Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 16/18.0BCLSB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/24/2024 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | DECISÃO ARBITRAL OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUESTÕES VS ARGUMENTOS ERRO DE JULGAMENTO |
| Sumário: | I - A nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal. II - As questões, por um lado, não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, e por outro lado, abrangem todas as que são colocadas pelas partes, incluindo, naturalmente, as questões suscitadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, configurem elas, defesa por impugnação, ou defesa por exceção. III - Existindo apenas uma única questão jurídica, a qual consiste em aferir da legalidade da correção realizada pela AT, concretamente se a mesma padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito porquanto a remuneração variável atribuída em 2014, ao membro do Conselho de Administração da Impugnada beneficia da exclusão de tributação autónoma prevista na segunda parte, da alínea b), do nº 13, do artigo 88.º do CIRC, então a falta de apreciação e concreta densificação de um dos requisitos constantes na lei, ou a concreta desconsideração da natureza cumulativa dos mesmos, não configura omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante Impugnante), deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artigo 28.º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, dirigida a este Tribunal visando Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 363/2017-T, que julgou procedente o pedido de anulação deduzido por “BANCO S…, SA”, contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitante ao exercício de 2014, na parte relativa à tributação autónoma sobre remunerações variáveis, no valor de € 301.381,64. A Impugnante apresentou as seguintes conclusões: A) O acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitrai onde se requeria a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 20178310027625, respeitante ao exercício de 2014, na parte relativa à tributação autónoma sobre remunerações variáveis, no valor de € 301.381,64. B) Tal acórdão padece, no entanto, de vício de nulidade pelo facto de não ter conhecido de questão essencial sobre a qual se deveria ter pronunciado [artigo 28.º, al.-c) do RJAT]. C) No âmbito do presente processo discutiu-se a legalidade da incidência da taxa de tributação autónoma, nos termos do disposto no artigo 88.º,n.º 13, al.b) do CIRC, sobre a remuneração variável atribuída no ano de 2014 ao Vice-Presidente da ora Impugnada no valor de € 861.090,39. D) Em síntese, foram duas as questões de direito levantadas pela Impugnante na sua Resposta, ambas por relação à segunda parte da redacção do artigo 88.º,n.º 13, al. b) do CIRC, que exclui de tributação autónoma as entidades que preencham os requisitos ali enunciados. E) A primeira questão suscitada em sede de Resposta foi a referente à interpretação jurídica a atribuir ao primeiro dos requisitos da delimitação negativa de incidência que a segunda parte da alínea b) compreende, nomeadamente a interpretação a atribuir à expressão «por um período mínimo de três anos», isso quando o pagamento do bónus ou da remuneração variável «estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 %. F) A segunda questão foi a referente ao segundo requisito da aludida delimitação negativa, mormente a verificação do efectivo «desempenho positivo da sociedade ao longo desse período». G) O Acórdão arbitral pronunciou-se expressamente sobre aquela primeira questão, não se tendo pronunciado, no entanto, quanto à segunda questão, o qual, por cumular com o primeiro dos requisitos, tinha que ser apreciado, dado que disso dependia a boa aplicação da norma sub judice, como, acima de tudo, dependia a boa decisão do julgado. H) Por "questões" em sede de omissão de pronúncia entende-se, como Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, p. 54, que as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou o razão do pedido apresentado. I) A segunda questão não apreciada, geradora de nulidade do acórdão impugnado, foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado, nomeadamente do artigo 43.º da Resposta em diante, encontrando-se perfeitamente identificável à leitura de um bom pai de família, tendo por objectivo, de resto também como aconteceu em sede de procedimento administrativo, a tributação autónoma dos gastos com remunerações variáveis ao Vice-Presidente da Impugnada. J) Estão assim delimitados o sujeito (Autoridade Tributária) que invoca a questão, a questão em si considerada (a apreciação do desempenho positivo da sociedade) e o que dela se pretende extrair como consequência lógica para a decisão a proferir nos autos (a incidência de tributação autónoma por não se encontrar preenchido o segundo requisito do 88.5, n.e 13, al. b) do CIRC. K) O Tribunal Arbitral também não curou de justificar a razão ou as razões que o levaram a não conhecer da questão em causa A apreciação de um bom ou mau desempenho positivo da sociedade ao longo dos anos subsequentes à deliberação e pagamento pagamento da remuneração variável em causa (2014, e 2016) ao Vice-Presidente da Impugnada não é, de todo, uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada peia resolução da primeira questão. L) Impunha-se que o Tribunal arbitral se tivesse pronunciado sobre ela, dado que tal facto se inseria e estava patente no processo administrativo, Anexo 19, de onde resulta que "da conjugação entre a acta da Comissão de Vencimentos e o mapa apresentado pela Requerente com a base de cálculo das remunerações variáveis (anual) pagas aos administradores sujeitas a tributação autónoma, verifica-se que o pagamento dos bónus e outras remunerações variáveis ao vice-presidente do Conselho de Administração não se encontra condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período. [...] Caso em algum ano se verifique uma situação de exclusão, os colaboradores envolvidos não receberão o 1/3 do ano em que se verifique, ou seja, se por exemplo se verificasse uma situação de exclusão no ano de 2015, os colaboradores não receberiam o segundo 1/3 em 2016. Estas situações operam em cada ano e não tem qualquer efeito retroactivo, ou seja, não há devolução de verbas anteriormente recebidas." M) A não observância do requisito do desempenho positivo da sociedade nos anos de 2014, 2015 e N) é, apesar de cumulativa com o