Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:195/24.8BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/16/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:PEDIDO DE INFORMAÇÃO
PEDIDO MANIFESTAMENTE ABUSIVO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Sumário:I - Decorre do n.º 3 do seu artigo 15.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, que a obrigação de satisfação de pedidos de informação e acesso a documentos administrativos é afastada quando tais pedidos sejam “manifestamente abusivos”, concretizando a norma que o são quando tenham “carácter repetitivo e sistemático” ou quando respeitem a um considerável “número de documentos requeridos”.
II - Invocando o requerido tal norma legal para afastar a sua obrigação de satisfazer o pedido da requerente, cabe-lhe alegar, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, factos caracterizadores dos pressupostos de aplicação da norma, ou seja, de uma situação de pedidos “manifestamente abusivos” por terem “carácter repetitivo e sistemático” ou respeitarem a um considerável “número de documentos requeridos”, por se tratar de uma excepção peremptória impeditiva.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

N… IMOBILIÁRIA, S.A., intentou intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra Município de Alcanena. Pede a condenação da entidade demandada a facultar-lhe o “acesso a toda a correspondência trocada entre o Município e o antigo proprietário, A…, do prédio U-2… no âmbito do Plano de Pormenor elaborado por B…” bem como a condenação do Presidente da Câmara Municipal de Alcanena no pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de € 50,50 por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi proferida sentença a intimar a entidade demandada a facultar à requerente “(…) o acesso a toda a correspondência trocada entre o município e o antigo proprietário do prédio U-2… no âmbito do Plano de Pormenor, elaborado por B…, tudo consoante o seu requerimento de 18/07/2023”, no prazo de dez dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, e, “Não sendo possível localizar a documentação pretendida, (…) dar conta de tal facto à Requerente, no mesmo prazo, com discriminação dos esforços encetados no sentido da satisfação do por si requerido.”
O requerido interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. Na sentença proferida, o Tribunal a quo refere que são os próprios serviços do Recorrente que admitem que a Recorrida tem direito à informação solicitada, remetendo para o teor da Informação constante do facto 3.º nos autos.
2. Nessa Informação, o Recorrente mencionava, de facto, que “o munícipe tem direito à informação, no entanto, esse direito torna-se em abuso de direito quando insiste em informações sucessivas, insistindo muitas vezes na mesma situação, condicionando os serviços e sendo certo que, para muitos dos pedidos são necessárias pesquisas e a análise por vários serviços, inviabilizando o pronto cumprimento (…)”.
3. Assim, e como resulta claro da resposta apresentada pelo Recorrente nestes autos, o argumento essencial da Resposta deduzida pelo Município de Alcanena reside no carácter abusivo do pedido apresentado pela Recorrida que, ao contrário do que defendido na sentença, não se limitou a “formular considerações vagas, assentes no período temporal da correspondência a que a Requerente pretende ter acesso (cinco anos), o seu carácter remoto (há 30 anos) e no facto de dizer respeito a um Plano de Pormenor que não chegou a ser implementado.”.
4. Pelo contrário, na sua Resposta, o Recorrente invocou vasta factualidade que, se tivesse sido devidamente considerada e apreciada pelo douto Tribunal a quo, jamais permitiria que este tivesse chegado à conclusão alcançada de que o pedido objeto dos autos nada tem de abusivo e de desproporcional.
5. É que, além dos factos que o douto Tribunal a quo referiu, outros tantos foram descritos para ilustrar o comportamento da Recorrida juntos dos serviços municipais, tendo tais factos sido apresentados de forma bastante concreta e até documentada, os quais se especificaram nas alegações de recurso apresentadas.
6. Ora, foi todo este contexto que o Recorrente tentou demonstrar ao douto Tribunal a quo na sua Resposta - o qual os próprios serviços do Município de Alcanena também já haviam descrito e exposto também à CADA na sua resposta - que foi totalmente desconsiderado e reduzido na sentença recorrida a algo tão simples como problemas de “falta de recursos humanos e dificuldade em localizar os elementos pretendidos por se reportarem a extensão temporal de cinco anos, por referência a um período de há trinta anos.”.
7. De resto, as “considerações vagas” que, para o Tribunal a quo, não foram suficientes para ponderar sequer o carácter abusivo e desproporcional do pedido da Recorrida, foram bastantes para que o Tribunal Central Administrativo Sul invocado, no acórdão de 16.01.2018, tivesse decidido que, efetivamente, um pedido como o da Recorrida poderia ser recusado quando “alguém requerer repetitivamente os mesmos documentos ou em número manifestamente “excessivo” de um ou mais serviços públicos sem que nisso se vislumbre qualquer utilidade. (…) Sem prejuízo de não ser negado o direito de acesso, a Administração dispõe de meios, que deve utilizar, para se defender de pedidos que tenham por efeito a paralisação ou o entorpecimento dos seus serviços.”, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, pp. 45-46.”
8. De facto, também naquele processo, em primeira instância, a entidade requerida havia sido condenada a emitir as certidões requeridas ao abrigo do direito à informação administrativa. No entanto, o Tribunal Central Administrativo Sul, na sua apreciação do recurso interposto, veio declarar que “Tendo presente a matéria assente no probatório, ao contrário do decidido na sentença recorrida, (…) é possível formular um juízo de desproporcionalidade e de desrazoabilidade no pedido de acesso à informação formulado pela Requerente, ora Recorrida, que dispensa a Entidade Requerida de dar satisfação ao requerido.” (negrito e sublinhado nossos).
