recolha de dados biométricos e emitir os títulos de autorização de residência no âmbito de actividade de investimento, o seu e o do cônjuge, este último, por conta de reagrupamento familiar, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 03/01/2025, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial por falta de verificação dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1. A Sentença de que se recorre é nula, por preterição do direito ao contraditório do Recorrente, bem como por excesso de pronuncia;
2. O indeferimento da petição inicial por verificação da existência de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso pressupõe que esta se apresente, de modo evidente, em face dos próprios termos da petição, sem necessidade de produção de qualquer tipo de prova;
3. Pelo que, ainda que o Tribunal a quo considerasse que o Recorrente não densifica de que forma estão os seus direitos fundamentais a ser ameaçados ou restringidos pela ausência de decisão da Entidade Recorrida – no que não se concede – sempre deveria tê-lo notificado para se vir pronunciar sobre a eventual inadequação do meio processual, sob pena de indeferimento;
4. Encontrando-se assim preterido o direito ao contraditório do Recorrente (artigo 3.º, n.º 3 do CPC), e incorretamente aplicado o artigo 110.º do CPTA;
5. Pelo que a sentença da qual se recorre padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 195.º e 615º, nº1, al. d) do CPC;
6. Ainda que assim não se considere, a sentença padece de erro na aplicação do direito e na apreciação da prova produzida, pelo que o Recurso abrange a decisão que indeferiu liminarmente a Petição Inicial;
7. Resulta da prova produzida que o Recorrente realizou um investimento imobiliário em Portugal em 2023 com visa à obtenção de residência por via do programa ARI, conforme Doc.1 junto com a Petição Inicial;
8. Bem como, que apresentou a respetiva candidatura no dia 14/06/2023, conforme Doc.1 e 2 juntos com a Petição Inicial;
9. E ainda um pedido de reagrupamento familiar para o seu cônjuge em 04/08/2023;
10.E que até à data os referidos pedidos não mereceram qualquer desenvolvimento por parte da Recorrida, conforme Doc.1 a 2 juntos com a Petição Inicial;
11.Entende o Recorrente que a verificação da urgência e indispensabilidade da emissão de uma decisão de mérito que condene a Recorrida a proferir decisão sobre os referidos pedidos para evitar a violação dos seus direitos, liberdades e garantias resulta das regras da experiência, bem como das normas legais aplicáveis à autorização de residência para investimento, sendo dedutível por mera presunção judicial;
12.Bem como que a paralisação dos processos de autorização de residência, e a impossibilidade de contactar a Recorrida, são factos notórios que não carecem de prova;
13.Estão aqui em questão não um, mas vários direitos, liberdades e garantias, cujo acesso efetivo depende da concessão de autorização de residência ao Recorrente;
14.Nomeadamente, tendo o Recorrente efetuado um investimento que será obrigado a manter durante cinco anos contados a partir da emissão do respetivo título de residência, a inação da Recorrida ofende de forma irreversível, atual e contínua, a sua atividade de investimento e, logo, o seu direito de propriedade, e a sua liberdade de iniciativa económica, que são direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (artigos 61.º e 62.º da CRP);
15.Por outro lado, a ausência de decisão por parte da Recorrida restringe a liberdade de circulação e permanência no território nacional do Recorrente, consagrada no artigo 44.º da CRP;
16.A inércia da Recorrida compromete ainda o exercício de direitos pessoais do Recorrente, uma vez que os procedimentos dos autos dizem respeito à obtenção de um documento de identificação essencial à sua vida privada e profissional (artigo 26.º da CRP), e logo, o seu acesso ao estatuto de Residente Não Habitual;
17.Bem como o acesso do Recorrente aos direitos de petição, de obtenção de uma decisão em prazo razoável e de informação sobre os procedimentos administrativos que lhe dizem respeito – previstos nos artigos 20.º, n.º 4 e 52.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
18.Pelo que os factos expostos na Petição Inicial, aliados à prova apresentada, demonstram a necessidade urgente de uma decisão que mérito condene a Recorrida a pronunciar-se sobre o pedido de autorização de residência do Recorrente;
19.Decisão essa que se revela indispensável para garantir acesso efetivo a direitos fundamentais ao Recorrente;
20.Por último, a decisão recorrida aplica incorretamente o artigo 15.º da CRP;
21.O Tribunal a quo desconsidera a conexão do Recorrente com Portugal, negando-lhe direitos fundamentais;
22.Conforme demonstrado, a situação nos autos revela que é urgente que a Recorrida se pronuncie sobre os pedidos do Recorrente, precisamente para que possa ser considerado residente em Portugal, e assim ter acesso aos direitos fundamentais previstos na CRP;
23.Pelo que o Tribunal a quo contraria, assim, a jurisprudência uniformizada, que reconhece a necessidade de uma decisão célere para evitar a perpetuação de uma situação de indocumentação prejudicial;
