Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:131/07.6BELLE-A
Secção:CA
Data do Acordão:05/15/2025
Relator:ALDA NUNES
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUE DECLAROU NULIDADE DE LICENCIAMENTO
LEGALIZAÇÃO
EFEITOS PUTATIVOS
DEMOLIÇÃO
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

O Ministério Público junto do TAF de Loulé propôs execução de sentença de anulação de atos administrativos contra o Município de Vila Real de Santo António e contra os contrainteressados (1) ZZZZ, (2) AA & LLLL, (3) TTTT, (4) CC, (5) DD, (6) EE, (7) XXXX, (8) RRRR, (9) FF, (10) GG, (11) HH, (12) II, (13) JJ e (14) KK, pedindo:
a. a cassação do alvará de licença de construção nº ...;
b. a demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ...;
c. a reposição do solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo pela decisão proferida na ação administrativa especial 131/07.6BELLE.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 28.10.2016, julgou procedente a execução e, em consequência, condenou o Executado, no prazo de 90 dias úteis, a:

i. Cassação do alvará de licença de construção n.º ... e do Alvará de utilização das habitações;

ii. Demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção n.º ...;

iii. Na reposição do solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo pela decisão proferida na ação administrativa especial n.º 131/07.6BELLE.

Condenou o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, em sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional, aplicável após o decurso do prazo de 90 dias úteis para execução voluntária do julgado e até à execução integral do mesmo julgado.

O XXXX apresentou reclamação para a conferência da sentença proferida.

A contrainteressada EE veio ao processo requerer a suspensão da execução da sentença até à entrada em vigor da alteração do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António.

O executado Município de Vila Real de Santo António interpôs recurso jurisdicional da sentença executiva. Nas alegações do recurso, o executado, ora recorrente, formulou as seguintes conclusões:
A. O recurso jurisdicional agora interposto, incide sobre a sentença executiva proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 28.10.2016, nos termos da qual se decidiu condenar a Recorrente a, no prazo de 90 dias úteis, (i) cassar o alvará de licença de construção n.º 115/2015 e o alvará de utilização das habitações, (ii) demolir todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento da construção n.º ...; e (iii) repor o solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo. Mais se condenou o Sr. Presidente da Câmara em sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional, aplicável após o decurso do prazo de 90 dias úteis para execução voluntária do julgado e até à execução integral do mesmo julgado.
B. A sentença em apreço visou a execução do julgado no âmbito da ação administrativa especial que correu termos sob o Processo n.º 131/07.6BELLE, nos termos da qual se decidiu declarar a nulidade dos atos administrativos praticados no âmbito do Processo de Licenciamento de Construção n.º ... – respeitantes à construção de um Conjunto Habitacional de sete fogos –, os quais se considerou terem violado o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 50.º do Regulamento do PDM, especificamente, o índice de utilização bruto daí constante. Tal situação decorreu da circunstância de se ter aplicado aquele índice de utilização bruto à área total do prédio, a qual está integrada (em 70%) em Zona Turística de Expansão e (em 30%) em Reserva Ecológica/Zona de Proteção de Grau I; considerou o Tribunal que a aplicação do índice deveria ter ocorrido por referência unicamente à área que integrada em Zona Turística de Expansão e não à área integrada em REN.
C. A sentença recorrida padece de nulidade por diversas omissões de pronúncia [nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do art. 140.º do CPTA], uma vez que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado e que não se encontram prejudicadas pela apreciação de outras.
D. A sentença recorrida não se pronunciou – como devia – sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto, mormente pelo facto de ser possível a legalização da quase totalidade do Conjunto Habitacional, o qual não se localiza em REN (todo ele está em Zona Turística de Expansão). Foi a própria sentença que assumiu ser necessário apurar “se o princípio da proporcionalidade impede o Executado de proceder à demolição do Conjunto Habitacional”. Porém, não o fez, nada dizendo sobre o mesmo (de facto e/ou de direito).
a. O tema da proporcionalidade foi alegado pelo Recorrente, em especial, nos arts. 79.º a 98.º da sua Contestação, onde se defendeu que este princípio constitucional (ainda mais se cruzado com o princípio da propriedade privada e com o princípio da segurança e da confiança jurídica) impedia o Recorrente de proceder à demolição de todo o Conjunto Habitacional erigido ao abrigo dos atos administrativos declarados nulos e à reposição do solo no estado em que o mesmo se encontrava antes de tais construções, atentas as particularidades do caso concreto.
b. Tendo em consideração a existência concreta de terceiros de boa fé e o facto de o Conjunto Habitacional não se encontrar implantado em REN (o Conjunto Habitacional está, todo ele, em Zona Turística de Expansão), encontrava-se em curso o processo de revisão do PDM, no âmbito do qual o Recorrente ponderava a inserção de uma norma que fundamentasse a legalização de situações como a do caso concreto.
c. Tendo em consideração os índices urbanísticos constantes do PDM em vigor, pelo menos a legalização de parte – a maioria – do Conjunto Habitacional era suscetível de imediata legalização.
d. A aplicação dos índices urbanísticos em vigor apenas obrigava à demolição de 1,83 frações autónomas; inexistem critérios subjetivos e/ou objetivos que permitissem ao Recorrente (ou ao Tribunal) definir quais das sete frações autónomas deveriam ser demolidas, as quais se encontram na mesma situação de facto e de direito.
e. Na sentença, o princípio da proporcionalidade não é ponderado em nenhuma das suas dimensões: seja quando se aborda o tema da existência de terceiros de boa fé, seja quando se menciona o tema da eventual legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, seja quando se calcula um prazo de execução.
f. Ao não se pronunciar sobre a aplicação concreta do princípio da proporcionalidade, a sentença recorrida padece de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º do CPTA, se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria, objeto do presente recurso).
g. Caso não se entenda ser este um caso de nulidade por omissão de pronúncia, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se pondera, a inaplicabilidade ao caso concreto do princípio da proporcionalidade – em especial, nos cenários da consideração da existência de terceiros de boa-fé, da ponderação do binómio legalização / demolição (total ou parcial) e, bem assim, do apuramento de um prazo de execução – consubstanciará um erro de julgamento que, em sede do presente recurso, se requer que seja corrigido.
E. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de a propriedade horizontal ter sido constituída sobre o Conjunto Habitacional (alegado nos artigos 14.º e 15.º da Contestação).
a. Este facto ficou provado através do documento 2 junto à Contestação do Recorrente, o qual corresponde à certidão emitida pelo Recorrente em 14.01.2005, que atesta que “o prédio reúne os requisitos legais previstos no artigo 1415.º do Código Civil para ser constituído em Regime de Propriedade Horizontal, sendo composto por cave mais dois pisos e sete frações individualizadas com as letras A a G, destinadas a habitação, as quais constituem unidades independentes distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública (…)”. Resulta igualmente demonstrado através dos documentos 3 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam certidões do registo predial das frações autónomas constituídas e respetivas cadernetas prediais dessas mesmas frações.
b. A constituição da propriedade horizontal, em 2006, de onde resultaram sete frações autónomas destinadas a habitação será de primacial importância para que se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
c. Ao não considerar os aludidos factos, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria.
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Sobre o Conjunto Habitacional, o Município de Vila Real de Santo António, emitiu certidão para efeitos de constituição de propriedade horizontal, da qual resultariam sete frações autónomas individualizadas com as letras A a G, destinadas a habitação, com estacionamento comum em cave, a qual foi constituída e averbada na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António através da ... do prédio registado sob o número ..., da freguesia de [LOCAL]”.
F. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de todas as frações autónomas terem sido transmitidas a terceiros e de sobre algumas terem sido constituídas hipotecas (factos alegados nos artigos 16.º e 17.º da Contestação).
a. O alegado é provado através dos documentos 4 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam as certidões de registo predial das frações autónomas e respetivas cadernetas prediais.
b. O facto de as frações autónomas terem sido vendidas a terceiros e objeto de constituição de hipotecas é essencial para que se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
c. Ao não considerar os aludidos factos, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Todas as frações autónomas constituídas foram objeto de venda a terceiros e, nalguns casos, objeto de hipoteca; a Fração A pertence a CC e DD (por aquisição registada em 28.01.2008); a Fração B pertence a EE (por aquisição registada em 05.11.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data); a Fração C pertence ao RRRR (por execução de LL registada em 21.05.2014); a Fração D pertence a FF (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E pertence a GG (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F pertence a HH e II (por aquisição ao RRRR, registada em 06.02.2014) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); e a [FRAÇÃO] pertence a JJ e KK (por compra a MM, registada em 16.03.2007) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data).”
G. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de ter sido emitida autorização de utilização para o Conjunto Habitacional [facto alegado no artigo 27.º, alínea (iv) da Contestação].
a. Este facto foi provado através do documento 11 junto com a Contestação, o qual corresponde ao Alvará de Licença de Utilização n.º ..., datado de 21.11.2006, emitido no âmbito do Processo n.º ..., no seguimento do despacho de 16.11.2006, em nome da sociedade TTTT, respeitante a sete fogos com a tipologia T3, destinados a habitação.
b. O facto de ter sido emitida, em 2006, licença de utilização para fins habitacionais sobre as sete frações autónomas e em nome da sociedade TTTT
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Por despacho de 16.11.2006, foi emitida em nome da sociedade TTTT, autorização de utilização para habitação, para o Conjunto Habitacional”.
H. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de existirem no caso concreto terceiros alheios ao processo de licenciamento de construção, ao processo de licenciamento de utilização e à ação administrativa que declarou a nulidade do licenciamento da construção [facto alegado no artigo 27.º, alíneas (v) a (viii) da Contestação).
a. Na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo é feita referência aos contrainteressados, como tendo sido quem requereu o licenciamento do conjunto habitacional de 7 fogos [Facto A)] e quem requereu a emissão do alvará de licença de construção a que respeita o Processo de Obras n.º ... [Facto I)]. Tais factos não podem ser imputados a todos os contrainteressados tal como assim considerados em sede executiva.
b. Conforme resulta dos documentos 1 a 4 juntos aos autos na petição inicial apresentada pelo Ministério Público no âmbito da ação administrativa declarativa e do Processo Administrativo – e como se retira de modo indireto do Facto K) da Matéria Assente –, o processo de licenciamento foi tramitado em nome da sociedade ZZZZ, a qual cedeu, em 15.02.2005, à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL], tendo sido em nome desta última sociedade e de NN que, em 31.05.2005 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º ... – o qual foi junto aos autos pelo Ministério Público como documento 9 daquela petição inicial.
c. Foi em nome da sociedade TTTT que foi emitido o Alvará de Licença de Utilização do Conjunto Habitacional.
d. Conforme aceite pelas Partes e pelo Tribunal a quo no âmbito do processo executivo, de cuja sentença se recorre, no âmbito da ação declarativa, apenas foram notificadas, como sociedades contrainteressadas, a ZZZZ, AA & NN, Lda. e TTTT
e. Os novos contrainteressados da ação executiva de cuja sentença se recorre – ou seja, os terceiros adquirentes das frações autónomas constituídas e as entidades bancárias que constituíram hipotecas sobre as mesmas – não participaram/intervieram (i) no processo de licenciamento da construção do Conjunto Habitacional, (ii) no processo de licenciamento da utilização do Conjunto Habitacional e (iii) na ação administrativa que julgou nulos os atos administrativos que licenciaram este Conjunto Habitacional.
f. Estes factos são primordiais para que se possa compreender e ponderar devidamente a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
g. Ao não considerar estes factos, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
h. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Os terceiros a quem foram vendidas as frações autónomas e que constituíram hipotecas sobre as mesmas não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção, no processo de licenciamento da utilização e na ação administrativa especial que declarou a nulidade do licenciamento da construção”.
I. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de a ação administrativa não se encontrar registada na Conservatória do Registo Predial [alegado no artigo 27.º, alínea (ix) da Contestação].
a. Este facto resulta provado do documento 3 junto com a Contestação do Recorrente, o qual consubstancia certidões do registo predial genérica e das sete frações autónomas constituídas, donde não consta qualquer referência ao registo da ação administrativa.
b. Para efeitos de consideração e ponderação da existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença, era essencial dar como provado que a ação administrativa especial não foi objeto de registo na Conservatória do Registo Predial.
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria.
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Nunca foi registado ou averbado na descrição do registo predial do prédio a que corresponde o Conjunto Habitacional o facto do Ministério Público ter intentado uma ação administrativa especial tendo por objeto a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da construção do Conjunto Habitacional.”
J. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de a demolição do Conjunto Habitacional colocar em causa a estabilidade do locado [alegado nos artigos 28.º, alínea (iii), 100.º a 103.º da Contestação].
a. Este facto foi provado através do documento n.º 13 junto com a Contestação do Recorrente, o qual corresponde a uma Informação datada de 24.03.2015, donde consta um Parecer sobre a eventual demolição parcial do Conjunto Habitacional.
b. Para efeitos de consideração da existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional, era essencial que o Tribunal tivesse abordado o facto de a demolição parcial do Conjunto Habitacional ter um impacto na estabilidade do restante Conjunto Habitacional.
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Por questões que se prendem com a estabilidade do edificado, a demolição parcial do Conjunto edificado não é possível e/ou segura, sendo que, a demolição da quase totalidade de uma (0,83) inviabiliza de facto a fração habitacional enquanto tal”.
K. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de o Conjunto Habitacional estar implantado em Zona Turística de Expansão e não em REN [alegado nos artigos 28.º, alínea (iv), 43.º, 93.º e 105.º da Contestação].
a. O alegado resulta provado do documento n.º 6 junto com a Petição Inicial apresentada pelo Recorrido na ação administrativa especial – citado no Facto D) da Matéria de Facto Assente –, nunca tendo sido contestado por este. Encontra-se também do documento n.º 1 junto com a sua Contestação – o qual corresponde a um extrato da Planta de Síntese de Uso do Solo n.º 2.5 e 2.7 do PDM de Vila Real de Santo António e, bem assim, dos documentos que integram o Processo Administrativo.
b. Para efeitos de consideração da existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional e adequada ponderação e aplicação do princípio da proporcionalidade do caso concreto, era essencial que o Tribunal tivesse abordado o facto de o Conjunto Habitacional não se encontrar implantado em REN.
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “O Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN, estando, todo ele, em Zona Turística de Expansão”.
L. Em qualquer caso, a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento – desde logo e em geral por ter considerado inexistirem, em concreto, causas legítimas de inexecução – que, pelo presente recurso jurisdicional, urge sanar.
M. A sentença padece de erro de julgamento porquanto não considerou existirem impedimentos legais e de facto à execução mediante a demolição do Conjunto Habitacional.
N. O Tribunal errou ao considerar que não é garantida nem exequível a legalização das construções por força da revisão do PDM em curso, pois o quadro normativo vigente não permitia a legalização do Conjunto Habitacional referido. Errou igualmente quando considerou que o Município de Vila Real de Santo António não demonstrou que procedeu a um qualquer juízo de suscetibilidade de legalização das construções em causa (concluindo que “face à insusceptibilidade de legalização das construções, a demolição atingirá todas as construções que tiveram por base os atos declarados judicialmente nulos, e, por isso, não caberá ao Executado optar por quais as construções a demolir, conforme alegou”).
O. No caso concreto, contrariamente ao concluído pela sentença recorrida, é possível proceder à legalização do edificado.
P. Releva considerar um facto superveniente relevante e com influência no conteúdo da situação controvertida: o facto de a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, na sua reunião de 30.08.2016, ter deliberado aprovar a realização da alteração ao PDM, “no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos, situado na [LOCAL] (processo ...), e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé – Serviços do Ministério Público. (…) prevendo-se um prazo indicativo de 14 meses para a conclusão deste procedimento.” – cfr. Aviso n.º ..., publicado no Diário da República, 2.ª Série – N.º ... -, de 9 de Setembro de 2016 – documento que se juntou.
Q. O Recorrente optou por um processo de alteração do PDM devido à morosidade que está associada ao processo de revisão do PDM – e que impedia a legalização da totalidade do Conjunto Habitacional – e à urgência de proceder, de facto, à legalização total (e não meramente parcial) do Conjunto Habitacional.
R. Tendo decorrido o período de participação preventiva publicitado, o Recorrente, em 21.10.2016, remeteu à CCDR Algarve – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve ofício a solicitar o agendamento de uma reunião de acompanhamento – documento que se juntou.
S. O Recorrente está a tramitar de modo célere o processo de alteração, no sentido de poder cumprir a sentença proferida em primeira instância através da reposição da legalidade jurídica violada, o que ocorrerá mediante a emissão de novos atos administrativos de licenciamento das edificações (ou da reforma dos atos praticados) e não pela demolição de edificações localizadas em Zona Turística de Expansão.
T. Dos autos já constavam dados/factos suficientes para que o Tribunal a quo tivesse admitido que, ainda que todo o Conjunto Habitacional não fosse imediatamente legalizável, pelo menos a sua maioria era.
U. A jurisprudência dos tribunais tem vindo a evidenciar uma tendência para se considerar que a execução de uma demolição – e muito menos a demolição total – não constitui uma atuação necessária/obrigatória em sede de reconstituição da situação que existiria se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado, antes se impondo ao julgador, no plano da execução, que preste atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada por esse ato nulo. A demolição é “a última das últimas” das medidas de tutela urbanística.
V. A Administração – e não os Tribunais, que apenas podem aferir dessa possibilidade em sede executiva e quando se verifique um hipotético grau zero de discricionariedade (o que não é o que sucede no caso concreto) – tem o dever jurídico de, em momento prévio à determinação de uma demolição, aferir da possibilidade de legalização do edificado, só podendo acionar tal operação faticamente destrutiva quando for possível concluir, com total segurança, que tal legalização não é possível. É isso que tem feito o Recorrente.
W. No caso concreto, o Recorrente ponderou a possibilidade de (i) legalizar, de imediato, a quase totalidade do Conjunto Habitacional, tendo concluído que tal é possível [aplicando-se o índice de utilização bruto atualmente constante do Regulamento do PDM, à área do prédio que se integra em Zona Turística de Expansão (excluindo, portanto, a área deste que se insere em REN), conclui-se que somente cerca de 240 m2 (dos 920,43 m2 aprovados) não são suscetíveis de ser construídos; isto significa que, das sete frações autónomas edificadas e adquiridas por terceiros, apenas 1,83 frações (ou seja, menos de duas) não são suscetíveis de legalização imediata] e (ii) legalizar, no seguimento de uma alteração ao PDM que se estima demorar 14 meses a contar de Agosto de 2016, a totalidade do Conjunto Habitacional, tendo concluído que tal é possível, porquanto todas as edificações não estão em REN e não se anteveem motivos que impeçam o acolhimento de uma norma que viabilize a legalização das moradias.
X. Porque se pretende a salvaguarda de diversos terceiros de boa-fé que não tiveram intervenção nos processos de licenciamento em que foram emitidos os atos cuja nulidade foi declarada (e que igualmente não intervieram ou conheceram a ação administrativa que concluiu com tal declaração) e também por consideração do princípio da proporcionalidade que foi manifestamente esquecido pelo Tribunal a quo, o Recorrente concluiu não ter base legal para proceder à demolição total ou parcial das frações autónomas.
Y. Mal andou a decisão do Tribunal a quo quando ordenou que se procedesse à demolição da totalidade do Conjunto Habitacional (ainda mais sem uma articulação com uma solução menos drástica, como seja, por exemplo, a fixação de um prazo razoável para a efetivação da legalização, sob pena de concretização da dita demolição). Foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da justiça. Verifica-se assim que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por manifesta violação do artigo 106.º, n.º 2 (primeira parte) do RJUE, dos artigos 179.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2, ambos do CPTA, assim como dos artigos 2.º e 111.º da CRP.
Z. O Tribunal a quo desconsiderou a existência de um outro impedimento legal / de facto (o qual consubstancia igualmente uma causa legítima de inexecução): a impossibilidade de se optar pela demolição de umas frações em detrimento de outras.
AA. As frações autónomas em apreço estão implantadas sobre uma estrutura comum que é uma garagem em cave. Do ponto de vista das engenharias, a demolição de (quase) duas frações autónomas significaria um impacto muito relevante ao nível da estabilidade das demais frações autónomas, o qual poderia pôr em risco a segurança das pessoas que habitam essas outras frações autónomas. Tendo em consideração que a área suscetível de legalização imediata apenas poderia justificar a demolição de quase duas frações autónomas (na verdade, 1,83!), não é objetivamente viável demolir a quase totalidade da segunda edificação (que, ficando com apenas cerca de 20 m2, deixaria de servir os fins para que foi erigida e, principalmente, os fins para que foi adquirida por terceiros de boa fé).
AB. Os impedimentos apontados são densificados pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão e todas resultando do mesmo ato de licenciamento (entretanto declarado nulo).
AC. Sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade, não pode o Recorrente (ou o Tribunal) optar pela demolição de uma fração autónoma em detrimento de outra, sendo que esta conclusão não pode legitimar uma decisão que mande demolir a totalidade do Conjunto Habitacional. As situações de facto são iguais, não justificando um qualquer tratamento diferenciado. Estando-se perante frações autónomas que não se encontram implantadas em REN e que, na quase sua totalidade (excecionando-se 1,83), poderiam ser legalizadas ao abrigo do PDM em vigor, não se poderia optar por “cortar o mal pela raiz”, eliminando da ordem jurídica sete frações autónomas, das quais, amanhã, 5,17 poderiam voltar a ser construídas.
AD. A sentença recorrida padece igualmente de erro de julgamento na medida em que não considerou existirem efeitos putativos a reconhecer e adquirentes de boa fé (beneficiários dos mesmos).
AE. Os terceiros adquirentes das frações autónomas constituídas no Conjunto Habitacional não foram parte nos processos de licenciamento da construção e da utilização, assim como não foram partes na ação administrativa especial que declarou a nulidade dos atos administrativos, a qual, por sua vez, não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial. Estes os terceiros adquirentes de frações autónomas beneficiaram de uma situação de facto que davam como legal e estável durante muito mais de três anos.
AF. Para efeitos de verificação, em concreto, dos efeitos putativos, e tendo em conta as especificidades dos atos de gestão urbanística, importa fazer uma análise detida do(s) ato(s) em causa, de modo a que seja possível aferir o grau efetivo de gravidade em presença, vislumbrando-se amiúde nulidades contingentes ou acidentais que, por razões elementares de justiça e de segurança jurídica, não deverão levar à demolição, pura e simples, da operação urbanística em causa (e à consequente reposição do terreno no estado em que o mesmo se encontrava previamente). Em causa está um autêntico poder-dever atribuído ao juiz, cujo exercício, aquando da declaração de nulidade de atos administrativos, depende da verificação de certos pressupostos. No caso concreto, este poder-dever não foi exercido.
AG. Em primeiro lugar, é necessário que se esteja perante um ato administrativo ferido de vício de nulidade. Tal sucede no caso concreto. Em segundo lugar, é necessário ter ocorrido o decurso do tempo para que a situação de facto se consolide na ordem jurídica.
AH. Contrariamente ao julgado pelo Tribunal a quo, também isto se verificou no caso em análise. Por fim, deve ocorrer uma relação de perfeita compatibilidade com os princípios gerais de direito, não podendo o particular beneficiar da consolidação da situação de facto quando a sua conduta revele má-fé ou dolo. Também isto sucedeu.

