Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:26185/24.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:IPDLG;
ARI;
109.º, N.º 1, DO CPTA
Sumário:I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação, em tempo útil, se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - Relatório.

N…, cidadão de nacionalidade norte-americana, residente nos Estados Unidos da América (EUA), doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à intimação da Recorrida para, em síntese, agendar a recolha de dados biométricos e emitir os títulos de autorização de residência no âmbito de actividade de investimento, o seu, do cônjuge e da sua filha, estes últimos, por conta de reagrupamento familiar, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 28/09/2024, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial por falta de verificação dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1. O juiz a quo veio indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado pelo Autor, por entender que “não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias”.
2. Ora, salvo melhor entendimento, tais alegações são insustentáveis à luz dos factos apresentados pelo Autor nos autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
3. Não só porque, conforme se irá demonstrar, se encontram preenchidos os pressupostos de indispensabilidade, urgência, impossibilidade e insuficiência necessários para recorrer à presente intimação, como também, andou mal o Tribunal a quo quando entendeu “não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB”.
4. Desde já se diga que, o Autor alegou e logrou provar que deu entrada, em 10/08/2023, de pedido de autorização de residência para atividade de investimento,
5. O Autor alegou e logrou ainda provar que deu entrada, em 28/08/2023, de pedidos de reagrupamento familiar para a sua cônjuge M… e filha menor B….
6. No entanto, não foi emitida, até à data, qualquer decisão por parte da Ré quanto aos pedidos apresentados pelo Autor.
7. A alegação, pelo Autor, de que a inércia da Ré em proceder à análise e decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência e do seu pedido de reagrupamento familiar fere os seus direitos constitucionais básicos é, por si só, suficiente para concluir pela situação concreta do Autor.
8. Isto é, pela factualidade circunstanciada que leva à caracterização de uma situação de ameaça iminente ou do início da lesão do direito invocado – a qual, segundo o Tribunala quo, competia ao Autor alegar e provar, sob pena de não se verificar o preenchimento dos pressupostos do recurso à intimação.
9. Ora, a falta de decisão quanto aos pedidos formulados pelo Autor traduz-se, em termos práticos, na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
10. O que lesa diretamente os seus direitos constitucionais básicos, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
11. O Autor agiu com a legítima expectativa de que, nos termos do programa Golden Visa, a sua candidatura seria decidida dentro do prazo legal de 90 dias, ou pelo menos dentro de um prazo razoável, tendo planeado a sua vida e projetos pessoais e familiares com base nessa expetativa.
12. No entanto, a ausência de decisão por parte da Ré coloca-o numa posição extremamente vulnerável, não lhe sendo possível planear a sua vida com segurança e estabilidade e vendo-se obrigado a pôr todos os seus projetos pessoais e familiares em suspenso.
13. Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, não se trata aqui de um mero incómodo causado pela ausência do seu título de residência, mas antes de uma completa paralisação de todos os seus planos de vida, tanto pessoais como familiares, até que o seu título seja emitido.
14. Mais que não seja, o mero direito de ir e vir livremente, ficando obrigatoriamente sujeito, caso pretenda permanecer em território nacional, a um regime de vistos de turista.
15. O que é incompatível com os direitos constitucionais que deveriam estar salvaguardados.
16. Ora, tais factos relativos à situação concreta do Autor, causados pela inércia da Ré, encontram-se claramente expostos nos artigos 20 e 21 do requerimento inicial apresentado pelo Autor.
17. No entanto, entende-se que mesmo que assim não fosse, os factos subjacentes à inércia administrativa e os que dela decorrem, são factos notórios e, portanto, nos termos do artigo 412.º do CPC, não carecem de alegação ou prova.
18. No caso em apreço, a ausência de decisão por parte da Ré traduz-se na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
19. E tal é, não só de conhecimento geral, como de conhecimento oficioso.
20. É de conhecimento geral e oficioso que, o pedido de concessão de autorização de residência por atividade de investimento tem como finalidade a obtenção de um título de residência,
21. E que este título de residência permite ao seu titular residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
22. Sem tal título de residência, o Autor, que é nacional dos Estados Unidos da América, vê-se impossibilitado de residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
23. Quando poderia, por contraste, caso fosse já detentor do seu título de residência, passar em Portugal ou no espaço Schengen o tempo que quisesse, sem que tal implicasse utilizar os dias do seu visto de turista.
