Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:389/11.6BECTB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/19/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ESCOLA
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
ADENDA AO CONTRATO
Sumário:i) A alteração contida em adenda ao contrato de associação, destinada a fazer aplicar o novo critério de financiamento contido na norma transitória do artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Ministério, que está obrigado a cumprir o contrato de acordo com o quadro legal e regulamentar em vigor na data em que foi celebrado e para o qual o contrato expressamente remete
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A Escola ……………………, Lda intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, acção administrativa especial contra o Estado Português – Ministério da Educação, onde peticionou:

a) Condenar-se o ESTADO PORTUGUÊS/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO a reconhecer que não se aplicam ao Contrato de Associação celebrado com a “ESCOLA .......................... .........................., LDA” para o ano lectivo de 2010/2011, as alterações legislativas introduzidas pelo DL n° 138-C/2010, de 28 de Dezembro, e pela Portaria n° 1324-A/2010, de 29 de Dezembro;

b) Caso assim se não entenda, deve reconhecer-se que a Alteração Unilateral do Conteúdo da Obrigação Contratual pretendida introduzir pelo Estado Português/Ministério da Educação é ilegal face ao disposto no Artigo 302º do Código dos Contratos Públicos;

c) Ainda que não fosse ilegal, tal Alteração Unilateral teria de obedecer aos requisitos dos Artigos 282º, 312º a 314º do Código dos Contratos Públicos, impondo-se a necessidade de reposição do equilíbrio económico do Contrato;

d) Devendo o Estado Português/Ministério da Educação – em qualquer destas situações referidas – ser condenado a pagar à A. Escola .......................... .........................., Lda. a importância que, em concreto, e eventualmente em sede de liquidação em execução de Sentença, se vier a apurar como correspondente à diferença entre o que o Estado Português/Ministério da Educação tiver efetivamente pago até ao termo financeiro do Contrato de Associação (31 de Agosto de 2011) e o montante que devia pagar em conformidade e respeito pelas regras que, no momento da celebração do contrato (12 de Outubro de 2010), presidiam ao cálculo da contrapartida financeira e que se traduziam, previsionalmente, no pagamento mensal da quantia de €116.506,27”.

Por sentença de 31.10.2016 foi julgada “a presente ação administrativa especial parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Entidade demandada a cumprir o contrato de associação celebrado com a Escola .......................... .......................... em 12 de outubro de 2011, de acordo com a legislação indicada no mesmo, retomando o procedimento para apuramento e pagamentos à autora do montante definitivo da contrapartida financeira, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre o montante em dívida desde a citação até efetivo e integral pagamento”.

Com aquela não se conformando, o Ministério de Educação (Recorrente) interpôs recurso para este TCAS, culminando a sua alegação com seguintes conclusões:

I– O Recorrente discorda dos fundamentos, sentido e decisão da sentença recorrida, porquanto, considerando quer a factualidade dada como provada, quer o regime jurídico aplicável, um outro entendimento e sentido se impunha ao veredicto judicial.

II- Sem omitir todas as demais questões que gravitam em seu torno, o verdadeiro nó górdio da presente lide forense reside em saber se a prolação legislativa exaurida no D/L nº 138-C/2010, de 28/12 e na portaria nº 1324-A/2010 tem ou não aplicabilidade aos presentes autos.

III– O TAF de Coimbra, in Processo nº 282/11.2BECBR, consignou que: “… o novo regime legal fixado através da norma transitória do nº 1, do artigo 16º da Portaria nº 1324- A/2010, de 29/12, (…) já que foi vontade expressa do legislador (…) aplicar aos contratos em execução a fórmula de cálculo da contrapartida financeira prevista naquela mesma norma transitória …”

IV- Do Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, processo n.º 653/09, Diário da República, 2.ª série — N.º 74 — 16 de abril de 2010, página 19682, extrai-se que para se colocar a questão da confiança têm de se verificar cumulativamente quatro requisitos, um dos quais «… que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. …»

V– A ratio legis dos normativos em questão (D/L nº 138-C/2010, de 28/12 e na portaria nº 1324-A/2010) dá a conhecer as razões de interesse público que legitimaram as alterações ao regime de financiamento dos estabelecimentos de ensino particular, que, designadamente, traduzem um exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, ganhando particular relevo num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas esforço este que é solicitado a todos os portugueses.

VI– Os interesses públicos subjacentes à prolação legislativa (D/L nº 138-C/2010, de 28/12 e na portaria nº 1324-A/2010), ora posta em crise, são de primacial importância para o todo nacional e, de per si, justificam a alteração do sistema de financiamento dos estabelecimentos de ensino particulares.

VII- Caso o sistema de financiamento cessante tivesse gerado qualquer situação de expectativa, nos termos do supra aludido Acórdão do TC, os interesses públicos subjacentes à prolação legislativa seriam portadores de inelutável intensidade para arredar “a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa”

VIII– O D/L nº 138-C/2010, de 28/12, procedendo à alteração do D/L nº 553/80, de 21/11, não altera globalmente os Estatutos do Ensino Particular e Cooperativo, traduzindo, antes, a prorrogativa a que alude o nº 5, do artº 8º da Lei nº 9/97, de 19 de março.

IX– O nº 5, do artº 8º, da Lei nº 9/97, de 19 de março, confere ao Governo a missão de determinar a regulamentação adequada para efeitos de celebração dos contratos e concessão de apoios e subsídios previstos naquele artigo.

X- O artº 17º, da Lei nº 9/97, de 19 de março, estatui o instituto do D/L, apenas, para efeitos de publicação do estatuto do ensino particular e cooperativo, sendo que o D/L nº 553/80 de 21/11, o qual regulamente a Lei nº 9/97, de 19 de março, dá competência ao MEC a competência para fixação do subsídio sem, no entanto, determinar a forma legal a observar para o efeito.

XI- O último parágrafo do contrato de associação celebrado com as diversas instituições determinando que: «… os compromissos assumidos por via do presente contrato não invalidam a aplicação das disposições constantes da legislação geral e específica que incide sobre o ensino particular e cooperativo …» conduz à aplicação das normas constantes do DL nº 553 / 2008, de 21 de novembro, no DL nº 138–C/2010, de 28 de dezembro e da Portaria nº 1324-A/2010 de 29 de dezembro – destacado nosso.

XII– Este novo regime aplica-se, de imediato e ex vi legis, aos contratos em vigor, tal como dimana do artº 3º do DL nº 138–C/2010, de 28 de dezembro, ao estatuir que: «… Os contratos de associação em execução à data da entrada em vigor do presente decreto-lei são renegociados de acordo com as regras estabelecidas no presente decreto-lei e respetiva regulamentação. …»

XIII– Nesta conformidade, legitimamente as disposições contratuais dos contratos em vigor devem ser reajustadas à nova realidade jurídica plasmada nos citados diplomas - DL nº 138–C/2010, de 28 de dezembro e Portaria nº 1324-A/2010 de 29 de dezembro.

XIV – Disposições essas que, na pendência do contrato, ex vi artº 3º do DL nº 138– C/2010, de 28 de dezembro, devem ser objeto de uma adenda de modo a permitir a adequação do contrato ao novo quadro legal.

XV– A contrapartida financeira a instâncias do contrato de associação não é objeto de negociação entre as partes, porquanto resulta da fixação legal, unilateral, a determinar por portaria para cada ano letivo.

