Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1804/23.1BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 05/09/2024 |
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Relator: | JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA |
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Descritores: | AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA ACTIVIDADE DE INVESTIMENTO REQUISITO QUANTITATIVO MÍNIMO PRESENÇA EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS INCUMPRIMENTO DO DEVER DE DECIDIR PRETENSÃO MATERIAL |
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Sumário: | I - Invocando o requerente de autorização de residência para actividade de investimento a «aquisição de bens imóveis, com realização de obras de reabilitação», e sendo o valor do imóvel em causa inferior a € 500.000,00, o requisito quantitativo mínimo a aferir é o previsto na subalínea iv) – e não iii) - da alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 102/2017, de 28 de Agosto. II - O requisito da “presença em território português”, imposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, não se reconduz à residência em território português. III - Face ao incumprimento do dever de decidir requerimento de autorização de residência e reagrupamento familiar, se a autora recorrente não alegou na p.i. a verificação de cada um dos concretos requisitos legalmente previstos para o efeito (em cumprimento do ónus de alegação que sobre a mesma impende, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CPC), não cabe ao Tribunal analisar essa verificação, impondo-se, previamente, que a análise da verificação dos pressupostos legais para a concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar seja feita por parte da autoridade administrativa competente, devendo a mesma, para o efeito, ser condenada a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO S…, de nacionalidade cambojana, casada com H…, com residência em Camboja, titular do passaporte n.º N…, emitido em 24.04.2015, pelas autoridades competentes do Reino de Camboja, válido até 24.04.2025, contribuinte fiscal n.º 3…, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Ministério da Administração Interna. Pede a condenação da entidade demandada a, num prazo máximo de 15 dias, tramitar, instruir e decidir o seu pedido de autorização de residência, com a consequente emissão do título de residência, bem como a aplicação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do determinado. Alega, para tanto e em síntese, que submeteu, junto da entidade demandada, em 18.03.2020, um pedido de concessão de autorização de residência para a actividade de investimento, e em 25.11.2020, um pedido de reagrupamento familiar para o seu marido e para os seus três filhos, não tendo a candidatura em causa conhecido desenvolvimentos desde então até ao presente, omissão que obsta a que todos residam em território nacional. Admitida liminarmente a petição, a entidade demandada não apresentou resposta. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente a acção, com a consequente absolvição da entidade demandada do pedido. A autora interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “i. A Recorrente apresentou, a 30/05/2023, Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, requerendo, a final, que i) as Entidades Requeridas sejam intimadas a, num prazo máximo de 15 (quinze) dias, garantirem o agendamento de uma data para marcação de atendimento no SEF, com vista à recolha de dados biométricos e à submissão definitiva do pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, cuja candidatura já foi submetida em 25/11/2020, e ii) que o Diretor Nacional do SEF e o Ministro da Administração Interna, na qualidade de titulares dos órgãos a quem compete a execução da decisão, sejam condenados no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante de 75,00 € (setenta e cinco euros), por cada dia de incumprimento do prazo supra mencionado; ii. A Recorrente submeteu a sua candidatura para efeitos de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, através do “Portal ARI”, em 18/03/2020, tendo procedido à liquidação da respetiva taxa de análise da sua candidatura em 26/03/2020; iii. Em 25/11/2020, submeteu a candidatura a Reagrupamento Familiar do seu esposo, H…, e dos seus filhos H…, H… e L…, tendo procedido à liquidação das respetivas taxas de análise das candidaturas reagrupadas em 30/11/2020; iv. O prazo máximo de decisão do pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, previsto no artigo 82.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, é de 90 (noventa) dias e, até à data, não houve qualquer decisão; v. O que significa que se encontra largamente ultrapassado o referido prazo, tendo sido violado, em consequência, o dever de decisão, previsto no artigo 13.º, do CPA; vi. Alegou a Recorrente que a inação do SEF consubstancia uma violação do direito à boa administração, enquanto Direito Fundamental de natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias, decorrente do artigo 41.º, n.