24. Ora, tal afeta diretamente os direitos fundamentais do Autor, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, àequiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, e impõe prejuízos evidentes.
25. Prejuízos, estes, atuais.
26. Pelo que, o facto carreado aos autos pelo Autor de que a inércia da Ré em proceder à análise e decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência por atividade de investimento e os pedidos de reagrupamento familiar ferem os seus direitos constitucionais básicos, permite concluir os factos relativos à sua situação concreta.
27. Ao contrário do entendimento do Tribunal, a urgência para obter uma decisão célere é, assim, evidente,
28. Não sendo necessário ao Autor provar factos que, pela sua natureza, são notórios e amplamente conhecidos.
29. Por outro lado, quanto à indispensabilidade do recurso à intimação e conforme alegado, também, em sede de requerimento inicial, a intimação constitui a última via que o Autor tem ao seu dispor para poder ver salvaguardados os seus direitos.
30. Não assistindo ao Autor qualquer outro meio de tutela que não o presente para fazer valer os seus direitos, liberdades e garantias.
31. No caso em apreço, a urgência verificada não é uma urgência cautelar, mas sim uma urgência na obtenção de uma decisão de mérito.
32. Pelo que, não é suficiente para a defesa dos direitos fundamentais do Autor a mera obtenção de uma tutela cautelar traduzida na atribuição de uma autorização de residência provisória, que a qualquer momento, pode cessar.
33. Mas é antes necessária uma tutela judicial de mérito, que só a procedência da presente intimação lhe poderá proporcionar.
34. Em todo o caso, sempre se diga que, como é de conhecimento oficioso, o recurso a outros meios, mesmo os urgentes, não funciona com a celeridade que é necessária para acautelar os direitos do Autor aqui em causa.
35. Ora, se é verdade que para fazer uso da intimação o Autor tem de demonstrar estar numa evidente situação de urgência que não possa ser suficientemente acautelada, em tempo útil, pelo normal decretamento de uma providencia cautelar ou outro meio de reação não urgente,
36. Também será verdade que, considerando os Indicadores de desempenho dos tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância consultáveis através do site https://estatisticas.justica.gov.pt/, segundo os quais o “disposition time” – indicador utilizado para efeitos de estatística que visa medir, em dias, o tempo de resolução da pendência com base no ritmo de trabalho observado num determinado período – para ações administrativas, providências cautelares e outros processos urgentes em 2023 foi o seguinte:
d) Para ações administrativas, o tempo médio para obter uma decisão foi de 810 dias, ou seja, 2 anos e 3 meses;
e) Para providências cautelares, foi de 160 dias, mais de 5 meses;
f) Para outros processos urgentes, foi de 158 dias, mais de 5 meses.
37. Assim, face à situação de incerteza em que se encontra o Autor, em que vê os seus direitos fundamentais básicos lesados, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, bem como o direito à proteção legal contra discriminação,
38. O recurso a uma providencia cautelar, ou a qualquer outro meio cautelar, mesmo que urgente, não será suficiente, no caso concreto, para obter uma decisão em tempo útil por parte da Ré.
39. Não restando alternativa se não a de recorrer a meios judiciais que possam efetivamente assegurar a tutela devida.
40. A este respeito, ao contrário do alegado pelo Douto Tribunal, o acórdão uniformizador de jurisprudência supra referido não só deve ter aplicação ao caso em apreço, comodeveria ter fundamentado a decisão do Tribunal a quo acerca do preenchimento do requisito de indispensabilidade quanto ao recurso à intimação.
41. Bastará, para o efeito, ler-se o sumário do referido acórdão, segundo o qual “Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: Estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA.”