9. Tal como no caso dos autos, também neste acórdão não se põe em causa o direito da Requerente à informação administrativa solicitada. Naquele acórdão, o Tribunal refere em sentido idêntico que “não se põe em crise que o requerimento apresentado se apresenta configurado sobre o exercício do direito à informação, pois a Requerente veio solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse, e tem um interesse pessoal e direto no acesso à respetiva informação, por estarem em causa elementos relacionados com o exercício da atividade comercial e de negócio da Requerente.”
10. Porém, conforme se verifica nos presentes autos, “põe-se em crise a falta da razoabilidade e de desproporcionalidade do requerido.”
11. Assim, e para que não restem dúvidas, não se coloca em causa (como o Tribunal a quo também parece ter percebido, invocando do teor do documento plasmado no facto provado n.º 3) o direito da Requerente à informação administrativa não procedimental em causa, mas sim a forma abusiva como esta se tem dirigido de forma absolutamente desproporcionada e inaceitável aos serviços do Município de Alcanena com pedidos sucessivos, acompanhados de uma pressão desmedida e exagerada sobre a capacidade desses mesmos serviços, que não tem meios disponíveis para dar resposta a todos os pedidos de informação que são dirigidos pela Requerente,
12. Que não são um ou dois pedidos, mas sim uns a seguir aos outros, e que muitas vezes se repetem, o que acontece sempre que os serviços do Recorrente não respondem no prazo que a Recorrida pretende.
13. Para cúmulo, o pedido recentemente apresentado pela Recorrida obrigada a um esforço organizativo por parte dos serviços do Município que não é exigível, uma vez que é pedida a consulta de documentos (emails, concretamente) com uma extensão de 5 anos e que se reportam a 30 anos atrás, o que faz com que, em bom rigor, nem sequer se tenha a certeza à partir se estes emails que a Recorrida pretende consultar farão sequer parte do arquivo do processo físico referente ao PDM à data.
14. O que resulta evidente, porém, é que efetivamente o pedido em causa é totalmente desrazoável e desproporcional.
15. Lamentavelmente, foi todo este contexto, além do pedido isolado em apreço nos autos, que o douto Tribunal a quo não considerou devidamente e não apreciou do ponto de vista da sua implicação para a capacidade de resposta do Recorrente ao pedido em apreço, mas também, como fundamento legítimo para que os serviços do Município de Alcanena possam recusar-se legitimamente a dar cumprimento ao atual pedido da Recorrida.
16. É também a isto que o TCA Sul se reporta quando, no referido acórdão, refere que “põe-se em crise a falta da razoabilidade e de desproporcionalidade do requerido.”, pois, efetivamente, mesmo um direito atendível per se, ao adquirir determinados contornos, pode passar a ser passível de recusa legítima por parte de quem, à partida, teria o dever de o satisfazer.
17. De facto, também no caso do pedido formulado pela Recorrida, “Para satisfazer a pretensão requerida, considerando a concreta informação que é requerida, é exigível uma tarefa de organização e manuseamento de múltiplos ficheiros informáticos, num esforço de meios desmesurado para qualquer serviço público, considerando, designadamente a dimensão e a amplitude da informação requerida e a circunstância de a mesma incidir num período temporal também vasto, relevando a emissão de certidão quanto a inúmeros documentos ao longo de dois anos.”, sendo que, no caso concreto, ao invés de ser ao longo de dois anos, é ao longo de cinco anos.
18. A respeito destes factos, o Tribunal invocou naquele acórdão “o disposto no artigo 334.º do Código Civil, relativo ao abuso do direito (de acesso).”, em que se proíbe ou veda ao titular do direito, que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, apreciados segundo as conceções ético-jurídicas dominantes.
19. Com efeito, ainda segundo aquele Tribunal, o que o instituto da proibição do abuso do direito aponta é para o exercício equilibrado e racional dos direitos, no sentido de que veda esse exercício quando o mesmo se apresente danoso, inútil ou seja de tal modo desproporcionado entre a vantagem que concede ao interessado e o sacrifício que impõe.
20. De resto, a questão que ora se discute, de recusa legítima na prestação de informação ou em facultar acesso a documentos em determinadas situações é pacífica também na doutrina, de que é exemplo José Renato Gonçalves, que defende que “estaremos perante uma destas situações [de abuso do direito de acesso] quando alguém requerer repetitivamente os mesmos documentos ou em número manifestamente “excessivo” de um ou mais serviços públicos sem que nisso se vislumbre qualquer utilidade. (…) Sem prejuízo de não ser negado o direito de acesso, a Administração dispõe de meios, que deve utilizar, para se defender de pedidos que tenham por efeito a paralisação ou o entorpecimento dos seus serviços”.
21. Além disso, este instituto do abuso de direito tem previsão especifica no n.º 3 do art.º 15.º da LADA, onde o legislador estabeleceu que “As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente.”
22. Foi com base nesse pressuposto que, no acórdão em apreço, o TCA Sul concluiu que assistia “razão à Entidade Requerida quando invoca a desrazoabilidade do pedido formulado, atenta a extensão e a amplitude da informação requerida, para além do período de tempo abrangido, estando em causa um número muito expressivo de documentos, nos exatos termos discriminados no requerimento apresentado pela Requerente, ora Recorrida, não sendo de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a atuação normal da Administração.” (negrito e sublinhado nossos)
23. Na sentença, o Tribunal a quo alega que o Recorrente “não quantifica qual o volume de correspondência envolvido, que possa tomar a sua localização de tal forma gravosa e exigente em termos de recursos humanos, que se revele desproporcional o pedido da Requerente.”.