º 1, da CDFUE; vii. Evidenciou a Recorrente que a inação do SEF tem como consequência a impossibilidade de estabelecimento pessoal e familiar da Recorrente em Portugal, de deslocação a outros países europeus no âmbito da sua atividade profissional, e, bem assim, de fruição de um conjunto de Direitos Fundamentais constitucionalmente protegidos; viii. Demonstrou a Recorrente que o pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento tem por finalidade a emissão e disponibilização de um título de residência, o qual confere à Requerente o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional e o direito de circular livremente dentro e fora do território nacional; ix. Como resulta, aliás, do disposto no artigo 83.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, onde se lê que “sem prejuízo de aplicação de disposições especiais e de outros direitos previstos na lei ou em convenção internacional de que Portugal seja Parte, o titular de autorização de residência tem direito, sem necessidade de autorização especial relativa à sua condição de estrangeiro, designadamente: a) À educação e ensino; b) Ao exercício de uma atividade profissional subordinada; c) Ao exercício de uma atividade profissional independente; d) À orientação, à formação, ao aperfeiçoamento e à reciclagem profissionais; e) Ao acesso à saúde; f) Ao acesso ao direito e aos tribunais.”; x. A Recorrente é uma cidadã de nacionalidade cambojana que demonstrou vontade de obter uma autorização de residência em Portugal, na modalidade prevista no artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março; xi. Ou seja, uma autorização de residência para atividade de investimento, definida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei como “qualquer atividade exercida pessoalmente ou através de uma sociedade que conduza, em regra, à concretização de, pelo menos, uma das seguintes situações em território nacional e por um período mínimo de cinco anos”; xii. Tendo a Recorrente, para efeitos de submissão da sua Candidatura, preenchido os requisitos cumulativos previstos no n.º 1 do artigo 90.º-A, através da compra de um imóvel cuja construção foi concluída há mais de 30 anos, no montante global superior a € 350 000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), com recurso a capitais oriundos do estrangeiro; xiii. Sendo que o prédio onde se encontra referida a fração vendida foi matricialmente inscrito antes de 1951, razão pela qual foi dispensada a apresentação de Licença de Utilização; xiv. De acordo com o previsto na subalínea iv) da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei, a aquisição e realização de obras de reabilitação dos bens imóveis terá de perfazer um no montante global igual ou superior a 350 mil euros, sendo que i) a construção do imóvel deve ter sido concluída há, pelo menos, 30 anos, ou, em alternativa; ii) o imóvel tem de estar localizado em área de reabilitação urbana (ainda que possa ter menos de 30 anos); xv. Verifica-se que a construção do imóvel foi concluída há (bastante) mais de 30 anos, pelo que o requisito que terá de se verificar não é o constante da subalínea iii) da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, mas sim o previsto na subalínea iv) da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei; xvi. Sendo que todos os documentos exigidos pelo artigo 65.º-D, n.º 3, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de novembro, na redação conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, foram devidamente juntos à candidatura apresentada pela Recorrente a 18/03/2020; xvii. É de concluir, então, que o investimento realizado pela ora Recorrente aquando da apresentação da sua candidatura para efeitos de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, através do “Portal ARI”, de facto, não preenche o requisito quantitativo mínimo previsto no artigo 3.º, n.º 1, alínea d), subalínea iii), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, porquanto não teria de o fazer, uma vez que o imóvel em causa se encontra abrangido pela subalínea imediatamente seguinte; xviii. Subalínea essa que foi irrepreensivelmente preenchida; xix. Como é consabido, o pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento tem por finalidade a emissão e disponibilização de um título de residência, o qual confere à Requerente o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional e o direito de circular livremente dentro e fora do território nacional, nos termos do artigo 44.º, da CRP, e, bem assim, os mesmos direitos e obrigações que os cidadãos portugueses, desde que tais direitos e obrigações não sejam indissociáveis da nacionalidade portuguesa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15.º e 16.º, da CRP; xx. Pois que, Direitos, Liberdades ou Garantias são todos aqueles que se encontram plasmados na CRP e na Lei – em especial, e no que releva in casu, na sobredita Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março –, de cuja fruição depende o deferimento do pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento e respetiva concessão de título de residência ao Requerente, tais como, e entre outros, o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional e de livre circulação dentro e fora do território nacional (cfr. artigo 44.º, da CRP); xxi. Acontece que a fixação em território português não é um requisito do artigo 77.