42. Sem, nunca, limitar a sua aplicação a pedidos de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
43. Face ao exposto, é imperativa a revisão da decisão liminar que indeferiu o requerimento inicial, com o reconhecimento da urgência da decisão e da indispensabilidade de recurso à intimação, e consequente desnecessidade de alegação ou prova de factos notórios.
A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao concluir pela falta de verificação dos pressupostos enunciados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incorreu em erro de julgamento, ou não, designadamente, por ter rejeitado liminarmente o requerimento inicial com base em tal entendimento.
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III - Matéria de facto.
A decisão recorrida não fixou qualquer factualidade.
O Recorrente, por seu turno, nada impugna sobre tal matéria, não se vendo qualquer necessidade de fixar factos na presente instância de recurso, pois que, o Recorrente dissente da decisão recorrida, no essencial, por uma questão de direito, que tem a ver, como atrás se constatou, com o alegado julgamento erróneo sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
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IV - Fundamentação de Direito.
Na parte que aqui importa perscrutar, veja-se a fundamentação de direito explanada na decisão recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso:
(…) Cumpre apreciar liminarmente (cfr n.º 1, do art. 110.º do CPTA).
Nos termos do n.º 1, do art. 109.º, do CPTA, constituem pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias a necessidade de uma decisão de mérito, que imponha à Administração Pública a adopção de uma conduta (positiva ou negativa) indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nos casos em que não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar, constituindo, assim, um dos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos, que compete à lei assegurar aos cidadãos (cfr n.º 5 do art. 20.º da CRP).
Portanto:
(i) A defesa de um direito, liberdade ou garantia, ainda que de natureza análoga;
(ii) A célere emissão de uma decisão definitiva e de mérito que se mostre indispensável, face aos outros meios processuais, para assegurar o exercício em tempo útil do direito, liberdade ou garantia em apreço – cfr, entre outros, o acórdão do TCA Sul, de 16-02-2017, proferido no processo n.º 1663/16.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt, este último pressuposto reconduz-se, no fundo, a dois subcritérios práticos: por um lado, concluir que “o juiz do processo (não urgente) principal não chegaria a tempo de ditar a justiça para a situação, isto é, para protecção de um direito, liberdade ou garantia”, e, por outro, que “o juiz da causa cautelar se ditasse a justiça para a situação teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito.”
Daqui decorre que este processo declarativo (urgente) se reporta a situações especialmente delicadas (a proteção de direitos, liberdades e garantias), que o legislador consagra, como meio principal (trata-se de um processo declarativo, com vista à prolação, em regra, de uma sentença condenatória, mediante a qual o Tribunal impõe a adoção de uma conduta positiva – uma ação – como negativa – uma abstenção) e urgente (com prazos de tramitação e de decisão mais curtos, sujeitos a um regime específico – cfr, desde logo, n.º 1, do art. 110.º e n.º 1, do art. 111.º, ambos do CPTA).
(…)
Aqui chegados, constitui entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina que a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias assume um caráter necessariamente restritivo (por força do seu objeto) e subsidiário (face aos outros meios processuais), constituindo uma válvula de segurança do ordenamento jurídico-processual.
Prosseguindo: é ónus do Requerente “oferecer, logo com o articulado inicial, prova sumária destes pressupostos de «indispensabilidade», de «urgência», de «impossibilidade» e de «insuficiência», necessários, quer para a admissibilidade do pedido de intimação, quer, depois, para a sua procedência” – cfr. SOFIA DAVID, Das intimações. Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, p. 124, desde logo na esteira do regime geral do ónus da prova (cfr n.º 1, do art. 342.º do CC – “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”)
Volvendo ao caso dos autos.
Alega o Requerente que a urgência assenta no incumprimento do prazo decisório, omissão / incumprimento que se traduz em constrangimentos de diversa ordem e que na violação de diversos direitos, com respaldo constitucional ou em diplomas internacionais (sendo a alegada violação do direito à informação objeto da intimação, isso sim, par a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (art. 104.º do CPTA)), conjuntura que não se compadece com uma tutela provisória ou alcançável pela ação administrativa e que não se encontra, sequer, densificada (tratando-se, de restos, de factos essenciais / nucleares), mas cuja eventual densificação nem releva. Com efeito, as suas alegações não atingem o nível de detalhe ou a profundidade que, mesmo a um golpe de vista mais aturado, se distingam do que pode ser alegado por qualquer pessoa que aguarde a decisão da AIMA, IP (ou de qualquer entidade adstrita / vinculada a prazos de decisão), sendo, aliás, alegações características dos incómodos comuns associados à incerteza dessa decisão (seja quanto ao prazo da sua emissão, seja quanto ao seu teor).
