Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20/22.4BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:ARBITRAGEM DESPORTIVA
PADEL
TÍTULO DE CAMPEONATO NACIONAL
Sumário:I - De acordo com o disposto no Despacho nº 1701/2014, do Secretário de Estado do Desporto e Juventude, de 4 de Fevereiro, Padel é uma modalidade desportiva individual;
II - Por força das respectivas regras de jogo Padel é sempre praticado em par ou dupla;
III - O artigo 62º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro, prevê: “1 - As competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais, disputam-se em território nacional. // 2 - As competições referidas no número anterior são disputadas por clubes ou sociedades desportivas com sede no território nacional, só podendo, no caso de modalidades individuais, ser atribuídos títulos a cidadãos nacionais.”;
IV - Sendo a nacionalidade do praticante critério relevante para o objectivo a prosseguir com a prova desportiva do Campeonato Nacional de Padel, estando prevista essa condição na lei e nos regulamentos, geral e da prova, da Recorrente/Federação Portuguesa de Padel, é admissível entender, tal como resulta do alegado no recurso, que esse critério é enquadrável no disposto na parte final do nº 2 do artigo 15º da CRP;
V - As normas do TFUE, referentes à liberdade de circulação dos cidadãos europeus e à proibição da discriminação em função da nacionalidade, não se impõem no direito interno de forma absoluta, admitindo restrições quando se encontrem justificadas através de um objectivo legítimo e com observância do princípio da proporcionalidade;
VI - A interpretação do disposto no nº 2 do artigo 62º do RJFD ao abrigo do nº 1 do artigo 15º da CRP e da legislação comunitária, implica considerar que se pode participar na prova, tal como um cidadão nacional, o recorrido, enquanto cidadão espanhol residente e jogador praticante de Padel, em situação regular perante a Recorrente, tem o mesmo direito que um cidadão nacional a receber o título de campeão;
VII - A decisão adoptada, de permitir que um estrangeiro, cidadão da União Europeia, se inscreva, pague a taxa correspondente, seja admitido a jogar em dupla, jogue e ganhe, seguida de outra decisão que atribua o título de campeão nacional ao par vencido, consubstancia uma discriminação, um desfavorecimento em função de um critério que não lhe foi exigido ou imposto para poder participar e falseia a verdade desportiva, por atribuir o título à dupla que, no campo, não ganhou a prova do Campeonato Nacional.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Federação Portuguesa de Padel, devidamente identificada como demandada na acção arbitral, a que corresponde o processo nº 32/2020, instaurada por D... e A..., também contra M..., V..., J... e D..., na qualidade de contra-interessados, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto, em 18.10.2021, que julgou, por maioria, nos termos e fundamentos supra expostos, procedente o recurso, e, em consequência, decidiu revogar o acórdão do Conselho de Justiça da Demandada, proferido no âmbito do processo N.º 1/2020, que não deu provimento ao recurso de anulação da decisão da Direcção da Federação Portuguesa de Padel de atribuir o título de campeão nacional de Padel do ano de 2019 aos atletas M...e V... e, em consequência, atribuir individualmente o título de campeão nacional de Padel de 2019 aos Demandantes A... e D....
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1º. A Federação Portuguesa de Padel é uma federação desportiva, dotada de utilidade pública desportiva, sujeita ao Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), aprovado pelo Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro, e alterado pelo Decreto-Lei nº 93/2014, de 23 de Junho.
2º. O artigo 62º, nº 2 do RJFD estabelece que “as competições referidas no número anterior (leia-se, competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais) são disputadas por clubes ou sociedades desportivas com sede no território nacional, só podendo, no caso de modalidades individuais, ser atribuídos títulos a cidadão nacionais”.
3º. Por força do disposto no Despacho nº 1710/2014, de 15 de Janeiro, publicado em 4 de Fevereiro de 2014, que define como modalidades desportivas colectivas o andebol, o basquetebol, o corfebol, o futebol, o hóquei, a patinagem, o rugby e o voleibol, sendo individuais todas as restantes, a modalidade desportiva de Padel é, por definição legal, uma modalidade individual.
4º. Ainda por força do mesmo diploma legal, apesar de ser obrigatoriamente praticada em pares ou duplas (não há vertente de singulares, como no ténis ou ténis de mesa, por exemplo), conforme as suas regras de jogo, estas também não permitem a substituição dos respectivos praticantes desportivos no decurso da prestação desportiva, pelo que, a modalidade de Padel não pode ser sequer equiparada a uma modalidade desportiva colectiva.
Assim,
5º. Para todos os efeitos legais, conforme é também o entendimento do Instituto Português do Desporto e da Juventude, manifestado no seu parecer de 2 de Março de 2020, que se encontra junto aos autos, o Padel é uma modalidade desportiva individual.
Em conclusão,
6º. Sendo o Padel uma modalidade desportiva individual, a Recorrente só pode atribuir títulos nacionais a cidadãos nacionais.
Por conseguinte,
7º. O Campeonato Nacional de Padel, referente à época desportiva de 2019, foi uma prova organizada pela Recorrente, entre 30 de Setembro e 6 de Outubro desse ano, tendo aquela emitido, no dia 26 de Agosto de 2019, o seguinte comunicado:
“Em virtude de nos ter sido colocada a questão por um filiado estrangeiro residente e depois de consultadas as entidades competentes bem como os serviços jurídicos da FPP, vimos esclarecer que a legislação da Comunidade Europeia determina que os cidadãos Europeus residentes em Portugal usufruem dos mesmos direitos de participação em provas que os portugueses, e por conseguinte podem participar nos campeonatos nacionais, embora o título de campeão nacional seja atribuído exclusivamente a cidadãos portugueses.
Assim sendo, informa esta federação que terá que alterar os seus regulamentos de forma a dar cumprimento ao estipulado na lei, e, por conseguinte, os residentes em Portugal de um país comunitário, poderão participar nos campeonatos nacionais.
O título de Campeão Nacional será atribuído ao par 100% português melhor classificado na prova. Em caso de empate poderá ter que ser jogado um encontro para atribuir o título de Campeão Nacional.”
8º. Os ora recorridos A…, de nacionalidade espanhola, mas residente em Portugal, e D..., de nacionalidade portuguesa, participaram na prova e constituíram a dupla vencedora da mesma, tendo recebido o respectivo troféu e sendo-lhes atribuídos os pontos correspondentes à prova para a classificação nacional individual (“ranking”), conforme previsto no Regulamento Geral da FPP.
9º. Conforme o disposto na legislação portuguesa, na regulamentação da Recorrente e no comunicado previamente emitido, e que acima se transcreveu, o título de campeão nacional foi atribuído ao par composto pelos contra-interessados M...e V..., uma vez que foi o par 100% português melhor classificado na prova.
10º. Ao abrigo da legislação comunitária, e, em particular, dos 18º, 21º e 165º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), invocados pela decisão recorrida, os cidadãos da União Europeia gozam do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros da União Europeia, sendo proibida toda e qualquer descriminação em razão da nacionalidade, tendo em vista, no que diz respeito à área do desporto, o desenvolvimento da dimensão europeia do desporto, promovendo, entre outras, a equidade e a abertura nas competições desportivas.