Tendo em conta que no caso sob sindicância os terceiros adquirentes de frações autónomas não foram partes dos processos de licenciamento da construção e/ou da utilização, não foram partes na ação declarativa que antecedeu a execução de cuja sentença se recorre e não tinham como saber, através dos documentos oficiais do imóvel, da ação em curso, não se vê como não concluir pela boa fé dos mesmos. Atendendo aos princípios constitucionais da justiça, da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP), deveria o Tribunal a quo ter reconhecido a existência destes terceiros de boa fé (titulares legítimos de direitos adquiridos). Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé, constitucionalmente consagrado no art. 62.º da CRP e o qual constitui um direito fundamental, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, em face do estatuído no art. 17.º da CRP. Esta situação agrava-se pelo facto de, após o licenciamento da construção, ter sido licenciada a utilização do edificado através de ato administrativo não sindicado judicialmente, e, bem assim, a execução de uma putativa ordem de demolição das frações autónomas adquiridas ser sinónimo, a final, de uma real ablação do direito de propriedade desses terceiros. A isto acresce o facto de a não demolição do Conjunto Habitacional edificado não acarretaria qualquer prejuízo relevante para o interesse público (o Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN).
AI. A adequada tutela dos interesses jurídicos em presença deverá levar a que sejam reconhecidos os efeitos putativos produzidos pelos atos em causa, no sentido de salvaguarda do existente, já que, entre a data da prática dos atos em causa (01.06.2004, 28.09.2004 e 06.12.2004, no que diz respeito ao licenciamento da construção do Conjunto Habitacional) e o momento em que os contrainteressados conheceram a situação (ou seja, da citação da ação executiva - data em que se “pretende retirar consequências da nulidade”), decorreram mais de dez anos (e não três anos, conforme quer fazer crer o Tribunal a quo). Os lapsos de tempo ocorridos são suficientes para efeitos de reconhecimento de efeitos putativos, devendo tal requisito, de cariz temporal, ser dado como preenchido.
AJ. Verifica-se uma adequada compatibilização com os princípios da prossecução do interesse público, da boa fé dos particulares envolvidos, em conjugação com os princípios da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade, a qual impede que sejam adotadas medidas que (i) não sejam idóneas à consecução do fim público proclamado – precisamente porque este não resulta potenciado ou prejudicado pela adoção da medida – (princípio da adequação); (ii) não sejam necessárias à satisfação do interesse público a elas subjacente, podendo ser substituídas por medidas menos restritivas da esfera jurídica dos particulares (princípio da necessidade); e (iii) mesmo que necessárias à satisfação daquela finalidade pública, impliquem um agravamento excessivo da posição jurídica dos particulares afetados (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
AK. Qualquer que seja o nível de análise em que nos situemos – portanto, qualquer que seja o teste de aplicação do princípio da proporcionalidade –, conclui-se pela desproporcionalidade de uma declaração de nulidade dos atos impugnados sem reconhecimento de efeitos putativos em prol dos diversos terceiros de boa fé (que despenderam montantes para proceder à aquisição das frações autónomas em causa e, bem assim, para pagarem os impostos devidos, nas quais, inclusivamente, habitam; tanto mais quando estamos perante habitações que se localizam, não em REN, mas em Zona Turística de Expansão).
AL. Mal andou o Tribunal a quo quando optou por aplicar calcular como prazo relevante para apuramento dos efeitos putativos a considerar no caso concreto o prazo de três anos e, bem assim, a desconsiderar, de todo, os requisitos de aplicação ao caso dos efeitos putativos, testando a sua aplicação em concreto – mormente, no que respeita ao princípio da proporcionalidade que olvidou por completo. Também por aqui a sentença recorrida padece de vício de erro de julgamento decorrente da violação da previsão de inexecução lícita, constante do artigo 163.º, n.º 1 do CPTA, devendo ser revogada e substituída por outra que reconheça a existência de causa legítima de inexecução para os devidos efeitos legais.
AM. O mesmo sucede por não ter considerado os prejuízos financeiros para o interesse público, decorrentes da demolição do Conjunto Habitacional. Tendo em consideração o valor total a despender pelo Recorrente no âmbito da ação executiva, associado ao facto do conhecimento público de que o mesmo se encontra numa muito débil situação financeira, o Recorrente não antevê como poderia fazer face às despesas, mormente as da putativa demolição, que, a ocorrerem, sempre colocariam em risco o cumprimento de outras responsabilidades já assumidas. Assim e tendo em conta o que vem dito sobre a não existência de um prejuízo maior decorrente da não demolição de construções que se encontram implantadas na sua totalidade em zona ambientalmente não sensível e apta a construção, deveria o Tribunal a quo ter considerado estar-se perante uma situação que legitima a não execução da sentença, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 163.º do CPTA. Ao não o fazer, incorreu, mais uma vez, em erro de julgamento.
AN. Por fim, a sentença recorrida padece de erro de julgamento decorrente de determinação de um prazo ilegal para a execução. O prazo de 90 dias fixado pela sentença recorrida é manifestamente insuficiente quer para a legalização do Conjunto Habitacional, seja na sua totalidade, seja parcialmente – sendo que, neste caso, imperaria que o Tribunal indicasse quais os critérios a aplicar para apuramento de quais as frações autónomas a demolir -, quer até – e aqui sem conceder – para a demolição de frações autónomas habitacionais presentemente ocupadas. A fixação deste prazo viola o princípio da proporcionalidade, mais particularmente do seu subprincípio da necessidade, que proíbe a imposição de medidas que não sejam necessárias à satisfação do interesse público a elas subjacente, podendo ser substituídas por medidas menos restritivas da esfera jurídica dos particulares. Princípio da proporcionalidade que vincula o Tribunal em sede de execução de sentenças, devendo segundo critérios de razoabilidade (artigo 179.º, n.º 1 do CPTA), proceder à fixação do prazo em que os atos e operações devem ser praticados.
AO. Não podia, pois, o Tribunal a quo, fazer uma aplicação analógica e “cega” do prazo constante do artigo 175.º, n.º 1 do CPTA - previsto, para efeitos de execução espontânea -, mas antes, impunha-se-lhe uma avaliação concreta da situação subjacente e do conteúdo dos atos e operações a adotar tendo em vista uma determinação fundamentada do prazo, segundo critérios de razoabilidade. O exposto é agravado pelo facto de não se ter considerado qualquer possibilidade de articulação com medidas menos drásticas (tais como as decididas nos arrestos citados).

Devem as presentes alegações ser consideradas procedentes por provadas e, deve a sentença recorrida, em consequência, ser considerada nula e revogada.