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, mas sim a presença em território português; xxii. Como o próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na sua página virtual, o refere; xxiii. Ora, os conceitos de residência e presença não podem ser confundidos, sendo até inócuo que um dos requisitos para a concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento se consubstanciasse na própria residência; xxiv. Estamos assim, in casu, perante uma cidadã cambojana, que não se encontra a residir legalmente em Portugal, uma vez que ainda não viu o seu pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento tramitado, instruído e deferido, não possuindo, por conseguinte, o respetivo título de residência; xxv. Pelo que, o feixe de direitos – e deveres – concretizados na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, nomeadamente o direito à fixação de residência em qualquer parte do território nacional e de livre circulação dentro e fora do território nacional (cfr. artigo 44.º, da CRP), encontra-se dependente da concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento à Recorrente; xxvi. Desta forma, enquanto não obtiver o título de residência válido, a Recorrente nunca poderá residir em Portugal – que, elucide-se, já deveria possuir, uma vez que o seu pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento se encontra no estado “em análise” há três anos, sendo, única e exclusivamente, imputável às Entidades Recorridas, maxime, ao SEF, o protelar da situação de indefinição da Recorrente e a preterição do exercício de um conjunto de Direitos, Liberdades e Garantias e Direitos Fundamentais de natureza análoga a tais Direitos, Liberdades e Garantias, em tempo útil, que decorrem da atribuição de título de residência válido à Recorrente; xxvii. Em face do exposto, e ao invés do decidido pelo douto Tribunal a quo, o Recorrente alegou e demonstrou a verificação, no caso em apreço, do requisito quantitativo mínimo previsto no artigo 3.º, n.º 1, alínea d), subalínea iii), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, e no artigo 65.º-A, n.º 1 e n.º 12 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de novembro, na redação conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da referida Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, pelo que, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra em que as Entidades Recorridas sejam intimadas a, num prazo máximo de 15 (quinze) dias, garantirem o agendamento de uma data para marcação de atendimento no SEF, com vista à recolha de dados biométricos do Recorrente, nos termos e com os fundamentos supra expostos e à submissão definitiva do seu pedido de concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento.” A entidade recorrida não respondeu à alegação dos recorrentes. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso reiterando a fundamentação constante da sentença recorrida. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por: a) Ter considerado aplicável ao caso o requisito previsto na subalínea iii) da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, em vez do previsto na respectiva subalínea iv); b) Ter considerado a residência em território português como um requisito para a concessão da autorização de residência requerida, em violação do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados: “1. S… (requerente) é nacional do Camboja. Cf. documento SITAF que consta a fls. 64-64 dos autos em paginação eletrónica; e cópia do passaporte que consta do PA a fls. 84-115 dos autos em paginação eletrónica. 2. Em 07.01.2020, a requerente celebrou contrato de compra e venda referente à fração autónoma designada pela letra «C», que corresponde ao primeiro andar direito, com logradouro com área de 41 m2, destinado a habitação, sita em S…, R…, freguesia da Estrela, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, da freguesia de S…, submetida ao regime de propriedade horizontal conforme apresentação 25 de 22.04.1986, encontrando-se registada a aquisição a favor dos vendedores, pela apresentação 983 de 13.03.2019, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da Estrela, pelo valor de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros). Cf. documento SITAF que consta a fls. 39-48 dos autos em paginação eletrónica; e cópia do contrato de compra e venda que consta do PA a fls. 84-115 dos autos em paginação eletrónica. 3. Em 12.03.2020, a requerente celebrou um contrato de empreitada, o qual tem por objeto a fração autónoma referida em (2), para a execução de diversos trabalhos, pelo valor de € 10.000,00. Cf. documento SITAF que consta a fls. 49-53 dos autos em paginação eletrónica; 4. Em 18.03.2020, a requerente submeteu um pedido/candidatura de concessão de autorização de residência para a atividade de investimento, com fundamento na «aquisição de bens imóveis, com realização de obras de reabilitação», pedido/candidatura à qual foi atribuído o n.º 00385/ARI/094/20. Cf. documento SITAF que consta a fls. 54-54 dos autos em paginação eletrónica; e cópia do pedido/candidatura que consta do PA a fls. 84-115 dos autos em paginação eletrónica. 5. Em 25.11.2020, a requerente submeteu um pedido de reagrupamento familiar para o seu marido, H…, e para os seus (3) três filhos, H…, H… e L…, pedido que ficou na situação de «Candidatura Aceite». Cf. documento SITAF que consta a fls. 56-56 dos autos em paginação eletrónica. 