XVI - Os atos legislativos em apreço, o DL nº 138–C/2010, de 28 de dezembro e a Portaria nº 1324-A/2010 de 29 de dezembro, foram praticados ao abrigo das competências legal e legitimamente cometidas aos respetivos órgãos emissores.

XVII - As alterações ao quadro legal relativo ao financiamento das escolas particulares não se traduzem num mecanismo que inviabilize aos respetivos destinatários a consecução dos objetivos que vinham realizando.

XVIII- O poder de modificar unilateralmente os contratos administrativos, fundado no interesse público moldado na lei, é um poder-dever, que ao MEC era dado exercer.

XIX- O princípio condensado no art.º 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 553/80 não estava traduzido de modo absolutamente fiel nos despachos em que se cristalizava a fórmula de cálculo dos custos a subsidiar pelo Estado com os contratos de associação.

XX- O cenário de crise financeira internacional, a todos os títulos, anormal e imprevisível, obriga de per si, à racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, sendo necessário distribuir os riscos próprios de qualquer contrato e fazê-lo em termos que se revelem equitativos, repondo uma equivalência honesta entre as prestações que do mesmo emergem para ambos os outorgantes.

XXI- O Governo, com a prolação legislativa, procurou garantir condições adequadas de financiamento e de funcionamento das escolas privadas com contratos de associação, sem, no entanto, assumir integralmente e em termos excessivamente penalizadoras para os contribuintes em geral e para as escolas públicas em particular, os riscos (e os custos inerentes) decorrentes desta situação absolutamente anormal e imprevisível.

XXII - O que está em causa na portaria nº 1324-A/2010 é apenas o acomodar de uma exigência que resulta de um diploma legal (Decreto-Lei n.º 138-C/2010), isto é, correspondente ao exercício de uma função soberana, a função político-legislativa e, nessa condição, em larga medida estranha à entidade contratante, que se limita, sem qualquer autonomia decisória, a ter que refletir nos contratos a celebrar os resultados do exercício daquela função.

XXIII- Ao preconizar-se a “renegociação” dos contratos, então vigentes, tal facto não cria na esfera jurídica do Recorrente a recusa da aplicação ao contrato em curso a nova fórmula de cálculo fixada pela portaria, pois, a alteração da fórmula tendente a calcular a contrapartida financeira resultou apenas da alteração legislativa sobre a matéria.

XXIV- Aderindo a uma decisão proferida sobre o mesmo assunto, cita-se: “…a escolha da expressão “renegociação” não pode deixar de ser entendida cum magno salis, e interpretada com as demais regras daquele diploma (…) das quais resulta, no que tange ao montante do financiamento para o ano letivo em curso, uma pura e simples fixação unilateral pela via legislativa…”

XXV - Quer do texto do contrato, quer da ratio legis do preceitos legais em questão, a alteração exaurida na adenda, com a finalidade de fazer aplicar, ao contrato de associação, o novo regime de financiamento vazado no preceito transitório do artigo 16º/1 da Portaria nº 1324-A/2010, NÃO viola as obrigações assumidas pelo Recorrente a instâncias do contrato de associação.

XXVI– O Recorrente este que está obrigado a cumprir o contrato de acordo com o quadro legal e regulamentar nos termos das disposições constantes da legislação geral e específica que incide sobre o ensino particular e cooperativo, porquanto do contrato resulta que: «… os compromissos assumidos por via do presente contrato não invalidam a aplicação das disposições constantes da legislação geral e específica que incide sobre o ensino particular e cooperativo …», não distinguindo entre as vigentes e as que possam vir a resultar de nova prolação legislativa.

XXVII- O que as partes não distinguem, não pode o tribunal distinguir – antes, tem de respeitar.

XXVIII– Em nosso entendimento o TAF ao perfilhar o sentido e alcance da respetiva decisão, postergou, designadamente os seguintes preceitos legais:DL nº 138–C/2010, de 28 de dezembro, designadamente o artº 3º; Portaria nº 1324-A/2010 de 29 de dezembro; art.º 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 553/80; Despacho nº 19411/2003, de 24 de setembro; Despacho nº 256-A/ME/96, de 11 de dezembro; o nº 2 do artº 10º do CPTA, vigente à data; o artº 11º, nº 2 do CPTA, vigente à data e o artº 9º do CC.

XXIX- Em nosso entendimento o TAF ao perfilhar o sentido e alcance da respetiva decisão colidiu com o espírito do Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, Processo n.º 653/09 publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 74 — 16 de abril de 2010, página 19682

XXX - Em nosso entendimento o TAF ao perfilhar o sentido e alcance da respetiva decisão, omitiu a letra do contrato segundo o qual: «… os compromissos assumidos por via do presente contrato não invalidam a aplicação das disposições constantes da legislação geral e específica que incide sobre o ensino particular e cooperativo …»

XXXI– O TAF ao julgar: “ … a presente ação (…) parcialmente procedente …” não pode condenar o ME na totalidade das custas, mas, sim, na respetiva proporção.



A Escola Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:

I. O Contrato de Associação celebrado em 12 de outubro de 2010 entre o Ministério da Educação e a Escola .......................... .........................., Lda. é um contrato administrativo de colaboração, em que a Escola .......................... .........................., Lda. (co-contraente privado) se obrigou a contribuir (colaborar) para a prossecução das atividades materialmente públicas/administrativas de ensino, mediante uma contrapartida financeira acordada pelas Partes;

II. Trata-se de um contrato sinalagmático perfeito, na medida em que realiza um equilíbrio de vontades e de interesses recíprocos, através de um clausulado previamente acordado.

III. E em que a contrapartida financeira (o preço a pagar pelos serviços contratados) representa a expressão essencial dos motivos que estiveram na base da decisão de contratar por parte do co-contraente privado.

IV. A contrapartida financeira convencionada no Contrato de 12 de outubro de 2010 foi precedida de uma exigente avaliação pelo Ministério da Educação das condições concretas dos custos de financiamento da Escola .......................... .........................., necessários para poder assumir a obrigação de prestar ensino gratuito a 254 alunos distribuídos por 13 turmas, numa povoação do interior do país, São Romão (SEIA), com recurso a um corpo docente profissionalizado e com antiguidade.

V. A contrapartida financeira foi fixada pelo Ministério da Educação em obediência (vinculada) aos despachos ministeriais nº 256-NME/96, alterado pelo despacho nº 1941112003 e ainda pelo despacho nº 11082/2008, que estabelecem minuciosamente os parâmetros do calculo da contrapartida financeira devida à Escola .......................... .........................., para que se desse cumprimento ao disposto no artº. 15º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo. ("a contrapartida financeira fosse por aluno, igual ao custo da manutenção e funcionamento por aluno das escola públicas de nível e grau equivalente" ).

VI. A contrapartida financeira convencionada em 12 de outubro de 2010 foi condição essencial para a tomada de decisão de contratar de ambas as Partes.

VII. O Ministério da Educação não podia em janeiro de 2011 alterar unilateralmente o Contrato de Associação mediante uma redução discricionária do preço.

VIII. Não podia fazê-lo porque tal redução unilateral do preço contende diretamente com a estabilidade deste Contrato, que já se encontrava em execução e que, como aí expressamente se refere, se destinava a vigorar no período compreendido entre 1 de Setembro de 2010 e 31 de agosto de 2011.