Os contrainteressados KK e JJ interpuseram recurso da sentença e nas alegações de recurso formularam as seguintes conclusões:
1. Os contra interessados, JJ e KK, ora recorrentes, em sede de contestação, deduzida nos presentes autos, invocaram a sua condição de “terceiros de boa fé”, reclamando, nessa qualidade, a aplicação do regime de proteção especial de efeitos putativos dos atos nulos, no âmbito do art.º 134.º n.º 3 do CPA aplicável, justificando o motivo pelo qual devem ser considerados como “terceiros de boa fé” e juntando prova para demonstrar o que alegaram;
2. Em face desta alegação, esta (serem os recorrentes terceiros de boa fé) deveria ser a questão primeira e principal a discutir pelo Tribunal a quo;
3. Acontece que, a douta sentença proferida omite a análise desta questão, proferindo decisão sem permitir a produção de prova e sem se referir, concretamente, à posição dos recorrentes como terceiros de boa fé, nem se refere a eles em concreto, nem menciona expressamente se os contrainteressados são ou não terceiros de boa fé;
4. Tal decisão impede o pleno exercício do contraditório, por não ter permitido aos contrainteressados a produção da prova para demonstrarem essa questão fundamental;
5. Ao não abordar essa questão, a douta sentença incorre em omissão de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º n.º 1 d) do CPC;
6. Mesmo que se entenda que, afinal, o Tribunal a quo se pronunciou sobre a posição dos contrainteressados enquanto terceiros de boa fé, nomeadamente na afirmação, “não significa que sejam terceiros de boa fé”, a decisão proferida carece da necessária fundamentação, incorrendo, então, na nulidade de falta da fundamentação devida, nos termos do art.º 615.º n.º 1 b) do CPC;
7. Por uma ou outra questão a sentença proferida é nula;
8. Caso o Tribunal não considere a sentença nula, a mesma terá de ser revogada, na medida em que os recorrentes, na qualidade de contra interessados, são terceiros de boa fé e titulares de efeitos putativos a tutelar;
9. Em primeiro lugar, os recorrentes são terceiros, sendo alheios a todo o processo de licenciamento, que se terá desenrolado entre o construtor autor do projeto e promotor do mesmo e o município de Vila Real de Santo António, não tendo qualquer envolvimento nesta relação, tendo, inclusive, adquirido o imóvel de que são proprietários e cuja ordem de demolição o tribunal ordenou a execução, a pessoa que, por sua vez, também o adquiriu ao construtor que o licenciou.
10. Estando de boa fé, por não saber, nem ter como aceder a essa informação, que estava em curso a presente ação destinada à declaração de nulidade da licença de construção, sendo certo que a ação não foi registada;
11. A condição de terceiro de boa fé dos recorrentes não é afetada pelo facto de o Tribunal ser alheio ao não registo da ação, nem por o Ministério Público ter solicitado certidões para efetuar o registo e não o ter efetuado;
12. Afigura-se que dúvidas não existem que os recorrentes são terceiros de boa fé e, se dúvidas existirem, então os contrainteressados/recorrentes não podem ficar privados do direito de dissipar tais dúvidas, com a produção da prova apresentada;
13. O Tribunal a quo negou o reconhecimento de efeitos putativos da posição de adquirentes de boa fé aos recorrentes, decisão com a qual estes não se conformam;
14. Alega o Tribunal a quo, em primeiro lugar, que não decorreu tempo suficiente para se constituírem efeitos putativos, dizendo que decorreram menos de três anos até à propositura da ação, referindo-se, genericamente a todos os contra interessados;
15. Partindo do princípio que a propositura da ação consubstancia o momento da decisão da nulidade, o que não é verdade;
16. Os recorrentes adquiriram a sua fração em 11 de Abril de 2007 e foram notificados da decisão que ordenou a execução da sentença que determinou a demolição, e para contestar a mesma, em 26 de Janeiro de 2016, ou seja, 8 anos e 9 meses depois, o que configura tempo suficiente para reconhecimento de efeitos putativos;
17. Sendo certo que, a lei não determina qual o tempo considerado adequado para a concretização destes efeitos, mas que, segundo doutrina e jurisprudência, o tempo decorrido, em relação aos recorrentes, e as circunstâncias em que o mesmo decorreu, se afigura mais do que suficiente para a atribuição da tutela jurídica da sua posição;
18. O Tribunal a quo negou ainda o reconhecimento de efeitos putativos aos recorrentes, a que se reporta o art.º 134.º n.º 3 do CPA (versão aplicável) por considerar que, estando em causa interesses urbanísticos, os mesmos prevalecem sempre sobre interesses particulares, assumindo este como um princípio absoluto;
19. Partindo, portanto, de uma interpretação restritiva da referida norma, que restringe e afeta direitos fundamentais dos contrainteressados, sem estar sustentado em qualquer critério jurídico;
20. Tal supremacia de um princípio sobre o outro não poderia deixar de ser efetuada sem ser baseada e ponderada à luz do princípio da proporcionalidade e da confiança, mas, ao invés, o Tribunal a quo limitou-se a afirmar que os princípios do urbanismo se sobrepõem aos interesses particulares;
21. Por outro lado, o Tribunal a quo partiu do princípio que os interesses dos recorrentes, enquanto adquirentes de boa fé, se reportam a interesses particulares, o que não corresponde à verdade, a posição dos contrainteressados, ora recorrentes, integra-se no âmbito do disposto no art.º 134.º n.º 3 aplicável, e o n.º 3 do art.º 134.º do CPA acolhe e protege os direitos dos adquirentes de boa fé, proteção essa que se traduz na inoponibilidade dos efeitos da nulidade do ato e tal tutela ao conferir a proteção jurídica dos contrainteressados, é um princípio de natureza pública, traduzido na proteção da boa fé e do princípio da confiança, sendo esses valores que devem ser ponderados, pois, são precisamente esses direitos que conferem a possibilidade de o ato nulo ainda produzir efeitos;
22. Tudo ponderado, a decisão proferida tem de ser revogada e substituída por outra que considere que os contrainteressados recorrentes beneficiam da tutela prevista no art.º 134.º n.º 3 do CPA aplicável, não lhes sendo oponível os efeitos da nulidade da decisão, ou seja, não estando o seu imóvel sujeito à demolição, tudo sob a égide dos princípios supra enunciados;
23. Para além de tudo, a norma do art.º 134.º n.º 3 do CPA, no sentido interpretativo que o Tribunal a quo lhe conferiu, no sentido de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito urbanístico, afigura-se inconstitucional, colide contra os princípios fundamentais consagrados no art.º 266.º n.º 1 e 2 da CRP, na medida em que, a norma atenta contra interesses legalmente protegidos dos cidadãos, bem como o princípio da proporcionalidade;
24. Para que a norma possa estar em conformidade com o texto constitucional tem de o seu conteúdo determinar que, em qualquer situação de anulação de ato administrativo, independentemente da sua natureza, se acautelam os efeitos aos terceiros de boa fé.
25. Em jeito de conclusão final: Ou a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que determinou a demolição da casa dos contrainteressados, ora recorrentes, por execução de sentença proferida em autos nos quais estes não intervieram, deve ser declarada nula, ou, caso não se reconheça a existência de motivos para a nulidade, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que declare que os recorrentes são terceiro de boa fé, titulares de efeitos putativos e que beneficiam da proteção jurídica, que determina a inoponibilidade da sentença.

Termos em que, …, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em

consequência: 1. Ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo declarada nula, com as demais consequências legais e processuais, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) ou, caso assim não se entenda, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, b) ambos do CPC; Caso assim não seja entendido por esse venerando Tribunal, 2. Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que considere: Que os recorrentes são terceiros de boa fé e que os efeitos da nulidade não lhes são oponíveis, nos termos do art.º 134.º, n.º 3 do CPA (versão aplicável), não estando abrangidos pela execução da sentença que ordenou a demolição das habitações licenciadas com base no ato nulo. Por último, se nenhum dos pedidos supra for julgado procedente, o que se admite sem conceder, que 3. A norma do art.º 134.º n.º 3 do CAP seja considerada inconstitucional no sentido interpretativo que lhe foi conferido pelo Tribunal a quo.

HH e esposa II interpuseram recurso da sentença e nas alegações, no final, formularam as seguintes conclusões:
1. Na sua oposição à presente execução, os ora recorrentes, HH e esposa, invocaram a sua qualidade de terceiros de boa-fé;

e,
2. A inoponibilidade da sentença executória, no que diz respeito à demolição da fração “F” do edifício cuja licença de construção foi declarada nula, face, quer à falta de registo por parte do Ministério Público Autor na ação declarativa de impugnação do ato administrativo de licenciamento, quer à falta de citação de todos os contrainteressados para a referida ação;
3. Nos termos do artigo 615º nº 1 al d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ...”, o que se verificou no caso dos presentes autos;
4. Com efeito, a douta sentença ora recorrida, omitiu qualquer pronúncia sobre a questão da falta de registo da ação de declaração de nulidade da licença de construção das moradias, apesar desta questão ter sido invocada quer pelos ora recorrentes quer na resposta pelo M. P. na réplica apresentada no processo;
5. Aliás, quanto a questões a decidir refere-se na douta sentença que uma delas será “se prevalecem os direitos de propriedade e existência de hipotecas de terceiros adquirentes de boa-fé, uma vez que a ação principal não foi registada no Registo Predial, e por impossibilidade do exercício do contraditório, de alguns dos contrainteressados, uma vez que não foram chamados na ação principal”;
6. Nas várias alíneas dos factos nada se refere nem quanto aos invocados registos e datas, nem quanto à prova que nos autos se efetuou, através de certidões de registo predial;
7. E na fundamentação esta questão a decidir afinal foi uma não questão, atendendo a que sobre ela a sentença nada decidiu ou sequer referiu, sendo portanto nula face ao disposto no artigo 615º nº 1 al d) do Código de Processo Civil aplicável aos autos por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

Por outro lado,
8. Os ora recorrentes são terceiros de boa-fé, atendendo a que não tiveram conhecimento que qualquer situação de nulidade do licenciamento da construção, nem tinham obrigação de conhecer;
9. Nem os ora recorrentes nem os anteriores proprietários da fração “F” foram citados para os termos da ação principal, tendo a mesma transitado em julgado sem que a eles tal sentença lhes seja oponível;
10. Por outro lado, e conforme se refere no artigo 134º nº 3 do CPA em vigor à data dos factos “apesar de o ato nulo não produzir quaisquer efeitos jurídicos, tal facto não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito;
11. Tal princípio de atribuição de certos efeitos jurídicos foi mantida no novo CPA no seu artigo 162º nº 3, o qual determina que poderão ser atribuídos de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo;
12. Quanto a esta questão “se se verificaram existir efeitos putativos dos atos declarados nulos”, a douta sentença ora recorrida refere que: “perante a violação dos instrumentos de ordenamento territorial, como é o caso dos autos, não há reconhecimento da relevância jurídica das situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos.

De realçar que desde que a apresentação da PI do processo principal até à prolação da sentença exequenda, e desde a data da prática dos atos nulos até à propositura da ação decorreram menos de três anos, em ambos os casos”.
13. Ora não é isso que resulta dos documentos de prova entregues nos autos, pois, desde a apresentação da PI do processo principal, o que ocorreu em (05/03/2007) até ao trânsito em julgado da sentença exequenda (21/05/2014), (apesar da mesma ter sido proferida em (28/09/2009)), são decorridos mais de oito anos;
14. Além de que já decorreram mais de 10 anos desde a emissão da licença de construção, o que ocorreu em 6/12/2014;
15. Por outro lado, a ressalva de que “em urbanismo, os interesses públicos sobrepõem-se sobre as expectativas particulares”, não será de aplicar ao caso dos autos, face à alteração do RPDM que se informou ter tido início por parte da entidade administrativa e que atualmente se encontra a decorrer;
16. A demolição não será a única e exclusiva consequência do ato nulo, atendendo à possibilidade de alteração normativa e nem sequer a sentença poderia ter decidido pela demolição de todo o edificado atendendo à possibilidade de legalização ou mesmo de reforma e reconversão do ato nulo, admitidas agora face ao Novo CPA artigo 164º nº 2 em conjugação com o artigo 106º nº 2 do Decreto-Lei 555/99 de 16 de Dezembro;
17. Face aos princípios da confiança e da proporcionalidade, os direitos dos recorrentes devem ser reconhecidos atendendo à sua situação de terceiros de boa-fé.

Nestes termos … requerem … que seja concedido provimento ao presente recurso e em consequência seja revogada a sentença recorrida.

RRRR interpôs recurso da sentença e concluiu as alegações do seguinte modo:
1. É manifesta a procedência do presente recurso porquanto a sentença recorrida padece de manifesto erro de julgamento e violação das disposições relativas ao caso julgado constantes dos artigos nº 2 do artigo 33º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA), 57º do CPTA e dos artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP bem como das normas e princípios que disciplinam a ordem de demolição no ordenamento jurídico português, em especial dos artigos 106º, nº 2 do RJUE, 134º, nº 3, 173º, nº 3 do CPTA, 291º, nº 2 do Código Civil e dos artigos 18º, 20º da Constituição da República Portuguesa.
2. Com efeito, o ora Recorrente detém quer a qualidade de proprietário quer a qualidade de credor hipotecário de algumas das frações cuja demolição foi ordenado pelo Tribunal recorrido.
3. No entanto, e apesar dos direitos constituídos a favor do ora Recorrente sobre as frações acima identificadas, o mesmo não foi parte na ação administrativa especial na qual foi proferida a sentença exequenda, não tendo sido citado na mesma ou sequer chamado a nela intervir em incidente de intervenção de terceiros, isto apesar de os negócios jurídicos celebrados com o Contrainteressado serem muito anteriores, à data de prolação da sentença exequenda.
4. Ora, ao contrário do que de forma absolutamente ilegal e injusta resulta da sentença recorrida, não tendo a ação corrido também contra o ora Recorrente não pode a sentença nela proferida e o caso julgado da mesma ser oponível àquele.
5. Com efeito, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artigo 33º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. Este litisconsórcio necessário é forçoso por imperativo legal, como preceitua o artigo 57º do CPTA.
6. O que significa que, em via da garantia conferida pela Constituição ao direito de acesso à justiça e consequente tutela jurisdicional efetiva - v.g. artigos 20º e 268º, nº 4 CRP a decisão judicial que anule um ato administrativo nunca produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todos os contrainteressados que não foram identificados ou mandados citar pelo Autor na ação administrativa ou chamados a intervir na sua pendência.
7. Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, não pode ser imputado um qualquer ónus ao ora Recorrente de demonstrar que já era contrainteressado à data da propositura da ação, sendo certo que, em qualquer caso, resulta inequivocamente do documento n.2 2 junto com a contestação do ora Recorrente, que os negócios jurídicos celebrados sobre as frações "C", "D" e "E", e respetivas hipotecas, foram celebrados uns antes da propositura da ação (fração "C", em 20014) e outros durante a pendência da mesma, mas antes da prolação da sentença (frações D e E em Abril de 2009).
8. Também ao contrário do que estranhamente parece decorrer da sentença recorrida, não é imputável ao ora Recorrente nem o mesmo pode, por isso, ser prejudicado, da forma gravíssima que decorre da sentença sob recurso, por não ter sido parte numa ação judicial da qual não tomou nem poderia ter tomado conhecimento.
9. Nem pode, sob pena de total denegação de justiça, dizer-se, como fez o tribunal recorrido na sentença sob recurso, que "(...) se à data da transmissão do direito real das contrainteressadas no processo principal, estas não informaram os adquirentes da situação processual existente (ação principal com vista à declaração de nulidade dos atos praticados referentes à construção das frações em causa), tal escapa ao controlo Jurisdicional deste tribunal" — cfr. p. 21 da sentença recorrida.
10. Pelo que, em suma, a sentença sob recurso padece de manifesta e grosseira ilegalidade por violação das disposições constantes dos artigos nº 2 do artigo 33º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA) e 57º do CPTA e de manifesta violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4 da CR".
11. Em qualquer caso e ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela e em mera hipótese se pondera, sempre se dirá que a sentença recorrida é manifestamente ilegal e injusta porquanto sobre as frações construídas ao abrigo dos atos de licenciamento declarados nulos pela sentença exequenda foram celebrados negócios jurídicos com terceiros de boa-fé, que sobre as mesmas detém atualmente direitos validamente constituídos e que não podem deixar de ser salvaguardados, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido.
12. Na verdade, os efeitos da declaração judicial de nulidade dos atos de licenciamento em causa nos autos estão condicionados pelos limites estabelecidos em sede de regime da nulidade dos atos administrativos, subordinado igualmente aos princípios basilares do Estado de Direito da confiança e da segurança jurídicas.
13. A sentença recorrida ignorou por completo o artigo 134º, nº 3 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que determina expressamente que a nulidade dos atos administrativos não prejudica a atribuição de certos efeitos jurídicos às situações de facto constituídas ao abrigo de atos nulos por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.
14. Nos quais, obviamente, se inserem os princípios da proteção da confiança e de terceiros de boa-fé bem como princípio constitucional de que as restrições aos direitos fundamentais, nomeadamente ao direito de propriedade, devem respeitar o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 182º da Constituição.
15. Por outro lado, dispõe o nº 3 do artigo 173º do CPTA que os beneficiários de atos consequentes dos atos anulados não podem ver a sua situação posta em causa se os danos resultantes da reposição da legalidade forem de difícil reparação ou se for manifesta a desproporção existente entre os seus danos e o interesse na execução da sentença anulatória.
16. Não são identificados na sentença sob recurso quais os específicos interesses público afetados com a construção e que a ordem de demolição visa a tutelar e que são objeto de comparação, para efeitos de avaliação da proporcionalidade da medida, com os interesses particulares em presença, sendo que, para tal avaliação da proporcionalidade da ordem de demolição não basta invocar a ilegalidade da licença.
17. Por outro lado, a tutela dos direitos de terceiros de boa-fé não está dependente do prazo de duração de tais direitos, sendo que, em qualquer caso, e ao contrário do que resulta da sentença recorrida, a duração dos direitos do ora Recorrente não pode deixar de contar-se desde a sua constituição - 2004 - até à decisão, não da ação de anulação, mas da presente ação, o que significa que, tal direito esteve constituído de facto, em favor do ora Recorrente, durante cerca de 12 anos.
18. Acresce que, a demolição é uma medida de reposição da legalidade e não uma medida de natureza sancionatória como se defende na sentença recorrida.
19. No caso concreto é manifesta a dificuldade de reparação e a desproporcionalidade entre a medida tomada pelo tribunal recorrido e os danos que ora Recorrente virá a sofrer como sua consequência, pois, sendo demolido todo o edificado desparecem as frações autónomas sobre as quais foram constituídos direitos de terceiros de boa-fé, extinguindo-se, por conseguinte, por inexistência do seu objeto, tais direitos.
20. A execução da sentença aqui em causa não pode por em causa os direitos objeto dos registos efetuados a favor de terceiros de boa-fé, assim como não pode invalidar os próprios negócios jurídicos de transmissão e de constituição de hipotecas a favor do Contrainteressado, ora Recorrente, nos presentes autos.
21. Com efeito, à invalidade dos negócios jurídicos em causa obsta a norma constante do nº 1 do artigo 291º do Código Civil (CC), segundo a qual "a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio".
22. Da norma citada — que mais não é que a tradução no direito dos contratos do referido princípio da tutela da confiança jurídica e da proteção de terceiros de boa-fé resulta que a declaração de nulidade não determina a nulidade do negócios jurídicos celebrados por terceiros de boa-fé relativamente aos lotes e frações nele construídas.
23. Tem sido entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência o de que a demolição é a ultima ratio na tutela da legalidade urbanística e apenas pode ser levada a cabo se não sacrificar desproporcionadamente o direito de propriedade e apenas quando for possível concluir, com toda a segurança, que não é possível a legalização do edificado.
24. Tanto bastaria para que não pudesse a sentença recorrida ter concluído, como concluiu, que não ficou demonstrada a possibilidade de legalização, quando tal possibilidade foi expressamente assumida e alegada pelo Município Réu nos artigos 91º a 98º da contestação, por se encontrar em análise um possível alteração do PDM de Vila Real de Santo António.
25. Acresce que, ao que o ora Recorrente tomou conhecimento hoje, através de notificação de requerimento de outros Contrainteressados nos autos, que terá entretanto - e como, aliás, era expectável e foi oportunamente alegado nos presentes autos - foi aprovada alteração ao PDM de Vila Real de Santo António no sentido de legalizar a obra a que se refere a licença declarada nula - cfr. documento n? 1 adiante junto e que aqui se da por integralmente reproduzido.
26. Tal alteração ao PDM, que é anterior à sentença recorrida, vem assim confirmar que a legalização da edificação cuja demolição foi determinada pela sentença recorrida é possível e legalmente admissível.
27. Pelo que, não pode este tribunal de recurso deixar de concluir que a sentença recorrida padece de erro de julgamento nesta parte e de violação flagrante do princípio da proporcionalidade e concluir pela possibilidade da legalização e consequente desproporcionalidade da ordem de demolição decretada pelo tribunal recorrido.

NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a presente execução com fundamento na existência de causa legítima de inexecução.

Por despacho de 11.1.2017 a reclamação para a conferência apresentada pelo XXXX foi convolada em recurso, não foram conhecidos os pedidos de suspensão de execução da sentença proferida, foram admitidos os recursos interpostos pelo Município e pelos contrainteressados, com exceção do RRRR que foi notificado para pagar a multa do art 139º, nº 6 do CPC.

O Ministério Público contra-alegou os recursos.

Quanto ao recurso interposto pelo contrainteressado XXXX, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
I. Tal como decidido na sentença recorrida, as garantias hipotecárias não se extinguem com a demolição das construções, uma vez que não existe perda total, subsistindo o valor do lote de terreno como garantia – cfr. art.º 730º do CC.
II. A eventual diminuição das garantias dos credores ou o prejuízo patrimonial para os proprietários dos imóveis não são, por si só, razões jurídicas que obstem ao decidido.
III. O regime do art.º 291º do CC não é, sequer em abstrato, aplicável às nulidades urbanísticas dos atos administrativos de licenciamento de imóveis.
IV. Por regra, em matéria urbanística não devem ser reconhecidos efeitos putativos dos atos nulos, sob pena de, pela via do facto consumado, se proceder à sanação generalizada de irregularidades graves, o que não é legalmente admissível – cfr. art.º 162º do CPA.
V. Acresce que, no caso dos autos, o prazo inferior a três anos que mediou entre a prática dos atos nulos e a interposição da ação para a respetiva impugnação é manifestamente insuficiente para se criarem relações jurídico-sociais estáveis a tutelar.
VI. Quanto à boa-fé dos adquirentes e dos credores hipotecários, o desconhecimento da ação de impugnação apenas é imputável aos contrainteressados intervenientes na ação e não afasta, por si só, a obrigação de cumprimento do julgado.
VII. O recorrente não foi citado para intervir como contrainteressado na ação administrativa especial, nem devia ter sido, porquanto, à data da sua interposição - 5 de março de 2007 – não era proprietário ou credor hipotecário de qualquer fração – cfr. art.º 57º do CPTA.
VIII. Ao contrário do alegado, a Mma. Juiz, na sentença recorrida, ponderou a suscetibilidade de legalização do edificado para concluir, bem, que não existia. A suscetibilidade de legalização é aferida face ao quadro legal atualmente em vigor e este não a permite.
IX. O processo de revisão do PDM está em curso e as meras expectativas de alterações normativas não exoneram a Administração do dever de executar as sentenças judiciais, nos termos do art.º 173º do CPTA.
X. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA, arts. 173º, 176º do CPTA e art.º 20º da CRP, não existindo quaisquer razões jurídicas que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença.

Quanto ao recurso interposto pelo Município, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
A. Nos termos do art.º 615º/1, d) do CPC, a nulidade por omissão de pronúncia pressupõe: existência de uma questão fundamental que obrigue a pronúncia e a sua efetiva omissão, ou seja, que o tribunal nada decida ou mencione a propósito da questão fundamental suscitada. O tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre cada um dos argumentos aduzidos pelas partes.
B. No caso dos autos, a questão colocada ao tribunal era a do cumprimento ou não, pelo executado, do julgado anulatório e a necessidade de o compelir a cumprir e o Tribunal apreciou-a e decidiu-a, aplicando as normas legais pertinentes.
C. A sentença recorrida apreciou, ainda, individualizadamente e enquanto eventuais causas que obstassem ao cumprimento do julgado, os vários obstáculos suscitados pelas partes, incluindo o recorrente: a suscetibilidade de legalização do edificado; a existência de terceiros de boa-fé – credores hipotecários e adquirentes das frações - e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos; a produção de efeitos putativos dos atos nulos; a situação financeira do recorrente e os custos da execução; o prazo para a execução do julgado.
D. O princípio da proporcionalidade – não obstante não ter sido nomeado – foi equacionado pela sentença recorrida no âmbito da análise à suscetibilidade de legalização do edificado, tal como resultava do ponto iv. das questões a decidir.
E. Quanto aos factos que o recorrente pretende sejam aditados ao probatório, nenhum deles o deve ser, ou porque já consta ou porque são irrelevantes e/ou inócuos para a decisão a proferir ou porque deles não se extraem as consequências pretendidas, designadamente a alteração do sentido da decisão.

Nomeadamente:

- Ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, não seria a adição ao probatório da referência à constituição da propriedade horizontal e às sete frações que levaria à ponderação da existência de terceiros de boa-fé e de efeitos putativos, pela simples razão que estes fatores foram especificamente ponderados pela sentença recorrida. A adição nada alteraria o decidido, pelo que é um facto irrelevante.

- A adição da referência à venda das frações e constituição de hipotecas também é inócua, porquanto ambas foram efetivamente tidas em conta na decisão proferida, que se reportou aos vários adquirentes e aos credores hipotecários, analisou as consequências da execução na respetiva esfera e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos, através da produção de efeitos putativos.

- É também irrelevante a menção no probatório à emissão de licença de utilização, através da qual o recorrente pretende levar à ponderação da existência de terceiros de boa-fé. Como já mencionado, a existência de terceiros adquirentes e dos credores hipotecários foi largamente admitida, discutida e ponderada na sentença recorrida, tal como foram ponderados os efeitos na sua esfera jurídica e a admissibilidade da salvaguarda das respetivas posições subjetivas. Trata-se, por isso, de mais um facto irrelevante e que não deve ser aditado.

- A menção a que os adquirentes das frações e os credores hipotecários não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção nem na ação administrativa especial é inútil, porquanto é do conhecimento do tribunal e em momento algum a sentença demonstra confundir os dois processos e respetivos intervenientes. Como resulta claramente da leitura do preâmbulo do probatório, é feita a transcrição de factos da sentença administrativa especial, pelo que os contrainteressados mencionados nos factos A) e I) são os que intervieram nesta.

- Não cabe levar ao probatório a falta de registo da ação administrativa especial, porquanto a ação não foi registada por não estar sujeita a registo predial. Levar um facto negativo que resulta da lei ao probatório é absolutamente irrelevante.

- O risco para a estabilidade do conjunto habitacional em caso de demolição parcial não deve ser aditado porque não resultou provado e porque o que está em causa é a demolição total do edificado, não a demolição parcial.

Foi o licenciamento da totalidade que foi declarado nulo e o tribunal apenas teria que ponderar as consequências de uma demolição parcial se existissem, no conjunto habitacional, frações autónomas suscetíveis de licenciamento, o que não acontece.

- A implantação do conjunto habitacional fora da REN consta do ponto D) do probatório, com maior especificação do que o pretendido, pelo que não deve ser aditado.
F. Pelo exposto, a sentença não é nula por omissão de pronúncia, uma vez que apreciou todas as questões essenciais que lhe foram colocadas e a factualidade que considerou provada corresponde à essencial para a decisão a proferir.
G. A invocação de causas legítimas de inexecução da sentença, por parte do recorrente Município, feita em sede de oposição à execução, foi intempestiva e não obedeceu aos formalismos impostos pelo CPTA – cfr. arts. 175º, nº 2, 162º, nº 1, e 163º do CPTA.
H. O alegado empenho do recorrente na legalização do edificado peca por tardio e não o exime ao cumprimento do julgado.
I. Resulta das alegações do recorrente que a revisão do PDM ainda está em curso e longe de estar concluída, pelo que a possibilidade de legalização do edificado invocada é meramente hipotética, como decidido na sentença recorrida.
J. A suscetibilidade de legalização tem que ser aferida face ao quadro normativo em vigor no momento da apreciação e, face ao PDM vigente, tal legalização não é possível.
K. Quanto ao ter ponderado a possibilidade de legalizar parte do edificado, a verdade é que não legalizou, três anos volvidos sobre o trânsito em julgado da sentença que obrigava a repor a legalidade urbanística.

Não o fez porque a legalização parcial não é possível. Estamos perante um conjunto habitacional em propriedade horizontal, com as inerentes partes comuns, pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade do edificado a legalizar, o conjunto, não podendo o Município decidir quais as frações a manter e as partes comuns e estruturas a preservar e em que termos.
L. No caso dos autos, como decidido, o período inferior a três anos que mediou entre a prática dos atos nulos e a sua impugnação judicial é, manifestamente, insuficiente para gerar uma situação de facto merecedora de tutela jurídica e para que se possam extrair efeitos putativos.
M. A partir do momento em que foi proposta a ação administrativa especial de impugnação, deixou de existir uma relação jurídica estável que pudesse ser geradora de confiança. Consequentemente, porque quando os atuais proprietários adquiriram as frações e foram constituídas as hipotecas já os atos de licenciamento tinham sido impugnados, na sua esfera nunca existiu estabilidade nas relações jurídicas, para efeitos do disposto no art.º 134º/3 do CPA.
N. Ainda que assim não se entendesse, a boa-fé não é suficiente para a produção de efeitos putativos e no âmbito do licenciamento urbanístico não há, por regra, lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos.
O. Um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a atos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível – cfr. art.º 162º do CPA.
P. No caso dos autos, há que ponderar o interesse público de manutenção da legalidade, a obrigação do Estado de “assegurar um correto ordenamento do território”, que consubstancia uma das suas tarefas fundamentais, a salvaguarda e garantia do direito dos cidadãos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, tudo interesses coletivos que têm, necessariamente, que se sobrepor aos direitos individuais à propriedade privada.
Q. Do invocado art.º 266º da CRP resulta, em primeira linha, a obrigação da Administração salvaguardar o interesse público, não a de defender os interesses privados, pelo que nem por esta via há efeitos a salvaguardar.
R. A onerosidade da execução do julgado, sem mais, não afasta a obrigação do Município de “assegurar um correto ordenamento do território”, caso contrário estava aberta a porta para, a coberto da “política do facto consumado”, se perpetuarem e legitimarem situações de manifesta e grave violação das regras urbanísticas, como é o caso, bastando aos Municípios ou a outras entidades públicas invocar a onerosidade da correção dos seus próprios erros/ilegalidades.
S. Tendo em conta que a decisão que declarou o licenciamento nulo transitou em julgado há quase três anos e que desde então o recorrente pouco ou nada fez para cumprir a sua obrigação, a fixação do prazo que corresponde ao previsto no art.º 175º do CPTA é adequada, não padecendo de qualquer erro.
T. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA, arts. 163º, 71º, 173º, 176º e 179º do CPTA, arts. 106º e 69º do RJUE e art.º 266º da CRP, não existindo quaisquer razões jurídicas ou de facto que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.
U. A sentença cumpre todos os requisitos de forma e não padece das alegadas nulidades – cfr. art.º 615º/1, d) do CPC.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se a sentença recorrida.

Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados KK e JJ, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. Na presente ação, as questões fundamentais colocadas ao tribunal, para decisão, foram a do cumprimento ou não, pelo executado, do julgado anulatório e a da necessidade de o compelir a cumprir; não a de saber se os recorrentes são ou não terceiros de boa-fé.
2. Aquelas questões, que consubstanciam o pedido, foram apreciadas e decididas na sentença recorrida, com ponderação e aplicação das normas jurídicas pertinentes.
3. A questão da existência de terceiros de boa-fé, não sendo essencial, foi abordada pela sentença recorrida enquanto eventual circunstância que justificasse o não cumprimento do julgado anulatório pelo Executado Município, tendo-se concluído, e bem, que a respetiva existência não dispensava a Administração do cumprimento do julgado.
4. O tribunal não tem que se pronunciar sobre cada um dos aspetos da argumentação aduzida pelas partes, mas apenas sobre as questões fundamentais colocadas à sua apreciação, o que foi feito, pelo que não existe a invocada nulidade por omissão de pronúncia – cfr. art.º 615º,d) do CPC.
5. Também não existe nulidade por falta de fundamentação, uma vez que a sentença explicita os fundamentos de facto e de direito que a sustentam e tratou todas as questões jurídicas suscitadas pelas partes, com a diferenciação de profundidade de acordo com a respetiva relevância para a decisão da causa – cfr. art.º 615º, b) do CPC.
6. A falta de individualização do nome dos recorrentes na fundamentação de direito da sentença não equivale à pretendida nulidade por falta de fundamentação. O juiz deve apreciar conjuntamente as questões comuns suscitadas pelas partes e que não apresentam especificidades. Foi o que foi feito.
7. A ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento de construção não está sujeita a registo predial porque não tem como finalidade ou efeito o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção dos direitos de propriedade sobre os imóveis objeto do licenciamento – cfr. art.º 3º do CRP.
8. Por ser este o entendimento unânime das Conservatórias de Registo Predial, o registo da ação nº 131/07.6 BELLE foi recusado, não obstante o Ministério Público, por mera cautela, ter diligenciado pelo mesmo, conforme resulta das anotações ao registo nº .../19951017, da freguesia de [LOCAL], Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António.
9. Ao contrário do alegado, a sentença recorrida não questionou que os recorrentes são terceiros e admitiu que possam ser considerados de boa-fé, embora com reservas.
10. Acontece que, como consta da sentença recorrida, os recorrentes serem ou não terceiros de boa-fé é, nesta sede, irrelevante, porque não estão reunidas as demais condições necessárias para que os seus direitos possam ser salvaguardados pela via do reconhecimento de efeitos putativos.
11. A possibilidade de reconhecimento de efeitos dos atos nulos, decorrentes do decurso do tempo, prevista no invocado art.º 134º/3 do CPA, não tem como requisito único a boa-fé, como os recorrentes pretendem fazer crer. Esta não basta.
12. Os atos administrativos declarados nulos datam de 2004 e a ação administrativa especial que peticionou a sua nulidade foi intentada, pelo Ministério Público, em 05/03/2007 - menos de três anos volvidos desde o licenciamento da construção e escassos meses depois da conclusão das moradias e emissão da licença de utilização.
13. A partir da propositura da ação administrativa especial de impugnação, deixou de existir uma relação jurídica estabilizada, que pudesse ser geradora de confiança.
14. Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de 3 anos é um período manifestamente insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade das relações jurídico-sociais. Não podem, por isso, ser extraídos efeitos putativos dos atos de licenciamento declarados nulos.
15. Nestas circunstâncias, os princípios da tutela da confiança e da proporcionalidade não afastam o cumprimento do julgado e a necessidade de reposição da legalidade urbanística, violada com os atos nulos praticados.
16. Ao contrário do alegado, o princípio da proporcionalidade não corresponde, de acordo com a doutrina e jurisprudência, à ponderação entre o interesse público e os interesses particulares. A ponderação a fazer é a da suscetibilidade de reposição da legalidade urbanística através da legalização do edificado, o que, no caso, não é possível.
17. A jurisprudência não tende, em matéria urbanística, a tutelar os interesses particulares em detrimento do interesse público, de molde a perpetuar situações de ilegalidade.
18. No caso dos autos, estamos, não só perante o interesse público, coletivo de manutenção da legalidade, como também ante as obrigações do Estado de “assegurar um correto ordenamento do território” e garantir os direitos da comunidade a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, os quais se sobrepõem aos interesses dos particulares – cfr. arts. 9º, e) e 66º/1 da CRP.
19. A sentença recorrida não afastou, em absoluto, a possibilidade de aplicação do art.º 134º/3 do CPA em matéria urbanística, apenas realçou que tal terá que ser feito com cautelas e que, no caso concreto, não é possível o reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos, por não estarem preenchidos os requisitos.
20. Este entendimento, que segue a linha jurisprudencial dominante, é conforme ao disposto no art.º 266º da CRP e à obrigação que dele decorre para a Administração de, em primeira linha, salvaguardar o interesse público, garantindo-se aos particulares o direito de que as suas posições subjetivas não sejam violadas por atos contrários à lei.
21. A interpretação preconizada pelos recorrentes redundaria numa sanação generalizada de nulidades com a inerente relativização de toda a ordem jurídica.
22. Acresce que o que justificou a decisão de não reconhecer efeitos putativos aos atos de licenciamento nulos não foi a natureza das normas violadas mas a circunstância de não ter decorrido um período de tempo bastante e razoável para que tais efeitos putativos pudessem produzir-se.
23. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA, arts. 173º, 176º do CPTA e art.º 266º da CRP, não existindo quaisquer razões jurídicas que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.
24. A sentença cumpre todos os requisitos de forma e não padece das alegadas nulidades – cfr. art.º 615º/1, b) e d) do CPC.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida.

Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados HH e II, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. As questões fundamentais colocadas ao tribunal, para decisão, foram a do cumprimento ou não, pelo executado, do julgado anulatório e a da necessidade de o compelir a cumprir; não foi a da necessidade de registo predial da ação impugnação.
2. Aquelas questões foram apreciadas e decididas na sentença recorrida, com ponderação e aplicação das normas jurídicas pertinentes, tendo sido também apreciados os efeitos do cumprimento do julgado na esfera de terceiros e a possibilidade de salvaguarda dos direitos destes.
3. O tribunal não tem que se pronunciar sobre cada um dos aspetos da argumentação aduzida pelas partes, apenas sobre as questões fundamentais colocadas à sua apreciação, o que foi feito, pelo que não existe a invocada nulidade por omissão de pronúncia – cfr. art.º 615º,d) do CPC.
4. Não existe nulidade do processado, porquanto foram citados para a presente ação executiva, além do Executado, todos os atuais proprietários e credores hipotecários das frações/imóveis, na qualidade de contrainteressados – cfr. art.º 177º/1 e 57º do CPTA.
5. Quanto àqueles que um dia foram mas já não são proprietários, porque não podem ser diretamente prejudicados com a decisão proferida, ao contrário do alegado, não foram nem deviam ter sido citados, pelo que não existe qualquer nulidade.
6. A ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento de construção não está sujeita a registo predial porque não tem como finalidade ou efeito o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção dos direitos de propriedade sobre os imóveis objeto do licenciamento – cfr. art.º 2º/1 e 3º do CRP.
7. Por ser este o entendimento unânime das Conservatórias de Registo Predial e do IRN, o registo da ação nº 131/07.6 BELLE foi recusado, não obstante o Ministério Público, por mera cautela, ter diligenciado pelo mesmo – cfr. anotações ao registo nº .../19951017, da freguesia de [LOCAL], Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António. A recusa do registo não ficou, por isso, a dever-se à existência de outros registos, como alegado.
8. A eventual boa-fé dos adquirentes/proprietários dos imóveis não basta para que os seus direitos de propriedade fiquem salvaguardados pela via do reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos – art.º 134º/3 do CPA.
9. Os atos administrativos declarados nulos datam de 2004 e a ação administrativa especial que peticionou a sua nulidade foi intentada, pelo Ministério Público, em 05/03/2007 - menos de três anos volvidos desde o licenciamento da construção e escassos meses depois da conclusão das moradias e emissão da licença de utilização.
10. A partir da propositura da ação administrativa especial de impugnação, deixou de existir uma relação jurídica estabilizada, que pudesse ser geradora de confiança.
11. Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de 3 anos é um período manifestamente insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade das relações jurídico-sociais. Não podem, por isso, ser extraídos efeitos putativos dos atos de licenciamento declarados nulos.
12. A hipotética revisão do PDM de VRSA também não é um meio de obstar ao cumprimento do julgado anulatório, porquanto ainda não foi feita. Face ao quadro legal em vigor, as edificações, tal como estão, não são legalizáveis, pelo que esta não é uma forma de reposição da legalidade urbanística.
13. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA e arts. 57º, 173º, 176º e 177º do CPTA, não existindo quaisquer razões jurídicas que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.
14. A sentença cumpre todos os requisitos de forma e não padece das alegadas nulidades – cfr. art.º 615º/1 do CPC.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida.

A 18.5.2017 o tribunal não admitiu o recurso interposto pelo RRRR e pronunciou-se pela improcedência das nulidades imputadas à sentença recorrida.

O RRRR arguiu a nulidade do despacho de 18.5.2017.

O tribunal a quo, por despacho de 22.11.2017, indeferiu a pretensão do RRRR e condenou-o em multa.

Deste despacho foi interposto recurso de apelação que subiu em separado e, conhecido, ditou a revogação do despacho recorrido e a admissão do recurso interposto pelo RRRR da sentença recorrida.

O RRRR foi incorporado, por fusão, no DDDD, a 27.12.2017.

O MP do TAF de Loulé foi então notificado para contra-alegar o recurso do RRRR. Juntas as contra-alegações nelas foram formuladas as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a presente execução da sentença proferida na ação administrativa especial nº 131/07.6BELLE e que condenou o Município de Vila Real de Santo António a (a) proceder à cassação do alvará de licença de construção nº ... e do alvará de licença de habitação; (b) proceder à demolição de tudo o que foi edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ...; e (c) reposição da situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo na sentença em execução.
II. Considera o recorrente que a sentença padece de vícios porque: (1) é proprietário e credor hipotecário em relação a diversas frações cuja demolição foi ordenada, sem que tivesse intervindo na ação declarativa; (2) o MP deveria ter procedido ao registo da ação em que impugnou os atos de licenciamento; (3) os seus direitos, como terceiro de boa fé, deverão ser salvaguardados, conforme determina o art 162º, nº 3 do CPA; (4) o seu interesse como terceiro de boa fé imporia decisão diversa, conforme resulta do art 173º, nº 3 do CPTA; e (5) a obra em causa é passível de ser legalizada, atenta a alteração a ser operada no PDM de Vila Real de Santo António.
III. O doc nº 5 apresentado na ação principal – certidão de registo – contém as pessoas com direitos reais sobre os imóveis, sendo, por isso, só esses os demandados, cumprindo-se assim o art 57º do CPTA.
IV. O art 260º do CPC, que consagra o princípio da estabilidade da instância, interpretado de acordo com os arts 7º e 8º do CPC (princípio da cooperação e dever da boa-fé processual) imporiam que qualquer alteração subjetiva devesse ser comunicada por quem dela teve conhecimento, o que não sucedeu.
V. Não há lugar ao registo da ação, conforme decidido em inúmeros pareceres do IRN (disponíveis na respetiva página on line), porque se entende que o licenciamento de construção e ampliação não constitui título de quaisquer factos com eficácia real, por não alterar a estrutura dos direitos constituídos sobre o prédio, não estando entre os factos que o art 2º do CRP considera sujeitos a registo, nem direta nem indiretamente (vd parecer proferido no processo nº RP.27/2008DSJ-CT).
VI. O art 173º, nº 3 do CPTA não tem aplicabilidade neste caso, porquanto se reporta a atos consequentes, os quais devem ser entendidos como «os atos que foram produzidos ou dotados de certo conteúdo, por se suporem válidos atos anteriores que lhes servem de causa, base ou pressuposto (…): são, diríamos, aqueles atos cuja prática ou sentido foram determinados pelo ato agora anulado ou revogado e cuja manutenção é incompatível com a execução da decisão anulatória ou revogatória (M Esteves de Oliveira e outros, in CPA anotado, pág 650) – não sendo esse o caso de aquisições ou registo de hipotecas, que são atos referidos pelo recorrente.
VII. Relativamente à possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, temos que este instituto deve ser encarado com extrema cautela, nomeadamente quando estejam em causa questões ligadas ao urbanismo, porquanto o regime da nulidade visa precisamente tentar acabar com situações de facto consumado, situações criadas ao arrepio das regras existentes e que, por se reportarem em imóveis, acabam por perdurar.
VIII. No caso dos autos os atos declarados nulos datam de 2004 e a ação foi interposta em 2007, pelo que não se pode concluir que havia decorrido já tempo suficiente para que a situação se tivesse estabilizado a ponto de serem atribuídos efeitos aos atos declarados nulos.
IX. Acresce que nunca a boa-fé, sem mais, seria suficiente para a produção de efeitos putativos, conforme tem sido decidido, veja-se, a este propósito, o acórdão do STA de 9.7.2014.
X. Finalmente, a possibilidade de legalização não impede que, de facto, exista uma situação material ilegal (construção não titulada), sendo que até à concreta legalização (a qual nem sabemos se poderá ocorrer) ela se mantém e tem que ser expurgada.
XI. Diferente é considerar-se que a possibilidade de legalização, e porque se deverá sempre privilegiar a manutenção do edificado, legitima a suspensão da instância. Mas tal suspensão em nada contende com a legalidade da sentença proferida que, assim, se deve manter na integra.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto dos recursos:

Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, as questões decidendas, tal como as identificam os recorrentes, passam por determinar se a sentença recorrida incorreu em:

Recurso do Município:
a. nulidades por omissões de pronúncia – art 615º, nº 1, al d) do CPC;
b. erro de julgamento da matéria de facto;
c. erros de julgamento da matéria de direito sobre a (in) verificação de causas legítimas de inexecução, o prazo concedido para concretizar os atos/ operações de execução;

Recurso dos contrainteressados OO e PP:
d. nulidade por omissão de pronúncia sobre a posição dos contrainteressados como terceiros de boa fé – art 615º, nº 1, al d) do CPC;
e. nulidade por falta da necessária fundamentação – art 615º, nº 1, al b) do CPC;
f. erros de julgamento de direito ao não reconhecer os recorrentes como terceiros de boa fé e ao negar os efeitos putativos;
g. inconstitucionalidade do art 134º, nº 3 do CPA na interpretação feita pela sentença recorrida;

Recurso de QQ e RR:
h. nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de registo da ação – art 615º, nº 1, al d) do CPC;
i. erros de julgamento de direito ao não reconhecer os recorrentes como terceiros de boa fé, ao negar os efeitos putativos, ao não considerar que pode haver legalização;

Recurso do XXXX:
j. erros de julgamento de direito;

Recurso do DDDD:
k. violação do disposto no art 33º, nº 2 do CPC e no art 57º do CPTA;
l. violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva;
m. erros de julgamento de direito por considerar a demolição como uma medida sancionatória, não atender que à demolição obsta o disposto no art 291º do CC e no art 134º, nº 3 do CPA e que o Município assumiu a legalização das construções.

Fundamentação de Facto:

A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

A. «Com data de entrada na Entidade Demandada de 2004.03.09, as Contrainteressadas, requereram o licenciamento de um conjunto habitacional de 7 fogos, que pretendiam construir em terreno de sua propriedade, situado na [LOCAL], freguesia de [LOCAL], juntando a respetiva Memória Descritiva e Justificativa, processo de obras a que foi atribuído na Câmara o n° ... (cfr docs nºs 4 e 5 da pi);
B. Na Memória Descritiva e Justificativa do projeto descrito em A) constava como área de superfície de pavimento 920,43 m2 (cfr doc nº 4 da pi);
C. Na descrição do prédio na Certidão do Registo Predial de Vila Real de Santo António consta, designadamente, que o mesmo confronta a sul com [LOCAL] (cfr doc nº 5 da pi);
D. O Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, esclarece sobre o Processo de Licenciamento nº ..., designadamente o seguinte: “De salientar que, a área de construção possível para o terreno em causa, corresponde ao somatório da superfície de pavimento com a área de construção da cave para estacionamento (artigo 8°, do Regulamento do PDM).

3. O terreno em questão, segundo os dados fornecidos pelo requerente, tem uma faixa a sul com 1077,06 m2 de área que se encontra inserido no regime transitório da REN, e que segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção.

Assim a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções, tem 1392,94 m2, pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50° do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de:

1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2

Ou

- 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais)

Para efeitos de índices, no projeto foi considerada a totalidade do terreno, contudo a implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar.

4. De acordo com a planta de zonamento do PDM, o terreno encontra-se inserido na Zona Turística de Expansão e tem 2470 m2 de área.

Contudo, tal como foi referido no n° 2, parte do terreno (a sul) faz parte do regime transitório da REN.

5. A área de superfície de pavimento aprovado em reunião de Câmara datada de 01 /06/2004 foi de 920,43 m2, qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726.