requisito do diferimento pelo período mínimo de três anos, autonomizável face a ela, dado que o preenchimento do primeiro requisito não importa o preenchimento do segundo e vice-versa, sendo que se afigurava imprescindível para a boa resolução do caso concreto. O) A verificação da delimitação negativa de incidência da tributação autónoma sobre os gastos e encargos com o pagamento das remunerações variáveis a gestores, administradores e gerentes não se basta com o mero preenchimento de uma das condições previstas na lei em ordem a desonerar do imposto que lhe é correspondente. P) Ao não ter analisado, como lhe competia, esta segunda questão invocada pela Impugnante, tal conduta omissiva do Tribunal violou frontalmente os deveres de pronúncia, patentes no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, que refere que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, apenas exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Q) A decisão arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, pois as questões trazidas aos autos são autonomizáveis entre si, não bastando a decisão sobre o primeiro requisito da norma, para que o segundo dos requisitos se possa dar por verificado. R) O Acórdão arbitral configura antes uma "decisão surpresa", pecando por defeito na apreciação dos temas que tinha por imposição legal de analisar e decidir. S) Tudo visto e ponderado, não deve ser mantida na ordem jurídica o acórdão arbitrai ora colocado em crise, devendo antes ser decretado nulo, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 1, al. c) do RJAT e 125.º do CPPT, por ter sido violado o dever de pronúncia que competia ao Tribunal arbitrai. T) A decisão em escrutínio violou o artigo 608.º, n.º 2 do CPC e artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT. Nestes termos, e nos demais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deverá ser admitida e julgada procedente a presente impugnação devendo ser declarada nula decisão arbitral, por omissão de pronúncia ao abrigo do disposto no Art.º 615.° n° 1 alínea d) e Art.º 608.° n.9 2, do CPC, Art.s 125.º n.s 1 do CPPT e Art.° 28.° n.º 1 alínea c) do RJAT.” *** A Entidade Impugnada, apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma: “1. A douta decisão arbitral proferida no processo n.° 363/2017-T julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral tendente à anulação do ato tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.° 2017 8310027625, datada de 09.01.2017, na demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.° 2017 00000587347, datada de 11.01.2017, no montante de € 2.036.005,21, relativo ao exercício de 2014. 2. Não se conformando com o decidido pelo Tribunal a quo, a Autoridade Tributária deduziu impugnação da referida decisão que, salvo o devido respeito, é manifestamente improcedente. 3. Invoca a Autoridade Tributária e Aduaneira que a decisão arbitral incorre em vício de nulidade por omissão de pronúncia (cf. artigo 28.°, n.° 1, alínea c), do RJAT), na medida em que não cuidou de verificar do preenchimento do requisito «subordinação ao desempenho positivo da sociedade», contido no artigo 88.°, n.° 13, alínea b), segunda parte, para efeitos de exclusão de tributação autónoma da remuneração variável paga ao vice-presidente do Conselho de Administração. 4. Sucede que não se lhe assiste qualquer razão. 5. Conforme resulta do relatório de inspeção - o qual constitui neste caso a fundamentação do ato tributário -, apenas importava aferir da forma como foi diferido o pagamento do prémio ao vice-presidente do conselho de administração. 6. A inspeção tributária concluiria mesmo estarem reunidos todos os requisitos de que depende a exclusão de tributação autónoma, inclusive o requisito de subordinar a atribuição de prémios ao «desempenho positivo da sociedade» (cf. anexo 15 ao RIT - ata da comissão de vencimentos; anexo 16 - mapa de cálculo do prémio individualizado por administrador; e Relatório e Contas de 2014). 7. Aliás, só assim não sucederia se dos elementos analisados pela inspeção tributária resultasse que aqueles prémios seriam pagos independentemente daquele desempenho positivo. 8. Porém, a inspeção tributária assim não concluiu apenas porque entende que o diferimento do pagamento do prémio deve ser feito, na totalidade, e só pago no fim dos 3 anos (ou seja, o pagamento deve ficar suspenso ou ser adiado por 3 anos). 9. A esta conclusão não obsta o conteúdo do anexo 19 correspondente ao «memorando» em que se confirma continuar a seguir-se o critério utilizado em 2013 (cf. RIT de 2013 - anexo 20), ou seja, que a análise das condições de atribuição do prémio é feita ano a ano e que não há devolução de quantias anteriormente recebidas. 10. Como resulta também do RIT de 2013 e a administração tributária não contesta é que a atribuição dos prémios também aí esteve dependente do desempenho positivo da sociedade. 11. Sucede é que, como a administração tributária entende que o pagamento do prémio, na parte diferida, só pode ocorrer findos os 3 anos, então, da mesma forma, só sujeita a análise do desempenho positivo àquele que se verificar findos esses 3 anos. 12. No caso concreto, para a administração tributária, o pagamento da parte diferida do prémio de 2014 só deveria ocorrer em 2018, assim como a análise do desempenho positivo. 13. Mas não há dúvidas que o Banco sujeita o pagamento do prémio, em cada ano, ao desempenho positivo da empresa, respeitando o disposto na lei. 14. No caso concreto, relativamente ao prémio de 2013, a atribuição diferida e condicional só teve início em 2015, e em relação ao prémio de 2014, a atribuição diferida e condicional só teve início em 2016. 15. O triénio de referência para a atribuição, em 2016, da primeira tranche da parcela de atribuição diferida e condicional da remuneração variável por bom desempenho em 2014 é 2013/2014/2015; o triénio de referência para a atribuição, em 2017, da segunda tranche da parcela de atribuição diferida e condicional da remuneração variável por bom desempenho em 2014 é 2014/2015/2016; e o triénio de referência para a atribuição, em 2018, da terceira tranche da parcela de atribuição diferida e condicional da remuneração variável por bom desempenho em 2014 é 2015/2016/2017 (cf. Anexo 20 do relatório de inspeção tributária correspondente ao trecho de relatório inspetivo ao exercício de 2013). 16. E, como é óbvio, o Banco não vai exigir a devolução da parte do prémio diferido cujas condições de atribuição (designadamente, o desempenho positivo) se verificaram e consolidaram no período correspondente. 