24.A qual é aplicável ao presente processo, mostrando-se que a inércia da Recorrida compromete materialmente o exercício de direitos fundamentais do Recorrente;
25.Ao permitir que a Administração condicione o acesso à residência, e, logo, à equiparação, com base na sua própria inércia, o entendimento adotado pelo Tribunal a quo compromete o princípio da tutela jurisdicional efetiva, deixando o Recorrente vulnerável à violação dos seus direitos fundamentais (artigo 20.º, n.º 5 e artigo 268.º n.º 4 da CRP);
26.Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que ao não reconhecer a equiparação do Recorrente aos cidadãos nacionais, mesmo diante do seu investimento e vínculo com Portugal, a decisão recorrida viola o princípio da igualdade (artigo 13.º CRP) e desconsidera a proteção conferida aos estrangeiros que já iniciaram o processo de autorização de residência;
27.Resulta evidente que a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual idóneo e adequado para a tutela jurisdicional das pretensões como as que aqui se colocam;
28.Pelo que, tendo sido preterido o direito ao contraditório do Recorrente, deve o Tribunal Central declarar a nulidade da Sentença a quo, notificando o Recorrente para que se venha pronunciar sobre a inadequação do meio processual adotado;
29.Ou, caso assim não se entenda, tendo o Tribunal a quo julgado mal a matéria de facto especificamente identificada, além de uma desajustada aplicação dos preceitos legais, deverá o Tribunal Central revogar a Sentença de que se recorre, admitindo a Petição Inicial do Recorrente, e mandado citar a Entidade Recorrida.
A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente:
- Se ocorre a arguida nulidade da sentença recorrida (ou nulidade processual);
- Se acontece o alegado erro na apreciação de factos e da prova;
- E, finalmente, no que ao direito estritamente concerne, se a decisão recorrida, ao concluir pela falta de verificação dos pressupostos enunciados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incorreu em erro de julgamento, ou não, designadamente, por ter rejeitado liminarmente o requerimento inicial com base em tal entendimento.
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III - Matéria de facto.
A decisão recorrida não fixou qualquer factualidade.
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IV - Fundamentação de Direito.
a) Da arguida nulidade da sentença recorrida – rectius nulidade processual
O Recorrente, na medida em que a decisão recorrida foi de rejeição liminar do requerimento inicial, entende que a mesma é nula por não lhe ter sido dada, previamente, a oportunidade de pronúncia sobre a impropriedade do articulado inicial, no que à mesma aporta a violação do princípio do contraditório, a qualificação de decisão-surpresa e ainda o excesso de pronúncia.
Acontece que as causas de nulidade da sentença encontram-se expressamente previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas a) a e), do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA. A decisão liminar de rejeição do requerimento inicial sem a prévia diligência (despacho-convite) tendente ao contraditório não consubstancia nenhuma dessas específicas causas de nulidade.
Quando muito, como é colocada a questão pelo Recorrente nas suas conclusões de recurso, podemos estar em presença de uma nulidade processual, por omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, nos termos do artigo 195.º do CPC.
O Tribunal de apelação, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito”, significando isto que pode qualificar e apreciar aquilo que é suscitado pelos recorrentes a título de nulidade da sentença como nulidade processual e vice-versa.
Apreciemos o invocado, pois, a título de nulidade processual.
O artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, preceitua o seguinte: “Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias.” (sublinhados nossos).
A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir o articulado inicial, seguindo-se a citação da contra-parte, como pode rejeitá-lo, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido.
“In casu”, foi precisamente o que ocorreu. O Meritíssimo Juiz a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias alegadas do caso concreto, a decisão liminar de rejeição do requerimento inicial.
A rejeição liminar do articulado inicial de intimação é, assim, uma das possibilidades de actuação judicial que resultam do citado comando legal, sobretudo, quando logo seja palmar, face ao alegado, a não verificação dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA. Tal como advém do “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, páginas 946 e 947, em anotação ao artigo 110.º do CPTA, “No despacho liminar, o juiz pode rejeitar a petição ou, sendo admitida a petição, ordenar a citação do demandado para responder”; “A rejeição do processo de intimação no despacho liminar poderá ocorrer quando se não verifique algum dos pressupostos a que se refere o n.º 1 do artigo 109.º (…)”; “Na medida em que possa ser apurada em sede liminar, a não verificação de qualquer dos pressupostos determina o indeferimento liminar da petição (…)”.