O índice autorizado e superior a 0,35 e menor que 0,4 o que também já ocorreu em situações semelhantes, nomeadamente no processo de loteamento n° 1/97.

A área de construção aprovada foi de 1363,13 m2, tal como consta no Alvará de licença de construção.

6. O regulamento do PDM não especifica os casos especiais, em que o índice de utilização poderá ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4” (cfr doc nº 6 da pi);
E. Em 2004.05.26, a Proposta da Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, face ao Processo nº ..., foi de deferimento do projeto de arquitetura (cfr doc nº 1 da pi);
F. Em 2004.06.01, face ao Processo nº ..., em reunião ordinária da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, foi aprovado o projeto de arquitetura (cfr doc nº 1 da pi);
G. Em 2004.09.21, a Proposta da Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, face ao Processo nº ..., com base no parecer técnico de 2004.09.20 da Divisão de Gestão Urbanística foi o do “deferimento do processo completo (…)” (cfr doc nº 2 da pi);
H. Por deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, no que toca ao Processo nº ..., foi deferida a licença administrativa e os projetos de especialidades (cfr doc nº 2 da pi);
I. As Contrainteressadas solicitam à Entidade Demandada, a emissão do alvará de licença de construção a que respeita o Processo de Obras n° ... (cfr fls 656 a 706 do pa);
J. Por despacho da Diretora do Departamento de Planeamento e Urbanismo, de 2004.12.06, no que respeita ao Processo nº ..., foi deferido o pedido de licença de construção (cfr doc nº 3 da pi);
K. Em 2005.02.15, a ZZZZ, cedeu à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL] (cfr fls 713 a 716 do pa);
L. Em 2006.06.01 foi emitido o Alvará de Licença de construção n° ..., que titula o licenciamento sob o nº ... (cfr doc nº 9 da pi).
M. Em 28 de Outubro de 2009 foi proferida sentença no processo n.º 131/07.6BELLE, intentado em 05.03.2007 (Cf. Documento n.º 1 junto com a pi e autos principais);
N. Da sentença referida na alínea antecedente foi interposto recurso jurisdicional que não foi admitido pelo TCA Sul (Cf. Fls. do processo principal).
O. Em 11.02.2015 o Exequente veio intentar a presente ação (Cf. Fls. dos autos).

Nos termos do disposto no art 662º do CPC e do art 149º do CPTA, por resultarem dos autos e se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas, aditam-se os seguintes factos à seleção dos factos provados:
P. A 21.11.2006 foi emitido, em nome da sociedade TTTT, alvará de licença de utilização nº ... para o Conjunto Habitacional – doc nº 11 junto com a contestação do Município.
Q. A sentença exequenda, referida no facto provado na al M), que aqui se dá por reproduzida, decidiu declarar a nulidade:
i. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 1.6.2004 que aprovou o projeto de arquitetura para construção de um conjunto habitacional de sete fogos, situado na [LOCAL],
ii. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 28.9.2004, que aprovou todo o projeto,
iii. do despacho da Diretora do Departamento de Planeamento e Urbanismo, de 6.12.2004, que deferiu o pedido de licença de construção,
iv. de todos os atos posteriores ao da aprovação do projeto de arquitetura, incluindo o Alvará de Licença de construção n° ....
R. A decisão sumária do TCAS que não admitiu o recurso foi proferida a 9.4.2014, foi notificada a 10.4.2014 e, por nada ter sido requerido, transitou em julgado no dia 24.4.2014 – consulta do processo principal no sitaf.
S. O conjunto habitacional construído foi constituído em propriedade horizontal, com 7 frações autónomas:

- a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008;

a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data);

a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014;

a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data);

a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data);

a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data);

e a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX – docs 4 a 10 juntos com a contestação do Município.
T. Por aviso nº ..., publicado no DRE, nº ..., 2ª série, de 9.9.2016, foi aberto o procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António, «Manta Rota/ [LOCAL]», no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos na [LOCAL] (processo nº ...) e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo nº ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo TAF de Loulé – Serviços do Ministério Público - doc A junto aos autos a 22.11.2016.

Fundamentação de Direito

Nulidade – omissões de pronúncia – art 615º, nº 1, al d) do CPC;

O recorrente Município alega que a sentença recorrida padece de nulidade porque:
1. não se pronunciou – como devia – sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto, seja quando se aborda o tema da existência de terceiros de boa fé, seja quando se menciona o tema da eventual legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, seja quando se calcula um prazo de execução.
2. não se pronunciou sobre o facto de a propriedade horizontal ter sido constituída sobre o Conjunto Habitacional (alegado nos artigos 14.º e 15.º da Contestação).
3. não se pronunciou sobre o facto de todas as frações autónomas terem sido transmitidas a terceiros e de sobre algumas terem sido constituídas hipotecas (factos alegados nos artigos 16.º e 17.º da Contestação).
4. não se pronunciou sobre o facto de ter sido emitida autorização de utilização para o Conjunto Habitacional [facto alegado no artigo 27.º, alínea (iv) da Contestação].
5. não se pronunciou sobre o facto de existirem no caso concreto terceiros alheios ao processo de licenciamento de construção, ao processo de licenciamento de utilização e à ação administrativa que declarou a nulidade do licenciamento da construção [facto alegado no artigo 27.º, alíneas (v) a (viii) da Contestação).
6. não se pronunciou sobre o facto de a ação administrativa não se encontrar registada na Conservatória do Registo Predial [alegado no artigo 27.º, alínea (ix) da Contestação].
7. não se pronunciou sobre o facto de a demolição do Conjunto Habitacional colocar em causa a estabilidade do locado [alegado nos artigos 28.º, alínea (iii), 100.º a 103.º da Contestação].
8. não se pronunciou sobre o facto de o Conjunto Habitacional estar implantado em Zona Turística de Expansão e não em REN [alegado nos artigos 28.º, alínea (iv), 43.º, 93.º e 105.º da Contestação].

Nos termos do disposto no art 615º, nº 1, al d), 1ª parte, do CPC, é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», o que está em consonância com o disposto no art 608º, nº 2 do CPC onde se estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág.143).

Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, obra cit., pág. 54).

Logo, as questões a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões, não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.

Vejamos agora a situação concreta.

O que está em causa na presente execução de sentença de anulação de atos administrativos de licenciamento urbanístico é o cumprimento do decidido no processo declarativo, repondo a ordem jurídica violada, e a forma como tal deve ser feito, e, sendo assim, se houver desacordo entre as partes ou inércia, cabe ao tribunal indicar a forma correta de dar cumprimento à decisão jurisdicional transitada em julgado.

Lendo a sentença recorrida, o tribunal a quo apreciou e decidiu a questão posta, da reconstituição da situação ex ante, ou seja, a que existiria se os atos declarados nulos não tivessem sido praticados – cfr art 173º, nº 1 do CPTA, na redação anterior ao DL nº 214-G/2015, de 2.10 – identificando a consequência da reposição natural que emerge da execução da sentença com a demolição das construções por ter sido infringida a lei, mais precisamente o disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992.

A sentença recorrida apreciou, ainda, as causas invocadas de impedimento do cumprimento do julgado. No entanto, estas não são a questão a resolver, mas argumentos esgrimidos pelos recorrentes para alegadamente afastar a demolição e a reposição do terreno na situação anterior à realização das obras de construção do Conjunto Habitacional. Logo, nunca poderia aqui haver uma omissão de pronúncia. A sentença abordou a suscetibilidade de legalização das construções (concluindo pela insusceptibilidade de legalização das construções, a demolição atingirá todas as construções que estiveram por base os atos declarados judicialmente nulos), a existência de terceiros de boa-fé – credores hipotecários e adquirentes das frações - e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos (os contrainteressados na ação principal foram os identificados na petição inicial de 5.3.2007 … os contrainteressados que não foram parte na ação principal não demostram que o seriam à data da propositura da ação principal … mesmo admitindo a circunstância que alguns contrainteressados venderam as suas frações a outrem não significa que se deve ter em conta que estes são terceiros adquirentes de boa fé, nos termos em que é alegado); a produção de efeitos putativos dos atos nulos (concluindo que, perante a violação dos instrumentos de ordenamento territorial, não há reconhecimento da relevância jurídica das situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos, tanto mais que não decorreu um longo período de tempo para criar uma situação de facto merecedora de tutela jurídica e a hipoteca sobre um imóvel não se extingue com a demolição da construção, dado que dela não resultará uma perda total); a situação financeira do Município de Vila Real de Santo António e os custos da execução (não constitui causa legítima de inexecução, nos termos do art 175º, nº 3 e 163º do CPTA); o prazo para a execução do julgado (de 3 meses (90 dias úteis … o prazo de dois anos para cumprimento entretanto já decorreu). Também, o princípio da proporcionalidade entre o interesse público tutelado pelas normas do ordenamento do território e do urbanismo e o direito de propriedade e da edificação foi tido em conta na sentença recorrida que decidiu pela prevalência dos interesses públicos no caso concreto. De todo o modo, a proporcionalidade ou desproporção da demolição e reposição não era nem é uma questão a resolver. Era e é um argumento e um critério a considerar na determinação da demolição e reposição do terreno, esta sim uma questão a resolver nos termos do artigo 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA e do artigo 134º do CPA, que o tribunal decidiu ser totalmente exigível, mediante o restabelecimento da situação existente anteriormente aos atos declarados nulos.

Não há, portanto, nulidade por omissão de pronúncia como pretende o recorrente Município de Vila Real de Santo António.

No mesmo sentido terá de ser a nossa decisão sobre a nulidade por omissão de pronúncia sobre a posição dos contrainteressados como terceiros de boa fé – art 615º, nº 1, al d) do CPC – invocada pelos recorrentes Município, OO e PP. Precisamente porque não sendo a questão do processo ainda assim foi analisada pela sentença em crise, no sentido de não justificar o incumprimento da sentença declarativa. Refere a sentença, se à data da transmissão do direito real das contrainteressadas no processo principal, estas não informaram os adquirentes da situação processual existente (ação principal com vista à declaração de nulidades de atos praticados referentes à construção das frações em causa), tal escapa ao controlo jurisdicional deste Tribunal.

Os recorrentes Município, QQ e RR imputam à sentença nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de registo da ação – art 615º, nº 1, al d) do CPC. Mas sem razão. Primeiro, a alegada necessidade de registo predial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo não é a questão do processo executivo, que apele ao cumprimento do julgado anulatório. Depois, a declaração de nulidade de atos de licenciamento urbanístico não está sujeita a registo predial, porque não briga com a constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre o prédio objeto do licenciamento (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial). Tanto basta para o juízo de improcedência da nulidade por omissão de pronúncia.

Por tudo o exposto, a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia.

Nulidade por falta da necessária fundamentação – art 615º, nº 1, al b) do CPC

Os recorrentes OO e PP imputam nulidade por falta de fundamentação à sentença recorrida quando nela consta (apenas) que não significa que os adquirentes sejam terceiros de boa fé.

A nulidade da sentença por violação do artigo 615º, nº 1, al b) do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.

Ora, a sentença exequenda não foi indiferente à posição dos contrainteressados na ação executiva, apenas julgou o interesse público como prevalecente sobre as situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos.

Assim sendo, sem necessidade de mais longas considerações, não ocorre nulidade por falta absoluta de fundamentação.

Erro de julgamento da matéria de facto

O recorrente Município defende o aditamento à matéria de facto provada dos factos seguintes:
a. “Sobre o Conjunto Habitacional, o Município de Vila Real de Santo António, emitiu certidão para efeitos de constituição de propriedade horizontal, da qual resultariam sete frações autónomas individualizadas com as letras A a G, destinadas a habitação, com estacionamento comum em cave, a qual foi constituída e averbada na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António através da ... do prédio registado sob o número ..., da freguesia de [LOCAL]”.

Este facto ficou provado através do documento 2 junto à Contestação do Recorrente, o qual corresponde à certidão emitida pelo Recorrente em 14.01.2005. Resulta igualmente demonstrado através dos documentos 3 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam certidões do registo predial das frações autónomas constituídas e respetivas cadernetas prediais dessas mesmas frações.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
b. “Todas as frações autónomas constituídas foram objeto de venda a terceiros e, nalguns casos, objeto de hipoteca; a Fração A pertence a CC e DD (por aquisição registada em 28.01.2008); a Fração B pertence a EE (por aquisição registada em 05.11.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data); a Fração C pertence ao RRRR (por execução de LL registada em 21.05.2014); a Fração D pertence a FF (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E pertence a GG (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F pertence a HH e II (por aquisição ao RRRR, registada em 06.02.2014) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); e a [FRAÇÃO] pertence a JJ e KK (por compra a MM, registada em 16.03.2007) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data).”

Este facto ficou provado através dos documentos 4 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam as certidões de registo predial das frações autónomas e respetivas cadernetas prediais.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
c. “Por despacho de 16.11.2006, foi emitida em nome da sociedade TTTT, autorização de utilização para habitação, para o Conjunto Habitacional”.

Este facto ficou provado através do documento 11 junto com a Contestação, o qual corresponde ao Alvará de Licença de Utilização n.º ..., datado de 21.11.2006, emitido no âmbito do Processo n.º ..., no seguimento do despacho de 16.11.2006, em nome da sociedade TTTT, respeitante a sete fogos com a tipologia T3, destinados a habitação.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
d. “Os terceiros a quem foram vendidas as frações autónomas e que constituíram hipotecas sobre as mesmas não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção, no processo de licenciamento da utilização e na ação administrativa especial que declarou a nulidade do licenciamento da construção”.

Resulta dos documentos 1 a 4 juntos aos autos na petição inicial apresentada pelo Ministério Público no âmbito da ação administrativa declarativa e do Processo Administrativo que o processo de licenciamento foi tramitado em nome da sociedade ZZZZ, a qual cedeu, em 15.02.2005, à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL], tendo sido em nome desta última sociedade e de NN que, em 31.05.2005 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º ... – o qual foi junto aos autos pelo Ministério Público como documento 9 daquela petição inicial.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
e. “Nunca foi registado ou averbado na descrição do registo predial do prédio a que corresponde o Conjunto Habitacional o facto do Ministério Público ter intentado uma ação administrativa especial tendo por objeto a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da construção do Conjunto Habitacional.”

Este facto resulta provado do documento 3 junto com a Contestação do Recorrente, o qual consubstancia certidões do registo predial genérica e das sete frações autónomas constituídas, donde não consta qualquer referência ao registo da ação administrativa.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
f. “Por questões que se prendem com a estabilidade do edificado, a demolição parcial do Conjunto edificado não é possível e/ou segura, sendo que, a demolição da quase totalidade de uma (0,83) inviabiliza de facto a fração habitacional enquanto tal”.

Este facto foi provado através do documento n.º 13 junto com a Contestação do Recorrente, o qual corresponde a uma Informação datada de 24.03.2015, donde consta um Parecer sobre a eventual demolição parcial do Conjunto Habitacional.

Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração que a demolição parcial do Conjunto Habitacional tem um impacto na estabilidade do restante Conjunto Habitacional.
g. “O Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN, estando, todo ele, em Zona Turística de Expansão”.

Este facto resulta provado pelo documento n.º 6 junto com a Petição Inicial apresentada pelo Recorrido na ação administrativa especial – citado no Facto D) da Matéria de Facto Assente –, nunca tendo sido contestado por este. Encontra-se também do documento n.º 1 junto com a sua Contestação – o qual corresponde a um extrato da Planta de Síntese de Uso do Solo n.º 2.5 e 2.7 do PDM de Vila Real de Santo António e, bem assim, dos documentos que integram o Processo Administrativo.

Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração a existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional e adequada ponderação e aplicação do princípio da proporcionalidade do caso concreto.

Analisemos.

Nos termos dos artigos 636º, nº 2 e 640º do CPC, aplicáveis ex vi dos arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA, podem as partes, nas respetivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.