11º. Por força precisamente deste contexto, e ao contrário dos desnecessários juízos de valor deduzidos pela decisão recorrida, a Recorrente permitiu, e permite, para além dos cidadãos de nacionalidade portuguesa, a participação dos cidadãos nacionais de Estados-Membros da União Europeia, que residam legalmente em Portugal, em todas as competições desportivas que compõem o seu calendário oficial, incluindo os Campeonatos Nacionais de Padel, integrando-os, inclusive, na sua classificação nacional individual (“ranking”).
12º. Em particular, a Recorrente nunca coarctou a possibilidade de um cidadão de outro Estado-membro da União Europeia, como é o caso do recorrido A..., legalmente residente em Portugal, de exercer livremente a sua actividade desportiva e profissional, nem de participar em competições oficiais, podendo obter os respectivos resultados desportivos, comerciais e financeiros e ser incluído na classificação nacional individual da Recorrente.
Contudo,
13º. Os referidos princípios da União Europeia são fundamentais, mas não são absolutos, uma vez que, como reconhece a decisão recorrida, os mesmos podem sofrer compressões ou restrições, desde que baseadas em critérios pré-determinados, equitativos, adequados e proporcionais, sempre na justa medida do estritamente necessário.
14º. O próprio artigo 15º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa admite excepções ao princípio da igualdade entre cidadãos portugueses e estrangeiros, precisamente quando a lei reserva direitos exclusivamente aos cidadãos portugueses, como acontece com o citado artigo 62º, nº 2 do RJFD, ou no caso do disposto no artigo 63º do RJFD, que reserva também a cidadãos nacionais a participação em selecções nacionais
15º. Como bem sustenta a declaração e voto vencido da decisão recorrida, o campeonato nacional é uma prova pontual, realizada num curto espaço temporal, com a característica especifica de apurar o melhor clube ou os melhores atletas portugueses de uma modalidade, ou, neste caso concreto, para apurar a melhor dupla portuguesa de Padel naquela época, não podendo por isso ser atribuído esse título a um cidadão de nacionalidade espanhola.
16º. Por estarmos perante uma modalidade individual, para todos os efeitos legais, mas que é jogada exclusivamente por pares ou duplas, qualquer titulo, à semelhança de qualquer vitória num encontro de Padel, tem que ser necessariamente atribuído a uma dupla, não podendo nunca ser atribuído apenas a um membro dessa dupla, pois, apesar da potencial conflitualidade dos termos, os títulos apenas podem ser atribuídos individualmente a duplas, como é, aliás, configurado o pedido dos Recorridos, no seu requerimento inicial de procedimento de arbitragem necessária, junto do Tribunal recorrido.
Por outro lado,
17º. O acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia “TopFit, Danielle Biffi v Deutscher Leichtathletikverband eV”, proferido em 13 Junho de 2019, citado pelos Recorridos e invocado pela decisão recorrida, é proferido num contexto factual diferente daquele que está apreço nos presentes autos, uma vez que, neste caso, ao contrário daquele, os Recorridos participaram na prova em causa como dupla, a título pessoal, e não em representação de um clube ou associação desportiva, assim como não foi recusada a sua participação na prova por não terem nacionalidade portuguesa, nem participaram na mesma “à margem” ou “sem classificação”, mas sim com plenos direitos desportivos, apenas com a excepção, previamente conhecida, de não lhes poder ser atribuído o titulo de par campeão nacional de Padel.
Na verdade,
18º. Ainda assim, resulta inequívoco da citada jurisprudência do TJUE o entendimento de que, “uma vez que a atribuição do título de campeão nacional numa certa modalidade desportiva não abrange todas as competições que decorrem ao nível nacional nessa modalidade, esta atribuição tem um efeito limitado na prática da modalidade desportiva em causa”.
19º. E, de forma ainda mais categórica, conclui que “à semelhança do que foi decidido a respeito da composição das equipas nacionais, afigura-se legítimo reservar a atribuição do título de campeão nacional numa certa modalidade desportiva a um nacional, dado que este elemento relativo à nacionalidade pode ser considerado uma característica própria do título de campeão nacional“.
Por último,
20º. O estudo denominado “Study on Equal Treatment of Non-Nationals in Individual Competitions” (Estudo sobre a Igualdade de Tratamento de Não Nacionais em Competições Individuais), igualmente invocado pelos Recorridos e, consequentemente, referenciado na decisão recorrida, apresenta a seguinte importante, mas ignorada, conclusão sobre a situação aplicável ao caso em apreço nos presentes autos, ou seja, a exclusão de atribuição de títulos nacionais a cidadão não nacionais: “parece provável que a elegibilidade exclusiva dos nacionais para o título nacional possa ser aceite, ao abrigo da segunda categoria do quadro geral, como inerente e necessária na selecção e coroação dos melhores nacionais e, por conseguinte, não constitui uma infracção ao direito da UE”.
Em suma,
21º. Ao contrário do que entende a decisão recorrida, a restrição de não permitir a atribuição do título de campeão nacional de Padel a um par que não fosse constituído por dois atletas de nacionalidade portuguesa, foi implementada pela Recorrente seguindo um critério:
a) “pré-determinado”, pois, o mesmo foi comunicado a todos os atletas que pretendessem participar na prova, com a devida antecedência em relação à mesma, e mesmo antes de concluídas as respectivas inscrições;
b) “equitativo”, uma vez que, era válido para todos os participantes na prova;
c) “adequado” e “justificado”, por resultar do disposto na lei portuguesa;
d) “proporcional”, tendo em conta que se trata apenas de uma prova, incluída num vasto calendário oficial de provas, disputada num curto espaço de tempo de uma época desportiva;
e) “na medida do estritamente necessário”, uma vez que os Recorridos puderam participar na prova, não lhes foi vedado alcançar qualquer fase da prova, puderam inclusive vencê-la, e, consequentemente, foram anunciados como vencedores, receberam o respectivo troféu e amealharam os pontos correspondentes à categoria da prova para efeitos de “ranking” nacional, ficando apenas inibidos de serem consagrados como o par campeão nacional de Padel.
Por fim,
22º. Não há distorção da verdade desportiva, porquanto, o critério de atribuição do titulo nacional à dupla 100% portuguesa melhor classificada na prova foi dado a conhecer com a devida antecedência, não houve mudança das regras do jogo a meio da prova, e, podendo ser discutido se o critério foi ou não o melhor para alcançar o objectivo legitimo de apurar a melhor dupla portuguesa, esse não é o objecto do presente litígio, mas apenas se o titulo de campeão nacional tinha que ser atribuído ou não ao par composto pelos Recorridos.».
Requerendo,
«Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão arbitral recorrida, substituindo-a por outra que confirme a deliberação inicial da Direcção da Recorrente e posteriormente confirmada pelo Conselho de Justiça da Recorrente, atribuindo o título de Campeão Nacional de Padel ao par composto pelos atletas, e contra-interessados nos autos, M...e V... – com todas as consequências legais.
Em consequência, deve a Recorrente ser absolvida da condenação em custas e revogada a conta final das mesmas formulada pelo tribunal recorrido, devendo ser ordenada a restituição à Recorrente de todos os montantes pagos por esta.».