No caso, ante a constatação da falta de preenchimento de tais pressupostos (se bem ajuizados, ou não, não é ainda nesta fase que sindicaremos tal julgamento, mas sim aquando do erro de julgamento), que logo resultava da análise ao articulado inicial, nenhuma obrigação tinha o Juiz a quo em emitir o despacho-convite da parte em falta para meramente se pronunciar sobre a inadequação processual, pois, não tendo o Recorrente sequer indicado que outra finalidade mais concreta alcançaria com tal pronúncia, há que ter em mente que, se o seu objectivo fosse o da mera emissão de uma resposta/pronunciação, sem qualquer outro alcance ou virtualidade, tal despacho seria, no mínimo, inócuo, e, como é consabido, “não é lícito realizar no processo actos inúteis” (cf. artigo 130.º do CPC).
Aliás, mesmo o princípio do contraditório, preconizado no n.º 3 do artigo do 3.º do CPC, não é de aplicação absoluta, porquanto, em tal dispositivo legal é admitida a sua inaplicabilidade processual em caso de “manifesta desnecessidade”.
E, porventura, se o objectivo do Recorrente com tal despacho-convite que diz ter sido omitido pelo Tribunal a quo fosse o de almejar o aperfeiçoamento do articulado inicial, não nos afastamos aqui do que já decidiu nesta matéria o acórdão deste TCAS, de 03/10/2024, proferido no processo sob o n.º 3/24.0BELSB, do qual transcrevemos os seguintes excertos:
Dispõe-se no art. 195.º, n.º 1 do CPC que “[…] a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Como se infere deste dispositivo a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, recordando-se que “[o] legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109” (Ac. do TCA Norte, P. 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011).
Cumpre dar nota que os presentes autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias correspondem a um processo urgente [art.º 36.º, n.º 1 al. e) do CPTA], de natureza principal, cuja tramitação se encontra regulada nos artigos 110.º e ss. do CPTA.
Assim, dispõe-se no art.º 110.º do CPTA que, no prazo máximo de 48 horas, o juiz profere despacho liminar, no qual “o juiz pode rejeitar a petição ou, sendo admitida a petição, ordenar a citação do demandando para responder.
É, por outro lado, no despacho liminar que o juiz, no uso do seu dever de gestão processual, deve programar a tramitação subsequente do processo, de acordo com as diversas modalidades previstas no presente artigo 110.º.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p. 946).
Acrescente-se que, nos termos do art.º 110.º-A, n.º 1 do CPTA, o juiz, no despacho liminar, também pode promover a convolação do processo de intimação em processo cautelar, notificando o autor para substituir a petição para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar.
Como emerge destes normativos não está previsto e, de resto mostrar-se-ia contrário à celeridade inerente à natureza urgente do processo e à tutela de direitos, liberdades e garantias a que a forma processual respeita, que o despacho liminar tenha, também, por finalidade o convite ao aperfeiçoamento do articulado. Isto é, opostamente ao entendimento do Recorrente, a lei não prescreve como ato ou formalidade a prolação de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, cuja omissão fosse determinante de nulidade processual nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC.
(…)
Ora, no caso dos autos, a intimação foi rejeitada liminarmente, o que significa que não houve lugar à citação da entidade requerida e, como tal, não estávamos no termo da fase dos articulados. Donde, não se mostrando previsto, nesta fase liminar, o convite ao aperfeiçoamento, a sua omissão não determina a prática de qualquer nulidade processual.
Impõe-se, ainda, esclarecer que tão pouco ao abrigo do dever de gestão processual (art.º 7.º-A do CPTA e 6.º do CPC) se impunha, no caso dos autos, o dever de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.
Com efeito, cumpre notar que o despacho de aperfeiçoamento visando suprir insuficiências ou imprecisões da matéria de facto que possam comprometer o direito de ação ou a posição da defesa, “destina-se unicamente a completar ou esclarecer a peça processual, eliminando certas ambiguidades ou imprecisões de que padeça, completando-a com a alegação de circunstâncias complementares, e não pode ser utilizado para alterar o pedido ou a causa de pedir” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p. 701).
(…)
Considerando o exposto é patente que a não prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, na fase de apreciação liminar no âmbito de processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, não consubstancia a omissão de ato ou formalidade prescrito na lei e, consequentemente, não foi praticada qualquer nulidade processual. Não se mostrando “excessiva” a decisão de rejeição liminar sem prévia prolação de convite ao aperfeiçoamento, antes correspondendo ao cumprimento dos trâmites legais (…).