Ou seja, o Requerente não alega qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta que permita sustentar a verificação de uma situação justificadora do uso do presente meio processual. Com efeito, como temos vindo a dizer, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado.
Por seu turno, também claudica a alegada indispensabilidade. Não se descura, ignorando, que possa existir um incumprimento do dever de pronúncia / decisão, por silêncio da Requerida dentro do prazo previsto legalmente para o efeito: porém, para que se possa lançar mão deste meio processual (e, procedendo, a Requerida seja intimada a decidir em determinado prazo), importa que o Requerente demonstre que seja indispensável o recurso a este meio processual em desprimor dos demais – o que não se sucede no caso vertente, porquanto, mais uma vez, o Requerente se sustenta em alegações genéricas.
Compulsada a petição, resta concluir que, com referência ao momento presente, inexistem alegações (e, muito menos, algo que seja comprovado pelo Requerente: e recordemos as regras de distribuição do ónus da prova) que sustentem qualquer urgência na proteção de direitos, liberdades e garantias e que permitam vislumbrar (e, muito menos, concluir pela existência de) de uma lesão iminente e irreversível dos vários direitos que o Requerente refere, o mesmo se dizendo quanto à indispensabilidade de uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil.
Em conclusão: o Requerente formula, somente, alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, mesmo considerada a resposta que antecede, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhe cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual Com efeito, a tutela judicial revela-se acautelada com recurso a outros meios processuais que se revelam adequados a, cumpridos os pressupostos, uma decisão de mérito que vá ao encontro do direito a uma pronúncia por parte da aqui Entidade Requerida.
Adicionalmente, sem prejudicar a impropriedade já sustentada, não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), cfr a residência que o próprio indica, o Requerente não é titular dos direitos, liberdades e garantias a que se arroga – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05-2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.
(…)
Refira-se, ainda, não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunaladministrativo/11-2024 871585082), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
Pelo exposto, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, razão pela qual rejeita-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos do n.º 1, do artigo 110.º do CPTA.
***
Desde já adiantamos que a decisão recorrida será confirmada.
Vejamos.
A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir o articulado inicial, seguindo-se a citação da contra-parte, como pode rejeitá-lo, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido.
“In casu”, foi precisamente o que ocorreu. O Meritíssimo Juiz a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias alegadas do caso concreto, a decisão liminar de rejeição do requerimento inicial.
O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos).
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA em termos intencionalmente restritivos, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar.
Antecipamo-nos a dizer que, tendo presente os pressupostos vertidos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a começar pelo da indispensabilidade, não se mostra o mesmo preenchido no caso em apreço.
Em termos sintéticos, a indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”,associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso.
Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (sublinhados nossos).
Sobre a subsidiariedade, importa também salientar que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias” e que “Quando se afirma que o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma proteção adequada, esta afirmação tem, pois, em vista os processos não urgentes, devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta – com natural destaque, quando tal se mostre necessário, para a mais efetiva de todas, que é o decretamento provisório de providências cautelares” (cf. a obra e os autores que temos vindo a citar, de páginas 935 a 937) – (sublinhados nossos).
Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra citada, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaques nossos).
Retornemos, pois, ao caso concreto.
Em conclusões de recurso observamos, com especial insistência e sob diversas facetas argumentativas, o desagrado do Recorrente quanto à inércia decisória da Administração, pois, como no essencial refere, o prazo legal de decisão sobre o seu requerimento foi já largamente ultrapassado (os 90 dias previstos no artigo 82.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2007, de 04/07).