Notificados para o efeito, os Recorridos D... e A... contra-alegaram, formulando as seguintes:
«III. CONCLUSÕES
93. De acordo com a legislação aplicável, tal como foi afirmado diversas vezes pela Recorrente e confirmado pela decisão arbitral, o Padel é, por definição legal, uma modalidade individual. No entanto, decorre igualmente da legislação aplicável que o Padel, apesar de ser uma modalidade individual, é obrigatoriamente jogada por duplas onde não é permitida a substituição das mesmas a meio do torneio.
94. Na verdade, de acordo com os regulamentos aplicáveis ao presente litígio, a natureza individual (ainda que jogada em duplas) do Padel vem também confirmada pela caracterização formal e material da modalidade, sendo que (i) a filiação perante a Federação Portuguesa de Padel é feita de forma individual, (ii) a inscrição em provas é efetuada de forma individual, (iii) o resultado da participação em provas é atribuído de forma individual, (iv) o ranking considera os jogadores individualmente, e finalmente, (v) a representação nacional é efetuada de forma individual.
95. Assim, a análise da questão suscitada nos presentes autos, bem como a análise aos elementos referidos na decisão arbitral, não se subsume de maneira alguma à atribuição do título de campeão nacional a uma determinada dupla (neste caso composta pelos atletas V... e Miguel Oliveira) como pretende a Recorrente, mas sim, pelo contrário, a atribuição do título de campeão nacional a dois atletas individualmente considerados, neste caso o atleta D... e o atleta A....
96. Porém, apesar da clareza da questão acima suscitada, insiste a Recorrente em afirmar no seu Recurso de Apelação que, “sendo o Padel uma modalidade desportiva individual, a Recorrente só pode atribuir títulos nacionais a cidadãos nacionais”, sem, contudo, apresentar razões legais plausíveis para o efeito, e numa clara violação aos princípios enunciados nos parágrafos 45 e seguintes do presente articulado.
97. Também aqui peca o voto vencido que serve de suporte ao Recurso de Apelação da Recorrente, na medida em que num primeiro momento, admite e caracteriza o Padel como modalidade individual, mas depois, como que por magia e utilizando uma linha de raciocínio totalmente contraditória, conclui afirmando que a nenhum dos atletas pode ser atribuído o título de campeão nacional individualmente.
98. Ao abrigo da legislação comunitária, e, em particular, dos artigos 18º, 21º e 165º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), não só invocados pela decisão recorrida mas também no presente articulado, os cidadãos da União Europeia gozam do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros da União Europeia, sendo proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, tendo em vista, no que diz respeito à área do desporto, o desenvolvimento da dimensão europeia do desporto.
99. Com efeito, entendem os Recorridos que, seguindo o entendimento legal e respeitando integralmente os princípios basilares de direito, bem como as normas da União Europeia, só duas hipóteses podem ser configuradas: ou (i) o título é atribuído a cada um dos jogadores que configurou a dupla que ganhou todos os jogos e que foi validamente admitida a competir pela Recorrente (i.e. D... /A...); ou (ii) tendo ganho uma dupla em que, por alguma razão, um dos jogadores não pode obter o título de campeão nacional, apenas beneficia desse mesmo título de campeão o outro atleta que compõe a dupla e que cumpre todos os requisitos legais (i.e. D...).
100. Pelo amplamente explicado neste articulado, entende-se que o Recorrido A... cumpre todos os requisitos legais para participar (que efetivamente o fez sem qualquer tipo de constrangimentos colocados pela Recorrente) e para ganhar o campeonato nacional de Padel no ano de 2019 (que efetivamente também o fez, por mérito desportivo juntamente com a sua dupla D...). Não obstante, dada a ilegal e discriminatória regra imposta pela Federação Portuguesa de Padel, o devido reconhecimento pelo mérito desportivo alcançado com a sua dupla nesse torneio, nunca lhe foi atribuído.
101. Assim, admitidos a competir pela Recorrente os atletas D... e A..., que, em dupla, venceram todos os jogos e a final do torneio de campeonato nacional em que participaram, deve ser-lhes concedido e reconhecido o título de campeão nacional, sob pena de uma inaceitável distorção da verdade desportiva, amplamente defendida pela decisão recorrida.
102. Por último, ainda que assim não se entenda e por todos os motivos contidos neste articulado, -unicamente apenas no caso de não se considerar que ao cidadão estrangeiro A... não lhe pode ser atribuído o titulo de campeão nacional-, não existe qualquer razão legal juridicamente justificada para que não tenha sido atribuído, pelo menos, o título de campeão nacional de Padel de 2019 ao atleta D... ora Recorrido, visto que o mesmo cumpre todos os requisitos legais (admissão, inscrição, participação e resultados) impostos para a atribuição desse título.
103. Em suma, a discussão da atribuição do título de campeão nacional de padel do ano de 2019 tem que se centrar à volta dos atletas que configuraram a dupla vencedora: Antonio Luque e D.... Este é a base para a discussão e para a tomada da decisão final. Todos estamos de acordo de que a dupla finalista não pode ser tida em conta para a equação relacionada com a atribuição do título de campão nacional.
104. Ou seja, ou o título é atribuído a ambos os atletas D... e A…, tal como defendido pelos Recorridos e corretamente considerado pelo TAD ou, no limite, ao atleta D..., se se considerar que, não obstante as normas europeias aplicáveis, existe um bem maior digno de protecção (que como já se referiu não se aceita, por não haver sustentação legal, mas que se indica aqui para efeitos de patrocinio) que preclude que o atleta Antonio Luque, além de ser considerado vencedor do referido torneio, com todos os benefícios associados (prémios materiais e pontos), também possa receber o referido título de campeão nacional.».
Requerendo,
«NESTES TERMOS E NOS DEMAIS APLICÁVEIS, DEVE O RECURSO DE APELAÇÃO APRESENTADO PELA RECORRENTE SER JULGADO IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA NA ÍNTEGRA, INCLUINDO A CONDENAÇÃO EM CUSTAS DA ORA RECORRENTE CONSTANTE DA CONTA FINAL FORMULADAS PELO TRIBUNAL ARBITRAL DE DESPORTO.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Comum do Contencioso Administrativo para julgamento.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a decisão arbitral recorrida incorreu em erros de julgamento ao julgar procedente a acção e considerar os Recorridos D... e A... como o par campeão nacional de Padel.