Assim, em face do exposto, improcede a arguida nulidade processual, devendo manter-se a decisão recorrida.” (sublinhados nossos).
Em suma, sustentados em todo o exposto, não se preconiza na fase liminar do processo de intimação o despacho-convite para mera pronúncia sobre a impropriedade do meio processual.
Concluímos, assim, que a omissão de tal despacho não constitui a prática de qualquer nulidade processual, improcedendo, com efeito, o que nesse sentido arguiu o Recorrente em conclusões de recurso.
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b) Do alegado erro na apreciação de factos e da prova
Concatenando o ponto II da motivação de recurso e as conclusões de recurso, o Recorrente alude a um suposto erro da decisão recorrida na apreciação dos factos e da prova.
Tal afirmação só pode resultar de um equívoco do Recorrente, porquanto, nem a decisão recorrida fixou qualquer factualidade e, como tal, não se podia ter apoiado em qualquer meio de prova do qual pudesse emergir um eventual erro de apreciação, nem o Recorrente, caso tivesse sido fixada matéria de facto (que não foi), cumpriu sequer o ónus de impugnação especificada que sobre si impendia com vista à eventual modificabilidade da decisão de facto, se existente, frisa-se, atento o disposto conjugadamente nos artigos 640.º e 662.º do CPC.
Improcede, pois, tal conclusão recursiva.
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c) Do alegado erro de julgamento
Na parte que aqui importa perscrutar, veja-se a fundamentação de direito explanada na decisão recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso:
(…) Cumpre apreciar liminarmente (cfr n.º 1, do art. 110.º do CPTA).
Nos termos do n.º 1, do art. 109.º, do CPTA, constituem pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias a necessidade de uma decisão de mérito, que imponha à Administração Pública a adopção de uma conduta (positiva ou negativa) indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nos casos em que não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar, constituindo, assim, um dos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos, que compete à lei assegurar aos cidadãos” (cfr n.º 5 do art. 20.º da CRP).
Portanto:
(i) A defesa de um direito, liberdade ou garantia, ainda que de natureza análoga;
(ii) A célere emissão de uma decisão definitiva e de mérito que se mostre indispensável, face aos outros meios processuais, para assegurar o exercício em tempo útil do direito, liberdade ou garantia em apreço – cfr, entre outros, o acórdão do TCA Sul, de 16-02-2017, proferido no processo n.º 1663/16.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt, este último pressuposto reconduz-se, no fundo, a dois subcritérios práticos: por um lado, concluir que “o juiz do processo (não urgente) principal não chegaria a tempo de ditar a justiça para a situação, isto é, para protecção de um direito, liberdade ou garantia”, e, por outro, que “o juiz da causa cautelar se ditasse a justiça para a situação teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito.” Daqui decorre que este processo declarativo (urgente) se reporta a situações especialmente delicadas (a proteção de direitos, liberdades e garantias), que o legislador consagra, como meio principal (trata-se de um processo declarativo, com vista à prolação, em regra, de uma sentença condenatória, mediante a qual o Tribunal impõe a adoção de uma conduta positiva – uma ação – como negativa – uma abstenção) e urgente (com prazos de tramitação e de decisão mais curtos, sujeitos a um regime específico – cfr, desde logo, n.º 1, do art. 110.º e n.º 1, do art. 111.º, ambos do CPTA).
(…)
Volvendo ao caso dos autos.
Alega o Requerente que a urgência assenta no incumprimento do prazo decisório, omissão / incumprimento que se traduz em constrangimentos de diversa ordem e que na violação de diversos direitos, com respaldo constitucional ou em diplomas internacionais, conjuntura que não se compadece com uma tutela provisória ou alcançável pela ação administrativa e que não se encontra, sequer, densificada (tratando-se, de restos, de factos essenciais / nucleares), mas cuja eventual densificação nem releva. Com efeito, as suas alegações não atingem o nível de detalhe ou a profundidade que, mesmo a um golpe de vista mais aturado, se distingam do que pode ser alegado por qualquer pessoa que aguarde a decisão da AIMA, IP (ou de qualquer entidade adstrita / vinculada a prazos de decisão), sendo, aliás, alegações características dos incómodos comuns associados à incerteza dessa decisão (seja quanto ao prazo da sua emissão, seja quanto ao seu teor).
Ou seja, o Requerente não alega qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta que permita sustentar a verificação de uma situação justificadora do uso do presente meio processual. Com efeito, como temos vindo a dizer, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado – veja-se que lança mão de numerosos artigos legais, sem indicar um único caso / cenário concreto em que tais direitos se encontrem, efetivamente, violados (facto, de resto, essencial / nuclear para se apreciar da admissão e viabilidade do presente meio processual).