17. Quando a administração tributária coloca em crise a questão da análise ano a ano e da não devolução de verbas, está somente a colocar em crise a interpretação do critério de diferimento, e nunca o preenchimento do requisito de subordinação ao desempenho positivo, porque não há dúvidas, como a própria administração tributária refere ao longo do relatório de inspeção diversas vezes, citando documentos fornecidos pelo sujeito passivo, que este condiciona a atribuição de prémios à verificação do desempenho positivo da sociedade. 18. A administração tributária apenas não concorda com o diferimento do pagamento do prémio efetuado pelo Banco, pois, para a administração tributária, o pagamento da parte diferida deve ocorrer na totalidade somente no fim dos 3 anos. 19. A administração tributária nunca colocou em crise o concreto desempenho positivo, razão pela qual não competia ao tribunal analisar essa questão. 20. Não se trata de uma questão de conhecimento oficioso, pelo que se o tribunal a tivesse conhecido sem que a administração tributária a tivesse invocado, ocorreria aí sim um excesso de pronúncia. 21. Só na Resposta vem a administração tributária “insinuar” que o Banco evidenciava um “claro e manifesto desprezo pelo segundo requisito de delimitação negativa da incidência” (cf. artigo 45.° da Resposta). 22. Porém, mesmo daquela Resposta, resulta que o alegado “desprezo” não se verifica em concreto e radica somente no facto de a sua verificação ser efetuada ano a ano, em resultado de um divergente entendimento quanto ao diferimento do pagamento, o que se confirma pelo teor dos artigos da Resposta, designadamente, o artigo 49.°, em que se afirma que “só após o decurso do período dos 3 anos é possível fazer um juízo seguro acerca dos resultados positivos.” 23. No fim, tudo radica na divergente interpretação de direito do artigo 88.°, n.° 13, alínea b), segunda parte, do Código do IRC, consubstanciada na questão de saber se as remunerações devem ou não ser pagas somente no final dos 3 anos - e essa questão foi por demais dirimida pelo Tribunal Arbitral. 24. Mas ainda que na Resposta realmente fosse invocada uma questão (nova), ainda assim não haveria omissão de pronúncia pois o Tribunal não pode atender a fundamentação que não seja contextual, contemporânea e integrante do próprio ato (cf. artigo 77.° da LGT, artigo 123° e seguintes do CPA; entre outros, LEITE DE CAMPOS, JORGE LOPES DE SOUSA e BENJAMIN SILVA, LGT Anotada; entre outros, o acórdão do STA, de 06.07.2016 (proc. n.° 1436/15). 25. Note-se que na impugnação da decisão arbitral chega a admitir-se expressamente que apenas se entende que houve omissão de pronúncia porque o Tribunal Arbitral não analisou uma das questões invocadas na Resposta. 26. Ou seja, a Autoridade Tributária nem sequer invoca, como seria de esperar, que na fundamentação do ato tributário - o relatório de inspeção - já vinha infirmada a questão do «desempenho positivo». 27. E nem sequer se refira que no relatório de inspeção vinha colocado em causa o requisito do «desempenho positivo», ainda que de forma pouco clara ou rigorosa, como acontece no Acórdão do TCAS n.° 08065/14, de 03.05.2015, invocado pela Impugnante. 28. Desde logo, aí tratava-se de vício imputado ao ato tributário no pedido de pronúncia arbitral (único momento que o sujeito passivo tem para fundamentar a ilegalidade do ato) e foi aí efetivamente invocado. 29. Por seu turno, à administração tributária exige-se um especial cuidado no dever de fundamentação de atos lesivos, pelo que se o relatório de inspeção não é suficientemente expresso e claro, sendo obscuro, o mesmo não conteria a fundamentação legalmente exigida, razão pela qual, o Tribunal Arbitral não estaria sequer em condições de emitir uma qualquer pronúncia. 30. Por seu turno, no segundo dos acórdãos invocados pela Impugnante (o acórdão do TCAS de 22.10.2015, proferido no processo n.° 08101/14), trata-se aí de uma situação em que o Tribunal Arbitral não cuidou de analisar da questão de inconstitucionalidade suscitada pela administração tributária na Resposta, o que é bastante diferente da situação sub judice. 31. O que sucede nestes casos é que a Resposta é o único momento que a administração tributária tem para, depois de conhecer os vícios imputados ao ato, se de uma questão de interpretação de direito se tratar, invocar a inconstitucionalidade de qualquer norma, na interpretação que lhe for dada pelo sujeito passivo. 32. Mas essa faculdade que lhe assiste não a desonera do dever de fundamentação contemporânea do ato. 33. Aliás, também no caso dos autos, a administração tributária invocou a inconstitucionalidade do artigo 88.°, n.° 13, alínea b), segunda parte, do Código do IRC, na interpretação dada pelo Banco, por violação dos princípios da legalidade, capacidade contributiva e igualdade (cf. artigo 56.° da Resposta) e sobre tal questão o Tribunal Arbitral não se deixou de pronunciar expressamente (cf. páginas 15-16 da decisão arbitral impugnada). 34. Por fim, refira-se que, em simultâneo com a presente impugnação, a Impugnante apresentou também junto do Tribunal Arbitral que proferiu a decisão arbitral impugnada um pedido de aclaração (cf. doc. n.° 1). 35. Ora, caso a Impugnante estivesse verdadeiramente convicta de que o Tribunal Arbitral incorreu em omissão de pronúncia, não teria apresentado em simultâneo pedido de aclaração, nos moldes supra expostos, mas daqui retirará este Venerando Tribunal as conclusões que doutamente lhe aprouver. 36. Em qualquer caso, e admitindo-se a hipótese aventada pela Impugnante - ou seja, de que o Tribunal Arbitral efetivamente apreciou e decidiu a segunda questão, relativa ao desempenho positivo -, realmente tal não nos surpreenderia, i.e., não constituiria surpresa que o Tribunal Arbitral tivesse dado como provado que tal requisito estava preenchido no caso concreto. 37. Tal conclusão é evidente e decorre amplamente de toda a documentação junta aos autos, designadamente, e como vimos supra, do anexo 15 ao RIT correspondente à ata de comissão de vencimentos, do anexo 16 ao RIT, correspondente ao mapa de apuramento individual do prémio, dos anexos 19 e 20, relativos aos critérios seguidos também em 2013 e, ainda, do Relatório e Contas de 2014, citado no relatório de inspeção e disponível em https://www.s..... 38. a Por fim, e se quisermos adotar um critério de avaliação de desempenho positivo tão simplista como o de o reconduzir ao conceito de resultado líquido do período (positivo), então nesse caso sempre seria patente que o mesmo se encontra assegurado em 2012 (88,1 m€), em 2013 (89,2 m€), em 2014 (165,2 m€), em 2015 (568,4 m€), em 2016 (380,0 m€) e em 2017 (421,2 m€), como, aliás, constitui facto público e se encontra divulgado em https://www.s.... 39. Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente a presente impugnação e manter-se a decisão arbitral impugnada. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve a presente impugnação ser julgada improcedente, mantendo-se a douta decisão impugnada, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!” *** O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. *** Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.*** II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO “A decisão impugnada apresenta o seguinte teor: “1.Relatório e Saneamento No dia 7 de junho de 2017, a sociedade BANCO S…, SA., contribuinte fiscal, pessoa coletiva e matrícula número 5…, com sede na Rua Á…, n.º… em Lisboa, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a), 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, (adiante RJAT) requerer a constituição de tribunal arbitral, visando a anulação do ato tributário de liquidação de IRC n.º 201778310027625 respeitante ao exercício de 2014, no montante de 2.036.005,21. Em concreto, pretende a Requerente a anulação da correção referente ao cálculo da tributação autónoma de 35% prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, no valor de € 301.381,64, aplicada à remuneração varável auferida por um dos membros do conselho de administração. No dia 7 de junho de 2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Em 03-08-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-08-2017. No dia 03-10-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação. Por despacho de 04-10-2017, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Notificadas para o efeito, a Requerente apresentou alegações escritas. Foi fixado o prazo de 30-01-2018 para a prolação de decisão final. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa. 2.Alegações das Partes 2.1. Alegações da Requerente A Requerente alega, em síntese, o seguinte: 1) A correção assenta, fundamentalmente, no entendimento da administração tributária de que o Requerente não cumpriu os requisitos previstos na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, porque o pagamento de 50% da remuneração variável relativa ao período de 2014 que foi diferida foi feito antes de passados três anos após o exercício a que respeita. 2) A norma consagra a possibilidade de excluir de tributação autónoma as remunerações varáveis (i) cujo pagamento seja subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos; e (ii) condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período. 3) De acordo com a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e Tribunal Constitucional (TC), a propósito da retroatividade do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, as tributações autónomas constituem um facto tributário autónomo relativamente ao IRC por incidir sobre a realização de uma despesa; 4) Atendendo à diversidade das tributações autónomas, só com base na occasio e ratio legis é possível apreender o alcance da delimitação negativa do artigo 88.º, n.º 13, al. b) do Código do IRC. 5) A introdução desta norma visou pressionar as empresas, através das tributações autónomas, a optarem pela atribuição regular e periódica de retribuições acessórias aos seus trabalhadores com funções diretivas e administração, em vez de comportamentos de gestão que privilegiem a assunção de riscos a longo prazo em prol de ganhos no curto prazo. 6) Neste sentido, a remuneração variável deve ser repartida ao longo do exercício económico (em regra de 3 a 5 anos), conforme se defende na Recomendação da Comissão, de 30 de abril de 2009, relativa às políticas de remuneração no setor dos serviços financeiro (2009/384/CE) e na Diretiva 2010/76/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa ao acesso à atividade bancária das instituições de crédito e ao seu exercício. 7) Esta política de remunerações foi transposta para o Anexo XI do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, pelo Decreto-Lei n.º 88/2011, de 20 de junho. 8) Assim, a interpretação da expressão “diferimento por um período mínimo de três anos” deve ser interpretada como “repartição por um período mínimo de três anos”. 9) Admitindo-se que o texto da lei permite as duas interpretações, sempre se defende que, sendo as tributações autónomas normas excecionais, deve o interprete adotar aquela que privilegie a subsunção da regra geral ao maior número de situações possíveis, admitindo-se, assim, a interpretação alegada pela Requerente. 2.2. Alegações da Requerida A Requerida alega, em síntese, o seguinte: 1) O que está em causa é um “pormenor” semântico que é o significado de “diferimento” o que se deve fazer atendendo, segundo as regras gerais de interpretação da lei, à letra da lei. 2) Ora, se substituirmos a palavra diferimento por um dos seus significados (adiamento, por exemplo) o sentido da norma é exatamente o alegado pela AT: “adiamento por um período mínimo de três anos”. 3) Se atendermos, por outro lado, aos elementos teleológicos e sistemáticos chegamos a um desfecho similar. 4) De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2010, o objetivo do legislador foi de sujeitar a tributação as tributações autónomas que não estivessem associadas a critérios e objetivos de produtividade e resultados da empresa. 5) Acrescenta ainda que, ainda que a interpretação da Requerente fosse aceite, tal não significaria uma exclusão de tributação porque o pagamento das remunerações, conforme assumido expressamente pela Requerente, não se encontrava condicionado à obtenção de resultados positivos do Banco. 6) Termina referindo que a interpretação normativa da Requerente é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, especificamente do seu corolário de reserva da lei parlamentar, e bem assim por violação do princípio da capacidade contributiva. 