O acórdão recorrido considerou provada a factualidade dada como provada na decisão recorrida [o Acórdão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Padel, proferido no âmbito do processo N.º 1/2020]:

«1 – No dia 26 de Agosto de 2019, a Federação Portuguesa de Padel emitiu o seguinte comunicado: “Em virtude de nos ter sido colocada a questão por um filiado estrangeiro residente e depois de consultadas as entidades competentes bem como os serviços jurídicos da FPP, vimos esclarecer que a legislação da Comunidade Europeia determina que os cidadãos Europeus residentes em Portugal usufruem dos mesmos direitos de participação em provas que os portugueses, e por conseguinte podem participar nos campeonatos nacionais, embora o título de campeão nacional seja atribuído exclusivamente a cidadãos portugueses. Assim sendo, informa esta federação que terá que alterar os seus regulamentos de forma a dar cumprimento ao estipulado na lei, e, por conseguinte, os residentes em Portugal de um país comunitário, poderão participar nos campeonatos nacionais. O título de Campeão Nacional será atribuído ao par 100% português melhor classificado na prova. Em caso de empate poderá ter que ser jogado um encontro para atribuir o título de Campeão Nacional.”

2 – O Campeonato nacional de Padel do ano de 2019 decorreu nos dias 30 de Setembro a 6 de Outubro de 2019, no Lisboa Racket Centre, em Lisboa.

3 - O Recorrente D..., filiado na FPP como jogador, com a licença de 2019 válida, procedeu à sua inscrição na referida prova, tendo esta sido aceite.

4 – Escolheu para seu par o Recorrente A..., de nacionalidade espanhola, mas residente em Portugal, filiado na FPP como jogador, com a licença de 2019 válida.

5 - A escolha de par foi aceite pela Federação Portuguesa de Padel.

6 – O Recorrente A... confirmou a participação na prova e ambos os Recorrentes efetuaram o pagamento da taxa de inscrição na prova.

7 – Tendo os respetivos pagamentos sido corretamente efetuados, a inscrição dos Recorrentes no Campeonato Nacional de Padel foi considerada válida.

8 – Os Recorrentes venceram todos os jogos do Campeonato Nacional de Padel, que se realizou no dia 06 de Outubro de 2019, incluindo a final jogada contra a dupla O…/… .

9 – Após a conclusão da final, os Recorrentes foram declarados vencedores do torneio, não tendo, porém, sido anunciada uma dupla Campeã Nacional.

10 – A Federação Portuguesa de Padel anunciou que iria reunir no dia 08 de Outubro de 2019 para decidir a atribuição do título de campeão nacional.

11 – No dia 11 de Outubro de 2019, a Direcção da Federação portuguesa de Padel emitiu um comunicado com o seguinte teor: “M...e V... Campeões Nacionais Absolutos em masculinos, e J… e D... Vice-Campeões. Conforme comunicado emitido no passado dia 26 de Agosto do corrente ano, e em virtude da legislação assim o obrigar, passou a ser possível que residentes comunitários possam inscrever-se nos Campeonatos Nacionais. Independentemente de estar ou não de acordo, esta federação acata o estabelecido pela lei no cumprimento estrito do seu estatuto de utilidade pública – apesar dos regulamentos da FPP dizerem o contrário e terem de ser alterados para darem cumprimento à mencionada legislação. Diz a lei que os títulos nacionais só podem ser atribuídos a cidadãos portugueses conforme decreta o Regime Jurídico das Federações Desportivas que transcrevemos:
Artigo 62.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas:
1 – As competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais, disputam-se em território nacional.
2 – As competições referidas no número anterior são disputadas por clubes ou sociedades desportivas com sede no território nacional, só podendo, no caso de modalidades individuais, ser atribuídos títulos a cidadãos nacionais.
A modalidade do Padel, e de acordo com a legislação vigente é considerada modalidade individual conforme decreta o despacho n.º 1701/2014, que transcrevemos:
Assim, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, determino:
1 – São modalidades desportivas coletivas o andebol, o basquetebol, o corfebol, o futebol, o hóquei, a patinagem, o rugby e o voleibol.
2 – São modalidades desportivas individuais todas as restantes.
Assim compete às Federações definir os critérios para atribuir os títulos nacionais, desde que estes cumpram com o estipulado pela lei.
Decidiu esta federação, por a 28 de Agosto já ter publicado o critério que o título seria atribuído ao par que chegasse mais longe na competição, declarar Campeões Nacionais Absolutos em Masculinos o par constituído pelos atletas M...e V..., e declarar Vice-Campeões Nacionais Absolutos em Masculinos os atletas João Bastos e Diogo Sachaefer.”