6. Os pedidos referidos em (4) e (5) ainda não obtiveram decisão. Facto não controvertido. 7. A requerente não reside em território português. Facto não controvertido. 8. O presente processo deu entrada em juízo em 30.05.2023. Cf. documento a fls. 1-4 dos autos em paginação eletrónica” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Tendo a recorrente, autora nos presentes autos, peticionado nos mesmos a condenação da entidade demandada a, num prazo máximo de 15 dias, tramitar, instruir e decidir o seu pedido de autorização de residência para investimento, vem a mesma recorrer da sentença que julgou a acção improcedente, tendo absolvido do pedido a entidade demandada, assentando a sentença na seguinte fundamentação fáctico-jurídica: “(…) Na situação jurídica configurada em juízo, a requerente submeteu um pedido/candidatura de concessão de autorização de residência para a atividade de investimento, com fundamento na «aquisição de bens imóveis, com realização de obras de reabilitação», pelo que releva considerar a subalínea iii) da alínea d) do referido artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07, em concreto, a «[a]quisição de bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros;». Preceitua (ainda) o n.º 12 do citado artigo 65.º-A do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05/11, que «[o]s investimentos devem estar realizados no momento da apresentação do pedido de autorização de residência.» (sublinhado da nossa responsabilidade). A definição dos citados critérios para efeitos de autorização de residência para atividade de investimento é, por isso, feita por lei. O que significa que basta a verificação (do) citado critério – investimento em bens imóveis no valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros) – para se verificarem os requisitos quantitativos mínimos relativos à atividade de investimento. Por isso: Porque o citado artigo 65.º-A do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05/11 regula especificamente a matéria dos requisitos quantitativos mínimos relativos à atividade de investimento, em concretização da lei habilitante que consiste na Lei n.º 23/2007, de 04/07, é com base na sua disciplina que tem de ser apreciada e decidida a pretensão material da requerente, relativa à autorização de residência fundada em atividade de investimento. Ora: Na situação jurídica configurada em juízo, afigura-se-nos, desde já, constituir questão de direito não controvertida a não verificação pela requerente do requisito quantitativo mínimo previsto no artigo 65.º-A n.º 3 alínea d) subalínea iii) e n.º 12 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05/11, porquanto não se comprova que a requerente tenha efetuado um investimento (mínimo) de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) no momento da apresentação do pedido/candidatura em causa (Cf. ponto (3) do probatório). É que, como resulta do probatório, em 07.01.2020, a requerente celebrou um contrato de compra e venda referente a uma fração autónoma destinada a habitação, sita em S…, R.., freguesia da Estrela, concelho de Lisboa, pelo valor de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros). Em 12.03.2020, a requerente celebrou um contrato de empreitada, o qual teve por objeto a referida fração autónoma, para a execução de diversos trabalhos, pelo valor de € 10.000,00. Tudo somado, dá um total de investimento de € 360.000.00, o que, por si só, é determinante da improcedência da presente intimação. A isto acresce que, nos termos do artigo 77.º n.º 1 alínea c) da Lei n.º 23/2007, de 04/07, para o qual o n.º 1 do artigo 90.º-A remete, que «[p]ara a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos: (…) c) Presença em território português; (…)». Ora, resulta do probatório que a requerente não reside em território português (Cf. ponto (7) do probatório), com o que não se mostra comprovado, pelo menos, o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07, o que também é determinante da improcedência da presente intimação. Nesta conformidade, nos termos do artigo 65.º-A n.º 3 alínea d) subalínea iii) e n.º 12 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05/11, e do artigo 77.º n.º 1 alínea c) da Lei n.º 23/2007, de 04/07, para o qual o n.º 1 do artigo 90.º-A remete, impõe-se a improcedência do pedido com a amplitude que lhe foi atribuída pela requerente, ao que se provirá na parte dispositiva da presente decisão. (…).” Insurgindo-se a recorrente contra a subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável efectuada na sentença recorrida, importa começar por definir o quadro jurídico aplicável ao caso, quanto aos requisitos em causa. A Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, dispondo o n.º 1 do seu artigo 90.º-A, na redacção dada pela Lei n.º 102/2017, de 28 de Agosto – aplicável ao caso, considerando que o pedido de autorização de residência foi apresentado em 18.03.2020 -, que “É concedida autorização de residência, para efeitos de exercício de uma atividade de investimento, aos nacionais de Estados terceiros que, cumulativamente: a) Preencham os requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, com exceção da alínea a) do n.