O inconformismo do Recorrente pela demora da Administração na instrução procedimental ou na tomada de uma decisão no competente procedimento administrativo de autorização de residência, ainda que compreensível e legítimo quanto a eventuais transtornos pessoais ou frustrações que essa situação possa causar ao projecto de vida que decidiu fundar em Portugal, não é, por princípio, debelado pelo acesso imediato ao processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, dado que, ante a inércia instrutória ou decisória da Administração, o contencioso administrativo disponibiliza outros meios comuns aos quais os interessados podem recorrer previamente, com especial prevalência para a acção administrativa de condenação à prática de acto devido, consagrada no artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (meio processual não urgente), eventualmente complementada com o requerimento incidental de processo cautelar para adopção de providência cautelar antecipatória (processo urgente), que ainda pode ser reforçado com o seu decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
Não é por demais chamar à colação a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste mesmo TCAS, que admite, inclusive, que “os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respectiva acção principal.”, mais propugnando este TCAS que a emissão da autorização de residência é compatível com uma definição cautelar.” (destaques nossos), conforme o exposto, entre outros, no acórdão de 07/06/2023, proferido no processo sob o n.º 166/23.1BEALM, entendimento que voltou a ser reiterado pelo acórdão deste mesmo TCAS, de 13/07/2023, prolatado no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Neste particular conspecto, também seguimos a jurisprudência já firmada por este TCAS, destacando-se, entre outros, o recente acórdão de 15/07/2025, proferido no processo sob o n.º 12861/25.6BELSB (uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias em matéria de aquisição de nacionalidade, mas cujo excerto fundamentador é igualmente aplicável ao caso vertente), cuja passagem passamos a transcrever do seguinte modo (consultável em www.dgsi.pt):
Acrescente-se que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).
Por outro lado, compulsando-se os argumentos lançados nas conclusões de recurso sob os n.ºs 34 a 36, consideramos que a alegada delonga de uma acção administrativa até ser alcançada uma decisão transitada em julgado, ou até mesmo a demora dos processos urgentes, segundo a contabilização aí avançada, não é motivo que permita ao Recorrente lançar logo mão do presente meio processual de excepção.
É que, como dito lapidarmente no acórdão acabado de citar - ainda que a propósito do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva -, cujo raciocínio, todavia, também aqui secundamos, “Admitir a tese do Recorrente de, em virtude das alegadas demoras na tramitação e prolação de decisões no âmbito dos processos judiciais de natureza não urgente, lhe assistir o direito a recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter uma decisão em prazo razoável, sob pena de sair violado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP), seria subverter o regime processual previsto pelo legislador em que, ao lado dos processos que seguem a normal tramitação, se consagram formas processuais com caráter urgente e cuja utilização depende do preenchimento dos correspondentes pressupostos. Seria admitir que, em face das imputadas deficiências do sistema judicial, todos os litígios submetidos a juízo passassem a ser de natureza urgente porque, mostrando-se necessário a assegurar o direito a uma decisão em prazo razoável, seriam enquadráveis na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Só que, como vimos, o pressuposto a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA não se preenche quando a alegada necessidade de prolação de uma decisão judicial célere se destina a garantir o direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas apenas quando se mostre indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. (sublinhado nosso).
Em suma, não é a violação do dever de decisão ou a demora da acção administrativa ou dos processos urgentes por conta de eventuais insuficiências do sistema judicial que, por si só, justificam o acesso imediato ao processo de intimação, mas sim quando este meio processual se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
O Recorrente assevera ainda em conclusões recursivas que está impedido de exercer direitos constitucionais básicos, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como, à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação. Ora, para além de se tratar de uma mera alegação de cariz genérico e vago, sem que da mesma, por falta de explanação factual, se infira o que de urgente ou irremediável importa prevenir no imediato, sempre dizemos, na senda do entendimento sufragado no acórdão deste TCAS, de 03/07/2025, tirado no processo sob o n.º 31554/24.5BELSB (de que o ora Relator no mesmo figurou nessa qualidade), consultável em www.dgsi.pt, que a falta de autorização de residência não significa que o Recorrente “não possa[m], no entretanto, entrar, sair e permanecer de forma livre em Portugal, sobretudo, como cidadão[s] visitante[s], com passaporte e/ou com visto de turismo, se necessário for, assim podendo aceder, a intervalos, ao seu imóvel sito em território nacional, não tendo o[s] Recorrente[s], ademais, invocado qualquer situação concreta em que as autoridades portuguesas ou de quaisquer outros países da União Europeia lhe[s] tivesse[m] impedido a entrada e saída de Portugal ou de qualquer outro país do espaço Schengen”.