24. Ora, com o devido respeito que o douto Tribunal a quo nos merece, atendendo à factualidade descrita pelo Recorrente nos autos, que foi até suportada por prova documental correspondente, não pode o Recorrente aceitar como justas tais conclusões,
25. Mais ainda, e insiste-se, tendo em conta o que foi também alegado pelo Recorrente IMT no processo em apreço no referido acórdão, que se invoca nos autos por manifesta proximidade de objeto.
26. Todos esses argumentos se aplicam à situação do Recorrente, tendo sido, ainda que por outras palavras, por si invocadas na Resposta apresentada neste processo, tal como também foram aventadas na resposta enviada à CADA, em que já se invocava o carácter abusivo e desproporcional do pedido da Recorrida.
27. Concretamente, aliás, enquanto que no caso do processo sub judice naquele acórdão estava em causa 2 anos de pesquisa para obter os documentos solicitados, no caso, o hiato temporal é até muito superior, de 5 anos!
28. Além disso, reportando-se a um período de há 30 anos, é notória a dificuldade e o esforço administrativo exigido à equipa de recursos humanos do Município de Alcanena para que seja possível encontrar tal documentação, sobretudo na sequência do ataque informático de que o Recorrente foi alvo, sendo evidente que tal esforço irá provocar uma paralisação do departamento de obras, que neste caso será responsável pela satisfação deste pedido, comprometendo o funcionamento deste serviço e a possibilidade deste dar resposta a todos os demais pedidos que surjam entretanto e a todas as demais questões que lhe estão normalmente submetidas.
29. Nesta conformidade, andou mal o douto Tribunal a quo ao considerar que não se verificou o caráter abusivo do requerimento apresentado pela Recorrida, sobretudo quando nem se procedeu a uma ponderação do princípio da proporcionalidade no caso concreto, que neste caso se afigura especialmente relevante no sentido de vedar as pretensões – como a da Recorrida – que ultrapassem ou excedam os limites do direito de acesso.
30. Finalmente, também não é verdade que o Recorrente não tenha logrado demonstrar a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido da Recorrida, pois está em causa um juízo de direito que assente num facto notório, que no caso decorre diretamente dos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido deduzido pela Recorrida.
31. Por tudo isto, deveria efetivamente ter-se considerado que os factos provados nos autos se enquadram no disposto no n.º 3 do art.º 15.º da LADA por manifesto carácter abusivo do pedido formulado pela Recorrida, o que, não tendo acontecido, deverá determinar a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a improcedência do pedido da Recorrida nos autos.”
A recorrida respondeu à alegação do recorrente, apresentando as seguintes conclusões:
“a) A Recorrente além do mais e sumariando, invoca no recurso: “Por tudo isto, deveria efetivamente ter-se considerado que os factos provados nos autos se enquadram no disposto no n.º 3 do art.º 15.º da LADA por manifesto carácter abusivo do pedido formulado pela Recorrida, o que, não tendo acontecido, deverá determinar a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a improcedência do pedido da Recorrida nos autos”
b) A Recorrente nas suas alegações, invocando um alegado abuso de direito por parte da Recorrida, poderá estar a agir em manifesto abuso de poder;
c) Nas aludidas alegações de recurso, invocando um outro processo, refere que “põe-se em crise a falta da razoabilidade e de desproporcionalidade do requerido”, pretendendo, com esta argumentação, referir-se à sentença agora colocada em crise;
d) A Recorrida e não outras pessoas singulares ou coletivas, limitou-se a peticionar, em 18/07/2023, que a Recorrente facultasse “o acesso a toda a correspondência trocada entre o município e o antigo proprietário do prédio U-2… no âmbito do Plano de Pormenor elaborado por B…”
e) Numa primeira fase a Recorrente decidiu ignorar o pedido de acesso aos documentos em causa nestes autos, nunca respondendo à Recorrida, tudo como muito bem concluiu o Tribunal A Quo, na sentença colocada em crise no recurso, conforme se transcreve: "não só não referiu não possuir os documentos cujo acesso é pretendido, não declarou serem os mesmos inexistentes, e não entendeu necessário proceder a prorrogação do prazo para os localizar. Na verdade, não deu qualquer resposta à Requerente".