Por seu turno, também claudica a alegada indispensabilidade. Não se descura, ignorando, que possa existir um incumprimento do dever de pronúncia / decisão, por silêncio da Requerida dentro do prazo previsto legalmente para o efeito: porém, para que se possa lançar mão deste meio processual (e, procedendo, a Requerida seja intimada a decidir em determinado prazo), importa que o Requerente demonstre que seja indispensável o recurso a este meio processual em desprimor dos demais – o que não se sucede no caso vertente, porquanto, mais uma vez, se sustenta em alegações genéricas.
Compulsada a petição, resta concluir que, com referência ao momento presente, inexistem alegações (e, muito menos, algo que seja comprovado pelo Requerente: e recordemos as regras de distribuição do ónus da prova) que sustentem qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar (e, muito menos, concluir pela existência de) de uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos que a Requerente refere, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil.
Cabe referir que não obstante poderem ser apresentados em conjunto, o pedido de reagrupamento familiar apenas é apreciado e decidido caso o pedido de concessão de autorização de residência requerido (neste caso, para atividade de investimento) venha a ser deferido (cfr n.º 5, do art. 81.º e n.º 1, do art. 98.º, ambos da Lei n.º 23/2007).
Em conclusão: o Requerente formula, somente, alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, mesmo considerada a resposta que antecede, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhe cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual Com efeito, a tutela judicial revela-se acautelada com recurso a outros meios processuais que se revelam adequados a, cumpridos os pressupostos, uma decisão de mérito que vá ao encontro do direito a uma pronúncia por parte da aqui Entidade Requerida.
Adicionalmente, não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), cfr a residência que indica, o Requerente não é titular dos direitos, liberdades e garantias a que se arrogam – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05- 2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.
(…)
Aderimos, sem reservas, ao doutamente sumariado, que transpomos para o caso dos autos. Refira-se, ainda, não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunaladministrativo/11-2024 871585082), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
A falta de urgência e de indispensabilidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias consubstancia uma exceção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa (neste sentido, vide, a titulo exemplificativo, o acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 04.03.2016, no âmbito do processo n.º 02931/15.4BEPRT, cujo entendimento aqui se acolhe sem reservas) e impõe a absolvição da entidade demandada da instância, o que se determina de seguida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.
Em face de tal conclusão, resulta, naturalmente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, bem como a convolação dos presentes autos de intimação para uns outros de ação cautelar (neste sentido, vide MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit., página 903).
Pelo exposto, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, razão pela qual rejeita-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos do n.º 1, do artigo 110.º do CPTA.
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Desde já adiantamos que a decisão recorrida será confirmada.
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos).
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA em termos intencionalmente restritivos, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar.
Antecipamo-nos a dizer que, tendo presente os pressupostos vertidos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a começar pelo da indispensabilidade, não se mostra o mesmo preenchido no caso em apreço.
Em termos sintéticos, a indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”,associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso.
Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (sublinhados nossos).
Sobre a subsidiariedade, importa também salientar que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias” e que “Quando se afirma que o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma proteção adequada, esta afirmação tem, pois, em vista os processos não urgentes, devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta – com natural destaque, quando tal se mostre necessário, para a mais efetiva de todas, que é o decretamento provisório de providências cautelares” (cf. a obra e os autores que temos vindo a citar, de páginas 935 a 937) – (sublinhados nossos).
Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra citada, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaques nossos).
Retornemos, pois, ao caso concreto.
Em conclusões de recurso observamos, com especial insistência e sob diversas facetas argumentativas, o desagrado do Recorrente quanto à inércia decisória da Administração, pois, como no essencial refere, o prazo legal de decisão sobre o seu requerimento foi já largamente ultrapassado (os 90 dias previstos no artigo 82.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2007, de 04/07).
