Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | ||
Processo: | 131/07.6BELLE-A | |
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Secção: | CA | |
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Data do Acordão: | 05/15/2025 | |
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Relator: | ALDA NUNES | |
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Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUE DECLAROU NULIDADE DE LICENCIAMENTO LEGALIZAÇÃO EFEITOS PUTATIVOS DEMOLIÇÃO | |
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Sumário: | ![]() | |
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Votação: | UNANIMIDADE | |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum | |
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Aditamento: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório O Ministério Público junto do TAF de Loulé propôs execução de sentença de anulação de atos administrativos contra o Município de Vila Real de Santo António e contra os contrainteressados (1) ZZZZ, (2) AA & LLLL, (3) TTTT, (4) CC, (5) DD, (6) EE, (7) XXXX, (8) RRRR, (9) FF, (10) GG, (11) HH, (12) II, (13) JJ e (14) KK, pedindo: O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 28.10.2016, julgou procedente a execução e, em consequência, condenou o Executado, no prazo de 90 dias úteis, a: i. Cassação do alvará de licença de construção n.º ... e do Alvará de utilização das habitações; ii. Demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção n.º ...; iii. Na reposição do solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo pela decisão proferida na ação administrativa especial n.º 131/07.6BELLE. Condenou o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, em sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional, aplicável após o decurso do prazo de 90 dias úteis para execução voluntária do julgado e até à execução integral do mesmo julgado. O XXXX apresentou reclamação para a conferência da sentença proferida. A contrainteressada EE veio ao processo requerer a suspensão da execução da sentença até à entrada em vigor da alteração do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António. O executado Município de Vila Real de Santo António interpôs recurso jurisdicional da sentença executiva. Nas alegações do recurso, o executado, ora recorrente, formulou as seguintes conclusões: Tendo em conta que no caso sob sindicância os terceiros adquirentes de frações autónomas não foram partes dos processos de licenciamento da construção e/ou da utilização, não foram partes na ação declarativa que antecedeu a execução de cuja sentença se recorre e não tinham como saber, através dos documentos oficiais do imóvel, da ação em curso, não se vê como não concluir pela boa fé dos mesmos. Atendendo aos princípios constitucionais da justiça, da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP), deveria o Tribunal a quo ter reconhecido a existência destes terceiros de boa fé (titulares legítimos de direitos adquiridos). Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé, constitucionalmente consagrado no art. 62.º da CRP e o qual constitui um direito fundamental, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, em face do estatuído no art. 17.º da CRP. Esta situação agrava-se pelo facto de, após o licenciamento da construção, ter sido licenciada a utilização do edificado através de ato administrativo não sindicado judicialmente, e, bem assim, a execução de uma putativa ordem de demolição das frações autónomas adquiridas ser sinónimo, a final, de uma real ablação do direito de propriedade desses terceiros. A isto acresce o facto de a não demolição do Conjunto Habitacional edificado não acarretaria qualquer prejuízo relevante para o interesse público (o Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN). Devem as presentes alegações ser consideradas procedentes por provadas e, deve a sentença recorrida, em consequência, ser considerada nula e revogada. Os contrainteressados KK e JJ interpuseram recurso da sentença e nas alegações de recurso formularam as seguintes conclusões: Termos em que, …, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência: 1. Ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo declarada nula, com as demais consequências legais e processuais, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) ou, caso assim não se entenda, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, b) ambos do CPC; Caso assim não seja entendido por esse venerando Tribunal, 2. Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que considere: Que os recorrentes são terceiros de boa fé e que os efeitos da nulidade não lhes são oponíveis, nos termos do art.º 134.º, n.º 3 do CPA (versão aplicável), não estando abrangidos pela execução da sentença que ordenou a demolição das habitações licenciadas com base no ato nulo. Por último, se nenhum dos pedidos supra for julgado procedente, o que se admite sem conceder, que 3. A norma do art.º 134.º n.º 3 do CAP seja considerada inconstitucional no sentido interpretativo que lhe foi conferido pelo Tribunal a quo. HH e esposa II interpuseram recurso da sentença e nas alegações, no final, formularam as seguintes conclusões: e, Por outro lado, De realçar que desde que a apresentação da PI do processo principal até à prolação da sentença exequenda, e desde a data da prática dos atos nulos até à propositura da ação decorreram menos de três anos, em ambos os casos”. Nestes termos … requerem … que seja concedido provimento ao presente recurso e em consequência seja revogada a sentença recorrida. O RRRR interpôs recurso da sentença e concluiu as alegações do seguinte modo: NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a presente execução com fundamento na existência de causa legítima de inexecução. Por despacho de 11.1.2017 a reclamação para a conferência apresentada pelo XXXX foi convolada em recurso, não foram conhecidos os pedidos de suspensão de execução da sentença proferida, foram admitidos os recursos interpostos pelo Município e pelos contrainteressados, com exceção do RRRR que foi notificado para pagar a multa do art 139º, nº 6 do CPC. O Ministério Público contra-alegou os recursos. Quanto ao recurso interposto pelo contrainteressado XXXX, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença. Quanto ao recurso interposto pelo Município, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Nomeadamente: - Ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, não seria a adição ao probatório da referência à constituição da propriedade horizontal e às sete frações que levaria à ponderação da existência de terceiros de boa-fé e de efeitos putativos, pela simples razão que estes fatores foram especificamente ponderados pela sentença recorrida. A adição nada alteraria o decidido, pelo que é um facto irrelevante. - A adição da referência à venda das frações e constituição de hipotecas também é inócua, porquanto ambas foram efetivamente tidas em conta na decisão proferida, que se reportou aos vários adquirentes e aos credores hipotecários, analisou as consequências da execução na respetiva esfera e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos, através da produção de efeitos putativos. - É também irrelevante a menção no probatório à emissão de licença de utilização, através da qual o recorrente pretende levar à ponderação da existência de terceiros de boa-fé. Como já mencionado, a existência de terceiros adquirentes e dos credores hipotecários foi largamente admitida, discutida e ponderada na sentença recorrida, tal como foram ponderados os efeitos na sua esfera jurídica e a admissibilidade da salvaguarda das respetivas posições subjetivas. Trata-se, por isso, de mais um facto irrelevante e que não deve ser aditado. - A menção a que os adquirentes das frações e os credores hipotecários não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção nem na ação administrativa especial é inútil, porquanto é do conhecimento do tribunal e em momento algum a sentença demonstra confundir os dois processos e respetivos intervenientes. Como resulta claramente da leitura do preâmbulo do probatório, é feita a transcrição de factos da sentença administrativa especial, pelo que os contrainteressados mencionados nos factos A) e I) são os que intervieram nesta. - Não cabe levar ao probatório a falta de registo da ação administrativa especial, porquanto a ação não foi registada por não estar sujeita a registo predial. Levar um facto negativo que resulta da lei ao probatório é absolutamente irrelevante. - O risco para a estabilidade do conjunto habitacional em caso de demolição parcial não deve ser aditado porque não resultou provado e porque o que está em causa é a demolição total do edificado, não a demolição parcial. Foi o licenciamento da totalidade que foi declarado nulo e o tribunal apenas teria que ponderar as consequências de uma demolição parcial se existissem, no conjunto habitacional, frações autónomas suscetíveis de licenciamento, o que não acontece. - A implantação do conjunto habitacional fora da REN consta do ponto D) do probatório, com maior especificação do que o pretendido, pelo que não deve ser aditado. Não o fez porque a legalização parcial não é possível. Estamos perante um conjunto habitacional em propriedade horizontal, com as inerentes partes comuns, pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade do edificado a legalizar, o conjunto, não podendo o Município decidir quais as frações a manter e as partes comuns e estruturas a preservar e em que termos. Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se a sentença recorrida. Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados KK e JJ, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida. Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados HH e II, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida. A 18.5.2017 o tribunal não admitiu o recurso interposto pelo RRRR e pronunciou-se pela improcedência das nulidades imputadas à sentença recorrida. O RRRR arguiu a nulidade do despacho de 18.5.2017. O tribunal a quo, por despacho de 22.11.2017, indeferiu a pretensão do RRRR e condenou-o em multa. Deste despacho foi interposto recurso de apelação que subiu em separado e, conhecido, ditou a revogação do despacho recorrido e a admissão do recurso interposto pelo RRRR da sentença recorrida. O RRRR foi incorporado, por fusão, no DDDD, a 27.12.2017. O MP do TAF de Loulé foi então notificado para contra-alegar o recurso do RRRR. Juntas as contra-alegações nelas foram formuladas as seguintes conclusões: Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença recorrida. Com dispensa dos vistos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento. Objeto dos recursos: Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, as questões decidendas, tal como as identificam os recorrentes, passam por determinar se a sentença recorrida incorreu em: Recurso do Município: Recurso dos contrainteressados OO e PP: Recurso de QQ e RR: Recurso do XXXX: Recurso do DDDD: Fundamentação de Facto: 3. O terreno em questão, segundo os dados fornecidos pelo requerente, tem uma faixa a sul com 1077,06 m2 de área que se encontra inserido no regime transitório da REN, e que segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção. Assim a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções, tem 1392,94 m2, pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50° do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de: - 1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2 Ou - 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais) Para efeitos de índices, no projeto foi considerada a totalidade do terreno, contudo a implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar. 4. De acordo com a planta de zonamento do PDM, o terreno encontra-se inserido na Zona Turística de Expansão e tem 2470 m2 de área. Contudo, tal como foi referido no n° 2, parte do terreno (a sul) faz parte do regime transitório da REN. 5. A área de superfície de pavimento aprovado em reunião de Câmara datada de 01 /06/2004 foi de 920,43 m2, qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726. O índice autorizado e superior a 0,35 e menor que 0,4 o que também já ocorreu em situações semelhantes, nomeadamente no processo de loteamento n° 1/97. A área de construção aprovada foi de 1363,13 m2, tal como consta no Alvará de licença de construção. 6. O regulamento do PDM não especifica os casos especiais, em que o índice de utilização poderá ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4” (cfr doc nº 6 da pi); Nos termos do disposto no art 662º do CPC e do art 149º do CPTA, por resultarem dos autos e se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas, aditam-se os seguintes factos à seleção dos factos provados: - a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008; - a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data); - a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014; - a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); - a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); - a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); - e a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX – docs 4 a 10 juntos com a contestação do Município. Fundamentação de Direito Nulidade – omissões de pronúncia – art 615º, nº 1, al d) do CPC; O recorrente Município alega que a sentença recorrida padece de nulidade porque: Nos termos do disposto no art 615º, nº 1, al d), 1ª parte, do CPC, é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», o que está em consonância com o disposto no art 608º, nº 2 do CPC onde se estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág.143). Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, obra cit., pág. 54). Logo, as questões a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões, não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido. Vejamos agora a situação concreta. O que está em causa na presente execução de sentença de anulação de atos administrativos de licenciamento urbanístico é o cumprimento do decidido no processo declarativo, repondo a ordem jurídica violada, e a forma como tal deve ser feito, e, sendo assim, se houver desacordo entre as partes ou inércia, cabe ao tribunal indicar a forma correta de dar cumprimento à decisão jurisdicional transitada em julgado. Lendo a sentença recorrida, o tribunal a quo apreciou e decidiu a questão posta, da reconstituição da situação ex ante, ou seja, a que existiria se os atos declarados nulos não tivessem sido praticados – cfr art 173º, nº 1 do CPTA, na redação anterior ao DL nº 214-G/2015, de 2.10 – identificando a consequência da reposição natural que emerge da execução da sentença com a demolição das construções por ter sido infringida a lei, mais precisamente o disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992. A sentença recorrida apreciou, ainda, as causas invocadas de impedimento do cumprimento do julgado. No entanto, estas não são a questão a resolver, mas argumentos esgrimidos pelos recorrentes para alegadamente afastar a demolição e a reposição do terreno na situação anterior à realização das obras de construção do Conjunto Habitacional. Logo, nunca poderia aqui haver uma omissão de pronúncia. A sentença abordou a suscetibilidade de legalização das construções (concluindo pela insusceptibilidade de legalização das construções, a demolição atingirá todas as construções que estiveram por base os atos declarados judicialmente nulos), a existência de terceiros de boa-fé – credores hipotecários e adquirentes das frações - e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos (os contrainteressados na ação principal foram os identificados na petição inicial de 5.3.2007 … os contrainteressados que não foram parte na ação principal não demostram que o seriam à data da propositura da ação principal … mesmo admitindo a circunstância que alguns contrainteressados venderam as suas frações a outrem não significa que se deve ter em conta que estes são terceiros adquirentes de boa fé, nos termos em que é alegado); a produção de efeitos putativos dos atos nulos (concluindo que, perante a violação dos instrumentos de ordenamento territorial, não há reconhecimento da relevância jurídica das situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos, tanto mais que não decorreu um longo período de tempo para criar uma situação de facto merecedora de tutela jurídica e a hipoteca sobre um imóvel não se extingue com a demolição da construção, dado que dela não resultará uma perda total); a situação financeira do Município de Vila Real de Santo António e os custos da execução (não constitui causa legítima de inexecução, nos termos do art 175º, nº 3 e 163º do CPTA); o prazo para a execução do julgado (de 3 meses (90 dias úteis … o prazo de dois anos para cumprimento entretanto já decorreu). Também, o princípio da proporcionalidade entre o interesse público tutelado pelas normas do ordenamento do território e do urbanismo e o direito de propriedade e da edificação foi tido em conta na sentença recorrida que decidiu pela prevalência dos interesses públicos no caso concreto. De todo o modo, a proporcionalidade ou desproporção da demolição e reposição não era nem é uma questão a resolver. Era e é um argumento e um critério a considerar na determinação da demolição e reposição do terreno, esta sim uma questão a resolver nos termos do artigo 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA e do artigo 134º do CPA, que o tribunal decidiu ser totalmente exigível, mediante o restabelecimento da situação existente anteriormente aos atos declarados nulos. Não há, portanto, nulidade por omissão de pronúncia como pretende o recorrente Município de Vila Real de Santo António. No mesmo sentido terá de ser a nossa decisão sobre a nulidade por omissão de pronúncia sobre a posição dos contrainteressados como terceiros de boa fé – art 615º, nº 1, al d) do CPC – invocada pelos recorrentes Município, OO e PP. Precisamente porque não sendo a questão do processo ainda assim foi analisada pela sentença em crise, no sentido de não justificar o incumprimento da sentença declarativa. Refere a sentença, se à data da transmissão do direito real das contrainteressadas no processo principal, estas não informaram os adquirentes da situação processual existente (ação principal com vista à declaração de nulidades de atos praticados referentes à construção das frações em causa), tal escapa ao controlo jurisdicional deste Tribunal. Os recorrentes Município, QQ e RR imputam à sentença nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de registo da ação – art 615º, nº 1, al d) do CPC. Mas sem razão. Primeiro, a alegada necessidade de registo predial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo não é a questão do processo executivo, que apele ao cumprimento do julgado anulatório. Depois, a declaração de nulidade de atos de licenciamento urbanístico não está sujeita a registo predial, porque não briga com a constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre o prédio objeto do licenciamento (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial). Tanto basta para o juízo de improcedência da nulidade por omissão de pronúncia. Por tudo o exposto, a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia. Nulidade por falta da necessária fundamentação – art 615º, nº 1, al b) do CPC Os recorrentes OO e PP imputam nulidade por falta de fundamentação à sentença recorrida quando nela consta (apenas) que não significa que os adquirentes sejam terceiros de boa fé. A nulidade da sentença por violação do artigo 615º, nº 1, al b) do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada. Ora, a sentença exequenda não foi indiferente à posição dos contrainteressados na ação executiva, apenas julgou o interesse público como prevalecente sobre as situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos. Assim sendo, sem necessidade de mais longas considerações, não ocorre nulidade por falta absoluta de fundamentação. Erro de julgamento da matéria de facto O recorrente Município defende o aditamento à matéria de facto provada dos factos seguintes: Este facto ficou provado através do documento 2 junto à Contestação do Recorrente, o qual corresponde à certidão emitida pelo Recorrente em 14.01.2005. Resulta igualmente demonstrado através dos documentos 3 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam certidões do registo predial das frações autónomas constituídas e respetivas cadernetas prediais dessas mesmas frações. