Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:129/25.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
DELEGADO AO JOGO
PERMANÊNCIA NA ZONA TÉCNICA DO TERRENO DE JOGO
NORMAS PERMISSIVAS
Sumário:I - As normas do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal que concedem o direito ao acesso e permanência na zona técnica do terreno de jogo são normas permissivas.
II - Essas normas permissivas do Regulamento das Competições têm uma lógica organizativa.
III - A permanência no banco, por parte dos delegados ao jogo, não consubstancia um dever.
IV - É, antes, e quanto a eles, uma condição do exercício do direito de entrada e permanência na zona técnica do terreno de jogo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
H....... apresentou, junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, recurso do acórdão de 28.1.2025 proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que, no âmbito do recurso hierárquico impróprio n.° 7-24/25, manteve a condenação do Demandante na «sanção de multa que lhe havia sido sumariamente aplicada, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 141.° (Inobservância de outros deveres) do Regulamento Disciplinar da LPFP (RDLPFP), aplicável ex vi artigo 168.°, n.° 1, por violação do artigo 60.° do Regulamento de Competições da LPFP (RCLPFP) na sanção de multa no montante de 765,00 (setecentos e sessenta e cinco euros)».
*

Por acórdão de 17.4.2025 o Tribunal Arbitral do Desporto concedeu provimento ao recurso e, em consequência, revogou o referido acórdão de 28.1.2025 proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
*

Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.° 10/2025.
2. Em suma, o Recorrido foi sancionado por ter permanecido, nos minutos finais do jogo em apreço, na saída do túnel que dá acesso ao relvado - por conseguinte, em inobservância ao dever de permanecer, naquele período, no banco de suplentes.
3. Entendeu o TAD, por maioria, porém, revogar a decisão do Conselho de Disciplina porquanto a conduta do Recorrido não é “subsumível em qualquer infração disciplinar prevista e punida pelo RD da LPFP, por referência ou violação de algum dever a que o mesmo estivesse adstrito, resultante da aplicação do RC da LPFP, por inexistência de norma regulamentar prévia que lhe impusesse algum dever regulamentar que o mesmo possa ter violado."
4. O Recorrido havia sido punido pela conjugação do Artigo 141.° do RD da LPDP (Inobservância de outros deveres) em conjugação com o Artigo 60.° do RC da LPFP.
5. Determina o artigo 17.° do RD LPFP [Conceito de infração disciplinar] que se considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.
6. Ora, o Recorrido, enquanto Delegado ao Jogo da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, que disputa a I Liga - Liga Portugal Betclic, competição organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, encontra-se submetido ao RD da LPFP e ao exercício da ação disciplinar por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
7. Decorre do estatuído no artigo 141.° [Inobservância de outros deveres] do RD da LPFP, que «os demais atos praticados pelos dirigentes que, embora não previstos na presente secção, integrem violação de disposições regulamentares são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 3 UC e o máximo de 25 UC (...)»; por seu turno, determina o artigo 168.°, n.° 1 [Disposições gerais], do RD da LPFP, que «[o]s delegados dos clubes, os treinadores e os auxiliares técnicos que pratiquem as infrações previstas nos artigos 128.° a 141.° são punidos com as respetivas sanções neles previstas».
8. Ora, no caso dos autos - e estes factos não são contestados e foram dados como provados pelo TAD - o Recorrido, apesar de constar da ficha técnica como Delegado ao jogo, entendeu instalar-se, durante o jogo, no camarote e aos 88 minutos de jogo desceu para a zona técnica, colocando-se na saída do túnel de acesso ao relvado. Por essa ocasião, o Delegado da LPFP dirigiu-se ao Recorrido informando-o de que não podia permanecer naquele local e que deveria ocupar o seu lugar no banco de suplentes. O Recorrido ignorou tal informação, tendo permanecido na saída do túnel de acesso ao relvado até ao apito final do árbitro no minuto 90+6.
9. No entendimento do Conselho de Disciplina - e o Delegado da LPFP que fez constar esta situação no seu Relatório - o Recorrido assistiu a parte do jogo oficial n.° 11702 em local onde, nos termos regulamentares, não estava autorizado a permanecer, concretamente junto à entrada do túnel de acesso aos balneários, nos limites da zona técnica.
10. Ora, a al. f) do artigo 13.° do RD da LPFP prevê que os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da FPF no exercício de funções, constantes das declarações e relatórios de jogo, se presumem verdadeiros, enquanto a sua veracidade não for "fundadamente” posta em causa.
11. A zona técnica é a área adjacente ao retângulo de jogo definida peia Comissão Técnica de Vistorias nos termos do artigo 60.° do RC da LPFP.
12. A "área técnica” é o espaço definido nas Leis do Jogo como estendendo-se «1 m para cada lado dos lugares sentados e para a frente até 1 metro da linha lateral» [ponto 9 da Lei n.° 01 [Terreno de jogo) das Leis do Jogo do IFAB].
13. Os dois Delegados ao jogo indicados estão autorizados a permanecer no banco de suplentes e, consequentemente, na "área técnica” (artigo 61.°, n.° 1, al. a) do RC da LPFP).
14. Ademais, os Delegados ao jogo indicados pelos clubes têm direito de aceder aos balneários, nos termos do artigo 62.°, n.° 1 do RC da LPFP.
15. Acresce que, do ponto 9 da Lei n.° 01 das Lei do Jogo do IFAB, que: «A área técnica refere-se aos jogos que se disputam em estádios que oferecem lugares sentados para os elementos da equipa técnica, suplentes e jogadores substituídos e devem ser seguidas as orientações seguintes (...). Os ocupantes da área técnica: (...) devem permanecer dentro dos seus limites, salvo circunstâncias especiais, como por exemplo a intervenção, com autorização do árbitro, do massagista ou do médico no terreno de jogo para avaliar um jogador lesionado».
16. Entende o TAD, mal, que não há qualquer dever que imponha aos delegados ao jogo de ocuparem o banco de suplentes, sustentando tal interpretação no que dispõe o artigo 61.° do RC da LPFP.
17. O Artigo 61.° (Composição do banco de suplentes] refere que “1. Durante o tempo regulamentar, mediante o espaço disponível, apenas os seguintes agentes desportivos têm direito a permanecer no banco de suplentes: a) dois delegados ao jogo; b) três elementos da equipa técnica, dois dos quais treinadores habilitados nos termos do artigo 82.°; (...) d) nove jogadores suplentes”.
18. Quando aqui se refere que os agentes desportivos "têm direito”, alude-se claramente ao dever a que os agentes desportivos ali elencados estão adstritos ao dever de ocuparem o banco de suplentes quando se encontram na área técnica durante o tempo regulamentar.
19. Daí extrapolar, como faz o TAD, erradamente, admitindo que aqueles agentes desportivos, têm o direito de estar no banco de suplentes, podendo, no entanto, circular a seu bei prazer, não tem qualquer respaldo regulamentar e não faz sentido no âmbito da organização de um jogo de carácter profissional.
20. Aliás, bem referiu o TAD no âmbito do processo n.° 86/2022 que “"Dizemos "podem” porque, como refere o Demandante, o art. 61.° do RCLPFP não obriga a que o banco de suplentes tenha de ser ocupado por dois delegados ao jogo, mas caso o seja (isto é, se tais agentes desportivos quiserem aceder e permanecer na zona técnica), durante o tempo regulamentar, o único local onde os delegados ao jogo poderão permanecer é, sem margem para dúvidas, no banco de suplentes.”
21. Ou seja, não é obrigatório que o banco de suplentes seja ocupado por dois delegados ao jogo, mas se isso se verificar, os mesmos têm de permanecer no banco de suplentes durante o tempo regulamentar, sendo esta, com o devido respeito, a única interpretação plausível das normas em concreto.
22. É, aliás, curioso que o TAD dê mais valor ao depoimento do Diretor Jurídico da LPFP e da sua interpretação das normas, em detrimento do que o próprio Delegado da LPFP descreveu em Relatório. Relembremos que os Delegados da LPFP têm formação e indicações específicas quanto aos deveres regulamentares que se impõem aos agentes desportivos e têm o dever de assegurar o cumprimento escrupuloso dos regulamentos.
23. Por tudo o exposto, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo merece a maior censura e deve ser revogado por erro de julgamento de facto e de direito.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul alterar a matéria de facto dada como provada e, em consequência, dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.
*