IX. Pelo que, como mui doutamente se escreve na douta Sentença recorrida, a alteração pretendida operar e destinada a fazer aplicar, de forma retroativa autêntica, ao Contrato de Associação de Outubro de 2010, uma alteração legislativa de janeiro de 2011, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Ministério de Educação, que está obrigado a cumprir o Contrato em apreço de acordo com o quadro legal e regulamentar em vigor na data em que foi celebrado e para o qual o Contrato expressamente remete.

X. A douta Sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura, devendo ser integralmente mantida, no que respeita á sua parte dispositiva, sem prejuízo deste Venerando Tribunal Central Administrativo do Sul poder considerar que acrescem outros fundamentos, designadamente os seguintes:

XI. O Dec. Lei nº 138-C/2010, de 28 de dezembro procurou alterar alguns aspetos da regulação de apoio do Estado às escolas particulares e cooperativas sem que contenha no entanto nenhuma norma de aplicação retroativa, nem mesmo sob a forma de retroatividade imperfeita ou retrospetiva.

XII. O DL 138-C/2010, não contém nenhuma "norma transitória" que disponha ou regule sobre a aplicação da Lei Nova no tempo.

XIII. O DL 138-C/201O:

(i) não confirma a permanência indefinida de disciplina jurídica preexistente;

(ii) não manda aplicar incondicionalmente as disposições da Lei Nova;

(iii) não confirma os direitos anteriores em vigor para os casos em que os pressupostos se geraram e desenvolveram à sombra da Lei Nova;

(iv) não prevê expressamente uma entrada gradual da Lei Nova em vigor;

XIV. Só o artº. 3° do DL 138-C/2010 aflora o tema " Contratos em vigor', programando que esses contratos em vigor haveriam de ser renegociados ao longo do tempo que mediava entre a entrada em vigor da Lei Nova (29 de dezembro de 2010) e o início do ano letivo seguinte (1 de setembro de 2011), nos seus diversos aspetos, quanto:

(i) a transição para o regime de financiamento anual por turma, tendo em conta os custos das turmas das escolas públicas de nível e grau equivalente;

(ii) a transição para os novos contratos plurianuais a celebrar de novo ou a renovar para um novo ciclo de ensino;

(iii) o estabelecimento, quanto aos contratos em execução, do procedimento e do prazo para a sua renovação;

(iv) o estabelecimento dos termos em que o subsídio passaria a ser processado às escolas, designadamente quanto à sua periodicidade e ao meio de pagamento.

XV. E mesmo que se viessem a frustrar essas negociações, tal não implicaria nem determinaria a cessação de vigência dos contratos em execução à data da entrada em vigor do referido decreto-lei, mantendo-se assim incólumes (nº 2 do citado artº. 3° do DL 138-C/2010).

XVI. Não prevendo qualquer disposição retroativa ou retrospetiva, a aplicação no tempo do DL 138-C/2010 deve obedecer aos princípios gerais de direito, designadamente ao disposto no artº. 12° do Código Civil que, para o caso vertente, prevê que, tratando-se do preço convencionado no Contrato, e pois, com efeitos jurídicos reportados a 12 de outubro de 2010, a Lei Nova não pode abstrair-se deste facto originário.

XVII. Em matéria contratual o princípio geral é que à relação contratual subsistente e em execução á data da entrada em vigor de uma nova lei aplica-se a lei em vigor à data da celebração do contrato, ou seja a lei antiga, devendo as relações contratuais existentes entre as partes regerem-se por esta (lei antiga) até à extinção da mesma.

XVIII. O DL 138-C/2010 não contém nenhuma norma que especificamente determine a sua aplicação ao contrato de associação em vigor, cuja renegociação futura aliás preconiza;

XIX. O DL 138-C/201O não determina a alteração das condições substantivas constantes dos contratos de associação em execução;

XX. O DL 138-C/2010 não determina a alteração dos "apoios", "subsídios" ou " contrapartidas financeiras" convencionadas com o Ministério da Educação em outubro de 2010.

XXI. O DL 138-C/2010, não contém nenhuma norma da aplicação retroativa.

XXII. O DL 138-C/2010, em coerência com o princípio geral de aplicação da lei no tempo, expressa no artº. 12º do Código Civil, não se aplica aos Contratos em vigor e em execução;

POR OUTRO LADO:

XXIII. A Portaria nº 1324-N2010, de 29 de dezembro que se deveria circunscrever à execução regulamentar do DL 138-C/201O que nos nºs 1 e 4 do Novo Artigo 15° a delimita, exorbitou largamente a sua função, introduzindo inovações de regras substantivas que não estavam previstas na Lei Habilitante.

XXIV. A Portaria nº 1324-A/2010, desobedecendo à Lei Habilitante, veio introduzir inovatoriamente um REGIME EXCECIONAL TRANSITÓRIO ("Excecionalmente, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de agosto de 2011'' ) que instituiu uma Redução Unilateral do Preço convencionado nos Contratos de Associação celebrados em outubro de 2010 (artº. 16º da Portaria).

XXV. O DL 138-C/2010 não prevê o critério excecional introduzido no referido artigo 16° da Portaria 1324-A/2010, o que significa que a Portaria não se limita a regulamentar as regras do DL, antes se afoita na introdução inovatória de uma regra que só por invocação mediúnica, por assim dizer, se pode imputar ao espírito da Lei regulamentada".

XXVI. A Portaria nº 1324-A/2010 não é, pois, aplicàvel ao Contrato de Associação sub judice e o Ministério da Educação não podia proceder, como procedeu, à redução do preço contratual devido à Escola .......................... .........................., pelo que, entrou em incumprimento contratual a partir de 1 de janeiro de 2011.

Sem Prescindir:

Ainda que se entendesse aplicável ao Contrato de Associação sub judice o conjunto legislativo formado pelo DL 138-C/2010 e sua Portaria 1324-A/2010, a consequência jurídico - prática sempre seria a mesma.

Efetivamente:

XXVII. Se se entendesse que o Legislador tinha querido, logo com o DL 138-C/2010, intervir nos Contratos de Associação em vigor e em execução, neles produzindo uma modificação objetiva desses Contratos, mediante uma redução unilateral do preço convencionado, desde que, devidamente fundamentada numa alteração anormal e imprevista das circunstâncias em que fora (em outubro de 2010) assinado o contrato, então, o Estado/Ministério da Educação ficaria obrigado, nos termos do artº. 97º, 282° e artº. 314° do CCP, a repor o equilíbrio financeiro do Contrato.

XXVIII. As bases financeiras iniciais (a que se auto-vinculou o Ministério da Educação), que determinaram o co-contraente privado a celebrar o Contrato, devem ser respostas na situação financeira inicial.

XXIX. Caso se entenda estar-se presente uma modificação objetiva do Contrato por alteração de circunstâncias determinada por ato legislativo ou regulamentar, a reposição do equilíbrio financeiro tem de assentar no pagamento da contrapartida assumida no Contrato de Associação celebrado entre a Escola .......................... .......................... e o Ministério da Educação.