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto ficou provado através dos documentos 4 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam as certidões de registo predial das frações autónomas e respetivas cadernetas prediais. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto ficou provado através do documento 11 junto com a Contestação, o qual corresponde ao Alvará de Licença de Utilização n.º ..., datado de 21.11.2006, emitido no âmbito do Processo n.º ..., no seguimento do despacho de 16.11.2006, em nome da sociedade TTTT, respeitante a sete fogos com a tipologia T3, destinados a habitação. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Resulta dos documentos 1 a 4 juntos aos autos na petição inicial apresentada pelo Ministério Público no âmbito da ação administrativa declarativa e do Processo Administrativo que o processo de licenciamento foi tramitado em nome da sociedade ZZZZ, a qual cedeu, em 15.02.2005, à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL], tendo sido em nome desta última sociedade e de NN que, em 31.05.2005 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º ... – o qual foi junto aos autos pelo Ministério Público como documento 9 daquela petição inicial. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto resulta provado do documento 3 junto com a Contestação do Recorrente, o qual consubstancia certidões do registo predial genérica e das sete frações autónomas constituídas, donde não consta qualquer referência ao registo da ação administrativa. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto foi provado através do documento n.º 13 junto com a Contestação do Recorrente, o qual corresponde a uma Informação datada de 24.03.2015, donde consta um Parecer sobre a eventual demolição parcial do Conjunto Habitacional. Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração que a demolição parcial do Conjunto Habitacional tem um impacto na estabilidade do restante Conjunto Habitacional. Este facto resulta provado pelo documento n.º 6 junto com a Petição Inicial apresentada pelo Recorrido na ação administrativa especial – citado no Facto D) da Matéria de Facto Assente –, nunca tendo sido contestado por este. Encontra-se também do documento n.º 1 junto com a sua Contestação – o qual corresponde a um extrato da Planta de Síntese de Uso do Solo n.º 2.5 e 2.7 do PDM de Vila Real de Santo António e, bem assim, dos documentos que integram o Processo Administrativo. Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração a existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional e adequada ponderação e aplicação do princípio da proporcionalidade do caso concreto. Analisemos. Nos termos dos artigos 636º, nº 2 e 640º do CPC, aplicáveis ex vi dos arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA, podem as partes, nas respetivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto. Para o efeito, o art 640º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os diversos pontos da matéria de facto impugnados. Estes ónus encontram-se devidamente cumpridos. O recorrente Município de Vila Real de Santo António alega que a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto, para o caso de se entender que os factos omitidos não determinam a nulidade da sentença. Só parcialmente lhe assiste razão, porque a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelas partes. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório. Da alegação do recorrente entendemos ser de aditar ao probatório os factos inscritos nas alíneas b) e c), que antes deixámos escritos nos factos provados nas als S) e P). A demais factualidade invocada pelo recorrente – constituição da propriedade horizontal com sete frações e falta de registo predial da ação – é irrelevante para a decisão – não intervenção dos ora contrainteressados na ação administrativa especial – resulta provada nas als A), I), K), S) – risco para a estabilidade do conjunto habitacional de demolição parcial – não resulta provado este facto e o mesmo é irrelevante, porque o título executivo declarou a nulidade do licenciamento do Conjunto Habitacional (não de determinada fração ou frações) – e implantação do conjunto habitacional fora da REN – este facto resulta provado na al D) da matéria de facto provada. A pretensão do recorrente Município, de aditamento de factos provados, procede parcialmente. Erros de julgamento da matéria de direito O recorrente Município refere que a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento, desde logo e em geral por ter considerado inexistirem, em concreto, causas legítimas de inexecução, impedimentos legais e de facto à execução mediante a demolição do Conjunto Habitacional. Advoga o recorrente que o tribunal errou ao considerar que não é garantida nem exequível a legalização das construções por força da revisão do PDM em curso, pois o quadro normativo vigente não permitia a legalização do Conjunto Habitacional referido. Errou a sentença ao não aplicar ao caso concreto o princípio da proporcionalidade – em especial, nos cenários da consideração da existência de terceiros de boa-fé, da ponderação do binómio legalização / demolição (total ou parcial) e, bem assim, do apuramento de um prazo de execução. Mal andou a decisão do Tribunal a quo quando ordenou que se procedesse à demolição da totalidade do Conjunto Habitacional (ainda mais sem uma articulação com uma solução menos drástica, como seja, por exemplo, a fixação de um prazo razoável para a efetivação da legalização, sob pena de concretização da dita demolição). Foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da justiça. Verifica-se assim que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por manifesta violação do artigo 106º, nº 2 (primeira parte) do RJUE, dos artigos 179º, nº 1 e 71º, nº 2, ambos do CPTA, assim como dos artigos 2º e 111º da CRP. Alega o recorrente que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão. A sentença recorrida não considerou existirem efeitos putativos a reconhecer adquirentes de boa fé, por não terem sido partes nos procedimentos de licenciamento da construção e da utilização, nem na ação de impugnação desses atos, a qual por sua vez não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial. Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé e também violação da previsão de inexecução lícita, decorrente do art 163º, nº 1 do CPTA, por da demolição resultarem prejuízos financeiros para o interesse público. Por fim, o recorrente Município imputa ainda erro de julgamento decorrente da determinação de um prazo ilegal para a execução, de 90 dias, por manifestamente insuficiente quer para a legalização quer para a demolição. Os contrainteressados (adquirentes das frações e credores hipotecários) não se conformam com a sentença, a que imputam erros de julgamento de direito por não terem sido reconhecidos como terceiros de boa fé e titulares de efeitos putativos. Os recorrentes OO e PP, para além de tudo, alegam ainda que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido interpretativo que o tribunal a quo lhe conferiu, no sentido de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional, colide contra os princípios fundamentais consagrados no art 266º, nº 1 e 2 da CRP, na medida em que atenta contra interesses legalmente protegidos dos cidadãos bem como com o princípio da proporcionalidade. O recorrente DDDD imputa à sentença recorrida também violação do artigo 33º, nº 2 do CPC, do artigo 57º do CPTA, dos arts 20º e 268º, nº 4 da CRP, do art 291º, nº 2 do Código Civil e por considerar a demolição como uma medida sancionatória. O recorrente XXXX entende padecer a sentença de violação do disposto no art 291º do CC, no art 134º, nº 3 do CPA, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do art 106º, nº 2 do DL nº 555/99 e a demolição das construções condiciona e muito a garantia real do recorrente. Vejamos. Na ação principal, por sentença de 28.10.2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé declarou a nulidade: O fundamento da nulidade dos atos administrativos impugnados reside na violação do disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992 (RPDM/92). De acordo com o preceito legal, nas Zonas Turísticas de Expansão, ressalvado o disposto no n.º 3 do presente artigo, nos empreendimentos turísticos bem com, nos planos de pormenor que a Câmara Municipal venha a elaborar, têm que se observar, obrigatoriamente, as seguintes regras: a) Índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano. Em casos especiais, este índice poderá atingir 0,4. O terreno objeto da operação urbanística tem 2470m2 de área e encontra-se inserido em Zona Turística de Expansão, mas 1077,06m2 fazem parte do regime transitório da REN, por se tratar de uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção. Assim, a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções tem 1392,94m2. Pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de: - 1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2 ou - 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais) A área de construção aprovada foi de 1363,13m2. A implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar. No entanto, para efeitos de índices, no projeto aprovado foi considerada a área total do terreno, ou seja, os 2470m2 e a área de superfície de pavimento foi de 920m2, a qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726, isto é, uma área de superfície de pavimento aprovado de 432,47m2 acima do permitido por lei, que é de 487,53 m2 (487,53 m2 + 432,47m2 = 920m2). Portanto, o índice de utilização bruto aprovado é superior a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano. O referido índice de utilização é menor que 0,4, mas o RPDM não especifica os casos especiais em que o índice de utilização pode ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4. A sentença exequenda julgou o índice de utilização aprovado (de 0,3726) para a operação urbanística superior ao permitido por norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António (de 0,35). Consequentemente, julgou o ato de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção nº ..., nulos, à luz do estabelecido no artigo 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, na redação do DL nº 177/2001, de 4.6. A sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014. É este o título executivo da presente ação de execução de sentença de anulação dos atos administrativos de licenciamento urbanístico proferidos no procedimento camarário nº .... O caso julgado firmado pela sentença exequenda delimita os poderes de pronúncia do juiz de execução, vinculando o tribunal (e as partes) a acatar o que aí ficou definido. A eficácia subjetiva do caso julgado pode estender-se aos contrainteressados da ação executiva (como mais à frente veremos). Nos termos do disposto no art 205º, nº 2 da CRP, art 158º, nº 1 e nº 2 do CPTA e art 619º, nº 1 do CPC, transitada em julgado a decisão judicial que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou decisão, designadamente, de autoridade administrativa. Ora, seguindo o entendimento de Ana Celeste Carvalho, em «Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa», Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, págs 250 e segs, «embora seja aplicável ao processo administrativo o regime da vinculação, obrigatoriedade e prevalência da sentença, assim como o instituto do caso julgado do direito processual civil, existem especificidades próprias do direito processual administrativo que se impõe ter em consideração. A eficácia do caso julgado no processo civil aponta, por isso, que ele se limite às situações positivamente verificadas pelo tribunal através de julgamento, pelo que, abrange apenas a parte decisória da sentença, não se estendendo aos fundamentos ou ao raciocínio lógico que a sentença percorreu. Neste sentido, a jurisprudência tem decidido que o caso julgado, mesmo formal, não se forma sobre os fundamentos da decisão, mas somente sobre esta e que o caso julgado apenas excecionalmente se forma sobre os motivos que sejam antecedente imediato ou indispensável à emissão do dispositivo da sentença. Sem prejuízo, a jurisprudência tem admitido que sendo a eficácia do caso julgado limitada, em princípio, à simples conclusão ou dispositivo da sentença, deve tornar-se extensiva à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, assim como, que os fundamentos ou motivos da sentença sejam tidos em conta sempre que tal se mostre necessário para interpretar e determinar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exato conteúdo. Por isso, se tem decidido que embora o caso julgado se forme sobre a decisão e não sobre os motivos, estes devem ser considerados na fixação do sentido e alcance da decisão e que o caso julgado abrange a decisão necessariamente implícita. (…) No direito processual administrativo fruto da atual conceção do objeto do litígio dirigido à ilegalidade administrativa e não a cada um dos vícios ou causas de ilegalidade concretamente invocadas, estão os fundamentos abrangidos no caso julgado da sentença anulatória. (…) A vantagem de considerar a autoridade do caso julgado extensiva aos fundamentos da decisão encontra-se na maior certeza a que a mesma conduz, pois sendo maior o âmbito da imodificabilidade das decisões, menores serão os litígios resultantes de decisões contraditórias. Deste modo, acolhe o direito processual administrativo um regime mais amplo dos limites objetivos do caso julgado, admitindo para além do dispositivo da sentença, também os seus concretos fundamentos de facto e de direito». O que significa que in casu, o tribunal, na ação principal, declarou a nulidade do licenciamento da operação urbanística Conjunto Habitacional de 7 fogos, situado na [LOCAL], freguesia de [LOCAL], ao abrigo do disposto no art 50º, nº 1, al a) do RPDM de Vila Real de Santo António e no art 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, por não respeitar o índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano. É no artigo 173º do CPTA que se encontra concretizado o dever de executar do Município, sempre que lhe cumpra retirar consequências da declaração de invalidade – nulidade ou anulação – dos seus atos administrativos. Com efeito, nomeadamente, pode ter de alterar situações de facto criadas ao abrigo do ato ilegal e assim reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação (cfr art 173º, nº 1 do CPTA). A execução duma decisão judicial anulatória de ato ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da prática do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado, com a eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem. Na verdade, e como resulta do art 173º, nº 1 do CPTA, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos, ou seja, (1) o da reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, (2) o do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava e (3) da eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida. E na observância e cumprimento destes deveres, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (art 173º, nº 1 do CPTA). A par do que vimos de dizer, acompanhando a jurisprudência vertida, por exemplo, nos acórdãos do TCAN de 27.5.2011, processo nº 516-A/03, e de 14.12.2012, processo nº 608-A/99, quer a atuação da Administração, mediante a prática de todos os atos jurídicos e operações materiais que se tornem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, quer a atividade de controlo exercido pelo tribunal quanto à atuação/omissão daquela está condicionada pelo caso julgado decorrente da decisão judicial exequenda e respetivos limites [cfr. Acs. STA de 02.07.2008 (Pleno) - Proc. n.º 01328A/03, e de 18.11.2009 - Proc. n.º 0581/09]. É que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão que se executa, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório encontra-se circunscrita à(s) ilegalidade(s) que ditou(aram) o fundamento de invalidade do ato (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821ª e Ac. STA/Pleno de 29.01.1997 - Proc. n.º 27517), pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita às ilegalidades que ditaram a anulação contenciosa do ato nada obstando, desta feita, a que a Administração emita novo ato com idêntico núcleo decisório mas liberto daquelas mesmas ilegalidades (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821A, de 02.07.2008 - Proc. n.º 01328A/03, Ac. STA/Secção de 30.09.2010 - Proc. n.