O acórdão recorrido o TAD, considerando que a decisão a decidir se prende com a (i)legalidade da regra imposta pela aqui Recorrente de que nos Campeonatos Nacionais apenas pode ser atribuído o título de campeões nacionais ao par 100% português melhor classificado na prova, fundamentou a sua posição de que tal regra é discriminatória, em face da legislação nacional e da União Europeia, porquanto (e designadamente):
«Em face da legislação nacional, a Demandada é uma federação uni desportiva, exclusivamente competente para organizar e tutelar no território português as competições de Padel, desenvolvendo as suas atividades e as suas competências em todo o território nacional, que tem por objeto:
a) […]
As atividades da Demandada encontram-se estabelecidas na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro (doravante a “LBAFD”), que estabelece as bases das políticas de desenvolvimento da atividade física e do desporto.
O Art.º 14.º da LBAFD estipula que “As federações desportivas são, para efeitos da presente lei, pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade, preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Se proponham, nos termos dos respetivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos gerais: i) Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou de um conjunto de modalidades afins ou associadas; ii) […]”
O n.º 1 do art.º 16.º da LBAFD, relativamente aos Direitos desportivos exclusivos, determina o seguinte: “1 – Os títulos desportivos, de nível nacional ou regional, são conferidos pelas federações desportivas e só estas podem organizar seleções nacionais.».
Nesse sentido, estipula o artigo 58.º n.º 1 alínea a) do Regime Jurídico das Federações Desportivas que as competições organizadas com vista à atribuição de títulos nacionais devem obedecer aos seguintes princípios:
a) Liberdade de acesso a todos os agentes desportivos e clubes com sede em território nacional que se encontrem regularmente inscritos na respetiva federação desportiva e preencham os requisitos de participação nela definidos;
b) Igualdade de todos os praticantes no desenvolvimento da competição, sem prejuízo dos escalonamentos estabelecidos com base em critérios exclusivamente desportivos;
c) Publicidade dos regulamentos próprios de cada competição, bem como das decisões que os apliquem, e, quando reduzidas a escrito, das razões que as fundamentam;
d) Imparcialidade e isenção no julgamento das questões que se suscitarem em matéria técnica e disciplinar.
As condições de reconhecimento de títulos vêm estabelecidas no artigo 62.º do referido Regime Jurídico das Federações Desportivas, o qual estipula, no seu n.º 1, que as competições para atribuição de títulos nacionais devem ser disputadas em território nacional, e no seu n.º 2, que são disputadas por clubes ou sociedades desportivas com sede em território nacional, só podendo no caso das modalidades individuais, ser atribuídos títulos a cidadãos nacionais.
No que respeita à caracterização das modalidades como coletivas ou individuais, decreta o Despacho n.º 1701/2014, o seguinte: “O Despacho n.º 3203/2009, de 14 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 17, de 26 de janeiro de 2009, definiu a lista das modalidades desportivas coletivas e das individuais, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro. A experiência adquirida desde a entrada em vigor do referido despacho permitiu determinar que a definição aí prevista não esgota toda a riqueza e variáveis do fenómeno desportivo, conquanto algumas modalidades desportivas consideradas coletivas integram disciplinas ou provas individuais, bem como algumas modalidades consideradas individuais integram disciplinas ou provas coletivas, sendo paradigmáticos, respetivamente, os casos da disciplina de patinagem de velocidade no âmbito da modalidade de patinagem e da disciplina de polo aquático no âmbito da modalidade de natação. Esta conclusão retira-se igualmente da análise de algumas modalidades consideradas individuais em que se verifica a existência de classificação por equipas em determinada disciplina ou prova. Deste modo, torna-se necessário clarificar a definição que constava do referido Despacho n.º 3203/2009, adaptando-a à realidade desportiva de diversas modalidades. Assim, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 26.º do Decreto- -Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, determino:
1 — São modalidades desportivas coletivas o andebol, o basquetebol, o corfebol, o futebol, o hóquei, a patinagem, o rugby e o voleibol.
2 — São modalidades desportivas individuais todas as restantes.
3 — Independentemente da modalidade desportiva, a disciplina ou prova em que é permitida a substituição de praticantes desportivos no decurso da prestação desportiva equipara-se a modalidade desportiva coletiva, e a disciplina ou prova em que não é permitida a substituição de praticantes desportivos no decurso da prestação desportiva equipara-se a modalidade desportiva individual, com as necessárias adaptações.»
As pessoas individuais que desejem participar em provas de Padel organizadas pela Demandada, onde se inclui o Campeonato Nacional de Padel, podem filiar-se junto da mesma como praticante ou como Jogador.
A filiação fica válida após o preenchimento dos dados exigidos e o pagamento da respetiva taxa de filiação, sendo atribuído um número de filiação por praticante/jogador.
Dispõe o artigo 4.1 do Regulamento Geral de Provas da Demandada que as provas oficiais “são provas desportivas oficiais de âmbito nacional, dependendo, portanto, diretamente da FPP”, sendo que o Campeonato Nacional é a prova em que se disputa o título de Campeão Nacional, realizada uma vez por ano (artigo 4.2.1 do Regulamento Geral de Provas).
De acordo com o disposto no Regulamento Geral de Provas, para participar em Campeonatos Nacionais, é necessário estar filiado como jogador e possuir licença de jogador válida (artigos 4.14.1 e 6.2.2 do Regulamento Geral de Provas), isto é, ter o pagamento da quota anual regularizado.
As regras para a inscrição em provas vêm estabelecidas no artigo 6.2 do Regulamento Geral de Provas. Os jogadores com a licença válida efetuam a sua inscrição para o Campeonato Nacional de Padel através do site da FPP.
As inscrições são efetuadas individualmente (embora as competições sejam em duplas). O jogador que efetua a inscrição indica o Jogador com o qual irá fazer dupla no Campeonato Nacional. Recebe ele mesmo, individualmente, uma referência para proceder ao pagamento da taxa de inscrição imediatamente após a inscrição. Paralelamente, após ter sido efetuada a inscrição na prova, indicando o Jogador com o qual irá ser completada a dupla, o sistema informa automaticamente esse jogador para que o mesmo proceda à aceitação da inscrição. Após o fazer, ele também recebe, individualmente, uma referência para proceder ao pagamento da taxa de inscrição. A inscrição dos Jogadores considera-se válida após o pagamento das respetivas taxas de inscrição (artigo 6.2.6 do Regulamento Geral de Provas).
Nos termos da lei - nomeadamente, do Despacho nº 1710/2014 – o Padel é um desporto individual.
No dia 2 de Março de 2020, o IPDJ respondeu a um pedido de esclarecimentos solicitado pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Padel, na qual esclarece o seguinte: “Dado que, o Padel não integra o elenco das modalidades desportivas coletivas, previsto no nº 1 do Despacho nº 1710/2014, e nem é permitida a mudança ou substituição de jogadores no decurso da prova ou prestação desportiva, face ao Regulamento Geral de Provas da FPP no seu ponto 6.4.132, não é possível equiparar a modalidade desportiva de Padel a modalidade desportiva coletiva, no atual quadro normativo, pelo que, não restam dúvidas que a mesma terá de ser considerada modalidade desportiva individual para todos os efeitos legais.”
Decorre ainda da legislação nacional, e em particular do Regime Jurídico das Federações Desportivas, no nº 2 do artigo 62º, que a atribuição de títulos nacionais, em modalidade individuais, só pode ser atribuído a cidadão nacionais.
De modo que a Demandada detém a competência exclusiva para organizar as competições com vista à atribuição de títulos nacionais.
No âmbito das suas competências, a Demandada determinou que «(…) a legislação da Comunidade Europeia determina que os cidadãos Europeus residentes em Portugal usufruem dos mesmos direitos de participação em provas que os portugueses, e, por conseguinte, podem participar nos campeonatos nacionais, embora o título de campeão nacional seja atribuído exclusivamente a cidadãos portugueses. Assim sendo, informa esta federação que terá que alterar os seus regulamentos de forma a dar cumprimento ao estipulado na lei, e, por conseguinte, os residentes em Portugal de um país comunitário, poderão participar nos campeonatos nacionais. O título de Campeão Nacional será atribuído ao par 100% português melhor classificado na prova. Em caso de empate poderá ter que ser jogado um encontro para atribuir o título de Campeão Nacional.”
A decisão da Demandada é, à luz da Doutrina, legislação e jurisprudência nacional e da União Europeia, claramente uma decisão discriminatória, mais especificamente uma Discriminação Indireta com base na nacionalidade.