XXX. Com o que, também por essa via interpretativa se alcaçaria a solução preconizada pela douta Sentença recorrida, no sentido de condenar o Ministério da Educação a cumprir o Contrato de Associação celebrado com a Escola .......................... .......................... em 12 de outubro de 2010, de acordo com os critérios então estabelecidos, retomando o procedimento para apurar o pagamento das quantias em divida.

Finalmente.

Uma observação mais detalhada sobre as doutas conclusões do Recorrente Ministério da Educação.

XXXI. Não é correta a conclusão avançada no sentido de que o DL 138-C/2010 contém norma transitória que regule a sua aplicação aos Contratos de Associação em vigor e em execução à data da sua entrada em vigor (muito menos no tocante à redução unilateral do preço ou contrapartida financeira convencionada há apenas três meses).

XXXII. E se o DL 138-C/201O tivesse uma norma que determinasse direta ou indiretamente tal redução do preço convencionado e estabelecido em outubro de 2010, então tratar-se-ia de uma norma revogatória autêntica e não uma mera norma retrospetiva.

XXXIII. Ao contrário do que pretende o Recorrente Ministério da Educação, entre outubro de 2010 (data da assinatura do Contrato e ponderação normativa da fixação do preço) e dezembro de 2010 (data da entrada em vigor do DL 138-C/2010, não ocorreu qualquer alteração das circunstâncias que estavam na base da decisão de ambas as Partes do Contrato, muito menos circunstâncias anormais, imprevisíveis e imprevistas que pudessem justificar uma alteração do Contrato ao abrigo do regime jurídico dos Contratos Públicos.

XXXIV. Os "interesses públicos" invocados nas exposições de motivos do DL e da Portaria, já se verificaram em outubro de 2010 e não foram impeditivos do estabelecimento de um equilíbrio financeiro muito exigente no tocante à fixação da contrapartida financeira contratualizada.

XXXV. A Escola .......................... .......................... não pugna pela proteção de meras expetativas jurídicas assentes na imprevisibilidade da revisibilidade das leis. A Escola .......................... .......................... reivindica o cumprimento de um Contrato e a satisfação de um Direito Constituído em outubro de 2010.

XXXVI. As doutas conclusões de Recurso, revelam uma errada interpretação do uso do poder de modificação unilateral dos contratos administrativos ... para além de olvidar por completo a obrigação de reposição do equilíbrio financeiro do Contrato, à luz das disposições dos artºs. 97°, 282° e 314° do CCP.

XXXVII. Finalmente, o Recorrente Ministério da Educação labuta no erro de tomar como pressuposto que a Escola .......................... .......................... teria assinado uma "ADENDA" contratual, o que na verdade não sucedeu (cfr. pontos 26 a 30 dos Factos Assentes).



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1, do CPTA, nada disse.


Após vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao concluir que ser ilegal o acto de modificação unilateral das cláusulas do Contrato de Associação em causa e o modo de execução das prestações nele previstas para o ano lectivo 2010/2011, por aplicação de novas regras de financiamento público dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contrato de associação e o consequente pagamento do respectivo subsídio, nos termos que passaram a estar previstos no Decreto-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro e na Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de Dezembro.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual, não vindo impugnada, se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

O Recorrente discorda da sentença do TAF de Castelo Branco que o condenou a cumprir o contrato de associação celebrado com a Escola .......................... .........................., ora Recorrida, em 12.10.2011, de acordo com a legislação indicada no mesmo, retomando o procedimento para apuramento e pagamentos à autora do montante definitivo da contrapartida financeira, (procedimento que cabe à entidade e não ao tribunal) acrescido de juros de mora à taxa legal sobre o montante em dívida desde a citação até efetivo e integral pagamento, imputando-lhe erro de julgamento de direito.

Nesta sentença recorrida foi acolhida a doutrina contida no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.02.2016, proferido no proc. n.º 285/11.7BECBR, que transcreve, entendendo-se que o Novo Regime de Financiamento dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo com Contrato de Associação introduzido na transição de Dezembro de 2010 para Janeiro de 2011 (em pleno decurso do ano lectivo 2010/2011) não se aplica ao Contrato de Associação celebrado em 12.10.2010 entre o Ministério da Educação, ora Recorrente, e a Escola .......................... .........................., ora Recorrida.

Sustenta o Recorrente, em síntese, por referência ao tema central objecto da causa que não se verificou qualquer violação das expectativas da protecção e da confiança com a prolação legislativa contida no Decreto-Lei nº 138-C/2010, de 28 de Dezembro e da portaria nº 1324-A/2010, e que, em suma, no caso a Administração podia fixar unilateralmente o preço a pagar em sede de contrato de associação, ademais considerando as imposições derivadas da conjuntura económica e financeira internacional reportada a 2010/2011, sendo assim a sua conduta isenta de reparo jurídico.

Comece por dizer-se que a questão colocada no presente recurso a propósito da alegada sustentação da decisão recorrida na violação do princípio da protecção confiança, não se coloca. Com efeito, lida e relida a sentença recorrida, nela não se detecta qualquer menção a esse propósito, sendo que o seu discurso fundamentador assentou em exclusivo nos fundamentos contidos no acórdão do TCA Norte de 19/02/2016, proc. n.º 285/11.7BECBR, o qual, na parte transcrita, colocou a questão decidenda ao nível da violação das obrigações contratualmente assumidas no âmbito do contrato de associação em questão.

Ou seja, como também faz notar a Recorrida nas suas contra-alegações, o tribunal a quo não tratou dessa temática, não a conheceu, não a erigiu em pressuposto de direito do discurso em que fundamentou a parte dispositiva da sentença. Pelo que, salvo o devido respeito, o argumentário desenvolvido a este propósito é, pelo menos no que toca ao presente recurso, desprovido de sentido.

E a despropósito, considerando a fundamentação da sentença recorrida, surge também a invocação, sem mais, do acórdão n.º 85/2010 do Tribunal Constitucional. O mesmo tem por objecto a fiscalização de norma do regime fiscal, concretamente da menor ponderação, para efeitos tributários, de determinadas menos valias contabilizadas pelas empresas, para efeitos de determinação da base tributável (o dito acórdão não julgou inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, enquanto estabelece que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor). Ou seja, este acórdão trata da questão do princípio da protecção da confiança e da proibição de normas fiscais retroactivas.

Percebe-se, no entanto, que o Recorrente foi buscar este acórdão para melhor fundamentar a sua posição de que a protecção das expectativas não podia colidir, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis; “a menos que os requisitos de protecção da confiança, tal como têm sido reconhecidos e aceites na jurisprudência constitucional, estejam integralmente verificados” (também se diz no acórdão). No entanto, mais uma vez parece o Recorrente esquecer que não só a sentença recorrida não conheceu desta matéria, nela não assentando minimamente o discurso fundamentador – constituindo fundamento a observação das obrigações contratuais -, como não está em causa nos autos a razão de interesse público subjacente à alteração legislativa apontada no acórdão do TC: “obter uma mais justa e equilibrada repartição de encargos fiscais entre as diversas espécies de contribuintes, dado que o regime resultante do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, apenas se aplica, por definição, a contribuintes que tenham a natureza de pessoa colectiva ou afim”. A relação jurídica objecto do presente processo não tem natureza fiscal e as razões de interesse público invocadas não têm nem a mesma génese, nem a mesma finalidade.