E no que toca em particular ao princípio da equiparação, vertido no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, não assiste razão ao Recorrente pela simples circunstância de que, não residindo ainda em Portugal com título de autorização de residência validamente emitido, não pode sequer equiparar-se aos demais cidadãos que em território nacional já se encontram munidos da referida autorização ou aos próprios cidadãos portugueses, razão pela qual o Recorrente não pode ainda colocar-se numa situação de equiparação quanto aos direitos que os demais residentes/cidadãos já beneficiam (neste sentido, entre outros, veja-se o já decidido no acórdão deste TCAS, de 09/05/2024, proferido no processo sob o n.º 4798/23.0BELSB, consultável em www.dgsi.pt).
No que ao princípio da equiparação ainda diz respeito e à sua correlação com o tema do reagrupamento familiar, não é despiciendo secundarmos aqui o entendimento igualmente ventilado por este TCAS no recente acórdão de 03/07/2025, prolatado no processo sob o n.º 27506/24.3BELSB, do qual enfatizamos os seguintes excertos: “Relevando que a Recorrente e sua família não residem em território nacional, pelo que não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, quanto aos estrangeiros que se encontrem em Portugal.
Nem foi, como atrás se explanou, invocada qualquer situação específica que onere ou lese a Recorrente ou a sua família decorrente da omissão (atempada) de decisão, que exija a intimação urgente do Recorrido nos termos por si pretendidos.
(…)
Releva, ainda que a Recorrente, como reconhece, não se encontra a residir em Portugal, nem está impedida de entrar no país e também não invoca estar separada ou impedida de viver com os restantes membros da família (marido e filhos) ou de estes acederem à educação, cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência actual, Estados Unidos da América.

O Recorrente aduz ainda em conclusões de recurso que, por conta da ausência de título de residência, não se pode inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do estatuto de residente não habitual (RNH). Ora bem, consubstancia, de novo, um mero juízo conclusivo, faltando-lhe a necessária e mínima densificação factual-jurídica por forma a inferir-se, face ao caso concreto, da situação de especial urgência ou da ameaça de direito, liberdade e garantia “com conteúdo suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação”, conforme sustentam os autores da obra atrás citada.
Cumpre dizer, também, que se mostra correcta a decisão recorrida no aspecto em que não aderiu ao entendimento sufragado pelo acórdão do STA, de 06/06/2024, proferido no processo n.º 0741/23.4BELSB, em julgamento ampliado de recurso (consultável em www.dgsi.pt), nos termos do artigo 148.º do CPTA, porquanto, a situação fáctica tratada naquele acórdão é diversa da que ora nos prende neste recurso, pois que, ao STA foi apresentado o caso concreto de uma autorização de residência para o efeito da prestação de trabalho subordinado de um cidadão estrangeiro já residente em Portugal, ao passo que, no caso vertente, o ora Recorrente almeja o título de residência alicerçado numa actividade de investimento. Deste modo, atenta a diversidade factual, as preocupações subjacentes são distintas, não se aplicando ao caso em análise, de modo compulsório, a força convincente do aludido acórdão (neste sentido, entre outros, vide o acórdão deste TCAS, de 03/07/2025, emitido no processo sob o n.º 31554/24.5BELSB, consultável em www.dgsi.pt, de que o ora Relator ali interveio nessa mesma qualidade).
Aqui chegados, importava que o Recorrente tivesse cumprido com o ónus de alegação de factos concretos realmente demonstrativos de uma situação impressivamente caracterizadora da indispensabilidade do presente meio processual, ou seja, um contexto factual elucidativo de urgência ou premência. Mas tal não dimana do requerimento inicial, como bem constatou a sentença recorrida, como não resulta, de igual modo, do exposto em conclusões de recurso.