O Autor apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

A. Do RCLPFP e, em particular, dos seus artigos 60.° e 61.°, não resulta qualquer obrigação ou dever de os delegados ao jogo permanecerem no banco de suplentes durante o jogo.
B. Pelo contrário, das normas em questão resulta, isso sim, que os delegados ao jogo têm o direito de permanecer no banco de suplentes.
C. Este constitui o único resultado interpretativo autorizado pela aplicação das regras constantes do artigo 9.° do Código Civil, designadamente dos elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
D. Como tal, uma vez que o não exercício de um direito ou faculdade jamais pode ser confundido com a violação de uma obrigação, dúvidas não subsistem de que o Recorrido não violou qualquer dever regulamentar ao ter permanecido junto ao túnel de acesso aos balneários.
E. O acórdão recorrido não merece qualquer censura, constituindo o resultado de um raciocínio lógico e judicativo absolutamente inatacável, devendo ser mantido na sua integralidade.
Nestes termos, nos mais de Direito e com o douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido que determinou a revogação das sanções disciplinares aplicadas Recorrido.

*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
A Recorrente termina as suas conclusões aludindo a um «erro de julgamento de facto», pelo que «[d]everá o Tribunal Central Administrativo Sul alterar a matéria de facto dada como provada». Fá-lo, no entanto, por manifesto lapso, como decorre do conteúdo das suas alegações.

Deste modo, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se o acórdão arbitral recorrido errou ao considerar que o Recorrido podia permanecer na saída do túnel de acesso ao relvado, que se situa na zona técnica do terreno de jogo.


III
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

1º - No dia 3 de Janeiro de 2025, pelas 20:15 horas, realizou-se o jogo n.° 203.01.146.0, referente à jornada 17 da Liga Portugal Betclic, tendo o Recorrente sido inscrito na ficha técnica do jogo como delegado ao jogo da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD.
2º - A equipa de arbitragem designada e que conduziu o mencionado jogo foi composta pelos seguintes elementos: J........(Árbitro), Assistente 1: B........ Assistente 2: A........, 4º Árbitro: C........, VAR: E........, AVAR: P........ e, como Delegados da Liga, R........ e T…...
3º - De acordo com o relatório do delegado da LPFP, “O Delegado do Sporting, H........, ficou instalado durante o jogo no camarote. Desceu aos 88 minutos para a zona técnica, saída do túnel de acesso ao relvado onde foi avisado pelo Delegado da LIGA que não podia permanecer naquele local devendo ocupar o seu lugar no banco de suplentes. No entanto ignorou o aviso e ali permaneceu até ao apito final do Arbitro no minuto 90+6”.
4º - O Recorrente H........, apesar de notificado para exercer o seu direito de defesa em sede de audiência prévia, nada disse.
5º - Por decisão disciplinar proferida em processo sumário deliberada no dia 09.01.2025, em formação restrita, publicitada no Comunicado Oficial n.° 145 da LPFP, o recorrente foi sancionado na multa de €765 (setecentos e sessenta e cinco euros) nos termos do artigo 141.° do RDLPFP.
6º - À data dos factos o Recorrente apresentava antecedentes disciplinares que vêm referenciados no extrato disciplinar de fls. 27 e 28. (do RHI 07-24/25).


IV
1. De acordo com o disposto no artigo 3.º/z) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal (adiante, apenas Regulamento das Competições), em cada estádio existe a designada zona técnica, a qual é definida como sendo «a área adjacente ao retângulo de jogo [isto é, a parcela do terreno de jogo onde, nos termos das Leis do Jogo, se disputa o jogo de futebol] definida pela Comissão Técnica de Vistorias nos termos do artigo 60.º do presente regulamento».

2. Por sua vez o artigo 60.º/1 diz-nos que «[e]m cada estádio a Comissão Técnica de Vistorias irá definir a Zona Técnica que incluirá:

a) a zona representada no ANEXO IV, ref.ª E5;
b) a zona entre as linhas exteriores do retângulo de jogo e o respetivo túnel de acesso aos balneários;
c) a zona de corredores de acesso aos balneários dos clubes e da equipa de arbitragem;
d) a zona de acesso dos balneários dos clubes e da equipa de arbitragem ao recinto de jogo;
e) o balneário da equipa de arbitragem;
f) a sala de controlo antidopagem».