º 1; b) Sejam portadores de vistos Schengen válidos; c) Regularizem a estada em Portugal dentro do prazo de 90 dias a contar da data da primeira entrada em território nacional; d) Preencham os requisitos estabelecidos na alínea d) do artigo 3.º.” Um dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, na redacção aplicável ao caso – dada pela Lei n.º 102/2017, de 28 de Agosto -, é o da “presença em território português” – cfr. alínea c) do n.º 1. Quanto aos requisitos quantitativos mínimos de investimento, o n.º 1 do artigo 65.º-A do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro – na redacção aplicável ao caso, dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro – impõe “(…) a verificação em território nacional de, pelo menos, uma das situações previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual.” O artigo 3.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, na redacção aplicável ao caso – dada pela Lei n.º 102/2017, de 28 de Agosto -, dispõe – na parte que interessa para o conhecimento do recurso - que se considera “«Atividade de investimento» qualquer atividade exercida pessoalmente ou através de uma sociedade que conduza, em regra, à concretização de, pelo menos, uma das seguintes situações em território nacional e por um período mínimo de cinco anos: (…) iii) Aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a (euro) 500 000; iv) Aquisição de bens imóveis, cuja construção tenha sido concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em área de reabilitação urbana e realização de obras de reabilitação dos bens imóveis adquiridos, no montante global igual ou superior a (euro) 350 000; (…)” Assim, e antes de mais, cumpre notar que a sentença erra na indicação da redacção aplicável da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, pois que refere ser a dada pela Lei n.º 28/2019, de 29 de Março, não tendo esta lei alterado a redacção daquela norma; e erra também na indicação da redacção aplicável do artigo 65.º-A do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro, pois que refere ser a dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, não tendo esta lei alterado a redacção daquela norma. Analisemos agora a verificação dos requisitos do quantitativo mínimo de investimento e da presença em território português, postos em causa no presente recurso. Entendeu o Tribunal a quo que, tendo o pedido de concessão de autorização de residência para a actividade de investimento tido como fundamento a «aquisição de bens imóveis, com realização de obras de reabilitação», seria aplicável a subalínea iii) da alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com o que se impunha que o valor do bem imóvel em questão fosse igual ou superior a 500 mil euros, pelo que, não o sendo, não está verificado um dos requisitos para a concessão da autorização requerida. Mais se considerou que, não residindo a autora em território português, não se mostra comprovado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho. Vejamos. Conforme resulta do probatório, a autora recorrente adquiriu o imóvel em causa pelo valor de € 350.000,00 e celebrou contrato de empreitada para execução de trabalhos no mesmo, no valor de € 10.000,00, tendo o seu pedido de concessão de autorização de residência para a actividade de investimento assentado na «aquisição de bens imóveis, com realização de obras de reabilitação». Ora, sendo este o fundamento do pedido e dado o valor do imóvel em causa, o requisito quantitativo mínimo a aferir era o previsto na subalínea iv) da alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e não o da subalínea iii), como se entendeu na sentença recorrida. Com efeito, está em causa a aquisição de bem imóvel para reabilitação no valor de € 350.000,00, pelo que, sendo tal valor inferior ao previsto na subalínea iii) e tendo sido invocada a reabilitação do mesmo, urgia analisar o cumprimento do requisito previsto na referida norma, ou seja, se a construção havia sido concluída há, pelo menos, 30 anos, ou se o imóvel se localizava em área de reabilitação urbana, circunstâncias que não foram apuradas, como deveriam ter sido. Também não acertou a sentença recorrida ao concluir pela não verificação do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, por a autora não residir em território português. Efectivamente, tal requisito impõe a “presença em território português”, e não a residência em território português, sendo certo que presença e residência não se confundem. Em primeiro lugar, não pode a residência ser um requisito para obter a autorização de residência, pressupondo esta, logicamente, a não residência anterior. Em segundo lugar, é a própria Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, que se reporta, distintamente, ora à “presença”, ora à “residência”, para diferentes efeitos, não deixando dúvidas de que tais conceitos não se identificam. Finalmente, embora a lei não os distinga pela definição, o significado que ambos os conceitos assumem na linguagem corrente dá-nos uma noção de comparência associada à “presença” e uma noção de permanência associada à residência, podendo ambos distinguir-se, designadamente, mas não só, pela duração, menor na presença do que na residência. E também a verificação deste requisito não foi aferida, pelo que não podia o Tribunal tê-lo considerado não verificado. Aqui chegados, concluímos que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, não