f) A Recorrente invoca a tese de que o pedido em causa é "totalmente desrazoável e desproporcional", e por isso não devia ter merecido acolhimento na sentença recorrida;
g) Tal peregrina tese a que o Tribunal A Quo, e bem, não deu acolhimento por um conjunto de razões que fez constar na douta Sentença. conforme se destaca e se passa a transcrever: “ Vem sendo entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que “A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso” [veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCA Sul de 27/02/2020 (P.2232/18.6BELSB)], sendo que a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que tenha sido deduzido pela Requerente (conforme resulta, igualmente, do acórdão do TCS-S de 16/01/2018 (P.1319/17.7BELSB), também citado pela Entidade Requerida na sua resposta. Ora, não é o que sucede no caso dos autos, em que a Entidade Requerida se limita a formular considerações vagas, assentes no período temporal da correspondência a que a Requerente pretende ter acesso (cinco anos), o seu carácter remoto (há 30 anos), e no facto de dizer respeito a um Plano de Pormenor que não chegou a ser implementado. No entanto, além de não se ter servido de tal conceptualização para recusar o pedido da Requerente, não quantifica qual o volume de correspondência envolvido, que possa tornar a sua localização de tal forma gravosa e exigente em termos de recursos humanos, que se revele desproporcional o pedido da Requerente. Tampouco se logra alcançar em que medida possa o facto de o Plano de Pormenor em causa ter sido implementado ou não, influenciar a dificuldade de localização daqueles documentos, tal qual a sua datação da segunda metade da década de noventa do século passado não se afigura tão remota em termos cronológicos que transforme a busca por tal correspondência excessivamente trabalhosa. Com efeito, pese embora se trate de correspondência trocada num período de cinco anos, torna-se difícil conceber que esta se tenha revelado diária, semanal, ou sequer mensal; o que impõe se considere que, ou a correspondência foi de tal volume que é difícil não saber onde foi arquivada, ou tão escassa que não pode haver-se como desproporcional a sua busca; ademais, reportando-se a um Plano de Pormenor, tudo levará a crer que, ao abrigo de um processo de arquivo e organização documental minimamente capazes e eficientes, tal correspondência dever-se-ia localizar nas pastas relativas a tal Plano de Pormenor (afigurando-se irrelevante, repete-se, que este tenha sido implementado ou não). Mais importa considerar que, nos termos do n.º 1, do artigo 15.º da LADA, uma vez recebido o requerimento de acesso a um documento administrativo, a Entidade Requerida deve, no prazo de dez dias (úteis), adoptar uma das seguintes condutas: (i)informar que o documento não existe; (ii) informar que não possui o documento e, s souber qual a entidade que o detém, remeter-lhe o requerimento, com conhecimento do requerente; (iii) facultar o acesso; (iv), comunicar por escrito as razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento, bem como quais as garantias de recurso administrativo e contencioso de que dispõe o requerente; (v) expor à CADA quaisquer dúvidas que tenha sobre a decisão a proferir, a fim de esta entidade emitir parecer. Acresce que, conforme previsto no n.º 4 do mesmo preceito legal, “Em casos excecionais, se o volume ou a complexidade da informação o justificarem, o prazo referido no n.º 1 pode ser prorroga do até ao máximo de dois meses, devendo o requerente ser informado desse facto, com indicação dos respetivos fundamentos, no prazo de 10 dias”. Ora, na situação sub judice, não se verificando, como supra se referiu, o carácter abusivo do requerimento apresentado, a Entidade Requerida não só não referiu não possuir os documentos cujo acesso é pretendido, não declarou serem os mesmos inexistentes, e não entendeu necessário proceder à prorrogação do prazo para os localizar. Na verdade, não deu qualquer resposta à Requerente. “(SIC)
h) Na verdade, importa referir, que a Recorrida é uma entidade jurídica completamente distinta dos seus sócios individualmente considerados, sendo inadmissível que a Recorrente alegue no recurso, que "entopem", “os serviços com requerimentos avulsos".
i) Na verdade, a Recorrente manipula de modo, diga-se, “habilidoso”, as palavras, esperando que este Venerando Tribunal esqueça que estamos perante o horizonte temporal de quase um ano (o pedido de acesso foi entregue em 18/07/2023);
j) Com efeito, a Recorrente, que não coloca em causa o direito da Recorrida à informação, sem responder ao pedido que lhe foi feito no mês de Julho de 2023, nem sequer informar de que prazo razoável necessitava para dar cumprimento ao mesmo, vem, mais tarde, quando confrontada com o recurso à CADA e ao Tribunal, inventar um alegado "carácter abusivo" baseado em "requerimentos avulsos", "pelo menos 10 requerimentos sucessivos" e que nunca documenta, ocultando deste modo, deste Venerando Tribunal, que a Recorrida e os seus sócios têm múltiplos assuntos pendentes e a que a Recorrente ao longo de anos, por vezes décadas, se recusa a responder, a assuntos relacionados com algumas da empresas e/ou prédios que detém em Alcanena;
k) Competia à Recorrente facultar ao Tribunal A Quo todos estes elementos, o que não fez, e em consequência este entendeu, e bem, que esta se "limita a formular considerações vagas".
l) Mas mais grave, em sede recurso vem a Recorrente pretender, falsamente, que "o pedido recentemente apresentado pela Recorrida obrigava a um esforço organizativo por parte dos serviços do Município que não é exigível, uma vez que é pedida a consulta de documentos (emails, concretamente) com uma extensão de 5 anos e que se reportam a 30 anos atrás...".
m) Primeiramente haverá que concluir ser inverdadeiro que o pedido seja recente na justa medida em que foi efetuado em Julho de 2023 e estamos em Maio de 2024, ou seja decorreram 10 meses.