3.Matéria de facto i. Factos que se consideram provados Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos: 1) No período de 2014, a Requerente atribuiu ao Vice-Presidente do conselho de administração uma remuneração variável, no valor de € 861.090,39, tendo sido paga metade (€449.000,00) em dinheiro (€ 224.500,00) e € 224.500,00 em ações, retidas até ao final do mandato; 2) A outra metade foi diferida da seguinte forma: € 149.670,00 atribuídos e pagos em 2016 (€ 75.000,00 em dinheiro e 12.097 ações); € 149.670,00 atribuídos e pagos em 2017 (€ 75.000,00 em dinheiro e 12.097 ações) e € 149.670,00 atribuídos e a pagar em 2018 (€ 75.000,00 em dinheiro e 12.097 ações); 3) A remuneração variável não foi sujeita a tributação autónoma pela Requerente na Declaração modelo 22 entregue; 4) Na sequência da ação inspetiva externa realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes relativamente ao exercício de 2014, foi emitida a liquidação de Impostos sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 20178310027625, no montante global de € 2.036.005,21, 5) Nesta liquidação, foi objeto de tributação à taxa de 35%, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), a remuneração variável identificada no ponto 1, originado uma liquidação de IRC em sede de tributação autónoma no montante de € 301.381,64, ora contestada. ii. Factos que se consideram não provados Inexistem. iii. Fundamentação da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 4. Matéria de Direito A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a remuneração variável atribuída em 2014 ao membro do conselho de administração da Requerida beneficia da exclusão da tributação autónoma prevista na 2.ª parte da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, aplicável aos bónus e outras remunerações variáveis. O artigo 88.º n.º 13, al. b) do Código do IRS dispõe que: “São tributados autonomamente, à taxa de 35%: Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações varáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500,00, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.” Começaremos por abordar, em termos genéricos, a problemática das tributações autónomas e os seus fins para, de seguida, respondermos à questão controvertida. 4.1. Natureza jurídica das tributações autónomas O regime das tributações autónomas em vigor é o resultado de numerosas alterações legislativas. A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas. Posteriormente, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC. Desde então, o regime das tributações autónomas tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva, em parte ditado pela aparente intenção contínua de aumentar a receita fiscal por via deste mecanismo. Tendo em conta o artigo 88.º do Código do IRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes. Algumas tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS, como se explica na decisão do tribunal arbitral proferida n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de “(…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”. A finalidade das tributações autónomas é, por isso, dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas ou que mediante determinados comportamentos de incumprimento penalizam e corrigem, até em algumas situações passados vários anos, deduções que foram efetuadas e acabaram por reduzir o rendimento tributável.
Caberá, de seguida, compreender a natureza e sentido da tributação autónoma que incide sobre o encargo relativo a bónus e rendimento variável de gestores, administradores ou gerentes quando ultrapassem certos limiares. 4.2. A tributação autónoma sobre bónus e rendimento variável O n.º 13 do artigo 88.ºdo Código do IRC foi introduzido pela Lei n.º 3-B/2010, de 8 de abril, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2010. De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado, a medida foi justificada nos seguintes termos: “Em conformidade com a política de boas práticas que o Governo tem vindo a estimular junto do sector financeiro e, bem assim, com as orientações mais recentes da CMVM quanto às sociedades cotadas, prevê a presente Proposta de Lei a fixação de uma taxa autónoma de IRC de 35%, aplicável a todos os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a 27 500 euros, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.” Ou seja, o legislador entendeu utilizar a política fiscal para pressionar (ao tributar de forma agravada) as sociedades a adotarem as melhores práticas de governação. Para melhor compreensão, as Recomendações da CMVM sobre governo das sociedades (2010) publicadas à data da publicação da lei eram: II.1.5.1. A remuneração dos membros do órgão de administração deve ser estruturada de forma a permitir o alinhamento dos interesses daqueles com os interesses de longo prazo da sociedade, basear-se em avaliação de desempenho e desincentivar a assunção excessiva de riscos. Para este efeito, as remunerações devem ser estruturadas, nomeadamente, da seguinte forma: (i) A remuneração dos administradores que exerçam funções executivas deve integrar uma componente variável cuja determinação dependa de uma avaliação de desempenho, realizada pelos órgãos competentes da sociedade, de acordo com critérios mensuráveis prédeterminados, que considere o real crescimento da empresa e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a sua sustentabilidade a longo prazo e os riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da empresa. (ii) A componente variável da remuneração deve ser globalmente razoável em relação à componente fixa da remuneração, e devem ser fixados limites máximos para todas as componentes. (iii) Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período. (iv) Os membros do órgão de administração não devem celebrar contratos, quer com a sociedade, quer com terceiros, que tenham por efeito mitigar o risco inerente à variabilidade da remuneração que lhes for fixada pela sociedade. (v) Até ao termo do seu mandato, devem os administradores executivos manter as acções da sociedade a que tenham acedido por força de esquemas de remuneração variável, até ao limite de duas vezes o valor da remuneração total anual, com excepção daquelas que necessitem ser alienadas com vista ao pagamento de impostos resultantes do benefício dessas mesmas acções. (vi) Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, o início do período de exercício deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos. (…)”. Por seu lado, também o artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011, do Banco de Portugal estipula idênticas orientações: “1 - A remuneração dos membros executivos do órgão de administração deve integrar uma componente variável, com fixação de um limite máximo, cuja determinação dependa de uma avaliação do desempenho, realizada pelos órgãos competentes da instituição, de acordo com critérios mensuráveis predeterminados, incluindo critérios não financeiros, que considerem, para além do desempenho individual, o real crescimento da instituição e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a protecção dos interesses dos clientes e dos investidores, a sua sustentabilidade a longo prazo e a extensão dos riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da instituição.