Para o efeito, o art 640º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os diversos pontos da matéria de facto impugnados. Estes ónus encontram-se devidamente cumpridos.

O recorrente Município de Vila Real de Santo António alega que a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto, para o caso de se entender que os factos omitidos não determinam a nulidade da sentença.

Só parcialmente lhe assiste razão, porque a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelas partes. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.

Da alegação do recorrente entendemos ser de aditar ao probatório os factos inscritos nas alíneas b) e c), que antes deixámos escritos nos factos provados nas als S) e P).

A demais factualidade invocada pelo recorrente – constituição da propriedade horizontal com sete frações e falta de registo predial da ação – é irrelevante para a decisão – não intervenção dos ora contrainteressados na ação administrativa especial – resulta provada nas als A), I), K), S) – risco para a estabilidade do conjunto habitacional de demolição parcial – não resulta provado este facto e o mesmo é irrelevante, porque o título executivo declarou a nulidade do licenciamento do Conjunto Habitacional (não de determinada fração ou frações) – e implantação do conjunto habitacional fora da REN – este facto resulta provado na al D) da matéria de facto provada.

A pretensão do recorrente Município, de aditamento de factos provados, procede parcialmente.

Erros de julgamento da matéria de direito

O recorrente Município refere que a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento, desde logo e em geral por ter considerado inexistirem, em concreto, causas legítimas de inexecução, impedimentos legais e de facto à execução mediante a demolição do Conjunto Habitacional.

Advoga o recorrente que o tribunal errou ao considerar que não é garantida nem exequível a legalização das construções por força da revisão do PDM em curso, pois o quadro normativo vigente não permitia a legalização do Conjunto Habitacional referido.

Errou a sentença ao não aplicar ao caso concreto o princípio da proporcionalidade – em especial, nos cenários da consideração da existência de terceiros de boa-fé, da ponderação do binómio legalização / demolição (total ou parcial) e, bem assim, do apuramento de um prazo de execução.

Mal andou a decisão do Tribunal a quo quando ordenou que se procedesse à demolição da totalidade do Conjunto Habitacional (ainda mais sem uma articulação com uma solução menos drástica, como seja, por exemplo, a fixação de um prazo razoável para a efetivação da legalização, sob pena de concretização da dita demolição). Foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da justiça. Verifica-se assim que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por manifesta violação do artigo 106º, nº 2 (primeira parte) do RJUE, dos artigos 179º, nº 1 e 71º, nº 2, ambos do CPTA, assim como dos artigos 2º e 111º da CRP.

Alega o recorrente que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão.

A sentença recorrida não considerou existirem efeitos putativos a reconhecer adquirentes de boa fé, por não terem sido partes nos procedimentos de licenciamento da construção e da utilização, nem na ação de impugnação desses atos, a qual por sua vez não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial. Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé e também violação da previsão de inexecução lícita, decorrente do art 163º, nº 1 do CPTA, por da demolição resultarem prejuízos financeiros para o interesse público.

Por fim, o recorrente Município imputa ainda erro de julgamento decorrente da determinação de um prazo ilegal para a execução, de 90 dias, por manifestamente insuficiente quer para a legalização quer para a demolição.

Os contrainteressados (adquirentes das frações e credores hipotecários) não se conformam com a sentença, a que imputam erros de julgamento de direito por não terem sido reconhecidos como terceiros de boa fé e titulares de efeitos putativos.

Os recorrentes OO e PP, para além de tudo, alegam ainda que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido interpretativo que o tribunal a quo lhe conferiu, no sentido de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional, colide contra os princípios fundamentais consagrados no art 266º, nº 1 e 2 da CRP, na medida em que atenta contra interesses legalmente protegidos dos cidadãos bem como com o princípio da proporcionalidade.

O recorrente DDDD imputa à sentença recorrida também violação do artigo 33º, nº 2 do CPC, do artigo 57º do CPTA, dos arts 20º e 268º, nº 4 da CRP, do art 291º, nº 2 do Código Civil e por considerar a demolição como uma medida sancionatória.

O recorrente XXXX entende padecer a sentença de violação do disposto no art 291º do CC, no art 134º, nº 3 do CPA, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do art 106º, nº 2 do DL nº 555/99 e a demolição das construções condiciona e muito a garantia real do recorrente.

Vejamos.

Na ação principal, por sentença de 28.10.2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé declarou a nulidade:
i. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 1.6.2004 que aprovou o projeto de arquitetura para construção de um conjunto habitacional de sete fogos, situado na [LOCAL],
ii. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 28.9.2004, que aprovou todo o projeto,
iii. do despacho da Diretora do Departamento de Planeamento e Urbanismo, de 6.12.2004, que deferiu o pedido de licença de construção,
iv. de todos os atos posteriores ao da aprovação do projeto de arquitetura, incluindo o Alvará de Licença de construção n° ....

O fundamento da nulidade dos atos administrativos impugnados reside na violação do disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992 (RPDM/92).

De acordo com o preceito legal, nas Zonas Turísticas de Expansão, ressalvado o disposto no n.º 3 do presente artigo, nos empreendimentos turísticos bem com, nos planos de pormenor que a Câmara Municipal venha a elaborar, têm que se observar, obrigatoriamente, as seguintes regras:

a) Índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano.

Em casos especiais, este índice poderá atingir 0,4.

O terreno objeto da operação urbanística tem 2470m2 de área e encontra-se inserido em Zona Turística de Expansão, mas 1077,06m2 fazem parte do regime transitório da REN, por se tratar de uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção. Assim, a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções tem 1392,94m2.

Pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de:

- 1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2

ou

- 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais)

A área de construção aprovada foi de 1363,13m2.

A implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar.

No entanto, para efeitos de índices, no projeto aprovado foi considerada a área total do terreno, ou seja, os 2470m2 e a área de superfície de pavimento foi de 920m2, a qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726, isto é, uma área de superfície de pavimento aprovado de 432,47m2 acima do permitido por lei, que é de 487,53 m2 (487,53 m2 + 432,47m2 = 920m2).

Portanto, o índice de utilização bruto aprovado é superior a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano.

O referido índice de utilização é menor que 0,4, mas o RPDM não especifica os casos especiais em que o índice de utilização pode ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4.

A sentença exequenda julgou o índice de utilização aprovado (de 0,3726) para a operação urbanística superior ao permitido por norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António (de 0,35). Consequentemente, julgou o ato de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção nº ..., nulos, à luz do estabelecido no artigo 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, na redação do DL nº 177/2001, de 4.6.

A sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014.

É este o título executivo da presente ação de execução de sentença de anulação dos atos administrativos de licenciamento urbanístico proferidos no procedimento camarário nº ....

O caso julgado firmado pela sentença exequenda delimita os poderes de pronúncia do juiz de execução, vinculando o tribunal (e as partes) a acatar o que aí ficou definido. A eficácia subjetiva do caso julgado pode estender-se aos contrainteressados da ação executiva (como mais à frente veremos).

Nos termos do disposto no art 205º, nº 2 da CRP, art 158º, nº 1 e nº 2 do CPTA e art 619º, nº 1 do CPC, transitada em julgado a decisão judicial que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou decisão, designadamente, de autoridade administrativa.

Ora, seguindo o entendimento de Ana Celeste Carvalho, em «Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa», Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, págs 250 e segs, «embora seja aplicável ao processo administrativo o regime da vinculação, obrigatoriedade e prevalência da sentença, assim como o instituto do caso julgado do direito processual civil, existem especificidades próprias do direito processual administrativo que se impõe ter em consideração.

A eficácia do caso julgado no processo civil aponta, por isso, que ele se limite às situações positivamente verificadas pelo tribunal através de julgamento, pelo que, abrange apenas a parte decisória da sentença, não se estendendo aos fundamentos ou ao raciocínio lógico que a sentença percorreu.

Neste sentido, a jurisprudência tem decidido que o caso julgado, mesmo formal, não se forma sobre os fundamentos da decisão, mas somente sobre esta e que o caso julgado apenas excecionalmente se forma sobre os motivos que sejam antecedente imediato ou indispensável à emissão do dispositivo da sentença.

Sem prejuízo, a jurisprudência tem admitido que sendo a eficácia do caso julgado limitada, em princípio, à simples conclusão ou dispositivo da sentença, deve tornar-se extensiva à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, assim como, que os fundamentos ou motivos da sentença sejam tidos em conta sempre que tal se mostre necessário para interpretar e determinar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exato conteúdo.

Por isso, se tem decidido que embora o caso julgado se forme sobre a decisão e não sobre os motivos, estes devem ser considerados na fixação do sentido e alcance da decisão e que o caso julgado abrange a decisão necessariamente implícita.

(…) No direito processual administrativo fruto da atual conceção do objeto do litígio dirigido à ilegalidade administrativa e não a cada um dos vícios ou causas de ilegalidade concretamente invocadas, estão os fundamentos abrangidos no caso julgado da sentença anulatória.

(…) A vantagem de considerar a autoridade do caso julgado extensiva aos fundamentos da decisão encontra-se na maior certeza a que a mesma conduz, pois sendo maior o âmbito da imodificabilidade das decisões, menores serão os litígios resultantes de decisões contraditórias.

Deste modo, acolhe o direito processual administrativo um regime mais amplo dos limites objetivos do caso julgado, admitindo para além do dispositivo da sentença, também os seus concretos fundamentos de facto e de direito».

O que significa que in casu, o tribunal, na ação principal, declarou a nulidade do licenciamento da operação urbanística Conjunto Habitacional de 7 fogos, situado na [LOCAL], freguesia de [LOCAL], ao abrigo do disposto no art 50º, nº 1, al a) do RPDM de Vila Real de Santo António e no art 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, por não respeitar o índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano.

É no artigo 173º do CPTA que se encontra concretizado o dever de executar do Município, sempre que lhe cumpra retirar consequências da declaração de invalidade – nulidade ou anulação – dos seus atos administrativos. Com efeito, nomeadamente, pode ter de alterar situações de facto criadas ao abrigo do ato ilegal e assim reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação (cfr art 173º, nº 1 do CPTA).

A execução duma decisão judicial anulatória de ato ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da prática do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado, com a eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.

Na verdade, e como resulta do art 173º, nº 1 do CPTA, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos, ou seja, (1) o da reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, (2) o do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava e (3) da eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida.

E na observância e cumprimento destes deveres, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (art 173º, nº 1 do CPTA).

A par do que vimos de dizer, acompanhando a jurisprudência vertida, por exemplo, nos acórdãos do TCAN de 27.5.2011, processo nº 516-A/03, e de 14.12.2012, processo nº 608-A/99, quer a atuação da Administração, mediante a prática de todos os atos jurídicos e operações materiais que se tornem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, quer a atividade de controlo exercido pelo tribunal quanto à atuação/omissão daquela está condicionada pelo caso julgado decorrente da decisão judicial exequenda e respetivos limites [cfr. Acs. STA de 02.07.2008 (Pleno) - Proc. n.º 01328A/03, e de 18.11.2009 - Proc. n.º 0581/09].

É que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão que se executa, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório encontra-se circunscrita à(s) ilegalidade(s) que ditou(aram) o fundamento de invalidade do ato (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821ª e Ac. STA/Pleno de 29.01.1997 - Proc. n.º 27517), pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita às ilegalidades que ditaram a anulação contenciosa do ato nada obstando, desta feita, a que a Administração emita novo ato com idêntico núcleo decisório mas liberto daquelas mesmas ilegalidades (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821A, de 02.07.2008 - Proc. n.º 01328A/03, Ac. STA/Secção de 30.09.2010 - Proc. n.º 01388A/03).

Quer isto dizer que o critério pelo qual havemos de aferir se a decisão judicial anulatória foi ou não devidamente executada é o do âmbito das ilegalidades que conduziram à invalidação do ato.

No caso, o ato administrativo de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este foram julgados nulos, nos termos do art 50º, nº 1, al a) do ... e art 68º, al a) do DL nº 555/99, não estando a obra de construção do Conjunto Habitacional, com 7 fogos, licenciada.

Assim, importa saber em que termos se terá de processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este, e quais os limites, poderes envolvidos, modo de exercício e fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade.

A este propósito refere Mário Aroso Almeida, em «Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes», Teses, 2002, págs 510, 512 a 514, que se afigura «de admitir que a circunstância objetiva de ter havido um ato ilegal e de ter sido judicialmente decretada a sua anulação - em termos que automaticamente tornaram evidente e indiscutível que a situação criada ao abrigo daquele ato é hoje uma situação de mero facto, destituída de fundamento jurídico, e que a sua manutenção, no presente e para o futuro, é lesiva de quem recorreu e obteve a anulação - é suficiente para restringir, no caso concreto, o componente de apreciação valorativa quanto à oportunidade de agir que a previsão normativa abstrata da competência da Administração para intervir sobre construções ilegais porventura comporte.

A circunstância de a Administração ser corresponsável pela situação ilegal, por ter contribuído para a lesão do interessado, constitui um evidente fator delimitador dessa eventual discricionariedade. Por conseguinte, se, à partida, o poder de intervenção sobre construções clandestinas envolvia um espaço de apreciação discricionária quanto ao an, a circunstância da anulação do ato no qual se baseava a situação
 constitui a Administração numa verdadeira obrigação de agir para com o recorrente que obteve a anulação daquele ato.

Isto deve-se ao facto
, …, de não estar, aqui, em causa o normal exercício, por parte da Administração, dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais, mas o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação. … Justifica-se, por isso, que, neste contexto, se acentue o dever de a Administração atuar relativamente às situações que ela própria criou através da adoção de um ato administrativo ilegal. Sobre ela recai, nesses casos, um dever qualificado de intervenção, uma vez que já não se trata de cumprir uma obrigação pública genérica de pôr cobro aos ilícitos que outros cometem, mas de eliminar um ilícito público, imputável a si própria.

… o fundamento do estrito dever que à Administração se impõe de agir em relação à construção ilegalmente edificada ao abrigo da licença que foi anulada, com eliminação da discricionariedade quanto à oportunidade da atuação, reside, portanto, na circunstância de essa intervenção se inscrever na execução do efeito repristinatório da anulação.

No que, entretanto, se refere à determinação do concreto conteúdo das medidas a adotar, 
a execução do efeito repristinatório da anulação apenas exige a demolição na medida em que outra definição não a venha legitimamente afastar. Ao lado da demolição - ou seja, ao lado da execução do efeito repristinatório, que a sentença anulatória, à partida, reclama - permanecem, assim, intactos os poderes de valoração de que a Administração disporia mesmo que a construção tivesse sido, ab initio, clandestina e não tivesse sido, pois, edificada ao abrigo de uma licença inválida. Com o que se transita para o plano da redefinição da situação, no (re)exercício de poderes autónomos de definição jurídica, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado da sentença de anulação.

Por conseguinte, se o ato puder e dever ser renovado, é isso, naturalmente, que a Administração deve fazer. Dependendo do caso concreto, pode ser que a simples realização de obras de adaptação baste para assegurar, entretanto, a legalidade da construção.

… Na sequência da anulação, a Administração deverá, assim, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do recorrente que obteve a anulação pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da construção edificada e, porventura, para o próprio interesse público, do que seria a pura e simples demolição. Tudo depende do conteúdo das normas materiais cuja violação esteve na base da anulação da licença. A demolição só deve ser, desde logo, imposta nas situações em que, dadas as circunstâncias concretas, a legalização não seja possível.