Continuando, entrando na questão fundamental a decidir, verifica-se que esta, como devidamente assinalado na sentença recorrida, já mereceu tratamento jurisprudencial, sendo as decisões alcançadas a propósito uniformes: os acórdãos do TCA Norte de 4.03.2016, de 19.02.2016, de 5.02.2016, respectivamente proc.s. n.ºs 282/11.2BECBR, 285/11.7BECBR e 661/11.5BECBR e 286/11.5BECBR.

Assim, nos termos permitidos pela lei processual civil, limitar-nos-emos a transcrever o ac. de 19.02.2016, proc. n.º 285/11.7BECBR, o qual, tirado em situação análoga à do presente recurso, responde integralmente à questão a decidir:

“(…)

Resta analisar a questão central do presente recurso: saber se o contrato de associação, que se encontrava em execução à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de dezembro, podia ser “renegociado” de acordo com as novas regras estabelecidas naquele diploma e respetiva regulamentação e, concretamente, se ao mesmo podia ser aplicado (através da citada adenda contratual) o valor do subsídio por turma, que passou a estar previsto na Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de dezembro, e aí fixado transitoriamente para o período entre janeiro e agosto de 2011

Sobre questão semelhante a esta pronunciou-se recentemente este TCAN, nos Acórdãos de 05.02.2016, proferidos nos P. 00286/11.5BECBR e 00661/11.5BECBR. Naquele primeiro aresto lê-se, além do mais, o seguinte:

“(...) a modificação introduzida no Contrato pela Adenda, mormente pela respetiva Cláusula 1ª (e única) representa apenas a aplicação à relação contratualizada da disposição legal “transitória” e “excepcional” contida no artigo 16º/1 da Portaria 1324-A/2010, que fixa imperativamente o valor do “subsídio” a processar entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011, arredando qualquer opção alternativa à Administração, independentemente das concepções que esta perfilhasse sobre a justeza e utilidade dessa disposição e até, em bom rigor, independentemente da aceitação e formalização dessa Adenda ao Contrato.

E portanto a questão resume-se numa simples alternativa, tertium non datur: Ou a norma em causa era aplicável à relação jurídico-administrativa controvertida (o contrato de associação) ou não era, sendo de incluir na temática, pela negativa, a hipotética solução de recusa de aplicação da norma por falta de idoneidade em face dos princípios legais e constitucionais invocados pela Recorrente. Deste modo torna-se claro que são estéreis quaisquer argumentos alinhados ou alinháveis, a favor ou contra a tese da “negociação” obrigatória no que concerne ao “preço” ou “subsídio” devido ao contraente privado, no período em causa, de 1/1 a 31/8 de 2011.

É certo que no preâmbulo do DL 138-C/2010, de 28 de Dezembro, se refere que «São, assim, criadas as condições para proceder à renegociação dos contratos entre o Ministério da Educação e as escolas particulares…». No entanto não é essa “renegociação” acorde com os novos critérios gerais de financiamento a implementar e vigorar por tempo indeterminado com referência aos “novos contratos plurianuais a celebrar ou renovar para um novo ciclo de ensino”, conforme artigo 17º/4 desse DL, que está agora em causa, mas apenas o comando excepcional previsto na norma do artigo 16º da Portaria 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, cuja transitória vigência se esgota com uma única aplicação, entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2011, aos contratos vigentes nessa anuidade, onde se inclui o discutido nestes autos. E, portanto, como ao Contrato de Associação em apreço não foram aplicados os novos critérios de financiamento introduzidos pelos invocados diplomas legais, nada havia a renegociar. (...)

(...) o Contrato em causa, como se exara logo no seu cabeçalho, regia-se pelo Despacho nº 11082/2008, de 16 de Abril, cujo ponto 13 dispõe:

«Os contratos de associação a que se reporta o presente despacho devem ser renovados no decurso do mês de Setembro de cada ano, de acordo com minuta aprovada pelo membro do governo competente, com observância das disposições legais e regulamentares aplicáveis…”

O mesmo princípio decorre do Artigo 15º/4/a) do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo que, na redação do DL 138-C/2010, preceitua que a portaria deve “Fixar o valor do apoio financeiro, com base no princípio do financiamento anual por turma”, assim como “estabelecer … o procedimento e o prazo de comunicação dos dados relevantes para o apuramento do subsídio a conceder, tendo em conta os calendários do ano lectivo…”, surgindo ainda o mesmo princípio da anualidade do financiamento replicado no Artigo 20º/4/ do mesmo Estatuto (sublinhados nossos).

Entende-se que nestas e outras normas similares aflora a salvaguarda de um período mínimo, compreensivelmente correspondente ao ano lectivo, durante o qual é garantida a estabilidade dos critérios legais e regulamentares aplicáveis aos contratos de associação, desde a sua celebração, mormente no que se refere ao montante a financiar, excluindo naturalmente as modificações convencionadas ou as impostas pela Administração no uso do seu poder inspectivo, por inexecução contratual imputável aos contraentes particulares.

Entendimento contrário colidiria frontalmente com os próprios fundamentos sinalagmáticos do contrato. Na verdade, não faria qualquer sentido obrigar o contraente particular a “Apresentar até 30 dias antes do início do ano escolar o orçamento de gestão para o ano seguinte”, como se exige na Cláusula Terceira, se fosse possível alterar “a meio” da sua execução o montante do financiamento que ab initio condicionava decisivamente esse mesmo orçamento.

Note-se que a execução orçamental é rigidamente exigida ao contraente particular, como se vê, por exemplo, no Acórdão do Pleno da Secção do CA do STA de 04-05-2006, Rec. 01985/02:

«No contrato administrativo de associação entre os serviços do Ministério da Educação e um Colégio para este prestar serviços de ensino em substituição do ensino público, a Administração tem, nos termos da alínea a) do artigo 180.º do CPA, o poder de modificar unilateralmente o conteúdo da sua prestação como contrapartida da modificação da prestação do Colégio que não realizou o serviço nos termos da estrutura de custos prevista no orçamento que serviu de base ao cálculo das importâncias entregues como preço.»

Mas se o contraente público, do lado das despesas (“estrutura de custos”), impõe autoritariamente uma rígida disciplina orçamental ao contraente particular, com que autoridade moral poderia ele próprio arrogar-se poderes para violar abertamente, por ato ou portaria, essa mesma disciplina orçamental, riscando pura e simplesmente verbas orçamentadas no lado das receitas, sem qualquer contrapartida de corte no lado das despesas?

Por mais prerrogativas de interesse público que se congeminem, só por cegueira ética e jurídica se poderia deixar de ver aí um flagrante desequilíbrio de direitos e obrigações, num instrumento leonino que, em bom rigor, já nem mereceria o nome de contrato.

Portanto, a redução do financiamento imposta pela Adenda ao ano escolar já em curso, alterando drasticamente o pressuposto orçamental do contrato, iria realmente produzir efeitos retroativos em sentido próprio relativamente ao Contrato, defraudando ilegitimamente as expectativas do contraente particular, a quem presumivelmente, pela ordem normal das coisas, já não seria possível reduzir as despesas programadas (maioritariamente constituídas pelas remunerações do pessoal docente e não docente), perdendo-se assim, com a redução do financiamento concedido pelo Estado, a necessária correspondência entre as receitas e as despesas orçamentadas para essa anuidade de 2010/11.