3. Finalmente, releva o teor do referido anexo IV, ref.ª E5:



4. Em função do que vem dito ficamos a saber o que é a zona técnica do terreno de jogo (tenha-se presente que o terreno de jogo – onde se insere o retângulo de jogo – é «a superfície onde se desenrola a competição, incluindo as zonas de proteção definidas de acordo com os regulamentos internacionais do futebol» - artigo 3.º/x) do Regulamento das Competições -, e cujo perímetro se mostra representado no anexo IV, ref.ª E5).

5. Importa, agora, apurar quem pode entrar e permanecer na referida zona técnica, relevando, para o efeito, o disposto no artigo 60.º/2 do Regulamento das Competições. Ali se estabelece o seguinte:

«Salvo nos casos previstos nos números seguintes em que se disponha diversamente, podem entrar e permanecer na Zona Técnica, desde que devidamente identificados ou credenciados:

a) os delegados da Liga Portugal identificados por credencial emitida pela Liga Portugal;
b) o diretor de campo do clube visitado e os diretores de imprensa e de segurança dos clubes intervenientes;
c) o substituto do diretor de segurança do clube visitado, nos termos da alínea i), do n.º 5 do artigo 55.º;
d) os delegados ao jogo, dois elementos da equipa médica, os treinadores, todos eles identificados pela competente braçadeira e os jogadores suplentes, quando equipados, de cada um dos clubes contendores, o quarto árbitro e os maqueiros dos serviços de urgência médica solicitados pela equipa de arbitragem durante a reunião preparatória;
e) um operador de câmara nos termos do estabelecido no grafismo do ANEXO IV, ref.ª E5;
f) agentes da força de segurança;
g) coordenador de segurança do clube visitado;
h) assistentes de recintos desportivos do clube visitado;
i) um apanha-bolas do clube visitado;
j) o Presidente da Liga Portugal e os presidentes dos clubes visitado e visitante;
k) um membro da Secção da Área Profissional do Conselho de Arbitragem da FPF até 15 minutos antes de começar o jogo, desde que previamente designado pelo Conselho de Arbitragem da FPF, cuja designação deverá ser comunicada à Liga Portugal até 48h antes do início do jogo para informação ao clube visitado;
l) cinco elementos de cada um dos clubes visitado e visitante, até ao início do jogo e durante o respetivo intervalo, nas seguintes categorias e números:
i. equipa técnica;
ii. um técnico de equipamentos;
iii. dois elementos organização de jogo;
iv. um dirigente;
v. um elemento da gravação técnica;
vi. um elemento de acompanhamento a jogadores.
m) dois jogadores além dos que constem das fichas técnicas das equipas, para exercícios de aquecimento;
n) o speaker do clube visitado, em local definido aquando da vistoria técnica efetuada pela Comissão Técnica de Vistorias;
o) os titulares do direito de livre-trânsito quando, para o desempenho das suas funções, se justifique a respetiva presença;
p) o técnico de apoio ao sistema de vídeo-árbitro, para informar o delegado da Liga Portugal em caso de avaria no sistema VAR».


6. Em função da norma transcrita ficamos a saber que o Recorrido, que era delegado ao jogo, tinha o direito de entrar e permanecer na zona técnica. Este direito é, de resto, indiscutível. O problema situa-se noutro plano, que é o de saber se esse direito se estende a qualquer ponto dessa zona técnica ou, ao invés, existe local próprio para esse efeito.

7. A dúvida adensa-se em face do disposto no artigo 61.º/1 do Regulamento das Competições, o qual tem o seguinte teor:

«Durante o tempo regulamentar, mediante o espaço disponível, apenas os seguintes agentes desportivos têm direito a permanecer no banco de suplentes:

a) dois delegados ao jogo;
b) três elementos da equipa técnica, dois dos quais treinadores habilitados nos termos do artigo 82.º;
c) dois elementos da equipa médica, um dos quais médico;
d) nove jogadores suplentes».

8. A terminologia usada não admite dúvidas: a norma, por via do n.º 1, não consagra uma obrigação. Não é o caso do médico, cuja presença no banco de suplentes, como se compreende, é obrigatória. Di-lo expressamente o n.º 3 do referido artigo 61.º: «É obrigatória a presença de médico no banco de suplentes em todos os jogos organizados pela Liga Portugal». Mostra-se, por isso, ocioso dedicar qualquer atenção à questão de saber se o artigo 61.º/1 do Regulamento das Competições – visto isoladamente - consagra um direito ou um dever.