Ou seja, visto o fio condutor das conclusões recursivas, que delimitam o objecto do recurso, não se vislumbra a alegação de qualquer factualidade devidamente circunstanciada e densificada que sirva para justificar a indispensabilidade do uso excepcional do processo de intimação, pois que, nada de urgente ou premente dali se infere no sentido de ser necessária uma tutela imediata e definitiva dos direitos esgrimidos pelo Recorrente.
Ora, sem quaisquer outros factos devidamente explicados ou densificados, que justifiquem o provir de uma situação de especial urgência ou premência que importe, desde já, obstar, nada de ofensivo se vislumbra para os direitos, liberdades e garantias invocadas.
Quer isto dizer, em resumo, que o Recorrente não acoplou quaisquer factos concretos e realmente demonstrativos de estarmos perante uma situação de especial urgência que seja indispensável acautelar ou impedir de modo imediato, em tempo útil e de forma definitiva pela utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Não é por demais relembrar que é sempre a partir do caso concreto que se perscruta a existência de fundamentos factuais que justificam a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação. É o próprio requerente do meio processual de intimação que tem o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade.
Ao fim e ao cabo, como já aflorámos, inexiste no caso vertente, por falta de alegação, qualquer situação realmente urgente ou premente que importe prevenir por intermédio do processo de intimação, isto é, o Recorrente não associou ao requerimento inicial, nem sequer agora, às conclusões recursivas, quaisquer factos suficientemente densificados que demonstrem a tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados.
Cumpre ainda afirmar que seguimos aqui a orientação de vasta e recente jurisprudência deste TCAS, proclamada a propósito da concreta pretensão material de emissão da autorização de residência, com plena aplicação no caso vertente (no que especificamente diz respeito ao aludido requisito da indispensabilidade), destacando-se, entre outros, os acórdãos deste TCAS tirados nos seguintes processos: no Processo n.º 166/23.1BEALM, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 489/23.0BELSB, de 13 de Julho de 2023, no Processo n.º 1151/23.9BELSB, de 26 de Julho de 2023, no Processo n.º 458/23.0BELSB, e ainda nos Processos n.ºs 4798/23.0BELSB, de 09/05/2024, e 602/24.0BELSB, de 23/05/2024, estes dois últimos alusivos, precisamente, à autorização de residência para actividade de investimento (de que o ora Relator também nos mesmos interveio nessa qualidade), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
De modo acrescido, a título de exemplo, veja-se ainda o acórdão deste TCAS, de 13/07/2023, emitido no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, convocando-se o entendimento formulado no seu sumário, do qual consta o seguinte:
I Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade (…)
Atente-se, ainda, ao acórdão do STA, de 04/04/2024, tirado no processo sob o n.º 015/24.3BALSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se os pontos I e II do seu sumário, como segue:
I-A adequação do meio processual da intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não se afere apenas em função de estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, pois é necessário que esse direito se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.
II-Nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, o uso deste meio processual pressupõe a necessidade de uma tutela de mérito urgente, que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa.
Tudo visto, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadãos estrangeiros que tenham despoletado o procedimento administrativo com vista à emissão de autorização de residência em território nacional para actividade de investimento, atento a sua caracterização como meio processual de utilização excepcional, depende sempre da verificação, ante os factos concretos, do pressuposto da sua indispensabilidade, isto é, da sua necessidade imperiosa como “última ratio” para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Impõe-se, todavia, que o requerente do presente meio processual cumpra com o ónus de alegação/densificação de factos devidamente concretizados e efectivamente demonstrativos de uma consistente situação urgente ou premente, de modo que só o processo de intimação, em tempo útil, se mostra capaz de proteger de modo imediato e cabal os direitos, liberdades e garantias alegadamente em causa.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
***
V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 11 de Setembro de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Marta Cavaleira – (1.ª Adjunta)
Ana Lameira – (2.ª Adjunta, em substituição)