º 01388A/03). Quer isto dizer que o critério pelo qual havemos de aferir se a decisão judicial anulatória foi ou não devidamente executada é o do âmbito das ilegalidades que conduziram à invalidação do ato. No caso, o ato administrativo de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este foram julgados nulos, nos termos do art 50º, nº 1, al a) do ... e art 68º, al a) do DL nº 555/99, não estando a obra de construção do Conjunto Habitacional, com 7 fogos, licenciada. Assim, importa saber em que termos se terá de processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este, e quais os limites, poderes envolvidos, modo de exercício e fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade. A este propósito refere Mário Aroso Almeida, em «Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes», Teses, 2002, págs 510, 512 a 514, que se afigura «de admitir que a circunstância objetiva de ter havido um ato ilegal e de ter sido judicialmente decretada a sua anulação - em termos que automaticamente tornaram evidente e indiscutível que a situação criada ao abrigo daquele ato é hoje uma situação de mero facto, destituída de fundamento jurídico, e que a sua manutenção, no presente e para o futuro, é lesiva de quem recorreu e obteve a anulação - é suficiente para restringir, no caso concreto, o componente de apreciação valorativa quanto à oportunidade de agir que a previsão normativa abstrata da competência da Administração para intervir sobre construções ilegais porventura comporte. … o fundamento do estrito dever que à Administração se impõe de agir em relação à construção ilegalmente edificada ao abrigo da licença que foi anulada, com eliminação da discricionariedade quanto à oportunidade da atuação, reside, portanto, na circunstância de essa intervenção se inscrever na execução do efeito repristinatório da anulação. … Na sequência da anulação, a Administração deverá, assim, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do recorrente que obteve a anulação pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da construção edificada e, porventura, para o próprio interesse público, do que seria a pura e simples demolição. Tudo depende do conteúdo das normas materiais cuja violação esteve na base da anulação da licença. A demolição só deve ser, desde logo, imposta nas situações em que, dadas as circunstâncias concretas, a legalização não seja possível. Também a jurisprudência se tem pronunciado sobre os termos em que se deve processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade de ato de licenciamento e quais os limites na fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade, no sentido de a demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só dever ser ordenada como última medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade. A título de exemplo, citamos o acórdão proferido pelo TCAN, a 5.6.2008, no processo nº 232-A/2003, onde se pode ler que as … consequências executivas da declaração judicial de nulidade de uma licença de construção, dado não serem explicitamente ditas na lei, deverão ser procuradas, desde logo, no âmbito do regime jurídico da própria nulidade. Este regime jurídico consagra a regra básica de que o ato nulo não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade [artigo 134.º n.º 1 do CPA], mas ressalva que esta ausência de efeitos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito [artigo 134.º, nº 3 do CPA]. Constata-se, assim, que o legislador, apesar de fixar a completa esterilidade jurídica do ato nulo [n.º 1], não esquece simplesmente a situação de facto que esse ato poderá ter gerado, abrindo, até, a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito. Não é nosso intento escalpelizar, nesta sede, os pressupostos necessários ao funcionamento dessa possível relevância, mas apenas sublinhar, para o que aqui importa, a atenção que a lei acaba por dar às situações de facto decorrentes dos atos nulos. Também é interessante verificar, agora no plano mais concreto do regime jurídico da urbanização e edificação, como a lei atende a situações de facto surgidas à sua margem, permitindo [nomeadamente] que a demolição de edificações clandestinas possa vir a ser evitada no caso de se mostrar possível o seu licenciamento, nomeadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração - ver o então artigo 167.º do RGEU, e o atual artigo 106.º n.º 2 do RJUE. Em face disto, cremos que se impõe ao julgador, no plano da execução coerciva de uma sentença que declarou nula a licença de construção de um prédio, construído e habitado, que preste a devida atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada por esse ato nulo, e que pondere a possibilidade executiva de ser extirpada a causa dessa declaração de nulidade, revertendo a situação de facto ilegal numa situação jurídica de legalidade, e evitando, desta forma, a total demolição do edificado. Efetivamente, esta solução radical [demolição total] pode não ser imposta pela concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade, e pode surgir, até, como claramente desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real. Como solução drástica que é, sobretudo quando, como no presente caso, há terceiros de boa fé, a demolição total do edificado deve ser encarada pelo julgador como a última solução. A execução coerciva de sentença que declarou nula a licença de construção de um edifício, já construído e habitado, não passa, pois, necessariamente, pela demolição total do edificado, mas não poderá deixar de consistir no conjunto de atos e operações materiais que se mostrem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade. Na situação em apreço, a sentença exequenda declarou a nulidade dos atos impugnados. O Município visado na ação principal nada fez após o trânsito em julgado da decisão exequenda. Trata-se aqui da omissão de um dever qualificado de intervenção do Município. Por um lado, porque ao Município se exige o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação, não estando em crise atuação no âmbito do normal exercício dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais. Por outro lado, cumpre ao Município eliminar situações que ele próprio criou através da adoção de um ato administrativo ilegal, por violar as normas do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António. Com efeito, nas circunstâncias de facto apuradas no título executivo, a declaração de nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e dos atos posteriores a este, incluindo o alvará de licença de construção, impõe ao Município, em execução da sentença exequenda, o dever de atuar, reduzindo-se a zero a sua discricionariedade para o fazer. Com efeito, cumpre à Administração, perante a existência de obras ilegais, proceder nos termos previstos nas normas urbanísticas dos arts 106º, 107º, 108º do DL nº 555/99. Estes preceitos legais determinam que, em caso de incumprimento voluntário da ordem de demolição pelo administrado, prevista no artigo 106º, nº 1 do DL nº 555/99, deve o Município proceder, ele próprio, à demolição, por força do disposto no art 106º, nº 4 do DL nº 555/99, seguindo a tramitação dos arts 107º e 108º do mesmo regime legal. Na situação em apreço, em execução do julgado anulatório, o Município não determinou a legalização da obra, não determinou a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos. O incumprimento da obrigação de agir do Município para com o autor, que obteve a sentença de declaração de nulidade dos atos impugnados, levou o Ministério Público a pedir a execução em juízo. O que cabe no âmbito da presente ação executiva é dar plena e integral execução à sentença de 28.10.2009 e, em nosso juízo, tendo em conta o exposto até este momento, a sentença recorrida interpretou corretamente o título executivo, por isso, identificou os atos e operações a cumprir pelo Município – cassar os alvarás de licença de construção e de utilização – efetivar a demolição de todo o edificado – repor o solo na situação anterior à realização das obras – e fixou-lhe um prazo dentro do qual deve proceder à demolição da obra. A sentença refutou todas as causas invocadas pelos recorrentes que obstariam a que se desse execução à demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº .... A sentença analisou as vias preferenciais à demolição, a saber: a legalização da operação urbanística realizada com base nos atos declarados nulos (art 106º, nº 2 do RJUE) e a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos (art 134º, nº 3 do CPA de 1991, art 162º, nº 3 do CPA de 2015), mas decidiu pela respetiva improcedência. Vejamos se errou na aplicação do direito. Quanto à possibilidade de legalização da obra ilegal: Uma das alternativas que se colocam à ponderação da Administração nas situações em que tenha havido uma declaração da nulidade do ato administrativo de gestão urbanística é a da legalização das operações que com base no mesmo foram concretizadas, situação que passa pela prática de novos atos de licenciamento das operações consolidadas, desta vez sem o vício gerador da nulidade, sendo que neste caso é evidente que a legalização da operação urbanística só será possível mediante a alteração da situação de facto ou a alteração do direito aplicável. A legalização da operação urbanística em causa implica a prática de atos de licenciamento das obras feitas ao abrigo dos atos declarados nulos, sem o vício que determinou a nulidade. O ato a praticar pode depender da alteração da situação de facto (demolição parcial) ou de alteração do direito aplicável (cfr Fernanda Paula Oliveira e Pedro Gonçalves, «Regime da Nulidade dos atos Administrativos de Gestão Urbanística que investem o Particular do Poder de Realizar Operações Urbanísticas», CEDOUA, ano 2, 1999, págs 21 e 22). Sabemos que a sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014. A ação executiva entrou em juízo a 11.2.2015. A 30.8.2016 a CM de Vila Real de Santo António deliberou aprovar a realização de alteração ao PDM, no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos na [LOCAL] (processo nº ...) e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo nº ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo TAF de Loulé – Serviços do Ministério Público. O procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António está em curso, pois encontra-se publicitada a abertura de um período de discussão pública [de 30 dias úteis, com início no quinto dia útil posterior à respetiva publicação no Diário da República] da proposta de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António - artigo 89º, através de aviso nº ..., publicado no DRE, nº 52, série II, de 2025-03-14. Em função desta realidade fáctica apurada, o curso do procedimento de alteração do RPDM, os recorrentes defendem ser de afastar a demolição do Conjunto Habitacional com vista ao restabelecimento da situação de ilegalidade com referência à execução da decisão proferida no processo principal. Neste domínio, não assiste razão aos recorrentes, pois que o facto de estar em curso uma alteração do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António nada vem trazer de relevante para a sorte destes autos. Porque o quadro legal aplicável ao caso, inclusive neste momento, continua a ser o que consta do Regulamento do PDM que justificou a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística, ou seja, o disposto no art 50º, nº 1, al a) do .../ 1992. De facto, a mera possibilidade ou hipótese de legalização futura, com a efetiva alteração do PDM, não é fundamento bastante para o juiz aplicar, ao abrigo do art 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA, o regime previsto no art 106º, nº 2 do DL nº 555/99, nos termos do qual: a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração. Além do bloco de legalidade urbanística atual ser o que existia à data da emissão dos atos nulos, mesmo a existência de novas disposições regulamentares impõe fazer a devida correspondência entre a nova ordem e a realidade em apreço, situação que passa por eventual novo ato de licenciamento, a requerimento dos interessados (aqui contrainteressados) ou por iniciativa do requerido, no sentido de se averiguar a conformidade da operação urbanística denominada Conjunto Habitacional com sete fogos com as novas regras urbanísticas em vigor, substituindo validamente os atos declarados nulos. Dito de outro modo, aprovadas e entradas em vigor novas normas regulamentares é necessário a Administração, o Município de Vila Real de Santo António, levar a cabo uma nova apreciação urbanística do Conjunto Habitacional, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data. Porém, até ao momento, e apesar do tempo decorrido, não existe notícia de novo regime urbanístico que tutele alteração ao Regulamento do PDM/1992, no sentido de legalizar o Conjunto Habitacional de sete fogos na [LOCAL], nem novos atos de licenciamento por parte do Município de legalização da construção. Os recorrentes Município e contrainteressados não demonstram a legalização total da obra ilegal, ou dito de outro modo, não provam que a edificação ilegal é hoje legalizável. O que avançam, todos os recorrentes, é estar em curso o procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António, pelo que a possibilidade de legalização da construção ilegal poderá vir a ocorrer no futuro. Neste momento, face ao PDM em vigor, que é o da data da prática dos atos nulos, a legalização não é possível. Mais, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade da legalização é que poderá fazer-se a ponderação inerente à proporcionalidade implicada na aplicação do art 106º, nº 2 do RJUE (cfr Fernanda Paula Oliveira e outras, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 3ª edição, pág 663). A partir daqui, resulta claro que, nesta altura, o reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência. Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito constituída ou declarada pela sentença exequenda. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido. Acresce que, nem o Município nem os contrainteressados demonstram a legalização de parte da obra ilegal, por não estar implantada na zona de ocorrência dunar a salvaguardar e cumprir o índice de utilização de 0,35 e a área de superfície de pavimento de 487,53m2. Alega o recorrente Município (conclusões Z e AA) que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão. As referidas frações estão implantadas sobre uma estrutura comum e do ponto de vista das engenharias a demolição de quase duas frações autónomas significaria um impacto muito relevante ao nível da estabilidade das demais frações. Nota o recorrido Ministério Público que estamos, in casu, perante um conjunto habitacional com 7 frações autónomas e partes comuns (garagem em cave), pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade das construções a legalizar. Apesar do recorrente Município ter instruído a contestação com um parecer dos seus serviços, para sustentar a impossibilidade de se optar por uma demolição parcial, documento nº 13, sem ser apresentado requerimento dirigido à legalização parcial da operação urbanística, portanto, sem prévia apresentação de novo projeto de arquitetura que contemple as construções a legalizar, ónus a cargos dos (contra)interessados, não se concebe como se pode concluir pela impossibilidade ou possibilidade (total ou parcial) de legalização da obra ilegal. Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, em Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 2012, 3ª edição, anotação 3 ao artigo 106º do RJUE, pág 663, a legalização das operações urbanísticas, nos casos em que depende de apreciação do projeto concreto de legalização da construção, não exime que o interessado na legalização o apresente, já que a Administração não se lhe pode, em princípio, substituir. Em boa verdade, o que os recorrentes alegam e pretendem é uma mera e hipotética legalização futura da construção do Conjunto Habitacional, na decorrência de alterações do Plano Diretor Municipal, e não adaptações do ilegal ao exigido pelo direito em vigor. Assim sendo, de acordo com o disposto no art 173º, nº 1 do CPTA, decidiu bem a sentença recorrida, ao concluir que, por a alteração do RPDM estar em curso, o quadro normativo atualmente vigente não permite a legalização das construções ilegais, pelo que impende sobre o Município de Vila Real de Santo António a obrigação de executar o título executivo, isto é, proceder à demolição de toda a construção erigida com sustento nos atos de licenciamento declarados nulos. Quanto aos efeitos putativos: Com efeito, por regra, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (art 134º, nº 1 do CPA/91). A não ser que os princípios gerais da boa fé, da proteção da confiança, da proporcionalidade, associados ao decurso do tempo entre a prática dos atos declarados nulos e a impugnação judicial dos mesmos, imponham ao juiz a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes do ato nulo (art 134º, nº 3 do CPA e art 69º, nº 4 do DL nº 555/99, de 16.12 (nº 4 introduzido na redação dada ao diploma pela Lei nº 60/2007, de 4.9). Não sendo possível legalizar a obra feita, outra via que evita a demolição é a que passa pela aplicação do regime previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA de 1991 e, hoje, no art 162º, nº 3 do CPA/2015. Dispunha o art 134º, nº 3 do CPA de 1991: 3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito. Dispõe o art 162º do CPA de 2015:
A possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, nos termos do artigo 134º, n º 3 do CPA/1991, tem em vista os chamados efeitos putativos dos atos nulos, bem como tem em consideração que a insusceptibilidade de produção de efeitos jurídicos pode não ter (e no direito do urbanismo, muitas vezes não tem) correspondência com a realidade a nível factual, ou seja, o ato embora nulo produziu alterações na realidade existente (por exemplo no caso de a obra estar concluída, como aqui sucede). Contudo, a possibilidade conferida pelo artigo 134º, nº 3 do CPA/1991, de proteção de algumas situações de facto consolidadas no tempo, em homenagem aos princípios da boa-fé, da confiança e da proporcionalidade, deve ser interpretada como uma exceção ao regime regra, pelo que apenas em casos absolutamente excecionais e desde que tenha decorrido um longo período deve ser admitida a atribuição de efeitos aos atos nulos, sob pena de se tornar a exceção em regra. Da leitura da norma do nº 3 do preceito citado resulta que a atribuição de efeitos jurídicos a situação de facto consolidada depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: Verificados estes pressupostos, será, então, possível a atribuição de certos efeitos jurídicos às operações urbanísticas executadas ao abrigo de licenças nulas. Para além de manter a situação de facto consolidada, a jurisdicização consiste ainda em permitir à autoridade administrativa que praticou o ato que originou a referida situação, praticar outros atos administrativos idóneos a conservar as operações urbanísticas consolidadas, permitindo que as mesmas entrem no comércio jurídico, e tratando-as, para certos efeitos, como licenciamentos válidos. Daqui decorre que a norma referida não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, uma vez que este não é passível de sanação jurídica, mas antes permite atribuir certos efeitos ao tempo decorrido, o que encontra o seu fundamento na necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais e depende de ter decorrido um período dilatado de tempo, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados (cfr ac do TCAS de 8.5.2014, processo nº 10.124/13). Na situação em análise, em primeiro lugar, estamos perante atos administrativos nulos, assim declarados pelo título executivo. A sentença exequenda foi proferida a 28.10.2009, na ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos instaurada no dia 5.3.2007, transitou em julgado a 24.4.2014 e declarou a nulidade da deliberação de 1.6.2004 (que aprovou o projeto de arquitetura para construção do Conjunto Habitacional de sete fogos), da deliberação de 28.9.2004 (que aprovou todo o projeto), do despacho de 6.12.2004 (que deferiu o pedido de licença de construção) e de todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção. A ação declarativa foi movida pelo Ministério Público contra o Município de Vila Real de Santo António e contra as contrainteressadas ZZZZ, AA & LLLL e TTTT. (por intervenção admitida na ação a 25.3.2008). Como refere o recorrido, na conclusão M) das contra-alegações do recurso do Município, a partir do momento em que foi proposta a ação administrativa especial de impugnação, a 5.3.2007, deixou de existir uma relação jurídica estável, em relação aos atos administrativos de licenciamento da operação urbanística em causa, que pudesse ser geradora de confiança. Desde a prática dos atos, de 1.6.2004, de 28.9.2004 e de 6.12.2004, até à propositura da ação de impugnação judicial desses atos, em 5.3.2007, decorreram menos de três anos e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização nº ..., a 21.11.2006. Se considerarmos o prazo de 10 anos, previsto no artigo 69º, nº 4 do DL nº 555/99, como indício especialmente relevante na aplicação do artigo 134º, nº 3 do CPA ao caso em apreço, de facto os atos de licenciamento da operação urbanística foram questionados em juízo num curto espaço de tempo, inferior a três anos em relação à aprovação do projeto de arquitetura e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização. Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de três anos é um período insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade de situações de facto merecedoras da tutela jurídica. Os recorrentes, incluindo o Município, discordam desta contagem do prazo, por entenderem que apenas a partir da citação nesta ação executiva os adquirentes e credores hipotecários das frações tiveram conhecimento da nulidade dos atos, portanto, volvidos mais de dez anos para efeitos de aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA. Não lhes assiste razão. A legalidade dos atos praticados pelo Município no procedimento de licenciamento foi questionada em tribunal a 5.3.2007, antes de ter sido vendida qualquer fração aos contrainteressados/ recorrentes e contra os que à data constavam como requerentes do licenciamento e a entidade licenciadora/ Município de Vila Real de Santo António. Na ação administrativa especial de impugnação dos atos administrativos, de 1.6.2004, de 28.9.2004, de 6.12.2004 e dos posteriores, nem o autor, nem o Município, nem as contrainteressadas naquela ação informaram ou requereram no processo a intervenção dos adquirentes e credores hipotecários dos 7 fogos (a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008; a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data); a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014; a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX). O Conjunto Habitacional foi construído, a propriedade horizontal foi constituída e as sete frações foram alienadas e algumas objeto de hipoteca. As frações foram transacionadas depois da entrada em juízo da ação administrativa especial (em 5.3.2007). As frações G, A, D, E foram adquiridas no curso da ação, antes de ser proferida a sentença declarativa (que data de 28.10.2009), as frações B, F e C foram adquiridas antes do trânsito em julgado daquela sentença (ocorrido a 24.4.2014). Neste contexto, entende-se que cabia, desde logo, a quem alienou as frações promover a intervenção processual dos sucessivos adquirentes das mesmas na ação administrativa especial, sendo que não cabia ao Tribunal promover a habilitação dos sucessivos adquirentes das frações se nada foi requerido nesta matéria. Ainda assim, a eficácia subjetiva do caso julgado estende-se aos contrainteressados desta ação executiva, pessoas que não foram partes na ação administrativa especial mas que ficaram vinculados às consequências e aos efeitos da decisão declarativa. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC anotado, 4ª edição, vol 1, pág 135, exemplificam a situação precisamente com «o caso do adquirente da coisa ou direito litigioso na pendência da ação declarativa, sem sua subsequente intervenção no processo (art 263º, nº 3 do CPC)». Inexistindo, por isso, in casu, violação do disposto no art 33º, nº 2 do CPC e nos arts 57º e 177º, nº 1 do CPTA. Até porque, nos termos do art 177º, nº 1 do CPTA, os contrainteressados a quem a satisfação da pretensão possa prejudicar é um critério que se baseia numa apreciação casuística da situação. Pelo exposto, na situação em apreço, entendemos, como vem decidido, não estar preenchido o pressuposto do decurso do tempo para que se aplique a previsão legal do art 134º, nº 3 do CPA. Este pressuposto do decurso do tempo não se confunde com a qualidade dos contrainteressados, ora recorrentes, como terceiros, alheios a todo o procedimento de licenciamento e à ação administrativa especial onde se deferiu o pedido de declaração de nulidade dos atos de licenciamento. Aliás, a sentença recorrida não questionou que os contrainteressados/ recorrentes são terceiros. Admitindo que estes terceiros desconheciam a existência do processo judicial declarativo, desconheciam a existência da declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística e que os demandados na ação declarativa não lhes deram conhecimento do litígio e da sentença proferida na ação, estaremos perante terceiros de boa fé. Pois, pelas certidões do registo predial das ditas frações não podiam os adquirentes e credores hipotecários dos imóveis saber da ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento. Como a ação não tem como finalidade o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre cada uma das sete frações autónomas não está sujeita a registo (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial). No entanto, a boa-fé dos contrainteressados não tem a virtualidade de obstar ao cumprimento do julgado anulatório e à demolição do edificado, porquanto não é o único requisito previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA para o reconhecimento de efeitos dos atos nulos, decorrentes do decurso do tempo (ao contrário do que alegam as instituições bancárias recorrentes, o art 291º do CC, que visa a proteção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não tem aplicação às nulidades dos atos de licenciamento urbanístico de imóveis. A este respeito, podemos ler no sumário do acórdão do STA de 9.7.2014, no processo nº 1561/13, a seguinte doutrina: I - A atuação correta, leal e de boa fé dos intervenientes no procedimento, ignorando a violação de qualquer disposição legal, não convalidará ou não fará desaparecer ilegalidade invalidante de que enferme o ato administrativo impugnado. II - Os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios, não se destinando a preservar ou manter na ordem jurídica um ato administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade, e, assim, impedir que o mesmo seja declarado em processo judicial deduzido com tal objetivo. O que significa que a boa fé dos adquirentes/ proprietários e credores hipotecários das frações não justifica por si só que os seus direitos de propriedade fiquem salvaguardados pelo reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos. A decisão recorrida, no caso concreto, num juízo de proporcionalidade, fez prevalecer os interesses de ordem pública, em matéria de urbanismo e de ordenamento do território, sobre a pretensão dos contrainteressados na manutenção e utilização das construções ilegais. O que é bem diferente da interpretação que dela fizeram os recorrentes OO e PP, quando, na conclusão 23, alegam que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido que o tribunal lhe conferiu, de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional. A sentença não diz isto nem afastou a aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA em matéria urbanística. A decisão em crise segue, no fundo, a regra no âmbito do licenciamento urbanístico, de que não há lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos, porque o direito de propriedade e o jus aedificandi, não sendo direitos absolutos, cedem por razões relacionadas com a proteção do ordenamento do território, da integridade ambiental ou paisagística da zona em questão. Na verdade, o terreno onde foi implantada a construção tem uma faixa a sul, com 1077,06m2 de área que se encontra inserida no regime transitório da REN e, segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve, é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar. E se é certo que a operação urbanística foi implantada sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar, no entanto excedeu o índice de utilização e o valor de superfície de pavimento permitidos pelo ... em vigor para o local. Ora, como defende o recorrido, um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a atos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível - art 134º do CPA – sendo que, no caso vertente, há ainda que atender ao interesse público na reposição e manutenção da legalidade que não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem um índice de utilização de 0,3726 e uma área de superfície de pavimento de 920,43m2, superior ao permitido pelo RPDM de Vila Real de Santo António, de 0,35 e de 487,53m2. Diminuindo deste modo, com as 7 frações edificadas contra as normas do PDM, designadamente, o terreno que devia ser utilizado para a instalação de equipamentos recreativos e de zonas verdes (cfr art 50º, nº 2, al c) do .../92). Admitir in casu a legalidade dos atos nulos, a reboque da produção de efeitos putativos, seria admitir uma verdadeira sanação dos atos de licenciamento nulos, em benefício de quem (requerentes do licenciamento e entidade licenciadora) foi responsável pelas ilegalidades geradoras dessa mesma nulidade e omitiu aos contrainteressados, ora recorrentes, a existência da impugnação judicial do licenciamento da construção do Conjunto Habitacional aquando da transmissão da propriedade das frações. Entende-se, também, de referir que a análise e decisão sobre a presente matéria não põe em causa as garantias hipotecárias que inclusivamente os contrainteressados DDDD e XXXX detêm sobre as frações B, D, E, F e G dos autos, pelo que não têm que ser chamados à colação os efeitos putativos da nulidade dos atos de licenciamento. As garantias hipotecárias não se extinguem com a demolição das construções ilegais, uma vez que subsiste o lote do terreno onde estão erigidas. A eventual diminuição das garantias dos credores, não vem concretizada com factos, mas não é, por si só, razão que obste ao decidido. O mesmo sucede, como bem nota o recorrido, com o eventual prejuízo, não densificado com factos, para os proprietários das frações. Os artigos 173º e 179º do CPTA têm sempre a ver com a reposição efetiva da legalidade administrativa, mesmo nos casos previstos nos artigos 102º e segs do DL nº 555/99, maxime no artigo 106º. Assim, existia e persiste o dever de a entidade administrativa/ Município de Vila Real de Santo António reconstituir a situação que existiria atualmente sem o ato inválido. Como já se disse, não ficou demonstrado, por parte dos recorrentes, que esta obra é atualmente legalizável face ao ... em vigor (de 1992), mas resulta provado que quando os contrainteressados/ recorrentes adquiriam as frações e foram constituídas as hipotecas já os atos de licenciamento tinham sido impugnados em juízo com fundamento em violação de norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, vindo a ser declarados nulos ao abrigo do artigo 68º, al a) do DL nº 555/99. Este fundamento de nulidade – violação do disposto no art 50º, nº 1, al a) do ..., atento o «bem» por ele protegido, e que respeita ao correto ordenamento do território nacional, mantém-se enquanto se mantiverem as regras cuja violação o ditou. O que significa que a declaração de nulidade proferida no título executivo continua atual, sendo de aplicar a lei vigente à data da apreciação urbanística. A demolição, enquanto ato de execução coerciva da sentença declarativa, deve suportar-se no regime jurídico vigente à data da sua determinação, pois é nessa data que se têm de verificar os requisitos que a habilitam, não fazendo qualquer sentido reportá-la a normas futuras e incertas, que não estão aprovadas nem em vigor. E, como salienta o Ministério Público (recorrido), o Estado tem a obrigação constitucional de assegurar um correto ordenamento do território e de salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado - cfr. arts 9º, al e) e 66º, nº 1 da CRP. Tais obrigações e interesses não podem ser afastados pela onerosidade financeira da execução do julgado para o Município, decorrente da demolição do Conjunto Habitacional, nem pelo direito de propriedade e garantias hipotecárias dos contrainteressados adquiridos quando já estava instaurada ação administrativa especial de impugnação dos atos de licenciamento. Em suma, à luz do princípio da proporcionalidade, não sendo possível a reposição da legalidade urbanística, in casu, por meio da legalização, nem a atribuição de efeitos putativos aos atos nulos, face à inexistência de situações de facto consolidadas por um período de tempo bastante e razoável e face à superioridade do interesse público a tutelar no caso concreto, cumpre dar execução à sentença anulatória dos atos administrativos, consiste na cassação do alvará de licença de construção nº ... e do alvará de utilização nº ... e na demolição do Conjunto Habitacional. Prazo para cumprir a execução: O recorrente Município «queixa-se» ainda do prazo manifestamente insuficiente de 90 dias úteis fixado pela sentença recorrida para o restabelecimento da situação existente antes da prática dos atos nulos, quer para a legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, quer para a demolição das frações. De onde conclui que a fixação deste prazo viola o princípio da proporcionalidade e o subprincípio da necessidade, carecendo da razoabilidade imposta no art 179º, nº 1 do CPTA. A sentença exequenda transitou em julgado a 23.5.2014. O Município não invocou a ocorrência de causa legítima de inexecução nem cumpriu o dever de executar a sentença declarativa, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, como lhe impunha a norma do art 175º, nº 1 e nº 2 do CPTA. Por este motivo foi requerida a 11.2.2015 a execução do julgado, nos termos do art 176º do CPTA. Só com a citação para os termos da ação executiva o Município vem invocar, na contestação (apresentada a 24.3.2015), causas legítimas de inexecução – art 177º do CPTA. Julgadas improcedentes as causas de inexecução invocadas foi fixado o prazo de 90 dias úteis para o Município cassar o alvará de licença de construção e o alvará de licença de utilização das habitações, demolir todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ..., repor o solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo. Consideramos neste ponto assistir razão ao recorrente Município. O reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe, neste momento, uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência. Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito declarada pela sentença. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido. No entanto, com referência à situação de facto existente, a consideração da matéria alternativa sustentada pelo recorrente Município, e também pelos contrainteressados recorrentes, de estar em curso uma alteração do ..., para legalizar o Conjunto Habitacional dos 7 fogos, impõe que se aponte que, apesar de se entender que deverá ser ordenada a demolição da construção, nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto se poder vir, mais tarde, a extinguir, por alteração superveniente das circunstâncias, de facto ou de direito, designadamente se entretanto se proceder à legalização do edificado. Conforme escreve Fernanda Paula Oliveira, em Nulidades Urbanísticas, Casos e Coisas, Almedina, pág. 112 «(…)ainda que um tribunal ordene, sem mais, que a Administração proceda à demolição de operações urbanísticas ao abrigo de ato nulo…nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto vir, mais tarde a extinguir-se, por alteração superveniente das circunstâncias de direito, designadamente pela alteração da norma do plano violado que passe a admitir aquela operação». Neste contexto, e em face da factualidade apurada nos autos, e procurando dar expressão a tudo quanto ficou exposto, temos para nós que, à luz do que se mostra apurado em termos da matéria de facto, do decidido com trânsito em julgado e do disposto nos arts173º, nº 1 e 2, 176º, 179º, nº 1 do CPTA, os atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que existia à data do ato ilegal reconduz-se à tomada dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal – Conjunto Habitacional, precedida do despejo de cada uma e de todas as frações, operação essa a levar a cabo no prazo máximo de 24 meses (como pretendido pelo recorrente Município). Considerando que as sete frações autónomas visadas no título executivo têm fim habitacional, têm sobre si constituídas hipotecas (com exceção das frações A e C), alguns dos contrainteressados são estrangeiros e têm morada fora do nosso país, e, ainda, em função da natureza da obra a desenvolver e os procedimentos inerentes à mesma, julgamos adequado o prazo de 24 meses/ 2 anos para concretização dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data. Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 179º, nº 1 do CPTA e à aplicação do princípio da proporcionalidade, quando fixou em 3 meses (90 dias úteis) o prazo para ser restabelecida a situação existente antes dos atos declarados nulos. No mais alegado improcedem os erros de julgamento de direito imputados à sentença recorrida. Decisão Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subseção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Custas nos recursos dos contrainteressados: a cargo dos recorrentes contrainteressados. Custas do recurso do Município: a cargo do recorrente, na proporção de 2/3, estando o recorrido isento do pagamento das custas devidas na parte em que decaiu. Notifique. * Lisboa, 2025-05-15, (Alda Nunes) (Marta Cavaleira) (Ana Lameira). |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório O Ministério Público junto do TAF de Loulé propôs execução de sentença de anulação de atos administrativos contra o Município de Vila Real de Santo António e contra os contrainteressados (1) ZZZZ, (2) AA & LLLL, (3) TTTT, (4) CC, (5) DD, (6) EE, (7) XXXX, (8) RRRR, (9) FF, (10) GG, (11) HH, (12) II, (13) JJ e (14) KK, pedindo: O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 28.10.2016, julgou procedente a execução e, em consequência, condenou o Executado, no prazo de 90 dias úteis, a: i. Cassação do alvará de licença de construção n.º ... e do Alvará de utilização das habitações; ii. Demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção n.º ...; iii. Na reposição do solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo pela decisão proferida na ação administrativa especial n.º 131/07.6BELLE. Condenou o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, em sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional, aplicável após o decurso do prazo de 90 dias úteis para execução voluntária do julgado e até à execução integral do mesmo julgado. O XXXX apresentou reclamação para a conferência da sentença proferida. A contrainteressada EE veio ao processo requerer a suspensão da execução da sentença até à entrada em vigor da alteração do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António. O executado Município de Vila Real de Santo António interpôs recurso jurisdicional da sentença executiva. Nas alegações do recurso, o executado, ora recorrente, formulou as seguintes conclusões: Tendo em conta que no caso sob sindicância os terceiros adquirentes de frações autónomas não foram partes dos processos de licenciamento da construção e/ou da utilização, não foram partes na ação declarativa que antecedeu a execução de cuja sentença se recorre e não tinham como saber, através dos documentos oficiais do imóvel, da ação em curso, não se vê como não concluir pela boa fé dos mesmos. Atendendo aos princípios constitucionais da justiça, da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP), deveria o Tribunal a quo ter reconhecido a existência destes terceiros de boa fé (titulares legítimos de direitos adquiridos). Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé, constitucionalmente consagrado no art. 62.º da CRP e o qual constitui um direito fundamental, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, em face do estatuído no art. 17.º da CRP. Esta situação agrava-se pelo facto de, após o licenciamento da construção, ter sido licenciada a utilização do edificado através de ato administrativo não sindicado judicialmente, e, bem assim, a execução de uma putativa ordem de demolição das frações autónomas adquiridas ser sinónimo, a final, de uma real ablação do direito de propriedade desses terceiros. A isto acresce o facto de a não demolição do Conjunto Habitacional edificado não acarretaria qualquer prejuízo relevante para o interesse público (o Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN). Devem as presentes alegações ser consideradas procedentes por provadas e, deve a sentença recorrida, em consequência, ser considerada nula e revogada. Os contrainteressados KK e JJ interpuseram recurso da sentença e nas alegações de recurso formularam as seguintes conclusões: Termos em que, …, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência: 1. Ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo declarada nula, com as demais consequências legais e processuais, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) ou, caso assim não se entenda, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, b) ambos do CPC; Caso assim não seja entendido por esse venerando Tribunal, 2. Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que considere: Que os recorrentes são terceiros de boa fé e que os efeitos da nulidade não lhes são oponíveis, nos termos do art.º 134.º, n.º 3 do CPA (versão aplicável), não estando abrangidos pela execução da sentença que ordenou a demolição das habitações licenciadas com base no ato nulo. Por último, se nenhum dos pedidos supra for julgado procedente, o que se admite sem conceder, que 3. A norma do art.º 134.º n.º 3 do CAP seja considerada inconstitucional no sentido interpretativo que lhe foi conferido pelo Tribunal a quo. HH e esposa II interpuseram recurso da sentença e nas alegações, no final, formularam as seguintes conclusões: e, Por outro lado, De realçar que desde que a apresentação da PI do processo principal até à prolação da sentença exequenda, e desde a data da prática dos atos nulos até à propositura da ação decorreram menos de três anos, em ambos os casos”. Nestes termos … requerem … que seja concedido provimento ao presente recurso e em consequência seja revogada a sentença recorrida. O RRRR interpôs recurso da sentença e concluiu as alegações do seguinte modo: NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a presente execução com fundamento na existência de causa legítima de inexecução. Por despacho de 11.1.2017 a reclamação para a conferência apresentada pelo XXXX foi convolada em recurso, não foram conhecidos os pedidos de suspensão de execução da sentença proferida, foram admitidos os recursos interpostos pelo Município e pelos contrainteressados, com exceção do RRRR que foi notificado para pagar a multa do art 139º, nº 6 do CPC. O Ministério Público contra-alegou os recursos. Quanto ao recurso interposto pelo contrainteressado XXXX, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença. Quanto ao recurso interposto pelo Município, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Nomeadamente: - Ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, não seria a adição ao probatório da referência à constituição da propriedade horizontal e às sete frações que levaria à ponderação da existência de terceiros de boa-fé e de efeitos putativos, pela simples razão que estes fatores foram especificamente ponderados pela sentença recorrida. A adição nada alteraria o decidido, pelo que é um facto irrelevante. - A adição da referência à venda das frações e constituição de hipotecas também é inócua, porquanto ambas foram efetivamente tidas em conta na decisão proferida, que se reportou aos vários adquirentes e aos credores hipotecários, analisou as consequências da execução na respetiva esfera e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos, através da produção de efeitos putativos. - É também irrelevante a menção no probatório à emissão de licença de utilização, através da qual o recorrente pretende levar à ponderação da existência de terceiros de boa-fé. Como já mencionado, a existência de terceiros adquirentes e dos credores hipotecários foi largamente admitida, discutida e ponderada na sentença recorrida, tal como foram ponderados os efeitos na sua esfera jurídica e a admissibilidade da salvaguarda das respetivas posições subjetivas. Trata-se, por isso, de mais um facto irrelevante e que não deve ser aditado. - A menção a que os adquirentes das frações e os credores hipotecários não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção nem na ação administrativa especial é inútil, porquanto é do conhecimento do tribunal e em momento algum a sentença demonstra confundir os dois processos e respetivos intervenientes. Como resulta claramente da leitura do preâmbulo do probatório, é feita a transcrição de factos da sentença administrativa especial, pelo que os contrainteressados mencionados nos factos A) e I) são os que intervieram nesta. - Não cabe levar ao probatório a falta de registo da ação administrativa especial, porquanto a ação não foi registada por não estar sujeita a registo predial. Levar um facto negativo que resulta da lei ao probatório é absolutamente irrelevante. - O risco para a estabilidade do conjunto habitacional em caso de demolição parcial não deve ser aditado porque não resultou provado e porque o que está em causa é a demolição total do edificado, não a demolição parcial. Foi o licenciamento da totalidade que foi declarado nulo e o tribunal apenas teria que ponderar as consequências de uma demolição parcial se existissem, no conjunto habitacional, frações autónomas suscetíveis de licenciamento, o que não acontece. - A implantação do conjunto habitacional fora da REN consta do ponto D) do probatório, com maior especificação do que o pretendido, pelo que não deve ser aditado. Não o fez porque a legalização parcial não é possível. Estamos perante um conjunto habitacional em propriedade horizontal, com as inerentes partes comuns, pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade do edificado a legalizar, o conjunto, não podendo o Município decidir quais as frações a manter e as partes comuns e estruturas a preservar e em que termos. Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se a sentença recorrida. Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados KK e JJ, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida. Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados HH e II, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões: Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida. A 18.5.2017 o tribunal não admitiu o recurso interposto pelo RRRR e pronunciou-se pela improcedência das nulidades imputadas à sentença recorrida. O RRRR arguiu a nulidade do despacho de 18.5.2017. O tribunal a quo, por despacho de 22.11.2017, indeferiu a pretensão do RRRR e condenou-o em multa. Deste despacho foi interposto recurso de apelação que subiu em separado e, conhecido, ditou a revogação do despacho recorrido e a admissão do recurso interposto pelo RRRR da sentença recorrida. O RRRR foi incorporado, por fusão, no DDDD, a 27.12.2017. O MP do TAF de Loulé foi então notificado para contra-alegar o recurso do RRRR. Juntas as contra-alegações nelas foram formuladas as seguintes conclusões: Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença recorrida. Com dispensa dos vistos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento. Objeto dos recursos: Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, as questões decidendas, tal como as identificam os recorrentes, passam por determinar se a sentença recorrida incorreu em: Recurso do Município: Recurso dos contrainteressados OO e PP: Recurso de QQ e RR: Recurso do XXXX: Recurso do DDDD: Fundamentação de Facto: 3. O terreno em questão, segundo os dados fornecidos pelo requerente, tem uma faixa a sul com 1077,06 m2 de área que se encontra inserido no regime transitório da REN, e que segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção. Assim a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções, tem 1392,94 m2, pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50° do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de: - 1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2 Ou - 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais) Para efeitos de índices, no projeto foi considerada a totalidade do terreno, contudo a implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar. 4. De acordo com a planta de zonamento do PDM, o terreno encontra-se inserido na Zona Turística de Expansão e tem 2470 m2 de área. Contudo, tal como foi referido no n° 2, parte do terreno (a sul) faz parte do regime transitório da REN. 5. A área de superfície de pavimento aprovado em reunião de Câmara datada de 01 /06/2004 foi de 920,43 m2, qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726. O índice autorizado e superior a 0,35 e menor que 0,4 o que também já ocorreu em situações semelhantes, nomeadamente no processo de loteamento n° 1/97. A área de construção aprovada foi de 1363,13 m2, tal como consta no Alvará de licença de construção. 6. O regulamento do PDM não especifica os casos especiais, em que o índice de utilização poderá ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4” (cfr doc nº 6 da pi); Nos termos do disposto no art 662º do CPC e do art 149º do CPTA, por resultarem dos autos e se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas, aditam-se os seguintes factos à seleção dos factos provados: - a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008; - a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data); - a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014; - a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); - a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); - a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); - e a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX – docs 4 a 10 juntos com a contestação do Município. Fundamentação de Direito Nulidade – omissões de pronúncia – art 615º, nº 1, al d) do CPC; O recorrente Município alega que a sentença recorrida padece de nulidade porque: Nos termos do disposto no art 615º, nº 1, al d), 1ª parte, do CPC, é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», o que está em consonância com o disposto no art 608º, nº 2 do CPC onde se estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág.143). Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, obra cit., pág. 54). Logo, as questões a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões, não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido. Vejamos agora a situação concreta. O que está em causa na presente execução de sentença de anulação de atos administrativos de licenciamento urbanístico é o cumprimento do decidido no processo declarativo, repondo a ordem jurídica violada, e a forma como tal deve ser feito, e, sendo assim, se houver desacordo entre as partes ou inércia, cabe ao tribunal indicar a forma correta de dar cumprimento à decisão jurisdicional transitada em julgado. Lendo a sentença recorrida, o tribunal a quo apreciou e decidiu a questão posta, da reconstituição da situação ex ante, ou seja, a que existiria se os atos declarados nulos não tivessem sido praticados – cfr art 173º, nº 1 do CPTA, na redação anterior ao DL nº 214-G/2015, de 2.10 – identificando a consequência da reposição natural que emerge da execução da sentença com a demolição das construções por ter sido infringida a lei, mais precisamente o disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992. A sentença recorrida apreciou, ainda, as causas invocadas de impedimento do cumprimento do julgado. No entanto, estas não são a questão a resolver, mas argumentos esgrimidos pelos recorrentes para alegadamente afastar a demolição e a reposição do terreno na situação anterior à realização das obras de construção do Conjunto Habitacional. Logo, nunca poderia aqui haver uma omissão de pronúncia. A sentença abordou a suscetibilidade de legalização das construções (concluindo pela insusceptibilidade de legalização das construções, a demolição atingirá todas as construções que estiveram por base os atos declarados judicialmente nulos), a existência de terceiros de boa-fé – credores hipotecários e adquirentes das frações - e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos (os contrainteressados na ação principal foram os identificados na petição inicial de 5.3.2007 … os contrainteressados que não foram parte na ação principal não demostram que o seriam à data da propositura da ação principal … mesmo admitindo a circunstância que alguns contrainteressados venderam as suas frações a outrem não significa que se deve ter em conta que estes são terceiros adquirentes de boa fé, nos termos em que é alegado); a produção de efeitos putativos dos atos nulos (concluindo que, perante a violação dos instrumentos de ordenamento territorial, não há reconhecimento da relevância jurídica das situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos, tanto mais que não decorreu um longo período de tempo para criar uma situação de facto merecedora de tutela jurídica e a hipoteca sobre um imóvel não se extingue com a demolição da construção, dado que dela não resultará uma perda total); a situação financeira do Município de Vila Real de Santo António e os custos da execução (não constitui causa legítima de inexecução, nos termos do art 175º, nº 3 e 163º do CPTA); o prazo para a execução do julgado (de 3 meses (90 dias úteis … o prazo de dois anos para cumprimento entretanto já decorreu). Também, o princípio da proporcionalidade entre o interesse público tutelado pelas normas do ordenamento do território e do urbanismo e o direito de propriedade e da edificação foi tido em conta na sentença recorrida que decidiu pela prevalência dos interesses públicos no caso concreto. De todo o modo, a proporcionalidade ou desproporção da demolição e reposição não era nem é uma questão a resolver. Era e é um argumento e um critério a considerar na determinação da demolição e reposição do terreno, esta sim uma questão a resolver nos termos do artigo 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA e do artigo 134º do CPA, que o tribunal decidiu ser totalmente exigível, mediante o restabelecimento da situação existente anteriormente aos atos declarados nulos. Não há, portanto, nulidade por omissão de pronúncia como pretende o recorrente Município de Vila Real de Santo António. No mesmo sentido terá de ser a nossa decisão sobre a nulidade por omissão de pronúncia sobre a posição dos contrainteressados como terceiros de boa fé – art 615º, nº 1, al d) do CPC – invocada pelos recorrentes Município, OO e PP. Precisamente porque não sendo a questão do processo ainda assim foi analisada pela sentença em crise, no sentido de não justificar o incumprimento da sentença declarativa. Refere a sentença, se à data da transmissão do direito real das contrainteressadas no processo principal, estas não informaram os adquirentes da situação processual existente (ação principal com vista à declaração de nulidades de atos praticados referentes à construção das frações em causa), tal escapa ao controlo jurisdicional deste Tribunal. Os recorrentes Município, QQ e RR imputam à sentença nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de registo da ação – art 615º, nº 1, al d) do CPC. Mas sem razão. Primeiro, a alegada necessidade de registo predial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo não é a questão do processo executivo, que apele ao cumprimento do julgado anulatório. Depois, a declaração de nulidade de atos de licenciamento urbanístico não está sujeita a registo predial, porque não briga com a constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre o prédio objeto do licenciamento (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial). Tanto basta para o juízo de improcedência da nulidade por omissão de pronúncia. Por tudo o exposto, a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia. Nulidade por falta da necessária fundamentação – art 615º, nº 1, al b) do CPC Os recorrentes OO e PP imputam nulidade por falta de fundamentação à sentença recorrida quando nela consta (apenas) que não significa que os adquirentes sejam terceiros de boa fé. A nulidade da sentença por violação do artigo 615º, nº 1, al b) do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada. Ora, a sentença exequenda não foi indiferente à posição dos contrainteressados na ação executiva, apenas julgou o interesse público como prevalecente sobre as situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos. Assim sendo, sem necessidade de mais longas considerações, não ocorre nulidade por falta absoluta de fundamentação. Erro de julgamento da matéria de facto O recorrente Município defende o aditamento à matéria de facto provada dos factos seguintes: Este facto ficou provado através do documento 2 junto à Contestação do Recorrente, o qual corresponde à certidão emitida pelo Recorrente em 14.01.2005. Resulta igualmente demonstrado através dos documentos 3 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam certidões do registo predial das frações autónomas constituídas e respetivas cadernetas prediais dessas mesmas frações. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto ficou provado através dos documentos 4 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam as certidões de registo predial das frações autónomas e respetivas cadernetas prediais. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto ficou provado através do documento 11 junto com a Contestação, o qual corresponde ao Alvará de Licença de Utilização n.º ..., datado de 21.11.2006, emitido no âmbito do Processo n.º ..., no seguimento do despacho de 16.11.2006, em nome da sociedade TTTT, respeitante a sete fogos com a tipologia T3, destinados a habitação. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Resulta dos documentos 1 a 4 juntos aos autos na petição inicial apresentada pelo Ministério Público no âmbito da ação administrativa declarativa e do Processo Administrativo que o processo de licenciamento foi tramitado em nome da sociedade ZZZZ, a qual cedeu, em 15.02.2005, à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL], tendo sido em nome desta última sociedade e de NN que, em 31.05.2005 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º ... – o qual foi junto aos autos pelo Ministério Público como documento 9 daquela petição inicial. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto resulta provado do documento 3 junto com a Contestação do Recorrente, o qual consubstancia certidões do registo predial genérica e das sete frações autónomas constituídas, donde não consta qualquer referência ao registo da ação administrativa. Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença. Este facto foi provado através do documento n.º 13 junto com a Contestação do Recorrente, o qual corresponde a uma Informação datada de 24.03.2015, donde consta um Parecer sobre a eventual demolição parcial do Conjunto Habitacional. Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração que a demolição parcial do Conjunto Habitacional tem um impacto na estabilidade do restante Conjunto Habitacional. Este facto resulta provado pelo documento n.º 6 junto com a Petição Inicial apresentada pelo Recorrido na ação administrativa especial – citado no Facto D) da Matéria de Facto Assente –, nunca tendo sido contestado por este. Encontra-se também do documento n.º 1 junto com a sua Contestação – o qual corresponde a um extrato da Planta de Síntese de Uso do Solo n.º 2.5 e 2.7 do PDM de Vila Real de Santo António e, bem assim, dos documentos que integram o Processo Administrativo. Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração a existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional e adequada ponderação e aplicação do princípio da proporcionalidade do caso concreto. Analisemos. Nos termos dos artigos 636º, nº 2 e 640º do CPC, aplicáveis ex vi dos arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA, podem as partes, nas respetivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto. Para o efeito, o art 640º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os diversos pontos da matéria de facto impugnados. Estes ónus encontram-se devidamente cumpridos. O recorrente Município de Vila Real de Santo António alega que a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto, para o caso de se entender que os factos omitidos não determinam a nulidade da sentença. Só parcialmente lhe assiste razão, porque a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelas partes. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório. Da alegação do recorrente entendemos ser de aditar ao probatório os factos inscritos nas alíneas b) e c), que antes deixámos escritos nos factos provados nas als S) e P). A demais factualidade invocada pelo recorrente – constituição da propriedade horizontal com sete frações e falta de registo predial da ação – é irrelevante para a decisão – não intervenção dos ora contrainteressados na ação administrativa especial – resulta provada nas als A), I), K), S) – risco para a estabilidade do conjunto habitacional de demolição parcial – não resulta provado este facto e o mesmo é irrelevante, porque o título executivo declarou a nulidade do licenciamento do Conjunto Habitacional (não de determinada fração ou frações) – e implantação do conjunto habitacional fora da REN – este facto resulta provado na al D) da matéria de facto provada. A pretensão do recorrente Município, de aditamento de factos provados, procede parcialmente. Erros de julgamento da matéria de direito O recorrente Município refere que a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento, desde logo e em geral por ter considerado inexistirem, em concreto, causas legítimas de inexecução, impedimentos legais e de facto à execução mediante a demolição do Conjunto Habitacional. Advoga o recorrente que o tribunal errou ao considerar que não é garantida nem exequível a legalização das construções por força da revisão do PDM em curso, pois o quadro normativo vigente não permitia a legalização do Conjunto Habitacional referido. Errou a sentença ao não aplicar ao caso concreto o princípio da proporcionalidade – em especial, nos cenários da consideração da existência de terceiros de boa-fé, da ponderação do binómio legalização / demolição (total ou parcial) e, bem assim, do apuramento de um prazo de execução. Mal andou a decisão do Tribunal a quo quando ordenou que se procedesse à demolição da totalidade do Conjunto Habitacional (ainda mais sem uma articulação com uma solução menos drástica, como seja, por exemplo, a fixação de um prazo razoável para a efetivação da legalização, sob pena de concretização da dita demolição). Foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da justiça. Verifica-se assim que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por manifesta violação do artigo 106º, nº 2 (primeira parte) do RJUE, dos artigos 179º, nº 1 e 71º, nº 2, ambos do CPTA, assim como dos artigos 2º e 111º da CRP. Alega o recorrente que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão. A sentença recorrida não considerou existirem efeitos putativos a reconhecer adquirentes de boa fé, por não terem sido partes nos procedimentos de licenciamento da construção e da utilização, nem na ação de impugnação desses atos, a qual por sua vez não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial. Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé e também violação da previsão de inexecução lícita, decorrente do art 163º, nº 1 do CPTA, por da demolição resultarem prejuízos financeiros para o interesse público. Por fim, o recorrente Município imputa ainda erro de julgamento decorrente da determinação de um prazo ilegal para a execução, de 90 dias, por manifestamente insuficiente quer para a legalização quer para a demolição. Os contrainteressados (adquirentes das frações e credores hipotecários) não se conformam com a sentença, a que imputam erros de julgamento de direito por não terem sido reconhecidos como terceiros de boa fé e titulares de efeitos putativos. Os recorrentes OO e PP, para além de tudo, alegam ainda que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido interpretativo que o tribunal a quo lhe conferiu, no sentido de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional, colide contra os princípios fundamentais consagrados no art 266º, nº 1 e 2 da CRP, na medida em que atenta contra interesses legalmente protegidos dos cidadãos bem como com o princípio da proporcionalidade. O recorrente DDDD imputa à sentença recorrida também violação do artigo 33º, nº 2 do CPC, do artigo 57º do CPTA, dos arts 20º e 268º, nº 4 da CRP, do art 291º, nº 2 do Código Civil e por considerar a demolição como uma medida sancionatória. O recorrente XXXX entende padecer a sentença de violação do disposto no art 291º do CC, no art 134º, nº 3 do CPA, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do art 106º, nº 2 do DL nº 555/99 e a demolição das construções condiciona e muito a garantia real do recorrente. Vejamos. Na ação principal, por sentença de 28.10.2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé declarou a nulidade: O fundamento da nulidade dos atos administrativos impugnados reside na violação do disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992 (RPDM/92). De acordo com o preceito legal, nas Zonas Turísticas de Expansão, ressalvado o disposto no n.º 3 do presente artigo, nos empreendimentos turísticos bem com, nos planos de pormenor que a Câmara Municipal venha a elaborar, têm que se observar, obrigatoriamente, as seguintes regras: a) Índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano. Em casos especiais, este índice poderá atingir 0,4. O terreno objeto da operação urbanística tem 2470m2 de área e encontra-se inserido em Zona Turística de Expansão, mas 1077,06m2 fazem parte do regime transitório da REN, por se tratar de uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção. Assim, a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções tem 1392,94m2. Pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de: - 1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2 ou - 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais) A área de construção aprovada foi de 1363,13m2. A implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar. No entanto, para efeitos de índices, no projeto aprovado foi considerada a área total do terreno, ou seja, os 2470m2 e a área de superfície de pavimento foi de 920m2, a qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726, isto é, uma área de superfície de pavimento aprovado de 432,47m2 acima do permitido por lei, que é de 487,53 m2 (487,53 m2 + 432,47m2 = 920m2). Portanto, o índice de utilização bruto aprovado é superior a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano. O referido índice de utilização é menor que 0,4, mas o RPDM não especifica os casos especiais em que o índice de utilização pode ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4. A sentença exequenda julgou o índice de utilização aprovado (de 0,3726) para a operação urbanística superior ao permitido por norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António (de 0,35). Consequentemente, julgou o ato de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção nº ..., nulos, à luz do estabelecido no artigo 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, na redação do DL nº 177/2001, de 4.6. A sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014. É este o título executivo da presente ação de execução de sentença de anulação dos atos administrativos de licenciamento urbanístico proferidos no procedimento camarário nº .... O caso julgado firmado pela sentença exequenda delimita os poderes de pronúncia do juiz de execução, vinculando o tribunal (e as partes) a acatar o que aí ficou definido. A eficácia subjetiva do caso julgado pode estender-se aos contrainteressados da ação executiva (como mais à frente veremos). Nos termos do disposto no art 205º, nº 2 da CRP, art 158º, nº 1 e nº 2 do CPTA e art 619º, nº 1 do CPC, transitada em julgado a decisão judicial que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou decisão, designadamente, de autoridade administrativa. Ora, seguindo o entendimento de Ana Celeste Carvalho, em «Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa», Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, págs 250 e segs, «embora seja aplicável ao processo administrativo o regime da vinculação, obrigatoriedade e prevalência da sentença, assim como o instituto do caso julgado do direito processual civil, existem especificidades próprias do direito processual administrativo que se impõe ter em consideração. A eficácia do caso julgado no processo civil aponta, por isso, que ele se limite às situações positivamente verificadas pelo tribunal através de julgamento, pelo que, abrange apenas a parte decisória da sentença, não se estendendo aos fundamentos ou ao raciocínio lógico que a sentença percorreu. Neste sentido, a jurisprudência tem decidido que o caso julgado, mesmo formal, não se forma sobre os fundamentos da decisão, mas somente sobre esta e que o caso julgado apenas excecionalmente se forma sobre os motivos que sejam antecedente imediato ou indispensável à emissão do dispositivo da sentença. Sem prejuízo, a jurisprudência tem admitido que sendo a eficácia do caso julgado limitada, em princípio, à simples conclusão ou dispositivo da sentença, deve tornar-se extensiva à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, assim como, que os fundamentos ou motivos da sentença sejam tidos em conta sempre que tal se mostre necessário para interpretar e determinar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exato conteúdo. Por isso, se tem decidido que embora o caso julgado se forme sobre a decisão e não sobre os motivos, estes devem ser considerados na fixação do sentido e alcance da decisão e que o caso julgado abrange a decisão necessariamente implícita. (…) No direito processual administrativo fruto da atual conceção do objeto do litígio dirigido à ilegalidade administrativa e não a cada um dos vícios ou causas de ilegalidade concretamente invocadas, estão os fundamentos abrangidos no caso julgado da sentença anulatória. (…) A vantagem de considerar a autoridade do caso julgado extensiva aos fundamentos da decisão encontra-se na maior certeza a que a mesma conduz, pois sendo maior o âmbito da imodificabilidade das decisões, menores serão os litígios resultantes de decisões contraditórias. Deste modo, acolhe o direito processual administrativo um regime mais amplo dos limites objetivos do caso julgado, admitindo para além do dispositivo da sentença, também os seus concretos fundamentos de facto e de direito». O que significa que in casu, o tribunal, na ação principal, declarou a nulidade do licenciamento da operação urbanística Conjunto Habitacional de 7 fogos, situado na [LOCAL], freguesia de [LOCAL], ao abrigo do disposto no art 50º, nº 1, al a) do RPDM de Vila Real de Santo António e no art 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, por não respeitar o índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano. É no artigo 173º do CPTA que se encontra concretizado o dever de executar do Município, sempre que lhe cumpra retirar consequências da declaração de invalidade – nulidade ou anulação – dos seus atos administrativos. Com efeito, nomeadamente, pode ter de alterar situações de facto criadas ao abrigo do ato ilegal e assim reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação (cfr art 173º, nº 1 do CPTA). A execução duma decisão judicial anulatória de ato ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da prática do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado, com a eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem. Na verdade, e como resulta do art 173º, nº 1 do CPTA, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos, ou seja, (1) o da reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, (2) o do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava e (3) da eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida. E na observância e cumprimento destes deveres, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (art 173º, nº 1 do CPTA). A par do que vimos de dizer, acompanhando a jurisprudência vertida, por exemplo, nos acórdãos do TCAN de 27.5.2011, processo nº 516-A/03, e de 14.12.2012, processo nº 608-A/99, quer a atuação da Administração, mediante a prática de todos os atos jurídicos e operações materiais que se tornem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, quer a atividade de controlo exercido pelo tribunal quanto à atuação/omissão daquela está condicionada pelo caso julgado decorrente da decisão judicial exequenda e respetivos limites [cfr. Acs. STA de 02.07.2008 (Pleno) - Proc. n.º 01328A/03, e de 18.11.2009 - Proc. n.º 0581/09]. É que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão que se executa, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório encontra-se circunscrita à(s) ilegalidade(s) que ditou(aram) o fundamento de invalidade do ato (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821ª e Ac. STA/Pleno de 29.01.1997 - Proc. n.º 27517), pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita às ilegalidades que ditaram a anulação contenciosa do ato nada obstando, desta feita, a que a Administração emita novo ato com idêntico núcleo decisório mas liberto daquelas mesmas ilegalidades (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821A, de 02.07.2008 - Proc. n.º 01328A/03, Ac. STA/Secção de 30.09.2010 - Proc. n.