9. O problema está na enunciação do próprio quesito. Ou seja, o acórdão recorrido respondeu à seguinte questão:

· O artigo 61.º consagra, quanto aos delegados ao jogo, um dever de permanência no banco de suplentes?

10. No caminho que trilhou ao encontro da resposta que veio a dar o acórdão recorrido, ao identificar a posição da Federação Portuguesa de Futebol, começa por referir que o «Acórdão recorrido proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada FPF (…) considera que: Durante o tempo regulamentar de jogo, os delegados dos Clubes (inscritos na ficha de jogo) têm o dever regulamentar de ocupar o seu lugar no banco de suplentes, constituindo um dever a que os delegados dos Clubes se encontram adstritos». Mas não é verdade. O acórdão de 28.1.2025 do Pleno do Conselho de Disciplina da Recorrente não afirmou o dever regulamentar de o delegado ao jogo ocupar o seu lugar no banco de suplentes.

11. Acaso foi suscitado algum problema pelo facto de o Recorrido ter estado a assistir ao jogo num camarote até ao minuto 88? É evidente, nos autos, que não. Precisamente porque em momento algum se considerou que o Recorrido, enquanto delegado ao jogo, estava submetido a esse dever.

12. Vejamos então melhor, tentando precisar os contornos da verdadeira questão. Como resulta do facto 3.º, o Recorrido foi punido em decorrência do seguinte: tendo ficado instalado no camarote, durante o jogo, «[d]esceu aos 88 minutos para a zona técnica, saída do túnel de acesso ao relvado onde foi avisado pelo Delegado da LIGA que não podia permanecer naquele local devendo ocupar o seu lugar no banco de suplentes. No entanto ignorou o aviso e ali permaneceu até ao apito final do Arbitro no minuto 90+6"». Por isso se dizia, no acórdão de 28.1.2025 do Pleno do Conselho de Disciplina da Recorrente, que o problema está no facto de o Recorrido ter «[assistido] a parte do jogo oficial n.º 11702 em local onde, nos termos regulamentares, não estava autorizado a permanecer, concretamente junto à entrada do túnel de acesso aos balneários, nos limites da zona técnica». Repete-se: por não poder permanecer junto à entrada do túnel de acesso aos balneários, nos limites da zona técnica. E adiante explicava-se: «os agentes desportivos autorizados a ocupar a área técnica e o banco de suplentes não podem escolher livremente o local dentro da zona técnica onde vão assistir ao jogo (eg. atrás do quarto árbitro, à frente do quarto árbitro, ao lado do apanha-bolas, à entrada do túnel de acesso aos balneários, por trás do banco de suplentes)». Em suma, e fazendo uso das palavras da Recorrente, «o Recorrido foi sancionado por ter permanecido, nos minutos finais do jogo em apreço, na saída do túnel que dá acesso ao relvado - por conseguinte, em inobservância ao dever de permanecer, naquele período, no banco de suplentes».

13. Portanto, o que importa apurar não é

se o Regulamento das Competições obriga os delegados ao jogo a estarem presentes no banco de suplentes

14. Mas sim
se o Regulamento das Competições obriga os delegados ao jogo a ocupar lugar no banco de suplentes, caso decidam permanecer na zona técnica do terreno de jogo

15. Vejamos, então.
Como se sabe, o acesso ao terreno de jogo é restrito. Essa evidência integra, pois, a natureza restrita do acesso à zona técnica do terreno de jogo. Portanto, as normas que concedem o direito ao acesso e permanência nessa zona são normas permissivas. São normas que, como refere Oliveira Ascensão (in O Direito – Introdução e Teoria Geral, Almedina, 1991, p. 520), «permitem certa conduta». Ao contrário das normas preceptivas, que «impõem uma conduta».