2 - Até ao termo do seu mandato, devem os membros executivos do órgão de administração manter as acções da instituição a que tenham acedido por força de esquemas de remuneração variável, até ao limite mínimo de duas vezes o valor da remuneração total anual, com excepção daquelas que necessitem de ser alienadas com vista ao pagamento de impostos resultantes do benefício dessas mesmas acções. 3 - Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, o início do período de exercício deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.” A presente regulamentação do Banco de Portugal tem na sua génese as Recomendações da Comissão Europeia, de 30 de abril de 2009 (2009/384/CE), relativas às políticas de remuneração no sector dos serviços financeiros. Em comum a todos estes normativos está o objetivo de evitar os efeitos perversos e de curto prazo que uma política de remunerações pode suscitar. Para tal, as componentes variáveis da remuneração devem depender de critérios de desempenho pré-definidos e mensuráveis, numa perspetiva de médio-prazo, para que se possa aferir se foi criado valor de forma sustentada. A componente varável da remuneração é constituída por itens distintos: “bónus anuais (geralmente prémios pecuniários atribuídos em função da obtenção pela sociedade de determinados objetivos), prémios em ações (sendo estas usualmente adquiridas pela sociedade nos termos permitidos pelo regime de aquisição de ações próprias previsto no artigo 317.º) e stock options (opções e subscrição e aquisição de ações)”.[1] Esta distinção das várias componentes da remuneração variável é relevante porque as recomendações ora descritas são distintas para cada tipo de remuneração variável: a remuneração relativa a bónus deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período (Recomendação II.1.5.1, ponto iii) da Recomendação da CMVM (2010)); as ações recebidas como remuneração variável devem obedecer ao mesmo princípio que a remuneração relativa a bónus mas serem mantidas pelos membros do conselho de administração até ao termo do mandato (Recomendação II.1.5.1, ponto v) e n.º 2 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011); o exercício das opções de ações (stock options) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos (Recomendação II.1.5.1, ponto vi) e n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011). Notamos, para devido enquadramento da questão controvertida, que nas várias normas citadas são utilizadas duas expressões distintas: para o bónus e pagamento em ações é defendido o “diferimento por um período não inferior a três anos” e para as stock options impõe-se o “diferimento por um prazo não inferior a três anos”. Na mesma recomendação, o legislador utiliza, para remunerações distintas, expressões distintas, não subsistindo, em termos de coerência sistemática, qualquer dúvida quanto ao sentido de cada uma delas. Há uma intenção de que o exercício da opção de compra de ações só se faça passados três anos, mas permite-se para as demais remunerações variáveis a definição de uma política temporal de pagamento mais flexível. Atento o contexto histórico, a finalidade do artigo 88.º, n.º 13, al. b) não se afasta do sentido e propósito das normas similares dos códigos de boas práticas de governação das sociedades. Segundo o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 197/2016, “No caso da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade, isso porque se excecionam da tributação aquelas situações em que o pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.” 4.3. O cumprimento do requisito “o pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos” Face ao teor literal, o sentido de “diferimento por um período mínimo de três anos” tanto pode significar o diferimento para um termo mínimo de três anos ou o diferimento ao longo de um período de três anos. Assim sendo, há que, nos termos das regras gerais de interpretação, atender à ratio da norma. Conforme já expresso pelo Tribunal Constitucional o objetivo do legislador parece ser a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM. Qualquer uma das interpretações cumpre com o sentido e objetivos das normas. O pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos, cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida. Esta interpretação está também conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades. Conforme supra desenvolvido, não podemos confundir as diretrizes relativas ao pagamento de stock options com as normas relativas a bónus e outras remunerações variáveis: é claro o sentido de diferimento por um “prazo de três anos” para a primeira e o diferimento “por um período mínimo de três anos” para as restantes remunerações. Assim sendo, prevalece a interpretação compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos, mas também com o pagamento após este período porque o que se definiu foi o período mínimo de diferimento obrigatório (pode, por exemplo, o pagamento ser diferido para o final de quatro anos ou de forma parcelar no 4.º, 5.º e 6.º anos). Em qualquer das situações, a exclusão de tributação autónoma depende também do desempenho positivo da entidade durante todo o período de diferimento definido. Não vislumbramos, por fim, em que sentido esta interpretação viola, como entende a Requerida, o princípio da legalidade, especificamente do seu corolário de reserva de lei parlamentar, atendendo a que a norma foi aprovada pela Assembleia da República. No que diz respeito ao princípio da capacidade contributiva e igualdade, cabe citar o Tribunal Constitucional que, relativamente a esta disposição específica diz: Por identidade de razão, as disposições impugnadas não põem em causa o princípio da capacidade contributiva. Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que «a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto». E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada). Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa. A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas. A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios A Requerente pede ainda que a AT seja condenada a reembolsá-la das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT. Esta mesma questão já foi suscitada em diversos processos anteriores em que se analisa matéria em tudo idêntica à dos autos, entre os quais o Processo 303/2015-T do CAAD, onde se escreveu o que ora, com a devida vénia, se transcreve: “De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão». Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea». Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é pressuposto da existência daqueles juros.” Na sequência da ilegalidade do ato de liquidação de IRC objeto do presente processo, dúvidas não subsistem que a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá proceder, não só à restituição dos montantes indevidamente pagos pela Requerente, dando cumprimento ao imperativo do artigo 100.º da LGT supra citado, bem como ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios que são devidos desde as datas em que os pagamentos foram efetuados pela Requerente até à data em que venha a ocorrer o respetivo reembolso. 6. Decisão Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este tribunal arbitral decide julgar totalmente procedentes os pedidos principais da Requerente e, em consequência: - declarar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 20178310027625, respeitante ao exercício de 2014, na parte relativa à tributação autónoma sobre remunerações variáveis, no valor de € 301.381,64, - condenar a Requerida a reembolsar a Requerente no montante de € 301.381,64, referente à tributação autónoma paga e, ainda, a pagar-lhe juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao momento em que vier a ocorrer o reembolso dos valores correspondentes às tributações autónomas.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no processo n.º 363/2017-T, que julgou procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2014, na parte relativa à tributação autónoma sobre remunerações variáveis no valor de €301.381,64. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão impugnada padece de nulidade por omissão de pronúncia. Apreciando. Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram: “a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b-Oposição dos fundamentos com a decisão; c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia; d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 (1-Relativamente à enumeração taxativa do artigo 28.º do RJAT, vide designadamente, os seguintes Acórdãos do TCA Sul 19/2/2013, processo nº 5203/11; 21/5/2013, processo 5922/12 e 29/6/2016, proc.9420/16; Vide, igualmente, Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seguintes..)” Preceitua, neste particular, o artigo 125.º, nº1, do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal. Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC. Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (2-Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Vejamos, então, se assiste razão à Impugnante. A Impugnante propugna que a decisão arbitral sub judice padece de nulidade, na medida em que Tribunal Arbitral incorreu em omissão de pronúncia por não ter conhecido de questão essencial sobre a qual se deveria ter pronunciado, e que não resultava prejudicada. Densifica, para o efeito, que foram colocadas duas questões de direito, relacionadas com a exclusão de incidência de taxa de tributação autónoma, donde com os próprios requisitos constantes no artigo 88.º, n.º 13, alínea b), segunda parte do CIRC, que identifica como dois e de natureza cumulativa. Neste âmbito, evidencia que a primeira questão se prende com a interpretação jurídica a atribuir à expressão “por um período mínimo de três anos”, isso quando o pagamento do bónus ou da remuneração variável “estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 %”, e uma segunda questão concatenada com o segundo requisito da aludida delimitação negativa, concretamente com a verificação do efetivo “desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”. Concluindo, assim, que o Acórdão Arbitral apenas se pronunciou expressamente sobre aquela primeira questão, nada tendo dito quanto à segunda questão, reiterando, no entanto, que os aludidos pressupostos assumem natureza cumulativa. Dissente a Impugnada, relevando para o efeito que a decisão visada não padece de qualquer omissão de pronúncia, tendo sido analisada a questão colocada e de acordo com os pressupostos que eram, efetivamente, controvertidos à luz da fundamentação contemporânea do ato, concretamente do Relatório de Inspeção Tributária. Advoga, neste âmbito, que a AT apenas não concorda com o diferimento do pagamento do prémio efetuado pelo Banco, nunca tendo colocado em crise o concreto desempenho positivo, razão pela qual não competia ao tribunal essa análise. Adensando, in fine, que se o fizesse incorria isso sim em excesso de pronúncia. Vejamos, então. Com efeito, perscrutada o teor da petição inicial verifica-se que a mesma começa por estabelecer o âmbito objetivo, convocar a fundamentação contemporânea do ato, para depois enunciar o quadro normativo aplicável, concretamente o citado artigo 88.º, explicitando, desde logo, que a dissonância se prende apenas com a interpretação a conferir ao diferimento do pagamento de pelo menos 50% da remuneração variável pelo período de três anos, na medida em que é não controvertida a subordinação da remuneração variável ao desempenho positivo da sociedade. Discorre, para o efeito, sobre a natureza das tributações autónomas, respetiva sucessão de regimes legais, ratio legis, e com a competente enumeração de Jurisprudência, e de Doutrina, para depois concluir que as tributações autónomas constituem um imposto distinto do IRC, cujo facto tributário é a realização de despesas. Após dilucidar sobre o erro interpretativo incorrido pela AT quanto diferimento do pagamento de pelo menos 50% da remuneração variável pelo período de três anos, particularmente, nos artigos 39.º a 48.