n) Depois, na justa medida em que é público e notório que só no ano de 2002 se generalizou o serviço de internet em Portugal, estando em causa documentos "com uma extensão de 5 anos e que se reportam a 30 anos atrás";
o) Ora, sendo o Senhor A… um particular, nascido no ano de 1935 (que aliás nunca teve endereço de email ou computador) é falso que estejam em causa "emails", estando sim em causa correspondência tradicional, remetida por correio ou entregue em mão, bastando por isso consultar o respetivo registo de correspondência, que todos os Municípios têm, onde ela se encontrará registada para facilmente a localizar e dar cumprimento ao pedido da Recorrida;
p) Sem prescindir, importa referir que o Tribunal A Quo conclui, e bem, que a Recorrida pretende "munir-se de elementos documentais para futuro pleito judicial",
q) No sentido exposto no número anterior, bastaria aceder ao sítio da internet do Município de Alcanena, consultar as atas da reunião de câmara, por exemplo, de 23/10/2023, página 8 e 9 (http://cm-alcanena.pt/images/2023/Atas_RC/22-ATA_22-23-10-2023.pdf) de 06/11/2023, páginas 10 e 11 (http://cm-alcanena.pt/images/2023/Atas_RC/ATA_23-06-11- 2023_vf.pdf) e de 18/12/2023, páginas 8 e 9 (http://cmalcanena.pt/images/2023/Atas_RC/26-ATA_26-18-12-2023.pdf) para confirmar a ausência sistemática e continua de respostas da Recorrente à Recorrida bem como, a intenção da Recorrente de mover uma ação judicial no qual será determinante a correspondência aqui solicitada único pedido formulado;
r) Não assiste pois, in casu, qualquer razão de facto ou de direito à Recorrente:”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito por o pedido da recorrida ser abusivo e desproporcional, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados, com a motivação que se segue:
“1.º - Por Requerimento apresentado no Espaço Cidadão de Alcanena em 18/07/2023, dirigido à Câmara Municipal de Alcanena, e indicando como assunto “Pedido de Consulta e possível emissão de cópias”, a aqui Requerente, solicitou “i) a consulta a toda a correspondência entre este município e o antigo proprietário do N/terreno U-2…, sito em E…, trocada no âmbito do Plano Promenor elaborado por B… para a zona do hospital de Alcanena, o antigo proprietário era o Sr. A…” – cfr. págs.11 dos autos;
2.º - Em17/08/2023, a aqui Requerente apresentou queixa junto da CADA, pela qual peticionava fosse ordenada a “intimação da Câmara Municipal de Alcanena (…) para facultar ao Requerente o acesso aos documentos acima identificados” – cfr. págs.12 a 14 dos autos.
3.º - Em 06/09/2023, a Entidade Requerida elaborou Informação, com o n.º 21744, da qual, sob a epígrafe “Análise queixa à CADA”, entre o mais de relevo que aqui se dá por reproduzido”, faz constar que “Ora é certo que o munícipe tem direito à informação, no entanto, esse direito torna-se em abuso de direito quando insiste em informações sucessivas, insistindo muitas vezes na mesma situação, condicionando os serviços e sendo certo que, para muitos dos pedidos são necessárias pesquisas, e a análise por vários serviços, inviabilizando o pronto cumprimento. Relativamente ao requerimento ora em análise (…) o mesmo se reporta a um Plano de Pormenor prejectado nos anos noventa (1993 a 1998) e que não foi concretizado. Tal pedido, requer localização e pesquisa do processo, o que com a falta de recursos nesta época do ano (férias), se torna ainda mais difícil. (…) Pelo exposto, sugiro que o pedido da requerente será efectuado com a maior urgência, mas atendendo sempre à disponibilidade humana e à pesquisa que terá de ser efectuada no caso concreto e antecipadamente já com a informação de que o Plano de Pormenor não passou de uma proposta.” – cfr. págs.62 a 63 dos autos.
4.º - A informação referida em 3.º mereceu despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcanena, exarado em 06/09/2023, e como seguinte teor: “Concordo e adiro à informação técnica n.º 21744. Proceder à resposta ao Sr. Secretário da Comissão em conformidade com o mencionado na informação” – cfr. págs.58 dos autos.
5.º - Em 06/09/2023, a Entidade Requerida remeteu a informação n.º 21744 à CADA– cfr. págs.66 dos autos.
6.º - Em 09/01/2024, a Entidade Requerida elaborou Informação Auxiliar como n.º 10jan2024EI2658, da qual, por entre o mais de relevo que aqui se dá por reproduzido, fez constar “No âmbito do requerido penso que os nossos serviços podem disponibilizar e agendar a consulta por parte do requerente NVA ao processo n.º 23-1997. Neste processo vai poder aceder à troca de correspondência entre: o Município e B…, arquitectos associados Lda; o Município e o Senhor A…” – cfr. págs.70 a 72 dos autos.
7.º - Anexa à informação referida em 6.º, encontra-se uma informação manuscrita, aposta sobre requerimento formulado por A..., sob a epígrafe “Pedido de consulta Processo 23/97”, com o seguinte teor: “Em nome de A…, localizei o processo 23/97 (construção de muros de vedação e divisão). Em nome do Sr. A… anexo os processos 130/97, 25/93, 58/90 Já relacionados com a Praça M… junto os processos viabilidade de construção [ilegível] e Proc.225/91” – cfr. págs.75 dos autos.
8.º - Em 18/01/2024, a Entidade Requerida foi notificada do Parecer da CADA, o qual concluía que ““Deverá ser facultado o acesso à documentação solicitada, no quadro exposto, caso tenha sido possível localizar a mesma. Se não tiver sido possível, deve a requerente ser informada igualmente desse facto”” – cfr. págs.77 a 78 e 79 a 84 dos autos.