16. Ora, essas normas permissivas do Regulamento das Competições têm uma lógica organizativa. Ou seja, o Regulamento das Competições identifica a zona técnica do terreno de jogo e, dentro dela, o local dos bancos principais, dos bancos suplementares, do apanha-bolas e do quarto árbitro. Portanto, e ainda sem o rigor técnico que adiante se procurará recuperar, dir-se-á que a norma permissiva geral que nos indica quem poderá aceder e permanecer na referida zona técnica tem de ser conjugada com as normas, igualmente permissíveis, que indicam o local próprio dentro dessa zona, nos termos constantes do anexo IV, ref.ª E5, do Regulamento das Competições, assim parcialmente reproduzido:



17. Tal entendimento não transforma em dever o direito previsto no Regulamento das Competições. Do que se trata é de um direito limitado ao banco de suplentes (ou ao banco suplementar a que se refere o artigo 60.º/4 do Regulamento das Competições e representado no seu anexo IV, ref.ª E5). Por ser um direito é que o Recorrido não foi sancionado por ter estado no camarote até aos 88 minutos, como já anteriormente foi evidenciado.

18. A posição adotada pelo acórdão recorrido desconsidera a lógica organizativa das normas em causa e substituí-a por uma lógica anárquica.

19. Vejamos melhor. De acordo com o Regulamento das Competições, os delegados ao jogo podem, por um lado, entrar e permanecer na zona técnica do terreno de jogo [artigo 60.º/2/d)]. Por outro, também têm direito a permanecer no banco de suplentes, o qual está localizado nessa zona [artigo 61.º/1/a)]. Assim, sendo, conclui o acórdão recorrido, podem optar pelo exercício de cada um desses direitos.

20. Ora, esse raciocínio poderá ser alargado a outros intervenientes cuja situação é tratada em termos exatamente iguais aos dos delegados ao jogo. É o caso dos jogadores suplentes.

21. Também quanto a eles se poderá escrever o mesmo que ficou dito para os delegados ao jogo. Ou seja, o artigo 60.º/2/d) confere-lhes o direito de entrar e permanecer na zona técnica do terreno de jogo e o artigo 61.º/1/a) dá-lhes o direito de permanecer no banco de suplentes. Exatamente – como se disse – o que sucede com os delegados ao jogo. Seguindo o entendimento do acórdão recorrido, também eles poderão optar pelo exercício de cada um desses direitos. O que significaria que nove jogadores suplentes poderiam, a dada altura, estar de pé na zona técnica do terreno de jogo, tapando a visão do banco do adversário e – note-se – do próprio quarto árbitro (recorde-se a representação gráfica constante do anexo IV, ref.ª E5). Inaceitável, segundo se julga.

22. Compreende-se, aliás, a alegação da Recorrente quando refere que «entender que 32 elementos, 16 de cada equipa, podem, conforme bem entendam, durante o tempo regulamentar de um jogo, ausentar-se do seu banco de suplentes para assistir ao jogo noutro qualquer local da área técnica ou da zona técnica ou simplesmente circular pelas zonas contíguas ao terreno de jogo, é uma interpretação que carece de respaldo nas normas que regulam a presente matéria». Aceitar o contrário é admitir que as normas de organização da zona técnica assumem, como condição normal para atingir a respetiva finalidade, a boa vontade daqueles que têm o direito de acesso e permanência à referida zona.

23. Concluindo: por comodidade expositiva referiu-se, até ao momento, as duas normas permissivas, uma relativa à zona técnica do terreno de jogo e outra referente ao banco de suplentes. Importa, no entanto, arrumar devidamente tais conceitos.

24. Como se sabe, artigo e norma jurídica são realidades que não se confundem. O artigo é apenas a unidade base de organização do texto legal (quando a opção é pelo artigo), podendo conter a totalidade da norma jurídica, como apenas parte dela (ou até mais do que uma norma jurídica).

25. No caso dos autos a norma que procuramos é a que regula o acesso e permanência na zona técnica do terreno de jogo. Para a identificarmos importa ler conjugadamente aos artigos 60.º e 61.º do Regulamento das Competições. E deles resulta que a permanência no banco, por parte dos delegados ao jogo, não consubstancia um dever. É, sim, e quanto a eles, uma condição do exercício do direito de entrada e permanência na zona técnica do terreno de jogo. E nesse caso – em que opta por estar na zona técnica do terreno de jogo – o seu nome terá de constar da lista de elementos do banco de suplentes e do banco suplementar, como imposto pelo artigo 52.º/2/c)/iii. do Regulamento das Competições.

26. Como se sabe, o Recorrido não respeitou aquela condição, motivo pelo qual podia – como foi – ser punido.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão arbitral recorrido e manter o acórdão de 28.1.2025 proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Custas pelo Recorrido (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 15 de julho de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Rui Fernando Belfo Pereira