Uma vez que é uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra que coloca uma pessoa ou grupo de pessoas (estrangeiros residentes em Portugal e regularmente inscritos na Demandada) numa situação de desvantagem, designadamente em comparação com outra pessoa ou grupo de pessoas (cidadãos portugueses e regularmente inscritos na Demandada), já que somente a estes poderá ser atribuído o título de campeão nacional.
No direito da União Europeia, o conceito de discriminação indireta foi-se afirmando progressivamente à medida que os Estados (ou as empresas), tendo em atenção a proibição da discriminação direta, foram encontrando formas encobertas ou dissimuladas de discriminar determinados grupos.
A proibição da discriminação em função da nacionalidade constitui desde a criação das Comunidades Europeias, um Leitmotiv do Direito Originário (ou dos Tratados), e somente em alguns casos muito específicos, é admitida.
O artigo 165.º do TFUE, indica que a União Europeia deve desenvolver a dimensão europeia do desporto:
A livre circulação de pessoas é um princípio fundamental da União Europeia. No desporto, este princípio garante que, em geral, os desportistas profissionais e amadores podem circular livremente de um país para outro. O princípio significa que, no desporto profissional, não são permitidas regras que envolvam uma discriminação direta, como as quotas baseadas na nacionalidade. Na prática, podem ser impostas restrições limitadas e proporcionais à livre circulação que sejam discriminatórias de forma indireta, desde que possuam um objetivo legítimo e sejam proporcionais. Estas reconhecem as especificidades do desporto e incluem:
· O direito de selecionar apenas atletas e jogadores nacionais para a representação do seu país;
· A necessidade de limitar o número de participantes numa competição;
· A fixação de prazos para as transferências de jogadores nos desportos de equipa;
· Regras de compensação para o recrutamento e a formação de jovens jogadores.
· Outros artigos do Tratado que proíbem a discriminação nacional, (artigos 18.º e 45.º) e garantem o direito de residir noutro país da UE (artigo 21.º) e a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços (artigos 49.o e 56.o) aplicam-se aos:
· Desportistas profissionais e semiprofissionais (enquanto trabalhadores);
· Instrutores, treinadores e formadores (enquanto prestadores de serviços);
· Desportistas amadores (enquanto cidadãos da UE).
Determina ainda o art.º 18º (ex-artigo 12.º TCE) do TFUE que «No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. (…)», e o art.º 21º n.º 1 do TFUE «1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação.» e o art.º 45º do TFUE «1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na União.
2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. (…)»
Também a legislação nacional trata dessa matéria.
De acordo com o n.º 4 do art.º 8º da CRP «As Disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.»
Também a legislação nacional, através de sua lei fundamental, a Constituição da República Portuguesa – CRP), prevê regras que proíbem a discriminação entre cidadãos nacionais e cidadãos estrangeiros, entre os quais os cidadãos da União Europeia.
Dispõe o n.º 1 e 2 do art.º 13º da CRP que «1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções politicas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual
De acordo com os números 1 e 2 do art.º 15º da CRP «1. Os estrangeiros e os apátridas que se se encontram ou residam em Portugal, gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
2. Excetuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.»
Determinando ainda o art.º 18º da CRP que «1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retractivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.»
A Doutrina, a Comissão e a Jurisprudência do TJUE trataram já a questão de saber se a limitação do título de campeão nacional a cidadãos nacionais poderia constituir uma restrição à livre circulação, protegida pelo art.º 21º do TFUE, sendo que nessas ocasiões, tal restrição só poderia ser admitida caso fosse expressamente justificada através de um objetivo legítimo e com observância do princípio da proporcionalidade (cfr. «Study on the Equal Treatment of Non-Nationals in Individual Sports Competitions»).
Também a jurisprudência tem seguido este entendimento, sendo o exemplo mais recente o caso C-22/19 TopFit eV, Daniele Biffi v Deutscher LEichtathletikverband, que declarou que
«65. A este respeito, há que recordar que, para que um regime de autorização prévia seja justificado nos termos dos artigos 18.° e 21.° TFUE, deve, de qualquer forma, ser fundamentado em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação da DLV a fim de este não ser utilizado de modo arbitrário (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o., C-205/99, EU:C:2001:107, n.° 38).
66. Além disso, há que salientar que, uma vez que existe um mecanismo relativo à participação de um atleta estrangeiro num campeonato nacional, pelo menos nas eliminatórias e/ou à margem da classificação, a recusa total da participação desse atleta nesses campeonatos em razão da sua nacionalidade afigura-se, em todo o caso, desproporcionada.
[…]
(…)
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
Os artigos 18.°, 21.° e 165.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de uma associação desportiva nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um cidadão da União Europeia, nacional de outro Estado-Membro, que reside há vários anos no território do Estado-Membro onde está estabelecida essa associação, na qual pratica a corrida na qualidade de amador na categoria de seniores, não pode participar nos campeonatos nacionais nestas modalidades nas mesmas condições que os nacionais ou apenas está autorizado a competir nesses campeonatos «à margem» ou «sem classificação», sem ter acesso à final e sem poder obter o título de campeão nacional, a menos que essa regulamentação seja justificada por considerações objetivas e proporcionadas ao objetivo legitimamente prosseguido, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.» (negrito e sublinhado nossos).
Existe, na legislação nacional, tal como na legislação e jurisprudência da União Europeia, exceções ao princípio da equiparação de direitos e deveres entre estrangeiros e portugueses.
Nos termos do n.º 2 do art.º 15º da CRP, excetuam-se do princípio da equiparação «2. Excetuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.»
Para o presente caso, é importante a parte final do n.º 2, que permite que a lei ordinária possa criar limitações aos estrangeiros, reservando direitos exclusivos aos portugueses.
Leis essas que deverão fundamentar-se em critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação e às restantes condições de legitimidade estabelecidas no art.º 18º da CRP, como seja ter caracter geral e abstrata, ser irretroativa, limitar-se ao que for imprescindível para salvaguarda dos direitos ou interesses constitucionais e não poder diminuir o conteúdo essencial destes.
Este regime material deve também, ser aplicado a lei ordinária que pretenda reservar apenas aos portugueses quaisquer direitos, mesmo sem natureza de direitos fundamentais ou análoga. Há sempre que entender que a reserva da titularidade aos portugueses tem sempre ser fundamentada, justificada, razoável, porque esta a criar uma exceção ao princípio da equiparação.
Caso tal não ocorra, a diferenciação de tratamento entre cidadãos portugueses e estrangeiros constitui uma verdadeira discriminação, violando também o art.º 13º da CRP.
Como refere Gomes Canotilho (in Direito Constitucional – 1993, pg. 556-557, Almedina) «acresce que a distinção entre «direitos dos portugueses» e «direitos de todos» pressupõe sempre uma justificação ou fundamento material, não devendo esquecer-se o relevo dos standars mínimos fixados pelo direito internacional relativamente à determinação deste fundamento material. No direito constitucional português esta fundamentação substantiva resulta claramente do art.º 16º n.º 2 da CRP.»
De modo que, sempre que a lei ordinária pretender reservar um direito aos portugueses ou sujeitar os estrangeiros a um dever a eles exclusivo, impõem-se apurar se estão reunidos critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação e, perante a restrição de direitos fundamentais, se a reserva está limitada ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e se não diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art.º. 18º n.º 2 e 3 da CRP).
No caso Sub Judice, a Demandada na sua decisão, limitou-se a informar que o art.º 62º n.º 2 do Regime Jurídico das Federações Desportivas determina que no caso de modalidades individuais, o título de campeão nacional deve ser atribuído a cidadãos nacionais. E que a modalidade de Padel é uma modalidade individual, de acordo com o despacho n.º 1701/2014.
Ora, em face do princípio do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional (embora nenhuma disposição dos Tratados relativos à União Europeia e ao seu funcionamento consagre expressamente o princípio do primado do direito da União sobre o direito nacional, o princípio foi enunciado pelo Tribunal de Justiça nos anos sessenta, no acórdão Costa, e assume-se, desde então, como um princípio fundamental da ordem jurídica da União), deve aquele se sobrepor ao primeiro.
Neste sentido, consideramos assistir razão aos Demandantes quanto a esta questão suscitada.».