só por ter considerado aplicável ao caso o requisito previsto na subalínea iii) da alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, em vez do previsto na respectiva subalínea iv), mas também por ter considerado a residência em território português como um requisito para a concessão da autorização de residência requerida, quando não o é, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com o que se impõe julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida e decidir em substituição. Tendo a autora recorrente requerido a autorização de residência e o reagrupamento familiar, e não tendo tais requerimentos obtido decisão, foi incumprido o dever de decidir, previsto no n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CPTA, nas situações em que a Administração não decide os requerimentos que lhes são apresentados, “(…) o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, (…) mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido.” – cfr. n.º 1 do artigo 71.º do CPTA. Ora, a pretensão material da autora recorrente reconduz-se à autorização de residência e ao reagrupamento familiar, pelo que a imposição da prática do acto devido implica a análise da verificação dos requisitos legais, previstos nos artigos 90.º-A e 98.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, análise essa que, naturalmente, pressupõe a respectiva alegação e prova. Acontece que a autora recorrente não alegou a verificação de tais requisitos, limitando-se a uma alegação genérica de que cumpre os requisitos previstos no referido artigo 90.º-A, “nomeadamente tendo efetuado investimento imobiliário em Portugal com recursos a capitais oriundos do estrangeiro”, não cumprindo o ónus de alegação que sobre a mesma impende nos termos gerais previstos no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, o que inviabiliza a dita análise da verificação dos requisitos legais para a concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar, razão pela qual não é possível nesta sede, no caso em apreço, conceder à autora recorrente a autorização de residência e o reagrupamento familiar pela mesma pretendidos, impondo-se, previamente, que tal análise sobre a verificação dos pressupostos legais para o efeito seja feita por parte da autoridade administrativa competente. Por tal razão, impõe-se a condenação da entidade demandada a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar, conforme peticionado pela autora recorrente, respeitando o ora decidido quanto à apreciação dos requisitos aqui em causa, ou seja, aferindo o requisito quantitativo mínimo nos termos previstos na subalínea iv) da alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da mesma lei, no sentido em que a presença em território português não se identifica com a residência em território português. Nos termos do artigo 82.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, “O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.” e a decisão do pedido de reagrupamento familiar “Logo que possível, e em todo o caso no prazo de três meses” – cfr. artigo 105.º, n.º 1, do mesmo diploma. Porém, não tendo os pedidos de autorização de residência e reagrupamento familiar sido decididos dentro dos referidos prazos, e face ao lapso de tempo decorrido desde a sua apresentação (ocorrida no ano de 2020), e nos termos do n.º 4 do artigo 95.º do CPTA, fixa-se um prazo procedimental de 25 (vinte e cinco) dias para cumprimento do ora determinado. Apreciemos, finalmente, a peticionada aplicação de sanção pecuniária compulsória. Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do CPTA, a sanção pecuniária compulsória pode ser aplicada pelos tribunais, a requerimento das partes ou oficiosamente, quando haja factos concretos que permitam antecipar eventual incumprimento – cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.01.2008, processo n.º 3362/07 (in www.dgsi.pt) –, estando prevista a sua aplicação, não só na fase declarativa do processo, mas também na fase executiva, concretamente a propósito da execução de sentenças de anulação, no artigo 179.º, n.º 3, do CPTA, “Quando tal se justifique (…)”. No caso concreto, posto que não foi cumprido o dever de decidir os pedidos da autora recorrente, considerando a natureza e a função da sanção pecuniária compulsória, não se justifica, por ora, a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao titular do órgão com competência administrativa adstrita ao cumprimento do dever jurisdicionalmente imposto no sentido de o compelir ao cumprimento da injunção imposta pela decisão judicial. Destarte, improcede o pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória. * Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando a entidade demandada a, no prazo procedimental de 25 (vinte e cinco) dias, decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar iniciados com os pedidos apresentados pela recorrente, aferindo o requisito quantitativo mínimo nos termos previstos na subalínea iv) da alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 77.º da mesma lei, no sentido em que a presença em território português não se identifica com a residência em território português. Sem custas. Lisboa, 09 de Maio de 2024 Joana Costa e Nora (Relatora) Lina Costa Ricardo Ferreira Leite |