9.º - Em 31/01/2024, a Entidade Requerida elaborou nova informação, como n.º 202401466, da qual consta, por entre o mais de relevo que aqui se dá por reproduzido “(…) Acresce que, para agravar a situação, a Câmara Municipal de Alcanena foi alvo de um ataque informático, que foi publico, e que teve como consequência a incapacidade do Município de proceder a tramitações de processos, dado que todo o seu sistema se encontrou comprometido durante cerca de 3 meses. (…) Relativamente ao requerimento em causa e em análise, como se disse, encontra-se em (re)tramitação com a urgência possível, atentas todas as dificuldades a retomar o sistema, estando disso informada a queixosa” – cfr. págs.87 a 89 dos autos.
10.º - Em data não concretamente apurada, mas posterior a 08/02/2024, a Entidade Requerida elaborou Informação Auxiliar, da qual consta, por entre o mais de relevo que aqui se dá por reproduzido “(…) Em conversa com o requerente, este transmitiu-me, que a consulta e requisição a toda a correspondência entre o Município e o antigo proprietário do terreno U-2…, sitio em e…, trocada no âmbito do Plano de pormenor elaborado por B… para a zona do hospital, não se dirigia no âmbito de processos de obras e licenciamento em Obras Particulares, Mas sim no que diz respeito ao processo em Obras Municipais.” – cfr. págs.93 a 94 dos autos.
11.º - Da informação referida em 10.º, consta despacho do Arquitecto S…, Chefe de Divisão, exarado em 20/07/2023, com o seguinte teor: “Acusa-se o pedido de requisição de consulta de toda a correspondencia entre o municipio e o antigo proprietario do art.º urbano 2… no ambito do Plano de Pormenor elaborado pela B… para a Zona do Hospital de Alcanena. Nada há a opor no fornecimento das cópias, no entanto, atendendo que o plano não teve devido encaminhamento para consulta de entidades bem como do processo de discussão publica, receia-se que os documentos arquivados do estudo do PP, não disponha de correpondencia entre particulares e a CMA/B…, a confirma-se não será possivel obter a cópias requeridas, no entanto propõe-se compulsar o processo.” – cfr. págs.93 a 94 e 95 a 96 dos autos.
12.º - A Entidade Requerida não facultou ainda a consulta da correspondência objecto do requerimento que deu origem à presente intimação, nem informou a Requerente sobre a sua (in)existência – acordo das partes.”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos termos do n.º 1 do artigo 104.º do CPTA, “Quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção.”
A sentença recorrida intimou a entidade demandada a facultar à requerente “(…) o acesso a toda a correspondência trocada entre o município e o antigo proprietário do prédio U-2... no âmbito do Plano de Pormenor, elaborado por B…, tudo consoante o seu requerimento de 18/07/2023”, no prazo de dez dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, e, “Não sendo possível localizar a documentação pretendida, (…) dar conta de tal facto à Requerente, no mesmo prazo, com discriminação dos esforços encetados no sentido da satisfação do por si requerido.” Tal decisão assentou na seguinte fundamentação:
“(…)
Descendo ao concreto caso dos autos, dúvidas não subsistem de assistir à Requerente o direito a obter a consulta e as cópias pretendidas, aliás como é reconhecido pela própria Entidade Requerida na resposta enviada à CADA(facto 3.º).
Atingida tal conclusão, porém, importa avaliar as razões aduzidas pela Entidade Requerida para não ter ainda permitido tal consulta. Conforme resulta dos autos, tais razões prendem-se, essencialmente, com a falta de recursos humanos, e a dificuldade em localizar os elementos pretendidos por se reportarem a uma extensão temporal de cinco anos, por referência a um período de há trinta anos.
Ora, no que concerne à limitação a nível dos recursos humanos, ela surge como dificuldade conjuntural, devida ao período de férias de verão, em que o Requerimento da Requerente foi apresentado. É que resulta, efectivamente, do fcto 3.º da matéria dada por assente. No mais, invoca a Entidade Requerida o elevado número de requerimentos apresentados pela Requerente, relativos a distintos processos, e por vezes insistindo por esclarecimentos já prestados. Tal porém, ainda que corresponda à verdade, não pode servir como justificação para o incumprimento do dever (constitucional) de prestar as informações solicitadas, permitir o acesso aos documentos pretendidos, ou emitir as certidões, ou cópias, que venham a ser solicitadas, desde que tal não contenda com as matérias reservadas (relativas a matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas). Vale isto por dizer que as múltiplas solicitações dos interessados particulares, hão-se ser satisfeitas ou rejeitadas, pelos méritos de cada uma, e não pelo maior ou menor número de requerimentos apresentados (até porque, tratando-se a Requerente de uma sociedade comercial, será natural – como sucederá em tantos outros casos – que tenha interesse no acesso à mais variegada informação, sobretudo por poder ter pendentes vários procedimentos no município, ou até por, como parece suceder no caso em análise, querer munir-se de elementos documentais para futuro pleito judicial), ou pela maior ou menor dificuldade na obtenção dos elementos (sempre que tal não colida como disposto no artigo 18.º da LADA).
Por outro lado, impõe-se ter em consideração que a falta de meios humanos não pode, também, fora de uma conjuntura temporária – como é o caso de férias de parte da força de trabalho, ou – como também parece ter sucedido in casu – a necessidade de concentrar esforços na reconstrução de vários processos ou procedimentos na sequência de um ataque informático, ou até de outro evento imprevisível – uma inundação, por exemplo – servir como justificação para o incumprimento do dever informativo. Com efeito, reconhecendo o legislador o direito ao particular, está a administração obrigada a dotar-se dos meios necessários e a organizar os serviços da forma mais eficiente, para concretizar tal direito.