(...)

Igualmente infrutífero será invocar razões de índole estrutural como a “correção de desequilíbrios/racionalização de meios no domínio da oferta da rede escolar” ou “racionalização de meios e diminuição de despesas públicas”, pois essas são reformas que se fazem no longo prazo e de modo nenhum justificam uma alteração dos critérios de financiamento a meio de um ano escolar.

(...)

Ora, numa reforma legislativa que responde a problemas com 30 anos de profundidade e mesmo apelando aos factores de curto prazo que, reconheça-se, precipitaram de algum modo a ânsia reformista (“exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros, que ganha particular relevo num momento de esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas”, ainda no preâmbulo do DL 138-C/2010) pareceria excessivo pagar o preço da quebra da confiança e ruptura na racionalidade económica dos contratos de associação, apenas para antecipar em alguns meses a renegociação que nos termos gerais teria lugar no início do novo ano escolar.

(...)

Na verdade, fosse por considerações de ordem jurídica ou de ordem prática, certo é que o legislador optou implícita mas inequivocamente pela segunda via interpretativa, ao prever uma disposição transitória para o período dos contratos em curso até ao final do ano escolar (“entre 1 de Janeiro e 31 de gosto de 2011”) no citado Artigo 16º da Portaria 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, querendo com isso arredar a falada “renegociação” nesse período, como o TAF reconheceu.

Sucede que essa Portaria, como se refere no seu Artigo 1º, “regulamenta as regras a que obedece o financiamento público dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo…”, ou seja as regras constantes do DL 138-C/2010, de 28 de Dezembro.

Ora, este DL 138-C/2010 não prevê o critério excepcional transitório introduzido no referido artigo 16º da Portaria 1324-A/2010, o que significa que a Portaria não se limita a regulamentar as regras do DL, antes se afoita na introdução inovatória de uma regra que só por invocação mediúnica, por assim dizer, se poderia imputar ao espírito da Lei regulamentada.

Por outras palavras, a norma do regulamento aplicada pela Adenda ao Contrato de Associação em causa “desobedece” à lei (decreto-lei) que se destinava a regulamentar e, nessa medida, não poderia ser imposta a sua aplicação sob pena de subversão da hierarquia dos atos normativos consagrada no artigo 112º da Constituição.

Fica assim frustrada a iniciativa da Administração Pública, que apenas para concretização daquilo que supunha ser um imperativo legal e não por razões de prossecução do interesse público a prosseguir naquela específica relação contratual, propôs (ou impôs) à Recorrente a referida Adenda ao Contrato.

Em suma, a adenda resultou da aplicação de norma imperativa à relação contratual e não da renegociação do contrato e, perante isto, não pode concordar-se com a tese vertida nas conclusões 42-45 do Recorrido, de que a interposição da presente ação posteriormente à subscrição da adenda pela Recorrente, sem formalização expressa de qualquer reserva, configura uma situação de “venire contra factum proprium”.

E assim, por afastamento da norma transitória do artigo 16ª Portaria 1324-A/2010 e por inaplicabilidade dos novos critérios gerais de financiamento ao Contrato no período em causa (1 de Janeiro a 31 de agosto de 2011) a Adenda cai na irrelevância jurídica e mantém toda a sua relevância jurídica o quadro legal anterior aplicável ao dito Contrato.

Razão pela qual a sentença não pode manter-se e deve a ação ser julgada procedente no que toca ao pedido formulado em a) da p.i., embora não se justifique ordenar o incidente de liquidação, pois o que se justifica é que a Administração prossiga e conclua o procedimento interrompido, calculando o montante definitivo do financiamento a atribuir naquele período, segundo os critérios legais adequados do DL 553/80, de 21 de Novembro, e Despacho 11082/2008, de 16 de Abril.”

Como a seguir melhor veremos, no caso em apreço somos levados a concluir em sentido idêntico ao exarado no aresto citado, ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes.

Nos termos do artigo 14.º/1/2 do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (na versão do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 novembro, em vigor à data dos factos, que posteriormente foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 novembro, que aprovou o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior), “os contratos de associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas carenciadas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano” e “têm por fim possibilitar a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público”.

Cumpre salientar que a celebração de contratos de associação visa realizar a incumbência constitucionalmente atribuída ao Estado de assegurar a todos a concretização do direito ao ensino (artigo 74.º/1 da CRP), o que implica, além do mais, que o Estado deve assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito (artigo 74.º/2-a) da CRP), pela criação de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população (artigo 75.º/1 da CRP). Ou seja, o Estado tem a incumbência constitucional de assegurar um sistema público de ensino universal (tem que englobar todos os tipos e áreas necessários do ensino) e geral (tem que responder às necessidades de toda a gente).

Neste contexto constitucional, os contratos de associação são um instrumento de realização dessa tarefa do Estado, justificando-se apenas quando e onde haja carência de escolas públicas, como expressamente se refere no artigo 14.º/1 do Decreto-Lei n.º 553/80 (salientando este aspeto, veja-se o Acórdão do STA, de 14.10.2004, P. 01841/02). Assim, o contrato de associação é um contrato administrativo entre o Ministério da Edução e um estabelecimento de ensino particular e cooperativo, no âmbito do qual este se compromete a prestar serviços de ensino em substituição do ensino público.

Contrariamente ao invocado pelo Recorrente, no âmbito dos contratos de associação, a Administração tem o poder de fixar unilateralmente a contrapartida financeira (“subsídio”, na terminologia legal) que é devida ao estabelecimento de ensino particular e cooperativo pela prestação de tal serviço. A este respeito o artigo 15.º/1 do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (na versão do Decreto-Lei n.º 553/80) prevê que “o Estado concederá às escolas que celebrem contratos de associação, além dos benefícios fiscais e financeiros, um subsídio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente”. Mais estabelece o artigo 15.º/2 que o referido “subsídio” será fixado anualmente pelo Ministério da Educação, ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo (e, posteriormente, a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo).

Neste quadro legal, que antecedeu o Decreto-Lei n.º 138-C/2010 e respetiva regulamentação, os critérios de apoio financeiro a conceder aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, no âmbito dos ensinos básico e secundário, localizados em áreas carenciadas de estabelecimentos de ensino públicos, encontravam-se definidos no Despacho do Ministro da Educação n.º 256-A/ME/96 (publicado no DR, II Série, de 11.01.1997), que posteriormente foi alterado pelo Despacho n.º 19411/2003 (publicado no DR, II Série, de 11.10.2003) e pelo Despacho n.º 11082/2008, de 16 de abril (publicado no DR, II Série, de 16.04.2008).