O inconformismo do Recorrente pela demora da Administração na instrução procedimental ou na tomada de uma decisão no competente procedimento administrativo de autorização de residência, ainda que compreensível e legítimo quanto a eventuais transtornos pessoais ou frustrações que essa situação possa causar ao projecto de vida que decidiu fundar em Portugal, não é, por princípio, debelado pelo acesso imediato ao processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, dado que, ante a inércia instrutória ou decisória da Administração, o contencioso administrativo disponibiliza outros meios comuns aos quais os interessados podem recorrer previamente, com especial prevalência para a acção administrativa de condenação à prática de acto devido, consagrada no artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (meio processual não urgente), eventualmente complementada com o requerimento incidental de processo cautelar para adopção de providência cautelar antecipatória (processo urgente), que ainda pode ser reforçado com o seu decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
Não é por demais chamar à colação a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste mesmo TCAS, que admite, inclusive, que “os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respectiva acção principal.”, mais propugnando este TCAS que a emissão da autorização de residência é compatível com uma definição cautelar.” (destaques nossos), conforme o exposto, entre outros, no acórdão de 07/06/2023, proferido no processo sob o n.º 166/23.1BEALM, entendimento que voltou a ser reiterado pelo acórdão deste mesmo TCAS, de 13/07/2023, prolatado no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Neste particular conspecto, também seguimos a jurisprudência já firmada por este TCAS, destacando-se, entre outros, o recente acórdão de 15/07/2025, proferido no processo sob o n.º 12861/25.6BELSB (uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias em matéria de aquisição de nacionalidade, mas cujo excerto fundamentador é igualmente aplicável ao caso vertente), cuja passagem passamos a transcrever do seguinte modo (consultável em www.dgsi.pt):
Acrescente-se que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).” (sublinhado nosso).
O Recorrente, no demais, limita-se a invocar de rajada nas conclusões recursivas sob os n.ºs 14 a 17, 25 e 26 uma série de princípios que considera genericamente ameaçados, como sejam, o direito de propriedade, a sua liberdade de iniciativa económica, a liberdade de circulação e permanência no território nacional, o de obtenção de um documento de identificação essencial à sua vida privada e profissional, o acesso ao estatuto de residente não habitual, os direitos de petição, de obtenção de uma decisão em prazo razoável e de informação sobre os procedimentos administrativos que lhe dizem respeito, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio da igualdade e da proteção da confiança conferida aos estrangeiros que já iniciaram o processo de autorização de residência.
Ora, sobre tais asserções, para além de traduzirem meras alegações de cariz genérico e vago, sem que das mesmas, por falta de explanação/densificação factual, se infira o que de urgente ou irremediável importe prevenir no imediato, sempre dizemos o seguinte, tendo em conta a jurisprudência já produzida por este TCAS.
Dilucidando aqui especificamente o alegado direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, o que se correlaciona com aquilo que o ora Recorrente aduziu remotamente no artigo 22.º do requerimento inicial, a propósito dos tempos de tramitação dos processos judiciais na jurisdição administrativa, consideramos que a alegada delonga de uma acção administrativa até ser alcançada uma decisão transitada em julgado, ou até mesmo a demora dos processos urgentes, segundo a contabilização aí avançada, não é motivo que permita ao Recorrente lançar logo mão do presente meio processual de excepção. É que, como dito lapidarmente no acórdão acabado de citar - ainda que a propósito do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva -, cujo raciocínio, todavia, também aqui secundamos, “Admitir a tese do Recorrente de, em virtude das alegadas demoras na tramitação e prolação de decisões no âmbito dos processos judiciais de natureza não urgente, lhe assistir o direito a recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter uma decisão em prazo razoável, sob pena de sair violado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP), seria subverter o regime processual previsto pelo legislador em que, ao lado dos processos que seguem a normal tramitação, se consagram formas processuais com caráter urgente e cuja utilização depende do preenchimento dos correspondentes pressupostos. Seria admitir que, em face das imputadas deficiências do sistema judicial, todos os litígios submetidos a juízo passassem a ser de natureza urgente porque, mostrando-se necessário a assegurar o direito a uma decisão em prazo razoável, seriam enquadráveis na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Só que, como vimos, o pressuposto a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA não se preenche quando a alegada necessidade de prolação de uma decisão judicial célere se destina a garantir o direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas apenas quando se mostre indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.” (sublinhado nosso).
Portanto, do que até agora vimos, podemos concluir que não é a violação do dever de decisão ou a demora da acção administrativa ou dos processos urgentes por conta de eventuais insuficiências do sistema judicial que, por si só, justificam o acesso imediato ao processo de intimação, mas sim quando este meio processual se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Na senda do entendimento também sufragado no acórdão deste TCAS, de 03/07/2025, tirado no processo sob o n.º 31554/24.5BELSB (de que o ora Relator no mesmo figurou nessa qualidade), consultável em www.dgsi.pt, igualmente pugnamos que a falta de autorização de residência não significa que o Recorrente “não possa[m], no entretanto, entrar, sair e permanecer de forma livre em Portugal, sobretudo, como cidadão[s] visitante[s], com passaporte e/ou com visto de turismo, se necessário for, assim podendo aceder, a intervalos, ao seu imóvel sito em território nacional, não tendo o[s] Recorrente[s], ademais, invocado qualquer situação concreta em que as autoridades portuguesas ou de quaisquer outros países da União Europeia lhe[s] tivesse[m] impedido a entrada e saída de Portugal ou de qualquer outro país do espaço Schengen”.