º, desfecha que da “legislação respeitante às regras de boa governança societária que o pagamento das remunerações variáveis deve ser repartido ao longo do período de diferimento conquanto a sociedade apresente resultados persistentemente positivos, período esse que deverá ser de três a cinco anos, encontrando-se este mesmo objetivo subjacente às tributações autónomas sub judice.” Conclui, no sentido, de que a correção padece de ilegalidade, convocando, ainda, em abono da sua posição e como reforço argumentativo e, à cautela, que a mesma configura uma norma anti abuso, donde teria de ser interpretada restritivamente. Peticiona, in fine, com o pedido de reembolso e o reconhecimento de juros indemnizatórios. Daqui se retira, portanto, que a questão decidenda se coadunava com a apreciação da legalidade da correção e inerente exclusão de tributação, por subsunção normativa, na 2.ª parte da alínea b), do n.º 13, do artigo 88.º do Código do IRC. E a verdade é que o Acórdão Arbitral em análise, após elaborar o relatório da decisão e estruturar a matéria de facto, e a motivação inerente à sua fixação, enuncia como questão decidenda a que infra se transcreve: “A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a remuneração variável atribuída em 2014 ao membro do conselho de administração da Requerida beneficia da exclusão da tributação autónoma prevista na 2.ª parte da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, aplicável aos bónus e outras remunerações variáveis.” Sendo que não se vislumbra qualquer erro na sua fixação, mormente, o identificado pela Impugnante, na medida em que nos encontramos apenas perante uma única questão jurídica, a qual consiste em aferir da legalidade da correção realizada pela AT, concretamente se a mesma padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito porquanto a remuneração variável atribuída em 2014, ao membro do Conselho de Administração da Impugnada beneficia da exclusão de tributação autónoma prevista na segunda parte, da alínea b), do nº 13 do artigo 88.º do CIRC. É certo que este Tribunal está ciente que as questões a apreciar pelo Tribunal abrangem todas as que são colocadas pelas partes, incluindo, naturalmente, as questões suscitadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, configurem elas, defesa por impugnação, ou defesa por exceção (3-Vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 36/17.2BCLSB, de 19.12.2023 e 60/17.5 BCLSB, de 17.01.2019.), e é, igualmente, certo que na sua resposta a Impugnante, mormente, no ponto 43, evidencia que “mas também neste hipótese-ainda que fosse esta, que não é, a real redacção da norma, por que se está perante dois requisitos cumulativos, agregados pela conjunção copulativa “e”, a Requerente não estaria excluída de tributação.” Sucede, porém, que inversamente ao propugnado pela Impugnante a falta de apreciação e concreta densificação de um dos requisitos constantes na lei, ou a concreta desconsideração da natureza cumulativa dos mesmos, não configura omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento. In casu e inexiste qualquer omissão de pronúncia nos moldes propugnados pela Impugnante, porquanto, como visto, só existe omissão de pronúncia quando não é analisada uma concreta questão jurídica e não quando a apreciação jurídica dessa questão possa ter sido deficitária e redutoramente analisada, mormente, quanto ao seu âmbito objetivo. A questão decidenda está bem enunciada, sendo que se foi bem analisada, ou seja, se o Tribunal Arbitral analisou adequada e acertadamente o âmbito objetivo e a concreta natureza dos pressupostos legais nele constantes, mormente, por, alegadamente, contemplarem uma natureza cumulativa, que não alternativa, em nada configura omissão de pronúncia. De todo o modo, sempre se dirá que mediante leitura do Acórdão em questão se infere que o Tribunal Arbitral terá anuído com a alegada falta de controvérsia na fundamentação contemporânea do ato, na medida em que após convocar a problemática das tributações autónomas, sua natureza, âmbito objetivo e ratio legis, estrutura um item perfeitamente autonomizado e epigrafado de “o cumprimento do requisito “o pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos”. Desfechando, depois, que “[p]revalece a interpretação compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos, mas também com o pagamento após este período porque o que se definiu foi o período mínimo de diferimento obrigatório (pode, por exemplo, o pagamento ser diferido para o final de quatro anos ou de forma parcelar no 4.º, 5.º e 6.º anos). Em qualquer das situações, a exclusão de tributação autónoma depende também do desempenho positivo da entidade durante todo o período de diferimento definido.” (destaque nosso). Concluindo, depois, pela integral procedência, permitindo, portanto, inferir que o seu juízo de entendimento, -independentemente da bondade dessa asserção, que não compete, ora, analisar-foi no sentido de validar a posição da Impugnante, e perfeitamente identificada na sua petição inicial, ou seja, que apenas um dos pressupostos legais é controvertido. Destarte, inexiste qualquer omissão de pronúncia, podendo, quando muito, existir um erro de julgamento, o qual, como é consabido, está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra (4-cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão TCA, proferido no processo nº 8224/14, de , 23/4/2015;; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.). Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 1619/10, de 27 de novembro de 2019: “Inexiste omissão de pronúncia quando a sentença responda a todas as questões de fundo que tenham sido formuladas na impugnação.” Tal não sucede, como visto, no caso vertente, o que sucede, efetivamente, é que a ora Impugnante discorda dos termos em que tal apreciação (e decisão) foi feita e, nessa medida, pretende a sua alteração. Tal pretensão, contudo, pelas razões explanadas anteriormente, não pode acolher-se por extravasar, em muito, o âmbito da impugnação da decisão arbitral, pois a interpretação e aplicação do direito que foi feita na decisão arbitral, escapa, de todo, aos poderes cassatórios legalmente atribuídos a este Tribunal. Uma última nota para relevar que, não obstante a Impugnante faça uma alusão ao princípio do contraditório, a verdade é que nada substancia para efeitos de violação do aludido princípio, comportando, assim, uma alegação genérica e conclusiva, não carecendo, por isso, de qualquer considerando atinente ao efeito. Assim, tudo visto e ponderado, improcede na íntegra a presente impugnação. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO. Condena-se a Impugnante em custas. Registe. Notifique. Lisboa, 24 de outubro de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Tânia Meireles da Cunha) (Isabel Silva) |