De acordo com o citado Despacho do Ministro da Educação n.º 256-A/ME/96, alterado pelo Despacho n.º 19411/2003, o cálculo do apoio financeiro é realizado em função do universo de alunos abrangido por contrato de associação e das respetivas turmas a constituir, tendo em atenção, entre outros, o pagamento integral dos encargos comprovados com os vencimentos do pessoal docente e não docente, do diretor pedagógico, de um psicólogo escolar e do pessoal afeto à cantina. E de acordo com o Despacho n.º 11082/2008 tais critérios para o cálculo da contrapartida financeira devida no âmbito dos contratos de associação consistiam, além do mais, no seguinte: o valor do custo médio por turma era correspondente ao resultado da divisão do total da contrapartida financeira suportada pelo ME no ano letivo anterior pelo número de turmas a constituir no ano letivo em causa; o seu valor era ajustado, com efeitos ao início do ano civil, em função da percentagem correspondente à atualização anula das remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e da eventual correção dos encargos com a segurança social do pessoal abrangido pelo contrato de associação; e para efeitos do cálculo do custo médio/turma a partir do ano letivo em causa e consequente pagamento da contrapartida financeira suportada pelo ME, os estabelecimentos de ensino deverão, no decurso do mês de outubro, exportar para o Sistema de informação do Ministério da Educação, todos os dados necessários para o apuramento daqueles valores.

O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80), na redação resultante do Decreto-Lei n.º 138-C/2010, continuou a prever que “o Estado concede às escolas que celebrem contratos de associação um apoio financeiro, que consiste na atribuição de um subsídio, nos termos a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área da educação.” (artigo 15.º/1 do Estatuto).

Ou seja, sempre coube ao Ministro da Educação fixar o subsídio (apoio financeiro) a conceder às escolas que celebrem contratos de associação, inicialmente por despacho e, após o Decreto-Lei n.º 138-C/2010, por portaria, na qual, além do mais, se deve “fixar o valor do apoio financeiro, com base no princípio do financiamento anual por turma, tendo em consideração os custos das turmas das escolas públicas de nível e grau equivalentes” (cfr. artigo 15.º/4-a) do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, na versão do Decreto-Lei n.º 138-C/2010).

Para além da remissão para portaria, contida no artigo 15.º/1/4-a) do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (na redação do Decreto-Lei n.º 138-C/2010), o próprio Decreto-Lei n.º 138-C/2010 inclui, no seu artigo 3.º/1, uma norma transitória segundo a qual “Os contratos de associação em execução à data da entrada em vigor do presente decreto-lei são renegociados de acordo com as regras estabelecidas no presente decreto-lei e respectiva regulamentação.”

Em cumprimento do assim estipulado naquele diploma legal, foi publicada a Portaria n.º 1324-A/2010, de 29 de dezembro, (com o objetivo de regulamentar as regras a que deve obedecer o financiamento público dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação), cujo artigo 9.º passou a prever que o apoio financeiro a conceder, no âmbito de contratos de associação, consiste na atribuição de um subsídio anual por turma fixado em (euro) 80.080. Por seu turno, o artigo 16.º/1 estabeleceu a seguinte disposição transitória: “ Excepcionalmente, entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011, o valor do subsídio previsto no n.º 1 do artigo 9.º é fixado de acordo com a fórmula seguinte: Valor do subsídio = número de turmas x (euro) 90 000 x 9 meses/14 meses.”

Do quadro legal acima descrito não retiramos o mesmo entendimento que foi expresso no citado Acórdão deste TCAN, de 05.02.2016, P. 00286/11.5BECBR, segundo o qual o artigo 16.º da Portaria n.º 1324-A/2010 teria introduzido constituiria uma regra inovatória, não prevista no Decreto-Lei n.º 138-C/2010 e, como tal, “desobedecia” à regulamentação deste diploma legal, em infração da hierarquia dos atos normativos consagrado no artigo 112.º da Constituição.

Em nosso entender e salvo o devido respeito por opinião contrária, resulta do quadro legal acima descrito – concretamente, do artigo 3.º/1 do Decreto-Lei n.º 138-C/2010 – que o Ministro da Educação estava legalmente autorizado a emitir norma regulamentar visando a “renegociação” dos contratos de associação em execução à data da sua entrada em vigor (incluindo, portanto, o contrato dos autos), sendo certo que o termo “renegociação” não tinha, naquele contexto, o seu sentido próprio ou o literal, uma vez que, como já referido, o apoio financeiro a conceder no âmbito dos contratos de associação nunca foi objeto de acordo entre as partes, mas antes era, nos termos da lei, fixado unilateralmente pelo Ministério da Educação, sendo igual para todos os contratos de associação. Assim, afigura-se não existir qualquer desconformidade da norma do artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010 com a hierarquia constitucional dos atos normativos (por falta de habilitação legal suficiente ou por contrariedade direta com o Decreto-Lei n.º 138-C/2010, que visa regulamentar).

O problema em apreço circunscreve-se, assim, à (in)admissibilidade da aplicação do disposto nesta nova norma regulamentar no âmbito da relação contratual anteriormente formada entre o Recorrente e o Recorrido. Na verdade, tal como já foi sublinhado no citado Acórdão deste TCAN, de 05.02.2016, P. 00286/11.5BECBR, a adenda ao contrato de associação em causa (ali, como aqui) “representa apenas a aplicação à relação contratualizada da disposição legal ´transitória´ e ´excepcional´ contida no artigo 16º/1 da Portaria 1324-A/2010, que fixa imperativamente o valor do “subsídio” a processar entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011”. Ou seja, o que está em causa é uma alteração contratual diretamente resultante de uma alteração do quadro legal e regulamentar do financiamento público dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contratos de associação. [sublinhado nosso, sendo também esta a nossa posição]

Note-se que a pretendida alteração contratual não foi emitida – nem o Recorrido o invoca – no âmbito do poder de modificação unilateral das cláusulas contratuais, o que teria que ser feito através de um ato administrativo do contraente público fundado em razões de interesse público e, em qualquer caso, delimitado pelos fundamentos, limites e consequências expressamente previstos na lei (cfr. artigos 302.º/c), 311.º/2 e 312.º a 315.º do CCP). Diversamente, a alteração contratual aqui em apreço foi realizada por via da modificação das normas legais e regulamentares que regiam a relação contratual, à data da sua formação, pretendendo-se aditar ao contrato celebrado o conteúdo da norma transitória expressamente aprovada para vigorar no âmbito dos contratos de associação em execução à data daquela modificação e cuja vigência se esgota na janela temporal aí prevista, entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de agosto de 2011.

A sentença recorrida considerou que “a adenda proposta (ou a alteração do contrato dela decorrente) não é mais do que uma concretização dos poderes de fixação unilateral, por via legal, do montante financeiro a conceder às escolas”. Contudo, não pode subscrever-se este entendimento, pois a alteração ao contrato, contida na referida adenda, extravasa o âmbito dessa fixação unilateral, tal como a mesma se encontrava prevista no contrato inicial.

É verdade que, quer antes do Decreto-Lei n.º 138-C/2010 quer depois, sempre a fixação do apoio financeiro (subsídio) a conceder no âmbito dos contratos de associação é feita unilateralmente pelo Ministério da Educação, nos termos da legislação e respetiva regulamentação. Essa estipulação é feita, não através de uma declaração negocial, mas sim de um ato regulamentar, para o qual previamente o contrato de associação remete.

No caso em apreço, o contrato de associação celebrado em 12.10.2010, para o ano letivo de 2010/2011, expressamente remetia para os artigos 14.°, 15.° e 16° do Decreto-Lei n°553/80, de 21 de Novembro, e para o Despacho n.º 11082/2008, sendo com base nestes normativos que foi calculado “montante global previsional de 1.211.873,53€”, sendo também essa a base para apurar o “valor definitivo da contrapartida financeira, que será objecto de aditamento ao presente contrato”, referidos nas alíneas c) e d) da cláusula segunda do contrato.