Que dizer, então, do carácter abusivo que a Entidade Requerida atribui ao Requerimento apresentado pela Requerente, derivado do facto de esta pretender aceder a documentos que se reportam há mais de trinta anos, e que se estendem por um período de mais de cinco anos, o que traduziria um pedido desrazoável e desproporcional?
Vem sendo entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que “A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso”[veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCA Sul de 27/02/2020 (P.2232/18.6BELSB)], sendo que a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que tenha sido deduzido pela Requerente (conforme resulta, igualmente, do acórdão do TCS-S de 16/01/2018 (P.1319/17.7BELSB), também citado pela Entidade Requerida na sua resposta.
Ora, não é o que sucede no caso dos autos, em que a Entidade Requerida se limita a formular considerações vagas, assentes no período temporal da correspondência a que a Requerente pretende ter acesso (cinco anos), o seu carácter remoto (há 30 anos), e no facto de dizer respeito a um Plano de Pormenor que não chegou a ser implementado. No entanto, além de não se ter servido de tal conceptualização para recusar o pedido da Requerente, não quantifica qual o volume de correspondência envolvido, que possa tornar a sua localização de tal forma gravosa e exigente em termos de recursos humanos, que se revele desproporcional o pedido da Requerente. Tampouco se logra alcançar em que medida possa o facto de o Plano de Pormenor em causa ter sido implementado ou não, influenciar a dificuldade de localização daqueles documentos, tal qual a sua datação da segunda metade da década de noventa do século passado não se afigura tão remota em termos cronológicos que transforme a busca por tal correspondência excessivamente trabalhosa.
Com efeito, pese embora se trate de correspondência trocada num período de cinco anos, torna-se difícil conceber que esta se tenha revelado diária, semanal, ou sequer mensal; o que impõe se considere que, ou a correspondência foi de tal volume que é difícil não saber onde foi arquivada, ou tão escassa que não pode haver-se como desproporcional a sua busca; ademais, reportando-se a um Plano de Pormenor, tudo levará a crer que, ao abrigo de um processo de arquivo e organização documental minimamente capazes e eficientes, tal correspondência dever-se-ia localizar nas pastas relativas a tal Plano de Pormenor (afigurando-se irrelevante, repete-se, que este tenha sido implementado ou não).
Mais importa considerar que, nos termos do n.º 1, do artigo 15.º da LADA, uma vez recebido o requerimento de acesso a um documento administrativo, a Entidade Requerida deve, no prazo de dez dias (úteis), adoptar uma das seguintes condutas: (i) informar que o documento não existe; (ii) informar que não possui o documento e, se souber qual a entidade que o detém, remeter-lhe o requerimento, com conhecimento do requerente; (iii) facultar o acesso; (iv), comunicar por escrito as razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento, bem como quais as garantias de recurso administrativo e contencioso de que dispõe o requerente; (v) expor à CADA quaisquer dúvidas que tenha sobre a decisão a proferir, afim de esta entidade emitir parecer.
Acresce que, conforme previsto no n.º 4 do mesmo preceito legal, “Em casos excecionais, se o volume ou a complexidade da informação o justificarem, o prazo referido no n.º 1 pode ser prorrogado até ao máximo de dois meses, devendo o requerente ser informado desse facto, com indicação dos respetivos fundamentos, no prazo de 10 dias”.
Ora, na situação sub judice, não se verificando, como supra se referiu, o carácter abusivo do requerimento apresentado, a Entidade Requerida não só não referiu não possuir os documentos cujo acesso é pretendido, não declarou serem os mesmos inexistentes, e não entendeu necessário proceder à prorrogação do prazo para os localizar. Na verdade, não deu qualquer resposta à Requerente.
Pelo que, por todo o exposto, há-de proceder a pretensão da Requerente.
Quanto a esta questão, considera a Entidade Demandada que, não tendo dado resposta à Requerente, tal não equivale a recusa do pedido formulado, pelo que não pode também o Requerido ser condenado a conceder à Requerente o acesso à documentação solicitada, mas apenas, e no máximo, condenado a emitir resposta sobre o pedido apresentado pela Requerente, conforme o artigo 15.º da LADA.
Nada, porém, de mais errado.
Com efeito, dispõe o artigo 108.º, n.º 1, do CPTA que “se der provimento ao processo, o juiz determina o prazo em que a intimação deve ser cumprida e que não pode ultrapassar os 10 dias”.
Por seu lado, dispõe a alínea a), do n.º 2, do artigo 105.º que “(…) a intimação deve ser requerida no prazo de 20 dias, a contar [do] decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido”.
Donde de extrai que, não tendo a Entidade Requerida satisfeito a pretensão do Requerente no prazo de 10 dias úteis (artigo 82.º, n.º 3, do CPA), tal abre a via contenciosa ao Requerente, para obter do tribunal a intimação daquela à prestação informativa ou documental pretendida, sob pena de ser-lhe aplicada sanção pecuniária compulsória (artigo 108.º, n.º 2 do CPTA).
Pelo que, e sem necessidade de reproduzir tudo quanto supra dito, resulta manifesto estar a Entidade Requerida constituída na obrigação de facultar o acesso aos documentos indicados no Requerimento apresentado, ao abrigo do artigo 82.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, sem que o tenha feito.