Ainda que mal se compreenda que o Recorrente também fundamente o acesso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias previsto no artigo 109.º do CPTA com a tese de que está em crise o acesso a informação sobre os procedimentos administrativos que lhe dizem respeito, cremos que só um ostensivo lapso do Recorrente pode justificar tal argumento, pois, como não pode ignorar, se pretende informação procedimental, então, o meio processual próprio é o da intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, consagrado no artigo 104.º do CPTA (secção I do capítulo II, título III do CPTA), e não a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do mesmo Código (secção II).
E no que toca em particular ao princípio da equiparação suscitado pelo Recorrente em conclusões de recurso, vertido no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, não assiste razão ao Recorrente, nem qualquer censura merece a decisão recorrida. É que, dando-se a circunstância do Recorrente não residir ainda em Portugal, não pode sequer equiparar-se aos demais cidadãos estrangeiros que em território nacional já se encontrem, nem equiparar-se aos próprios cidadãos portugueses residentes em território português, razão pela qual o Recorrente não pode ainda colocar-se numa situação de equiparação quanto aos direitos que os demais residentes/cidadãos já beneficiam (neste sentido, entre outros, veja-se o já decidido no acórdão deste TCAS, de 09/05/2024, proferido no processo sob o n.º 4798/23.0BELSB, consultável em www.dgsi.pt).
Acrescente-se ainda, no que tange ao princípio da equiparação e à sua correlação com o tema do reagrupamento familiar, que não é despiciendo secundarmos aqui o entendimento igualmente ventilado por este TCAS no recente acórdão de 03/07/2025, prolatado no processo sob o n.º 27506/24.3BELSB, do qual enfatizamos os seguintes excertos: “Relevando que a Recorrente e sua família não residem em território nacional, pelo que não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, quanto aos estrangeiros que se encontrem em Portugal.
Nem foi, como atrás se explanou, invocada qualquer situação específica que onere ou lese a Recorrente ou a sua família decorrente da omissão (atempada) de decisão, que exija a intimação urgente do Recorrido nos termos por si pretendidos.
(…)
Releva, ainda que a Recorrente, como reconhece, não se encontra a residir em Portugal, nem está impedida de entrar no país e também não invoca estar separada ou impedida de viver com os restantes membros da família (marido e filhos) ou de estes acederem à educação, cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência actual, Estados Unidos da América.

O Recorrente aduz ainda o específico argumento de que, por conta da ausência de título de residência, não se pode inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do estatuto de residente não habitual (RNH). Ora bem, consubstancia, à semelhança dos demais, um mero juízo conclusivo, faltando-lhe a necessária e mínima densificação factual-jurídica por forma a inferir-se, face ao caso concreto, de uma situação de especial urgência ou de ameaça de direito, liberdade e garantia “com conteúdo suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação”, conforme sustentam os autores da obra atrás citada.
Importa dizer, também, que a verificação da indispensabilidade e da urgência não se prende com a aplicação de regras de experiência do julgador ou de presunções judiciais, mas sim com a existência de factos devidamente alegados no articulado inicial que evidenciam cabalmente os pressupostos elencados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
O Recorrente invoca ainda nas conclusões de recurso sob os pontos 14 e 17 que estão em crise os direitos de propriedade, liberdade de iniciativa económica e petição. Acontece que tais direitos não foram invocados na p.i., tratando-se, portanto, de questões novas, porque somente aduzidas em sede de recurso, e, como tal, sem que à 1.ª instância sobre as mesmas tivesse sido dada qualquer oportunidade de pronúncia. Daí que, o Tribunal de apelação não tenha que sobre tais questões novas emitir sindicância, que, por conseguinte, não são de molde a viciar a decisão recorrida.
Cumpre dizer, outrossim, que se mostra correcta a decisão recorrida no aspecto em que não aderiu ao entendimento sufragado pelo acórdão do STA, de 06/06/2024, proferido no processo n.º 0741/23.4BELSB, em julgamento ampliado de recurso (consultável em www.dgsi.pt), nos termos do artigo 148.º do CPTA, porquanto, a situação fáctica tratada naquele acórdão é diversa da que ora nos prende neste recurso, pois que, ao STA foi apresentado o caso concreto de uma autorização de residência para o efeito da prestação de trabalho subordinado de um cidadão estrangeiro já residente em Portugal, ao passo que, no caso vertente, o ora Recorrente almeja o título de residência alicerçado numa actividade de investimento. Deste modo, atenta a diversidade factual, as preocupações subjacentes são distintas, não se aplicando ao caso em análise, de modo compulsório, a força convincente do aludido acórdão (neste sentido, entre outros, vide o acórdão deste TCAS, de 03/07/2025, emitido no processo sob o n.º 31554/24.5BELSB, consultável em www.dgsi.pt, de que o ora Relator ali interveio nessa mesma qualidade).