º 01388A/03). Quer isto dizer que o critério pelo qual havemos de aferir se a decisão judicial anulatória foi ou não devidamente executada é o do âmbito das ilegalidades que conduziram à invalidação do ato. No caso, o ato administrativo de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este foram julgados nulos, nos termos do art 50º, nº 1, al a) do ... e art 68º, al a) do DL nº 555/99, não estando a obra de construção do Conjunto Habitacional, com 7 fogos, licenciada. Assim, importa saber em que termos se terá de processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este, e quais os limites, poderes envolvidos, modo de exercício e fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade. A este propósito refere Mário Aroso Almeida, em «Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes», Teses, 2002, págs 510, 512 a 514, que se afigura «de admitir que a circunstância objetiva de ter havido um ato ilegal e de ter sido judicialmente decretada a sua anulação - em termos que automaticamente tornaram evidente e indiscutível que a situação criada ao abrigo daquele ato é hoje uma situação de mero facto, destituída de fundamento jurídico, e que a sua manutenção, no presente e para o futuro, é lesiva de quem recorreu e obteve a anulação - é suficiente para restringir, no caso concreto, o componente de apreciação valorativa quanto à oportunidade de agir que a previsão normativa abstrata da competência da Administração para intervir sobre construções ilegais porventura comporte. … o fundamento do estrito dever que à Administração se impõe de agir em relação à construção ilegalmente edificada ao abrigo da licença que foi anulada, com eliminação da discricionariedade quanto à oportunidade da atuação, reside, portanto, na circunstância de essa intervenção se inscrever na execução do efeito repristinatório da anulação. … Na sequência da anulação, a Administração deverá, assim, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do recorrente que obteve a anulação pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da construção edificada e, porventura, para o próprio interesse público, do que seria a pura e simples demolição. Tudo depende do conteúdo das normas materiais cuja violação esteve na base da anulação da licença. A demolição só deve ser, desde logo, imposta nas situações em que, dadas as circunstâncias concretas, a legalização não seja possível. Também a jurisprudência se tem pronunciado sobre os termos em que se deve processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade de ato de licenciamento e quais os limites na fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade, no sentido de a demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só dever ser ordenada como última medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade. A título de exemplo, citamos o acórdão proferido pelo TCAN, a 5.6.2008, no processo nº 232-A/2003, onde se pode ler que as … consequências executivas da declaração judicial de nulidade de uma licença de construção, dado não serem explicitamente ditas na lei, deverão ser procuradas, desde logo, no âmbito do regime jurídico da própria nulidade. Este regime jurídico consagra a regra básica de que o ato nulo não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade [artigo 134.º n.º 1 do CPA], mas ressalva que esta ausência de efeitos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito [artigo 134.º, nº 3 do CPA]. Constata-se, assim, que o legislador, apesar de fixar a completa esterilidade jurídica do ato nulo [n.º 1], não esquece simplesmente a situação de facto que esse ato poderá ter gerado, abrindo, até, a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito. Não é nosso intento escalpelizar, nesta sede, os pressupostos necessários ao funcionamento dessa possível relevância, mas apenas sublinhar, para o que aqui importa, a atenção que a lei acaba por dar às situações de facto decorrentes dos atos nulos. Também é interessante verificar, agora no plano mais concreto do regime jurídico da urbanização e edificação, como a lei atende a situações de facto surgidas à sua margem, permitindo [nomeadamente] que a demolição de edificações clandestinas possa vir a ser evitada no caso de se mostrar possível o seu licenciamento, nomeadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração - ver o então artigo 167.º do RGEU, e o atual artigo 106.º n.º 2 do RJUE. Em face disto, cremos que se impõe ao julgador, no plano da execução coerciva de uma sentença que declarou nula a licença de construção de um prédio, construído e habitado, que preste a devida atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada por esse ato nulo, e que pondere a possibilidade executiva de ser extirpada a causa dessa declaração de nulidade, revertendo a situação de facto ilegal numa situação jurídica de legalidade, e evitando, desta forma, a total demolição do edificado. Efetivamente, esta solução radical [demolição total] pode não ser imposta pela concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade, e pode surgir, até, como claramente desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real. Como solução drástica que é, sobretudo quando, como no presente caso, há terceiros de boa fé, a demolição total do edificado deve ser encarada pelo julgador como a última solução. A execução coerciva de sentença que declarou nula a licença de construção de um edifício, já construído e habitado, não passa, pois, necessariamente, pela demolição total do edificado, mas não poderá deixar de consistir no conjunto de atos e operações materiais que se mostrem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade. Na situação em apreço, a sentença exequenda declarou a nulidade dos atos impugnados. O Município visado na ação principal nada fez após o trânsito em julgado da decisão exequenda. Trata-se aqui da omissão de um dever qualificado de intervenção do Município. Por um lado, porque ao Município se exige o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação, não estando em crise atuação no âmbito do normal exercício dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais. Por outro lado, cumpre ao Município eliminar situações que ele próprio criou através da adoção de um ato administrativo ilegal, por violar as normas do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António. Com efeito, nas circunstâncias de facto apuradas no título executivo, a declaração de nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e dos atos posteriores a este, incluindo o alvará de licença de construção, impõe ao Município, em execução da sentença exequenda, o dever de atuar, reduzindo-se a zero a sua discricionariedade para o fazer. Com efeito, cumpre à Administração, perante a existência de obras ilegais, proceder nos termos previstos nas normas urbanísticas dos arts 106º, 107º, 108º do DL nº 555/99. Estes preceitos legais determinam que, em caso de incumprimento voluntário da ordem de demolição pelo administrado, prevista no artigo 106º, nº 1 do DL nº 555/99, deve o Município proceder, ele próprio, à demolição, por força do disposto no art 106º, nº 4 do DL nº 555/99, seguindo a tramitação dos arts 107º e 108º do mesmo regime legal. Na situação em apreço, em execução do julgado anulatório, o Município não determinou a legalização da obra, não determinou a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos. O incumprimento da obrigação de agir do Município para com o autor, que obteve a sentença de declaração de nulidade dos atos impugnados, levou o Ministério Público a pedir a execução em juízo. O que cabe no âmbito da presente ação executiva é dar plena e integral execução à sentença de 28.10.2009 e, em nosso juízo, tendo em conta o exposto até este momento, a sentença recorrida interpretou corretamente o título executivo, por isso, identificou os atos e operações a cumprir pelo Município – cassar os alvarás de licença de construção e de utilização – efetivar a demolição de todo o edificado – repor o solo na situação anterior à realização das obras – e fixou-lhe um prazo dentro do qual deve proceder à demolição da obra. A sentença refutou todas as causas invocadas pelos recorrentes que obstariam a que se desse execução à demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº .... A sentença analisou as vias preferenciais à demolição, a saber: a legalização da operação urbanística realizada com base nos atos declarados nulos (art 106º, nº 2 do RJUE) e a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos (art 134º, nº 3 do CPA de 1991, art 162º, nº 3 do CPA de 2015), mas decidiu pela respetiva improcedência. Vejamos se errou na aplicação do direito. Quanto à possibilidade de legalização da obra ilegal: Uma das alternativas que se colocam à ponderação da Administração nas situações em que tenha havido uma declaração da nulidade do ato administrativo de gestão urbanística é a da legalização das operações que com base no mesmo foram concretizadas, situação que passa pela prática de novos atos de licenciamento das operações consolidadas, desta vez sem o vício gerador da nulidade, sendo que neste caso é evidente que a legalização da operação urbanística só será possível mediante a alteração da situação de facto ou a alteração do direito aplicável. A legalização da operação urbanística em causa implica a prática de atos de licenciamento das obras feitas ao abrigo dos atos declarados nulos, sem o vício que determinou a nulidade. O ato a praticar pode depender da alteração da situação de facto (demolição parcial) ou de alteração do direito aplicável (cfr Fernanda Paula Oliveira e Pedro Gonçalves, «Regime da Nulidade dos atos Administrativos de Gestão Urbanística que investem o Particular do Poder de Realizar Operações Urbanísticas», CEDOUA, ano 2, 1999, págs 21 e 22). Sabemos que a sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014. A ação executiva entrou em juízo a 11.2.2015. A 30.8.2016 a CM de Vila Real de Santo António deliberou aprovar a realização de alteração ao PDM, no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos na [LOCAL] (processo nº ...) e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo nº ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo TAF de Loulé – Serviços do Ministério Público. O procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António está em curso, pois encontra-se publicitada a abertura de um período de discussão pública [de 30 dias úteis, com início no quinto dia útil posterior à respetiva publicação no Diário da República] da proposta de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António - artigo 89º, através de aviso nº ..., publicado no DRE, nº 52, série II, de 2025-03-14. Em função desta realidade fáctica apurada, o curso do procedimento de alteração do RPDM, os recorrentes defendem ser de afastar a demolição do Conjunto Habitacional com vista ao restabelecimento da situação de ilegalidade com referência à execução da decisão proferida no processo principal. Neste domínio, não assiste razão aos recorrentes, pois que o facto de estar em curso uma alteração do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António nada vem trazer de relevante para a sorte destes autos. Porque o quadro legal aplicável ao caso, inclusive neste momento, continua a ser o que consta do Regulamento do PDM que justificou a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística, ou seja, o disposto no art 50º, nº 1, al a) do .../ 1992. De facto, a mera possibilidade ou hipótese de legalização futura, com a efetiva alteração do PDM, não é fundamento bastante para o juiz aplicar, ao abrigo do art 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA, o regime previsto no art 106º, nº 2 do DL nº 555/99, nos termos do qual: a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração. Além do bloco de legalidade urbanística atual ser o que existia à data da emissão dos atos nulos, mesmo a existência de novas disposições regulamentares impõe fazer a devida correspondência entre a nova ordem e a realidade em apreço, situação que passa por eventual novo ato de licenciamento, a requerimento dos interessados (aqui contrainteressados) ou por iniciativa do requerido, no sentido de se averiguar a conformidade da operação urbanística denominada Conjunto Habitacional com sete fogos com as novas regras urbanísticas em vigor, substituindo validamente os atos declarados nulos. Dito de outro modo, aprovadas e entradas em vigor novas normas regulamentares é necessário a Administração, o Município de Vila Real de Santo António, levar a cabo uma nova apreciação urbanística do Conjunto Habitacional, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data. Porém, até ao momento, e apesar do tempo decorrido, não existe notícia de novo regime urbanístico que tutele alteração ao Regulamento do PDM/1992, no sentido de legalizar o Conjunto Habitacional de sete fogos na [LOCAL], nem novos atos de licenciamento por parte do Município de legalização da construção. Os recorrentes Município e contrainteressados não demonstram a legalização total da obra ilegal, ou dito de outro modo, não provam que a edificação ilegal é hoje legalizável. O que avançam, todos os recorrentes, é estar em curso o procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António, pelo que a possibilidade de legalização da construção ilegal poderá vir a ocorrer no futuro. Neste momento, face ao PDM em vigor, que é o da data da prática dos atos nulos, a legalização não é possível. Mais, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade da legalização é que poderá fazer-se a ponderação inerente à proporcionalidade implicada na aplicação do art 106º, nº 2 do RJUE (cfr Fernanda Paula Oliveira e outras, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 3ª edição, pág 663). A partir daqui, resulta claro que, nesta altura, o reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência. Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito constituída ou declarada pela sentença exequenda. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido. Acresce que, nem o Município nem os contrainteressados demonstram a legalização de parte da obra ilegal, por não estar implantada na zona de ocorrência dunar a salvaguardar e cumprir o índice de utilização de 0,35 e a área de superfície de pavimento de 487,53m2. Alega o recorrente Município (conclusões Z e AA) que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão. As referidas frações estão implantadas sobre uma estrutura comum e do ponto de vista das engenharias a demolição de quase duas frações autónomas significaria um impacto muito relevante ao nível da estabilidade das demais frações. Nota o recorrido Ministério Público que estamos, in casu, perante um conjunto habitacional com 7 frações autónomas e partes comuns (garagem em cave), pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade das construções a legalizar. Apesar do recorrente Município ter instruído a contestação com um parecer dos seus serviços, para sustentar a impossibilidade de se optar por uma demolição parcial, documento nº 13, sem ser apresentado requerimento dirigido à legalização parcial da operação urbanística, portanto, sem prévia apresentação de novo projeto de arquitetura que contemple as construções a legalizar, ónus a cargos dos (contra)interessados, não se concebe como se pode concluir pela impossibilidade ou possibilidade (total ou parcial) de legalização da obra ilegal. Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, em Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 2012, 3ª edição, anotação 3 ao artigo 106º do RJUE, pág 663, a legalização das operações urbanísticas, nos casos em que depende de apreciação do projeto concreto de legalização da construção, não exime que o interessado na legalização o apresente, já que a Administração não se lhe pode, em princípio, substituir. Em boa verdade, o que os recorrentes alegam e pretendem é uma mera e hipotética legalização futura da construção do Conjunto Habitacional, na decorrência de alterações do Plano Diretor Municipal, e não adaptações do ilegal ao exigido pelo direito em vigor. Assim sendo, de acordo com o disposto no art 173º, nº 1 do CPTA, decidiu bem a sentença recorrida, ao concluir que, por a alteração do RPDM estar em curso, o quadro normativo atualmente vigente não permite a legalização das construções ilegais, pelo que impende sobre o Município de Vila Real de Santo António a obrigação de executar o título executivo, isto é, proceder à demolição de toda a construção erigida com sustento nos atos de licenciamento declarados nulos. Quanto aos efeitos putativos: Com efeito, por regra, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (art 134º, nº 1 do CPA/91). A não ser que os princípios gerais da boa fé, da proteção da confiança, da proporcionalidade, associados ao decurso do tempo entre a prática dos atos declarados nulos e a impugnação judicial dos mesmos, imponham ao juiz a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes do ato nulo (art 134º, nº 3 do CPA e art 69º, nº 4 do DL nº 555/99, de 16.12 (nº 4 introduzido na redação dada ao diploma pela Lei nº 60/2007, de 4.9). Não sendo possível legalizar a obra feita, outra via que evita a demolição é a que passa pela aplicação do regime previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA de 1991 e, hoje, no art 162º, nº 3 do CPA/2015. Dispunha o art 134º, nº 3 do CPA de 1991: 3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito. Dispõe o art 162º do CPA de 2015:
A possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, nos termos do artigo 134º, n º 3 do CPA/1991, tem em vista os chamados efeitos putativos dos atos nulos, bem como tem em consideração que a insusceptibilidade de produção de efeitos jurídicos pode não ter (e no direito do urbanismo, muitas vezes não tem) correspondência com a realidade a nível factual, ou seja, o ato embora nulo produziu alterações na realidade existente (por exemplo no caso de a obra estar concluída, como aqui sucede). Contudo, a possibilidade conferida pelo artigo 134º, nº 3 do CPA/1991, de proteção de algumas situações de facto consolidadas no tempo, em homenagem aos princípios da boa-fé, da confiança e da proporcionalidade, deve ser interpretada como uma exceção ao regime regra, pelo que apenas em casos absolutamente excecionais e desde que tenha decorrido um longo período deve ser admitida a atribuição de efeitos aos atos nulos, sob pena de se tornar a exceção em regra. Da leitura da norma do nº 3 do preceito citado resulta que a atribuição de efeitos jurídicos a situação de facto consolidada depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: Verificados estes pressupostos, será, então, possível a atribuição de certos efeitos jurídicos às operações urbanísticas executadas ao abrigo de licenças nulas. Para além de manter a situação de facto consolidada, a jurisdicização consiste ainda em permitir à autoridade administrativa que praticou o ato que originou a referida situação, praticar outros atos administrativos idóneos a conservar as operações urbanísticas consolidadas, permitindo que as mesmas entrem no comércio jurídico, e tratando-as, para certos efeitos, como licenciamentos válidos. Daqui decorre que a norma referida não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, uma vez que este não é passível de sanação jurídica, mas antes permite atribuir certos efeitos ao tempo decorrido, o que encontra o seu fundamento na necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais e depende de ter decorrido um período dilatado de tempo, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados (cfr ac do TCAS de 8.5.2014, processo nº 10.124/13). Na situação em análise, em primeiro lugar, estamos perante atos administrativos nulos, assim declarados pelo título executivo. A sentença exequenda foi proferida a 28.10.2009, na ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos instaurada no dia 5.3.2007, transitou em julgado a 24.4.2014 e declarou a nulidade da deliberação de 1.6.2004 (que aprovou o projeto de arquitetura para construção do Conjunto Habitacional de sete fogos), da deliberação de 28.9.2004 (que aprovou todo o projeto), do despacho de 6.12.2004 (que deferiu o pedido de licença de construção) e de todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção. A ação declarativa foi movida pelo Ministério Público contra o Município de Vila Real de Santo António e contra as contrainteressadas ZZZZ, AA & LLLL e TTTT. (por intervenção admitida na ação a 25.3.2008). Como refere o recorrido, na conclusão M) das contra-alegações do recurso do Município, a partir do momento em que foi proposta a ação administrativa especial de impugnação, a 5.3.2007, deixou de existir uma relação jurídica estável, em relação aos atos administrativos de licenciamento da operação urbanística em causa, que pudesse ser geradora de confiança. Desde a prática dos atos, de 1.6.2004, de 28.9.2004 e de 6.12.2004, até à propositura da ação de impugnação judicial desses atos, em 5.3.2007, decorreram menos de três anos e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização nº ..., a 21.11.2006. Se considerarmos o prazo de 10 anos, previsto no artigo 69º, nº 4 do DL nº 555/99, como indício especialmente relevante na aplicação do artigo 134º, nº 3 do CPA ao caso em apreço, de facto os atos de licenciamento da operação urbanística foram questionados em juízo num curto espaço de tempo, inferior a três anos em relação à aprovação do projeto de arquitetura e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização. Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de três anos é um período insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade de situações de facto merecedoras da tutela jurídica. Os recorrentes, incluindo o Município, discordam desta contagem do prazo, por entenderem que apenas a partir da citação nesta ação executiva os adquirentes e credores hipotecários das frações tiveram conhecimento da nulidade dos atos, portanto, volvidos mais de dez anos para efeitos de aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA. Não lhes assiste razão. A legalidade dos atos praticados pelo Município no procedimento de licenciamento foi questionada em tribunal a 5.3.2007, antes de ter sido vendida qualquer fração aos contrainteressados/ recorrentes e contra os que à data constavam como requerentes do licenciamento e a entidade licenciadora/ Município de Vila Real de Santo António. Na ação administrativa especial de impugnação dos atos administrativos, de 1.6.2004, de 28.9.2004, de 6.12.2004 e dos posteriores, nem o autor, nem o Município, nem as contrainteressadas naquela ação informaram ou requereram no processo a intervenção dos adquirentes e credores hipotecários dos 7 fogos (a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008; a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data); a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014; a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX). O Conjunto Habitacional foi construído, a propriedade horizontal foi constituída e as sete frações foram alienadas e algumas objeto de hipoteca. As frações foram transacionadas depois da entrada em juízo da ação administrativa especial (em 5.3.2007). As frações G, A, D, E foram adquiridas no curso da ação, antes de ser proferida a sentença declarativa (que data de 28.10.2009), as frações B, F e C foram adquiridas antes do trânsito em julgado daquela sentença (ocorrido a 24.4.2014). Neste contexto, entende-se que cabia, desde logo, a quem alienou as frações promover a intervenção processual dos sucessivos adquirentes das mesmas na ação administrativa especial, sendo que não cabia ao Tribunal promover a habilitação dos sucessivos adquirentes das frações se nada foi requerido nesta matéria. Ainda assim, a eficácia subjetiva do caso julgado estende-se aos contrainteressados desta ação executiva, pessoas que não foram partes na ação administrativa especial mas que ficaram vinculados às consequências e aos efeitos da decisão declarativa. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC anotado, 4ª edição, vol 1, pág 135, exemplificam a situação precisamente com «o caso do adquirente da coisa ou direito litigioso na pendência da ação declarativa, sem sua subsequente intervenção no processo (art 263º, nº 3 do CPC)». Inexistindo, por isso, in casu, violação do disposto no art 33º, nº 2 do CPC e nos arts 57º e 177º, nº 1 do CPTA. Até porque, nos termos do art 177º, nº 1 do CPTA, os contrainteressados a quem a satisfação da pretensão possa prejudicar é um critério que se baseia numa apreciação casuística da situação. Pelo exposto, na situação em apreço, entendemos, como vem decidido, não estar preenchido o pressuposto do decurso do tempo para que se aplique a previsão legal do art 134º, nº 3 do CPA. Este pressuposto do decurso do tempo não se confunde com a qualidade dos contrainteressados, ora recorrentes, como terceiros, alheios a todo o procedimento de licenciamento e à ação administrativa especial onde se deferiu o pedido de declaração de nulidade dos atos de licenciamento. Aliás, a sentença recorrida não questionou que os contrainteressados/ recorrentes são terceiros. Admitindo que estes terceiros desconheciam a existência do processo judicial declarativo, desconheciam a existência da declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística e que os demandados na ação declarativa não lhes deram conhecimento do litígio e da sentença proferida na ação, estaremos perante terceiros de boa fé. Pois, pelas certidões do registo predial das ditas frações não podiam os adquirentes e credores hipotecários dos imóveis saber da ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento. Como a ação não tem como finalidade o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre cada uma das sete frações autónomas não está sujeita a registo (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial). No entanto, a boa-fé dos contrainteressados não tem a virtualidade de obstar ao cumprimento do julgado anulatório e à demolição do edificado, porquanto não é o único requisito previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA para o reconhecimento de efeitos dos atos nulos, decorrentes do decurso do tempo (ao contrário do que alegam as instituições bancárias recorrentes, o art 291º do CC, que visa a proteção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não tem aplicação às nulidades dos atos de licenciamento urbanístico de imóveis. A este respeito, podemos ler no sumário do acórdão do STA de 9.7.2014, no processo nº 1561/13, a seguinte doutrina: I - A atuação correta, leal e de boa fé dos intervenientes no procedimento, ignorando a violação de qualquer disposição legal, não convalidará ou não fará desaparecer ilegalidade invalidante de que enferme o ato administrativo impugnado. II - Os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios, não se destinando a preservar ou manter na ordem jurídica um ato administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade, e, assim, impedir que o mesmo seja declarado em processo judicial deduzido com tal objetivo. O que significa que a boa fé dos adquirentes/ proprietários e credores hipotecários das frações não justifica por si só que os seus direitos de propriedade fiquem salvaguardados pelo reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos. A decisão recorrida, no caso concreto, num juízo de proporcionalidade, fez prevalecer os interesses de ordem pública, em matéria de urbanismo e de ordenamento do território, sobre a pretensão dos contrainteressados na manutenção e utilização das construções ilegais. O que é bem diferente da interpretação que dela fizeram os recorrentes OO e PP, quando, na conclusão 23, alegam que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido que o tribunal lhe conferiu, de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional. A sentença não diz isto nem afastou a aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA em matéria urbanística. A decisão em crise segue, no fundo, a regra no âmbito do licenciamento urbanístico, de que não há lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos, porque o direito de propriedade e o jus aedificandi, não sendo direitos absolutos, cedem por razões relacionadas com a proteção do ordenamento do território, da integridade ambiental ou paisagística da zona em questão. Na verdade, o terreno onde foi implantada a construção tem uma faixa a sul, com 1077,06m2 de área que se encontra inserida no regime transitório da REN e, segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve, é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar. E se é certo que a operação urbanística foi implantada sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar, no entanto excedeu o índice de utilização e o valor de superfície de pavimento permitidos pelo ... em vigor para o local. Ora, como defende o recorrido, um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a atos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível - art 134º do CPA – sendo que, no caso vertente, há ainda que atender ao interesse público na reposição e manutenção da legalidade que não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem um índice de utilização de 0,3726 e uma área de superfície de pavimento de 920,43m2, superior ao permitido pelo RPDM de Vila Real de Santo António, de 0,35 e de 487,53m2. Diminuindo deste modo, com as 7 frações edificadas contra as normas do PDM, designadamente, o terreno que devia ser utilizado para a instalação de equipamentos recreativos e de zonas verdes (cfr art 50º, nº 2, al c) do .../92). Admitir in casu a legalidade dos atos nulos, a reboque da produção de efeitos putativos, seria admitir uma verdadeira sanação dos atos de licenciamento nulos, em benefício de quem (requerentes do licenciamento e entidade licenciadora) foi responsável pelas ilegalidades geradoras dessa mesma nulidade e omitiu aos contrainteressados, ora recorrentes, a existência da impugnação judicial do licenciamento da construção do Conjunto Habitacional aquando da transmissão da propriedade das frações. Entende-se, também, de referir que a análise e decisão sobre a presente matéria não põe em causa as garantias hipotecárias que inclusivamente os contrainteressados DDDD e XXXX detêm sobre as frações B, D, E, F e G dos autos, pelo que não têm que ser chamados à colação os efeitos putativos da nulidade dos atos de licenciamento. As garantias hipotecárias não se extinguem com a demolição das construções ilegais, uma vez que subsiste o lote do terreno onde estão erigidas. A eventual diminuição das garantias dos credores, não vem concretizada com factos, mas não é, por si só, razão que obste ao decidido. O mesmo sucede, como bem nota o recorrido, com o eventual prejuízo, não densificado com factos, para os proprietários das frações. Os artigos 173º e 179º do CPTA têm sempre a ver com a reposição efetiva da legalidade administrativa, mesmo nos casos previstos nos artigos 102º e segs do DL nº 555/99, maxime no artigo 106º. Assim, existia e persiste o dever de a entidade administrativa/ Município de Vila Real de Santo António reconstituir a situação que existiria atualmente sem o ato inválido. Como já se disse, não ficou demonstrado, por parte dos recorrentes, que esta obra é atualmente legalizável face ao ... em vigor (de 1992), mas resulta provado que quando os contrainteressados/ recorrentes adquiriam as frações e foram constituídas as hipotecas já os atos de licenciamento tinham sido impugnados em juízo com fundamento em violação de norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, vindo a ser declarados nulos ao abrigo do artigo 68º, al a) do DL nº 555/99. Este fundamento de nulidade – violação do disposto no art 50º, nº 1, al a) do ..., atento o «bem» por ele protegido, e que respeita ao correto ordenamento do território nacional, mantém-se enquanto se mantiverem as regras cuja violação o ditou. O que significa que a declaração de nulidade proferida no título executivo continua atual, sendo de aplicar a lei vigente à data da apreciação urbanística. A demolição, enquanto ato de execução coerciva da sentença declarativa, deve suportar-se no regime jurídico vigente à data da sua determinação, pois é nessa data que se têm de verificar os requisitos que a habilitam, não fazendo qualquer sentido reportá-la a normas futuras e incertas, que não estão aprovadas nem em vigor. E, como salienta o Ministério Público (recorrido), o Estado tem a obrigação constitucional de assegurar um correto ordenamento do território e de salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado - cfr. arts 9º, al e) e 66º, nº 1 da CRP. Tais obrigações e interesses não podem ser afastados pela onerosidade financeira da execução do julgado para o Município, decorrente da demolição do Conjunto Habitacional, nem pelo direito de propriedade e garantias hipotecárias dos contrainteressados adquiridos quando já estava instaurada ação administrativa especial de impugnação dos atos de licenciamento. Em suma, à luz do princípio da proporcionalidade, não sendo possível a reposição da legalidade urbanística, in casu, por meio da legalização, nem a atribuição de efeitos putativos aos atos nulos, face à inexistência de situações de facto consolidadas por um período de tempo bastante e razoável e face à superioridade do interesse público a tutelar no caso concreto, cumpre dar execução à sentença anulatória dos atos administrativos, consiste na cassação do alvará de licença de construção nº ... e do alvará de utilização nº ... e na demolição do Conjunto Habitacional. Prazo para cumprir a execução: O recorrente Município «queixa-se» ainda do prazo manifestamente insuficiente de 90 dias úteis fixado pela sentença recorrida para o restabelecimento da situação existente antes da prática dos atos nulos, quer para a legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, quer para a demolição das frações. De onde conclui que a fixação deste prazo viola o princípio da proporcionalidade e o subprincípio da necessidade, carecendo da razoabilidade imposta no art 179º, nº 1 do CPTA. A sentença exequenda transitou em julgado a 23.5.2014. O Município não invocou a ocorrência de causa legítima de inexecução nem cumpriu o dever de executar a sentença declarativa, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, como lhe impunha a norma do art 175º, nº 1 e nº 2 do CPTA. Por este motivo foi requerida a 11.2.2015 a execução do julgado, nos termos do art 176º do CPTA. Só com a citação para os termos da ação executiva o Município vem invocar, na contestação (apresentada a 24.3.2015), causas legítimas de inexecução – art 177º do CPTA. Julgadas improcedentes as causas de inexecução invocadas foi fixado o prazo de 90 dias úteis para o Município cassar o alvará de licença de construção e o alvará de licença de utilização das habitações, demolir todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ..., repor o solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo. Consideramos neste ponto assistir razão ao recorrente Município. O reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe, neste momento, uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência. Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito declarada pela sentença. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido. No entanto, com referência à situação de facto existente, a consideração da matéria alternativa sustentada pelo recorrente Município, e também pelos contrainteressados recorrentes, de estar em curso uma alteração do ..., para legalizar o Conjunto Habitacional dos 7 fogos, impõe que se aponte que, apesar de se entender que deverá ser ordenada a demolição da construção, nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto se poder vir, mais tarde, a extinguir, por alteração superveniente das circunstâncias, de facto ou de direito, designadamente se entretanto se proceder à legalização do edificado. Conforme escreve Fernanda Paula Oliveira, em Nulidades Urbanísticas, Casos e Coisas, Almedina, pág. 112 «(…)ainda que um tribunal ordene, sem mais, que a Administração proceda à demolição de operações urbanísticas ao abrigo de ato nulo…nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto vir, mais tarde a extinguir-se, por alteração superveniente das circunstâncias de direito, designadamente pela alteração da norma do plano violado que passe a admitir aquela operação». Neste contexto, e em face da factualidade apurada nos autos, e procurando dar expressão a tudo quanto ficou exposto, temos para nós que, à luz do que se mostra apurado em termos da matéria de facto, do decidido com trânsito em julgado e do disposto nos arts173º, nº 1 e 2, 176º, 179º, nº 1 do CPTA, os atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que existia à data do ato ilegal reconduz-se à tomada dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal – Conjunto Habitacional, precedida do despejo de cada uma e de todas as frações, operação essa a levar a cabo no prazo máximo de 24 meses (como pretendido pelo recorrente Município). Considerando que as sete frações autónomas visadas no título executivo têm fim habitacional, têm sobre si constituídas hipotecas (com exceção das frações A e C), alguns dos contrainteressados são estrangeiros e têm morada fora do nosso país, e, ainda, em função da natureza da obra a desenvolver e os procedimentos inerentes à mesma, julgamos adequado o prazo de 24 meses/ 2 anos para concretização dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data. Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 179º, nº 1 do CPTA e à aplicação do princípio da proporcionalidade, quando fixou em 3 meses (90 dias úteis) o prazo para ser restabelecida a situação existente antes dos atos declarados nulos. No mais alegado improcedem os erros de julgamento de direito imputados à sentença recorrida. Decisão Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subseção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Custas nos recursos dos contrainteressados: a cargo dos recorrentes contrainteressados. Custas do recurso do Município: a cargo do recorrente, na proporção de 2/3, estando o recorrido isento do pagamento das custas devidas na parte em que decaiu. Notifique. * Lisboa, 2025-05-15, (Alda Nunes) (Marta Cavaleira) (Ana Lameira). |