Discorda a Recorrente, alegando, em síntese, que: a decisão de atribuir o título nacional à dupla M...e V... resulta dos termos da lei, concretamente do disposto no Despacho nº 1710/2014 que define Padel como uma modalidade desportiva individual, e do nº 2 do artigo 62º do regime Jurídico das Federações Desportivas [RJFD] que determina que a atribuição de títulos nacionais, em modalidades individuais, só é possível a cidadãos nacionais; é delirante a sugestão de que agiu de má fé; a verdade desportiva nunca esteve em causa por ter sido emitido um comunicado prévio de que, de todos os atletas inscritos, só seria considerado campeão nacional o par 100% português, não tendo as regras mudado a meio do jogo; os Recorridos não sofreram quaisquer prejuízos económicos, não havia prémio monetário, foram declarados vencedores, receberam o troféu, os pontos para a classificação nacional individual, apenas não lhe foi atribuído o título de campeões nacionais, por um deles não ser português; por aplicação das regras de jogo, a modalidade é unicamente jogada em dupla ou par, pelo que o título de campeão não pode ser atribuído apenas a um dos Recorridos; respeitou os princípios e regras de direito comunitário e a lei portuguesa, que, atento o disposto no nº 1 do artigo 63º do RJFD também não permite que o recorrido A... possa ser convocado para a selecção nacional de Padel; o nº 2 do referido artigo 62º não é inibitório do direito de circular e permanecer livremente no território da EU, nem se trata de qualquer acto de discriminação ilícita em função da nacionalidade, pois o recorrido A... não está inibido de se filiar na Recorrente, de participar nas competições que organiza, de obter os resultados desportivos e proveitos económicos daí resultantes e de ser incluído na classificação nacional individual, não podendo apenas ser campeão nacional por não ter a nacionalidade portuguesa; não procede a argumentação da necessidade de a regulamentação sobre o campeonato nacional e a obtenção do correspondente título ser justificada por considerações objectivas e proporcionais ao objectivo prosseguido, por resultar do estrito cumprimento da lei portuguesa; o objectivo é apurar o melhor clube, o melhor jogador ou a melhor dupla portuguesa; para apurar a melhor dupla portuguesa e espanhola existe o Campeonato Ibérico; não se está perante um campeonato de residentes em Portugal, mas sim um campeonato nacional, uma única prova, realizada num curto espaço temporal, com cariz próprio e muito específico, como acontece com os campeonatos regionais, de escalões mais jovens ou mesmo a separação entre campeonatos nacionais masculinos e femininos, não ocorrendo discriminação em função da igualdade, do território, da idade ou do sexo; não se trata de uma competição que condicione ou preencha toda uma época desportiva, ou toda a actividade, económica ou não, de uma modalidade desportiva; a possibilidade de atribuir o título de campeão a uma dupla inteiramente espanhola, francesa ou outra não portuguesa, desvirtuaria a razão de ser do campeonato nacional; procurou respeitar o princípio da proporcionalidade, restringindo o princípio da igualdade de tratamento dentro do estritamente necessário para cumprir o disposto no nº 2 do artigo 62º do RJFD; o critério de atribuir o título à melhor dupla 100% portuguesa foi o considerado mais adequado e o que melhor salvaguarda a verdade desportiva; não é aplicável à situação em apreciação o caso do TJUE referido, porque o recorrido A... participou na prova, foi classificado, pontuado, recebeu o troféu; não recebeu o título de campeão nacional em função de critério previamente definido por lei portuguesa; é legítimo reservar a atribuição do título de campeão nacional a um nacional, dado o elemento referente à nacionalidade poder ser considerado uma característica própria do título nacional; a decisão recorrida não fundamenta qualquer falta de proporcionalidade na restrição estabelecida; o estudo denominado “Study on Equal Treatment of Non-Nationals in Individual Competitions” contém uma conclusão que não foi atendida, aplicável no caso, “parece provável que a elegibilidade exclusiva dos nacionais para o título nacional possa ser aceite, ao abrigo da segunda categoria do quadro geral, como inerente e necessária na selecção e coroação dos melhores nacionais e, por conseguinte, não constitui uma infracção ao direito da UE”.