Aqui chegados, importava que o Recorrente tivesse cumprido com o ónus de alegação de factos concretos realmente demonstrativos de uma situação impressivamente caracterizadora da indispensabilidade do presente meio processual, ou seja, um contexto factual elucidativo de urgência ou premência. Mas tal não dimana do requerimento inicial, como bem constatou a sentença recorrida, como não resulta, de igual modo, do exposto em conclusões de recurso.
Ou seja, visto o fio condutor das conclusões recursivas, que delimitam o objecto do recurso, não se vislumbra a alegação de qualquer factualidade devidamente circunstanciada e densificada que sirva para justificar a indispensabilidade do uso excepcional do processo de intimação, pois que, nada de urgente ou premente dali se infere no sentido de ser necessária uma tutela imediata e definitiva dos direitos esgrimidos pelo Recorrente.
Ora, sem quaisquer outros factos devidamente explicados ou densificados, que justifiquem o provir de uma situação de especial urgência ou premência que importe, desde já, obstar, nada de ofensivo se vislumbra para os direitos, liberdades e garantias invocadas.
Quer isto dizer, em resumo, que o Recorrente não acoplou quaisquer factos concretos e realmente demonstrativos de estarmos perante uma situação de especial urgência que seja indispensável acautelar ou impedir de modo imediato, em tempo útil e de forma definitiva pela utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Não é por demais relembrar que é sempre a partir do caso concreto que se perscruta a existência de fundamentos factuais que justificam a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação. É o próprio requerente do meio processual de intimação que tem o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade.
Ao fim e ao cabo, como já aflorámos, inexiste no caso vertente, por falta de alegação, qualquer situação realmente urgente ou premente que importe prevenir por intermédio do processo de intimação, isto é, o Recorrente não associou ao requerimento inicial, nem sequer agora, às conclusões recursivas, quaisquer factos suficientemente densificados que demonstrem a tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados.
Importa ainda afirmar que seguimos aqui a orientação de vasta e recente jurisprudência deste TCAS, proclamada a propósito da concreta pretensão material de emissão da autorização de residência, com plena aplicação no caso vertente (no que especificamente diz respeito ao aludido requisito da indispensabilidade), destacando-se, entre outros, os acórdãos deste TCAS tirados nos seguintes processos: no Processo n.º 166/23.1BEALM, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 489/23.0BELSB, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 1151/23.9BELSB, de 26 de Julho de 2023, no Processo n.º 458/23.0BELSB, e ainda nos Processos n.ºs 4798/23.0BELSB, de 09/05/2024, e 602/24.0BELSB, de 23/05/2024, estes dois últimos alusivos, precisamente, à autorização de residência para actividade de investimento (de que o ora Relator também nos mesmos interveio nessa qualidade), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
De modo acrescido, a título de exemplo, veja-se ainda o acórdão deste TCAS, de 13/07/2023, emitido no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, convocando-se o entendimento formulado no seu sumário, do qual consta o seguinte:
I Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade (…)
Atente-se, ainda, ao acórdão do STA, de 04/04/2024, tirado no processo sob o n.º 015/24.3BALSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se os pontos I e II do seu sumário, como segue:
I-A adequação do meio processual da intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não se afere apenas em função de estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, pois é necessário que esse direito se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.
II-Nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, o uso deste meio processual pressupõe a necessidade de uma tutela de mérito urgente, que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa.
Tudo visto, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - Atenta a urgência, celeridade e excepcionalidade que caracterizam o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não ocorre nulidade processual, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, a omissão de despacho-convite para mera pronúncia sobre a impropriedade do meio processual na fase de apreciação liminar/despacho liminar (cf. artigo 110.º, n.º 1, do CPTA) do processo de intimação, sobretudo, quando ao Juiz seja evidente a falta de verificação dos pressupostos exigidos pelo artigo 109.º do CPTA.
II - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
III - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação, em tempo útil, se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
IV - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a arguida nulidade e em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 11 de Setembro de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Mara de Magalhães Silveira – (1.ª Adjunta)
Joana Costa e Nora – (2.ª Adjunta)