Ou seja, embora o clausulado contratual não incluísse o valor definitivo da contrapartida financeira a cargo do outorgante público e sendo certo que esse valor definitivo, ainda por apurar na data da celebração do contrato, sempre seria objeto de um aditamento ao contrato, a verdade é que o contrato celebrado vinculou as partes – incluindo o contraente público – a um valor de contrapartida financeira a calcular nos termos previstos nos citados artigos 14.°, 15.° e 16° do Decreto-Lei n°553/80, de 21 de Novembro, e no Despacho n.º 11082/2008. A esta conclusão não obsta a remissão feita no n.º 3 da cláusula quinta do contrato – onde se prevê a “aplicação subsidiária de regulamentação”, sublinhando-se que “os compromissos assumidos por via do presente contrato não invalidam a aplicação das disposições constantes da legislação geral e específica que incide sobre o ensino particular e cooperativo – pois, mais uma vez, esta cláusula contratual remete-nos para as disposições acima referidas.

É verdade que a questão em apreço nos autos não se resume a uma pura e simples alteração do preço contratual acordado. Não apenas o que está em causa é um apoio financeiro (ou “subsídio”, na terminologia legal), como o contrato de associação assume (no respetivo clausulado, como na legislação que o autoriza) um certo grau de incerteza quanto ao montante do subsídio a atribuir ao estabelecimento de ensino particular e cooperativo em cumprimento do mesmo, o qual só será definido já em plena execução do contrato. Além disso, a resolução dessa incerteza quanto ao montante devido ao contraente particular é feita, não por acordo das partes, mas antes por decisão unilateral do Ministério da Educação, a quem incumbe, não apenas a concretização dos critérios abstratamente fixados no Despacho n.º 11082/2008, como também a validação da documentação entre pelo estabelecimento com vista à documentação dos encargos relevantes para o efeito e a verificação da veracidade dos elementos declarados (a cargo da Inspeção-Geral da Edução). Por isso, o apuramento definitivo da comparticipação financeira devida (denominado “valor efetivo do ano escolar”) raramente é igual ao “valor previsional” previsto para o mesmo ano escolar, sendo muitas vezes inferior (disso mesmo e exemplo, o aditamento ao contrato de associação celebrado com a Recorrente para o ano letivo de 2009/2010, junto aos autos a fls. 187).

Ainda assim, esta margem de incerteza quanto ao montante efetivamente devido ao estabelecimento de ensino particular e cooperativo não deixa de estar contratualmente delimitada pela remissão para os critérios legais e regulamentares em vigor. Ora, para o ano letivo de 2010/2011 (ano a que respeita o contrato de associação aqui em discussão) os critérios para calcular o apoio financeiro a conceder pelo Ministério da Educação no âmbito dos contratos de associação com os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo encontravam-se definidos, à data do presente contrato de associação (12.10.2010), nos citados artigos 14.º a 16.° do Decreto-Lei n.º 553/80 e no Despacho n.º 11082/2008, expressamente mencionados no introito do contrato. E, como referido, tais critérios assentavam no universo de alunos abrangido por contrato de associação e nas respetivas turmas a constituir e tinha em conta, entre outros, o pagamento dos encargos comprovados com o pessoal docente e não docente. Mas estes critérios foram substancialmente alterados pelo Decreto-Lei n.º 138-C/2010 e pela Portaria n.º 1324-A/2010, que passaram a prever um subsídio anual por turma, cujo montante foi desde logo fixado na referida portaria.

Trata-se de uma alteração total do modo como era calculado o subsídio a conceder no âmbito dos contratos de associação. E se é certo que sempre competiu e compete à Administração fixar essa contrapartida financeira, não menos certo é que essa alteração, consubstanciada na adenda contratual que visa aplicar o artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010 (publicada em 29 dezembro 2010) ao contrato de associação dos autos, contende diretamente com a estabilidade deste contrato, que já se encontrava em execução e que, como aí expressamente se refere, se destinava a vigorar no período compreendido entre 01.09.2010 e 31.08.2011.

É a estabilidade dos critérios que tinham sido legal e contratualmente fixados para este ano letivo que é aqui posta em causa, quando é certo que das disposições reguladoras do regime dos contratos de associação “aflora a salvaguarda de um período mínimo, compreensivelmente correspondente ao ano lectivo, durante o qual é garantida a estabilidade dos critérios legais e regulamentares aplicáveis aos contratos de associação, desde a sua celebração, mormente no que se refere ao montante a financiar, excluindo naturalmente as modificações convencionadas ou as impostas pela Administração no uso do seu poder inspectivo, por inexecução contratual imputável aos contraentes particulares.” (Acórdão do TCAN, de 05.02.2016, P. 00286/11.5BECBR).

Resta dizer que, contrariamente ao alegado pelo Recorrido, a conclusão a que chegamos não é afastada pelo “princípio da livre revisibilidade das leis” e pela interpretação do mesmo que vem sendo feita na jurisprudência constitucional, e aqui inaplicável. É que nos casos aí tratados, estava em causa a relação entre o administrado e o legislador, enquanto que no caso em apreço, está em causa a relação entre dois contraentes, um público outro privado, no âmbito de um contrato que, já se reconheceu, contém cláusulas a preencher pelas normas (legais e regulamentares) reguladoras do financiamento dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contratos de associação; mas que, como já referido, foi celebrado (leia-se, acordado) entre as partes contratantes à luz de um determinado quadro legal e regulamentar em vigor à data e destinado a vigorar, entre aquelas, pelo período contratualmente fixado, correspondente, no caso, ao ano letivo de 2010/2011.

Em suma, a alteração contida na adenda em causa e destinada a fazer aplicar, ao contrato de associação, o novo critério de financiamento contido na norma transitória do artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Recorrido, que está obrigado a cumprir o contrato em apreço de acordo com o quadro legal e regulamentar em vigor na data em que foi celebrado e para o qual o contrato expressamente remete.

Pelo que, subscrevendo o discurso fundamentador do acórdão transcrito, terá que negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a decisão recorrida.

Por fim, cumpre deixar estabelecido que o Ministério da Educação decaiu integralmente na acção, uma vez que a procedência da mesma quanto ao pedido principal, determinou a desnecessidade de conhecimento do demais peticionado. Como referido expressamente na sentença: “(…) o conhecimento das demais questões fica prejudicado.” E nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, dá causa às custas a parte que a elas houver dado causa, sendo que dá causa às custas do processo a parte vencida: no caso, a parte vencida foi – é – o Ministério da Educação, ora Recorrente.


III. Conclusões

Adoptando-se o sumário do acórdão do TCA Norte que vimos de transcrever, conclui-se do seguinte modo:

- A alteração contida em adenda ao contrato de associação, destinada a fazer aplicar o novo critério de financiamento contido na norma transitória do artigo 16.º/1 da Portaria n.º 1324-A/2010, viola as obrigações contratualmente assumidas pelo Ministério, que está obrigado a cumprir o contrato de acordo com o quadro legal e regulamentar em vigor na data em que foi celebrado e para o qual o contrato expressamente remete.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 19 de Outubro de 2017



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Pedro Marchão Marques


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Ana Celeste Carvalho


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Cristina Santos