Vejamos,

Em causa nos autos está a atribuição do título de Campeão Nacional de Padel à dupla vencedora da prova Campeonato Nacional de Padel do ano de 2019, ocorrida nos dias 30 de Setembro a 6 de Outubro.
A Recorrente, responsável pela sua organização e realização, conforme comunicado de 26.8.2019, admitiu a participação na mesma de cidadãos europeus residentes em Portugal, ao abrigo de legislação comunitária, mas informou previamente que o título de Campeão Nacional será atribuído ao par 100% português melhor classificado na prova.
O recorrido D..., praticante jogador português, filiado da Recorrente, em situação activa e regular, inscreveu-se na referida prova, indicando como seu par o recorrido A..., de nacionalidade espanhola, residente em Portugal, também ele filiado na FPP e com licença válida. Aceite a escolha daquele, pela FPP e por este, pagas as correspondentes taxas, a respectiva inscrição foi validada, e a dupla assim formada venceu todos os jogos da prova, foi declarada vencedora, ganhou o troféu, os pontos para efeitos do ranking [classificação individual] nacional, mas não o título nacional que, viria a ser atribuído ao par M...e V..., vencido no último jogo disputado com aqueles, por ser composto por nacionais portugueses, de acordo com a decisão de 11.10.2019 da Direcção da FPP, invocando legislação comunitária, contra o previsto nos seus regulamentos, mas observando o disposto no artigo 62º do RJFD e no Despacho nº 1701/2014.
Este Despacho, do Secretário de Estado do Desporto e Juventude, de 4 de Fevereiro, veio, ao abrigo do nº 3 do artigo 26º do RJFD, clarificar a definição de modalidades desportivas colectivas e individuais que constava do Despacho nº 3203/2009, adaptando-o à realidade desportiva de diversas modalidades, especificando as modalidades desportivas que são colectivas e considerando as restantes como individuais. Não figurando entre as elencadas como colectivas, o padel é uma modalidade desportiva individual, ainda que de acordo com as respectivas regras de jogo seja praticado sempre em par ou dupla.
No preâmbulo do Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro, que aprova o RJFD, a distinção entre modalidades desportivas colectivas e individuais é apresentada como uma inovação em que assenta a reforma efectuada ao anterior regime, “(…) uma vez que são muito diversos os problemas de umas e de outras. Com efeito, nas modalidades colectivas o clube desportivo assume uma particular importância (enquanto suporte orgânico das equipas), ao contrário do que sucede nas modalidades individuais, nas quais o que sobreleva é o praticante desportivo. Nas modalidades colectivas a competitividade gera-se, sobretudo, entre clubes; nas modalidades individuais assenta nos resultados obtidos pelos praticantes individuais. E, porque assim é, as regras organizacionais devem ser necessariamente diferentes.
O artigo 61º do RJFD, com a epígrafe “Direitos desportivos exclusivos”, dispõe no nº 1 que “Os títulos desportivos, de nível nacional ou regional, são conferidos pelas federações desportivas e só estas podem organizar selecções nacionais.”.
O referido artigo 62º, com a epígrafe “Condições de reconhecimento de títulos”, prevê: “1 - As competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais, disputam-se em território nacional. // 2 - As competições referidas no número anterior são disputadas por clubes ou sociedades desportivas com sede no território nacional, só podendo, no caso de modalidades individuais, ser atribuídos títulos a cidadãos nacionais.”.
O Regulamento da prova do Campeonato Nacional de Padel, como refere a Recorrente, dispõe em conformidade com o RJFD [poderão inscrever-se todos os cidadãos nacionais, com licença de jogador activa para o ano em curso].
Vem a Recorrente alegar que esta é uma única prova, realizada num curto espaço de tempo, de cariz próprio e muito específico e especial, cujo objectivo é apurar o melhor clube, o melhor jogador, a melhor dupla portuguesa e atribuir-lhe o título de campeão nacional, em função do critério - ser nacional português -, estabelecido na lei, como uma característica do próprio título, não ocorrendo qualquer discriminação, tal como não existe em função da igualdade, do território, da idade ou do sexo, quando estão em causa os campeonatos regionais, de escalões mais jovens ou mesmo a separação entre campeonatos nacionais masculinos e femininos.
Entendemos a comparação efectuada, mas assumimos em função do estritamente alegado pela Recorrente que, ao contrário do que se verificou na prova em análise, em que foi admitida a participação de um jogador espanhol a disputar a prova do Campeonato Nacional de Padel, a Recorrente só admita nos campeonatos regionais [como os das Regiões Autónomas] os jogadores praticantes filiados no clube da região a que a prova respeita ou, em caso de filiação independente, que residam nessa mesma região, nos campeonatos dos escalões jovens, por exemplo, até aos 16 anos, não admita jogadores com, por exemplo, 35 anos, do escalão de veteranos, nos campeonatos masculinos só admita a inscrição e participação de jogadores [do sexo masculino] e nos femininos de jogadoras [do sexo feminino], e, consequentemente, não suceda que essas competições sejam ganhas por residente e filiado em clube no Continente, veterano, jogador ou jogadora, e respectivos pares, e não lhes seja atribuído o título nacional correspondente.
A saber, sendo a nacionalidade do praticante critério relevante para o objectivo a prosseguir com a prova desportiva do Campeonato Nacional de Padel [modalidade desportiva individual em que o que sobreleva é o praticante desportivo], estando prevista essa condição na lei e nos regulamentos, geral e da prova, da Recorrente, é admissível entender, tal como resulta do alegado no recurso, que esse critério é enquadrável no disposto na parte final do nº 2 do artigo 15º da CRP. Dito de outro modo, os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, mormente os jogadores praticantes de Padel, regularmente licenciados e inscritos na Recorrente, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que os nacionais portugueses, nas mesmas condições desportivas, excepto e no que ao caso interessa, quanto ao exercício de direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
As normas do TFUE, referentes à liberdade de circulação dos cidadãos europeus e à proibição da discriminação em função da nacionalidade, não se impõem no direito interno de forma absoluta, admitindo restrições quando se encontrem justificadas através de um objectivo legítimo [como o de considerar como elegíveis apenas os cidadãos nacionais para o efeito de atribuição do título de campeão nacional na modalidade desportiva em referência] e com observância do princípio da proporcionalidade [cfr. «Study on the Equal Treatment of Non-Nationals in Individual Sports Competitions»], na medida em que lesa o menos possível os direitos dos não nacionais, designadamente, por a prova em causa não se prolongar nem corresponder à actividade desportiva de uma época, mas apenas a alguns dias, podendo estes participar em todas as outras compreendidas num vasto calendário oficial de provas, não sujeitas a restrições legais, e obter a classificação e os prémios, troféus e monetários, correspondentes.
No entanto, na situação em apreciação, a Recorrente autorizou a inscrição e participação de estrangeiros residentes jogadores praticantes de Padel, com inscrição e licença regularizada, por isso, aptos a competir nas provas nacionais, incluindo a do Campeonato Nacional, necessariamente ao abrigo do nº 1 do artigo 15º da CRP e da legislação e jurisprudência comunitária aplicável, com a limitação da atribuição do correspondente título, ao abrigo do disposto no referido nº 2 do artigo 62º do RJFD, ao par 100% nacional, considerando ter permitido e ter sido observada a verdade desportiva.
Do que discordamos, porque se o objectivo da prova é atribuir o título de campeão nacional ao melhor jogador praticante de Padel português – mais concretamente ao par de jogadores, cuja inscrição foi admitida e disputou os jogos da prova, eliminando sucessivamente outras duplas até ao jogo final, vencendo-o -, a circunstância de estar a competir um jogador estrangeiro que não irá receber o título, mas influiu nos resultados obtidos pela dupla a que pertence e nos das duplas com quem jogou, distorce a verdade desportiva, porquanto não é possível concluir que a competição teria decorrido da mesma forma sem a sua participação, ou seja, se a prova tivesse tido apenas como jogadores cidadãos portugueses não é possível afirmar com absoluta certeza que os resultados desportivos seriam os que foram obtidos, designadamente, que a dupla formada pelo recorrido D... com outro português seria na mesma a vencedora, e, consequentemente, a campeã e não a dupla M...e V..., a quem a Recorrente atribuiu o título de 2019.
Razão pela qual a interpretação do disposto no nº 2 do artigo 62º do RJFD ao abrigo do nº 1 do artigo 15º da CRP e da legislação comunitária, implica considerar que se pode participar na prova, tal como um cidadão nacional, o recorrido A..., enquanto cidadão espanhol residente e jogador praticante de Padel, em situação regular perante a Recorrente, tem o mesmo direito que um cidadão nacional a receber o título de campeão.
A decisão adoptada, de permitir que um estrangeiro, cidadão da União Europeia, se inscreva, pague a taxa correspondente, seja admitido a jogar em dupla, jogue e ganhe, seguida de outra decisão que atribua o título de campeão nacional ao par vencido, consubstancia uma discriminação, um desfavorecimento em função de um critério que não lhe foi exigido ou imposto para poder participar e, repete-se, falseia a verdade desportiva, por atribuir o título à dupla que, no campo, não ganhou a prova do Campeonato Nacional.
Verificando-se os pressupostos legais, regulamentares e desportivos para o recorrido D... receber o prémio, em dupla com o recorrido A..., é de manter a decisão do TAD de lhes atribuir o título de campeão nacional de Padel de 2019, pelo que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes desta Subsecção Administrativa Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e mantendo o acórdão arbitral recorrido na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 11 de Julho de 2024.

(Lina Costa – relatora)
(Pedro Figueiredo)
(Marcelo Mendonça)