É, assim, procedente a pretensão informativa deduzida pela Requerente.”
Ou seja, entendeu a sentença recorrida que, para além de assistir à requerente o direito a obter a consulta e as cópias pretendidas, não são de atender as razões invocadas pelo requerido recorrente para não ter ainda permitido tal consulta: a falta de recursos humanos e a dificuldade em localizar os elementos pretendidos por se reportarem a uma extensão temporal de cinco anos, por referência a um período de há trinta anos. Quanto à primeira, por ser um ónus do requerido recorrente dotar-se dos meios necessários a satisfazer os direitos de informação e consulta de documentos dos particulares e organizar os serviços da forma mais eficiente para o efeito; quanto à segunda, não só por não ter sido esta a razão para a recusa do pedido da requerente, mas também porque o requerido não concretiza um elevado volume de correspondência em causa, de modo a poder considerar-se o pedido da requerente desproporcionado.
É contra tal entendimento que o recorrente se insurge, defendendo que o pedido da recorrida é abusivo e desproporcional, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, na medida em que a consulta dos documentos requeridos, com uma extensão de cinco anos e reportados a trinta anos atrás, obriga a um esforço organizativo por parte dos seus serviços, sobretudo na sequência do ataque informático de que foi alvo, que não é exigível e que irá provocar uma paralisação do departamento de obras, responsável pela satisfação deste pedido, comprometendo o seu funcionamento.
Vejamos.
A Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, dispõe, no n.º 3 do seu artigo 15.º, que “As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente.” Decorre de tal normativo que a obrigação de satisfação de pedidos de informação e acesso a documentos administrativos é afastada quando tais pedidos sejam “manifestamente abusivos”, concretizando a norma que o são quando tenham “carácter repetitivo e sistemático” ou quando respeitem a um considerável “número de documentos requeridos”.
Invocando o requerido tal norma legal para afastar a sua obrigação de satisfazer o pedido da requerente, cabe-lhe alegar e demonstrar factos caracterizadores dos pressupostos de aplicação da norma, ou seja, de uma situação de pedidos “manifestamente abusivos” por terem “carácter repetitivo e sistemático” ou respeitarem a um considerável “número de documentos requeridos”. Tal ónus de alegação decorre do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, nos termos do qual às partes cabe alegar os factos essenciais em que se baseiam as excepções invocadas. Efectivamente, a existência de um pedido de informação manifestamente abusivo, ao afastar a obrigação de o satisfazer, impede o efeito jurídico visado pelo requerente do pedido de informação – traduzido na prestação da informação -, com a consequente absolvição da entidade requerida do pedido de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Assim sendo, a existência de um pedido de informação manifestamente abusivo constitui uma excepção peremptória impeditiva, pelo que os factos concretizadores de tal pedido devem ser alegados pela entidade requerida, que invoca a excepção.
Embora o requerido alegue, no art. 36 da sua resposta, que “Foram apresentados pelo menos 10 requerimentos sucessivos (pela requerente e pelos seus sócios individualmente), sendo certo que em resposta a alguns, não sendo a resposta que pretendiam, voltaram a insistir a solicitar outras informações. (…) insistindo muitas vezes na mesma situação (…)”, do probatório não constam quaisquer factos que permitam concluir pelo “carácter repetitivo e sistemático” do pedido da requerente, sem que o requerido tenha impugnado a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo. Sem embargo, sempre se dirá que a mera apresentação de dez requerimentos sucessivos – sem que se conheça o seu teor e a dimensão da informação requerida nos mesmos – não é apta a concluir pelo padrão de repetição a que se reporta a norma legal.
E, quanto ao considerável “número de documentos requeridos”, o requerido limita-se a alegar, no art. 60 da sua resposta, e de forma conclusiva e vaga, que “está em causa um número muito expressivo de documentos”, sem quantificar os documentos pretendidos, sendo certo que, também quanto a este ponto, nada se provou.
Não tendo o requerido recorrente cumprido o ónus que sobre o mesmo impendia de alegar factualidade consubstanciadora de uma situação de pedidos manifestamente abusivos, não pode ser afastada a sua obrigação de satisfazer o pedido de informação da requerente, pelo que improcede a excepção peremptória por aquele invocada.
Cumpre ainda referir que a circunstância de os documentos requeridos se reportarem a um período de 5 anos e terem uma antiguidade de 30 anos não corresponde, necessariamente e só por si, a uma elevada dificuldade no cumprimento da obrigação de satisfação do pedido – nem sequer à alegada paralisação do serviço responsável pela prestação da informação - , a qual pode não existir por, eventualmente, se tratar de um número diminuto de documentos, sendo certo que, como vimos, este, sim, releva para a caracterização do pedido como “manifestamente abusivo”. Finalmente, a alegação de que o ataque informático que sofreu tem impacto no cumprimento daquela sua obrigação não surge minimamente concretizada para que possa ter qualquer relevância, não se percebendo em que medida a mesma tenha influência na caracterização do pedido da requerente como abusivo.
Em suma, na falta de factos caracterizadores de um “carácter repetitivo e sistemático” do pedido da requerente ou de um considerável “número de documentos requeridos”, não podemos concluir que o pedido da requerente é manifestamente abusivo, nos termos e para os efeitos previstos no referido n.º 3 do artigo 15.º, com o que se mantém a obrigação do requerido de satisfazer o pedido de informação da requerente.
Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados.
*
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Outubro de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Carlos Araújo
Lina Costa