Por via de regra, 
a Administração deve, assim, na sequência da anulação, mandar notificar de imediato o proprietário do prédio para que proceda à demolição ou, sendo isso possível, requeira a sua legalização. Na primeira das hipóteses, a imposição à Administração do dever de proceder, ela própria, à demolição poderá ser pedida pelo recorrente no processo impugnatório ou, se necessário, no processo de execução da sentença de anulação. Neste último caso, o recorrente terá a oportunidade de acompanhar os ulteriores desenvolvimentos do eventual procedimento de legalização. Se, no entanto, ele não vier a ser desencadeado ou não tiver seguimento, ele poderá exigir, no processo de execução de sentença, que o tribunal fixe o prazo razoável dentro do qual a Administração deve proceder à demolição, sem prejuízo ainda, dentro do mesmo prazo, da eventual legalização do edificado. Se a Administração nada fizer dentro do prazo fixado, o recorrente será indemnizado pelo facto de a construção não ter sido demolida, sem que, para esse efeito, possa já relevar a possibilidade da sua legalização.

Deste modo se parece conseguir a mais adequada conciliação dos valores que, neste domínio, se defrontam: 
o da segurança jurídica e da proteção da confiança do proprietário, e o da tutela da legalidade material e dos direitos e interesses do recorrente que obteve a anulação. No pressuposto, desde o início assumido, de que, nos casos em que deva ter lugar, a demolição ainda se inscreve na execução do efeito repristinatório da anulação, mediante a qual cumpre remover a situação de perturbação criada pelo ato que foi anulado, na medida em que ele não venha a ser renovado nem objeto de medidas alternativas.

Também a jurisprudência se tem pronunciado sobre os termos em que se deve processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade de ato de licenciamento e quais os limites na fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade, no sentido de a demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só dever ser ordenada como última medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade.

A título de exemplo, citamos o acórdão proferido pelo TCAN, a 5.6.2008, no processo nº 232-A/2003, onde se pode ler que as  consequências executivas da declaração judicial de nulidade de uma licença de construção, dado não serem explicitamente ditas na lei, deverão ser procuradas, desde logo, no âmbito do regime jurídico da própria nulidade.

Este regime jurídico consagra a regra básica de que o ato nulo não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade [artigo 134.º n.º 1 do CPA], mas ressalva que esta ausência de efeitos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito [artigo 134.º, nº 3 do CPA].

Constata-se, assim, que o legislador, apesar de fixar a completa esterilidade jurídica do ato nulo [n.º 1], não esquece simplesmente a situação de facto que esse ato poderá ter gerado, abrindo, até, a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito.

Não é nosso intento escalpelizar, nesta sede, os pressupostos necessários ao funcionamento dessa possível relevância, mas apenas sublinhar, para o que aqui importa, a atenção que a lei acaba por dar às situações de facto decorrentes dos atos nulos.

Também é interessante verificar, agora no plano mais concreto do regime jurídico da urbanização e edificação, como a lei atende a situações de facto surgidas à sua margem, permitindo [nomeadamente] que a demolição de edificações clandestinas possa vir a ser evitada no caso de se mostrar possível o seu licenciamento, nomeadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração - ver o então artigo 167.º do RGEU, e o atual artigo 106.º n.º 2 do RJUE.

Em face disto, cremos que se impõe ao julgador, no plano da execução coerciva de uma sentença que declarou nula a licença de construção de um prédio, construído e habitado, que preste a devida atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada por esse ato nulo, e que pondere a possibilidade executiva de ser extirpada a causa dessa declaração de nulidade, revertendo a situação de facto ilegal numa situação jurídica de legalidade, e evitando, desta forma, a total demolição do edificado.

Efetivamente, esta solução radical [demolição total] pode não ser imposta pela concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade, e pode surgir, até, como claramente desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real.

Como solução drástica que é, sobretudo quando, como no presente caso, há terceiros de boa fé, a demolição total do edificado deve ser encarada pelo julgador como a última solução. A execução coerciva de sentença que declarou nula a licença de construção de um edifício, já construído e habitado, não passa, pois, necessariamente, pela demolição total do edificado, mas não poderá deixar de consistir no conjunto de atos e operações materiais que se mostrem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade.

Na situação em apreço, a sentença exequenda declarou a nulidade dos atos impugnados.

O Município visado na ação principal nada fez após o trânsito em julgado da decisão exequenda.

Trata-se aqui da omissão de um dever qualificado de intervenção do Município.

Por um lado, porque ao Município se exige o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação, não estando em crise atuação no âmbito do normal exercício dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais.

Por outro lado, cumpre ao Município eliminar situações que ele próprio criou através da adoção de um ato administrativo ilegal, por violar as normas do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António.

Com efeito, nas circunstâncias de facto apuradas no título executivo, a declaração de nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e dos atos posteriores a este, incluindo o alvará de licença de construção, impõe ao Município, em execução da sentença exequenda, o dever de atuar, reduzindo-se a zero a sua discricionariedade para o fazer.

Com efeito, cumpre à Administração, perante a existência de obras ilegais, proceder nos termos previstos nas normas urbanísticas dos arts 106º, 107º, 108º do DL nº 555/99. Estes preceitos legais determinam que, em caso de incumprimento voluntário da ordem de demolição pelo administrado, prevista no artigo 106º, nº 1 do DL nº 555/99, deve o Município proceder, ele próprio, à demolição, por força do disposto no art 106º, nº 4 do DL nº 555/99, seguindo a tramitação dos arts 107º e 108º do mesmo regime legal.

Na situação em apreço, em execução do julgado anulatório, o Município não determinou a legalização da obra, não determinou a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos.

O incumprimento da obrigação de agir do Município para com o autor, que obteve a sentença de declaração de nulidade dos atos impugnados, levou o Ministério Público a pedir a execução em juízo.

O que cabe no âmbito da presente ação executiva é dar plena e integral execução à sentença de 28.10.2009 e, em nosso juízo, tendo em conta o exposto até este momento, a sentença recorrida interpretou corretamente o título executivo, por isso, identificou os atos e operações a cumprir pelo Município – cassar os alvarás de licença de construção e de utilização – efetivar a demolição de todo o edificado – repor o solo na situação anterior à realização das obras – e fixou-lhe um prazo dentro do qual deve proceder à demolição da obra.

A sentença refutou todas as causas invocadas pelos recorrentes que obstariam a que se desse execução à demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ....

A sentença analisou as vias preferenciais à demolição, a saber: a legalização da operação urbanística realizada com base nos atos declarados nulos (art 106º, nº 2 do RJUE) e a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos (art 134º, nº 3 do CPA de 1991, art 162º, nº 3 do CPA de 2015), mas decidiu pela respetiva improcedência.

Vejamos se errou na aplicação do direito.

Quanto à possibilidade de legalização da obra ilegal:

Uma das alternativas que se colocam à ponderação da Administração nas situações em que tenha havido uma declaração da nulidade do ato administrativo de gestão urbanística é a da legalização das operações que com base no mesmo foram concretizadas, situação que passa pela prática de novos atos de licenciamento das operações consolidadas, desta vez sem o vício gerador da nulidade, sendo que neste caso é evidente que a legalização da operação urbanística só será possível mediante a alteração da situação de facto ou a alteração do direito aplicável.

A legalização da operação urbanística em causa implica a prática de atos de licenciamento das obras feitas ao abrigo dos atos declarados nulos, sem o vício que determinou a nulidade. O ato a praticar pode depender da alteração da situação de facto (demolição parcial) ou de alteração do direito aplicável (cfr Fernanda Paula Oliveira e Pedro Gonçalves, «Regime da Nulidade dos atos Administrativos de Gestão Urbanística que investem o Particular do Poder de Realizar Operações Urbanísticas», CEDOUA, ano 2, 1999, págs 21 e 22).

Sabemos que a sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014.

A ação executiva entrou em juízo a 11.2.2015.

A 30.8.2016 a CM de Vila Real de Santo António deliberou aprovar a realização de alteração ao PDM, no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos na [LOCAL] (processo nº ...) e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo nº ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo TAF de Loulé – Serviços do Ministério Público.

O procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António está em curso, pois encontra-se publicitada a abertura de um período de discussão pública [de 30 dias úteis, com início no quinto dia útil posterior à respetiva publicação no Diário da República] da proposta de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António - artigo 89º, através de aviso nº ..., publicado no DRE, nº 52, série II, de 2025-03-14.

Em função desta realidade fáctica apurada, o curso do procedimento de alteração do RPDM, os recorrentes defendem ser de afastar a demolição do Conjunto Habitacional com vista ao restabelecimento da situação de ilegalidade com referência à execução da decisão proferida no processo principal.

Neste domínio, não assiste razão aos recorrentes, pois que o facto de estar em curso uma alteração do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António nada vem trazer de relevante para a sorte destes autos.

Porque o quadro legal aplicável ao caso, inclusive neste momento, continua a ser o que consta do Regulamento do PDM que justificou a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística, ou seja, o disposto no art 50º, nº 1, al a) do .../ 1992.

De facto, a mera possibilidade ou hipótese de legalização futura, com a efetiva alteração do PDM, não é fundamento bastante para o juiz aplicar, ao abrigo do art 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA, o regime previsto no art 106º, nº 2 do DL nº 555/99, nos termos do qual: a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.

Como decidiu o TCAS, a 9.11.2017, processo nº 846/09.4BELLE-A (acórdão confirmado pelo STA a 4.4.2019), em situação similar à dos presentes autos, «
a legalização e a tese da “ultima ratio” não podem ignorar o texto do nº 2 do art 106º do RJUE, nem ser ancoradas numa mera possibilidade ou hipótese futura, até porque há aqui um verdadeiro ónus dos interessados. (…) (i) a legalização tem de ser uma possibilidade real e presente ou iminente, o que aqui não se verifica; e (ii) ao interessado aplica-se o art. 342º do CC, pelo que, com base nos factos provados, não há aqui obstáculo principiológico ao cumprimento do art. 173º/1/2 do CPTA.».

Além do bloco de legalidade urbanística atual ser o que existia à data da emissão dos atos nulos, mesmo a existência de novas disposições regulamentares impõe fazer a devida correspondência entre a nova ordem e a realidade em apreço, situação que passa por eventual novo ato de licenciamento, a requerimento dos interessados (aqui contrainteressados) ou por iniciativa do requerido, no sentido de se averiguar a conformidade da operação urbanística denominada Conjunto Habitacional com sete fogos com as novas regras urbanísticas em vigor, substituindo validamente os atos declarados nulos.

Dito de outro modo, aprovadas e entradas em vigor novas normas regulamentares é necessário a Administração, o Município de Vila Real de Santo António, levar a cabo uma nova apreciação urbanística do Conjunto Habitacional, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data.

Porém, até ao momento, e apesar do tempo decorrido, não existe notícia de novo regime urbanístico que tutele alteração ao Regulamento do PDM/1992, no sentido de legalizar o Conjunto Habitacional de sete fogos na [LOCAL], nem novos atos de licenciamento por parte do Município de legalização da construção.

Os recorrentes Município e contrainteressados não demonstram a legalização total da obra ilegal, ou dito de outro modo, não provam que a edificação ilegal é hoje legalizável. O que avançam, todos os recorrentes, é estar em curso o procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António, pelo que a possibilidade de legalização da construção ilegal poderá vir a ocorrer no futuro. Neste momento, face ao PDM em vigor, que é o da data da prática dos atos nulos, a legalização não é possível. Mais, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade da legalização é que poderá fazer-se a ponderação inerente à proporcionalidade implicada na aplicação do art 106º, nº 2 do RJUE (cfr Fernanda Paula Oliveira e outras, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 3ª edição, pág 663).

A partir daqui, resulta claro que, nesta altura, o reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência.

Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito constituída ou declarada pela sentença exequenda. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido.

Acresce que, nem o Município nem os contrainteressados demonstram a legalização de parte da obra ilegal, por não estar implantada na zona de ocorrência dunar a salvaguardar e cumprir o índice de utilização de 0,35 e a área de superfície de pavimento de 487,53m2.

Alega o recorrente Município (conclusões Z e AA) que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão. As referidas frações estão implantadas sobre uma estrutura comum e do ponto de vista das engenharias a demolição de quase duas frações autónomas significaria um impacto muito relevante ao nível da estabilidade das demais frações.

Nota o recorrido Ministério Público que estamos, in casu, perante um conjunto habitacional com 7 frações autónomas e partes comuns (garagem em cave), pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade das construções a legalizar.

Apesar do recorrente Município ter instruído a contestação com um parecer dos seus serviços, para sustentar a impossibilidade de se optar por uma demolição parcial, documento nº 13, sem ser apresentado requerimento dirigido à legalização parcial da operação urbanística, portanto, sem prévia apresentação de novo projeto de arquitetura que contemple as construções a legalizar, ónus a cargos dos (contra)interessados, não se concebe como se pode concluir pela impossibilidade ou possibilidade (total ou parcial) de legalização da obra ilegal.

Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, em Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 2012, 3ª edição, anotação 3 ao artigo 106º do RJUE, pág 663, a legalização das operações urbanísticas, nos casos em que depende de apreciação do projeto concreto de legalização da construção, não exime que o interessado na legalização o apresente, já que a Administração não se lhe pode, em princípio, substituir.

Em boa verdade, o que os recorrentes alegam e pretendem é uma mera e hipotética legalização futura da construção do Conjunto Habitacional, na decorrência de alterações do Plano Diretor Municipal, e não adaptações do ilegal ao exigido pelo direito em vigor.

Assim sendo, de acordo com o disposto no art 173º, nº 1 do CPTA, decidiu bem a sentença recorrida, ao concluir que, por a alteração do RPDM estar em curso, o quadro normativo atualmente vigente não permite a legalização das construções ilegais, pelo que impende sobre o Município de Vila Real de Santo António a obrigação de executar o título executivo, isto é, proceder à demolição de toda a construção erigida com sustento nos atos de licenciamento declarados nulos.

Quanto aos efeitos putativos:

Com efeito, por regra, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (art 134º, nº 1 do CPA/91). A não ser que os princípios gerais da boa fé, da proteção da confiança, da proporcionalidade, associados ao decurso do tempo entre a prática dos atos declarados nulos e a impugnação judicial dos mesmos, imponham ao juiz a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes do ato nulo (art 134º, nº 3 do CPA e art 69º, nº 4 do DL nº 555/99, de 16.12 (nº 4 introduzido na redação dada ao diploma pela Lei nº 60/2007, de 4.9).

Não sendo possível legalizar a obra feita, outra via que evita a demolição é a que passa pela aplicação do regime previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA de 1991 e, hoje, no art 162º, nº 3 do CPA/2015.

Dispunha o art 134º, nº 3 do CPA de 1991:

3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulospor força do simples decurso do tempode harmonia com os princípios gerais de direito.

Dispõe o art 162º do CPA de 2015:

3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.

A possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, nos termos do artigo 134º, n º 3 do CPA/1991, tem em vista os chamados efeitos putativos dos atos nulos, bem como tem em consideração que a insusceptibilidade de produção de efeitos jurídicos pode não ter (e no direito do urbanismo, muitas vezes não tem) correspondência com a realidade a nível factual, ou seja, o ato embora nulo produziu alterações na realidade existente (por exemplo no caso de a obra estar concluída, como aqui sucede).

Contudo, a possibilidade conferida pelo artigo 134º, nº 3 do CPA/1991, de proteção de algumas situações de facto consolidadas no tempo, em homenagem aos princípios da boa-fé, da confiança e da proporcionalidade, deve ser interpretada como uma exceção ao regime regra, pelo que apenas em casos absolutamente excecionais e desde que tenha decorrido um longo período deve ser admitida a atribuição de efeitos aos atos nulos, sob pena de se tornar a exceção em regra.

Da leitura da norma do nº 3 do preceito citado resulta que a atribuição de efeitos jurídicos a situação de facto consolidada depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
i. a existência de um ato administrativo nulo;
ii. o decurso de um determinado período de tempo entre a prática do ato de licenciamento nulo e o momento em que se pretende retirar consequências do facto de ser nulo o ato que licenciou a obra;
iii. compatibilidade com os princípios gerais de direito, como sejam os princípios da boa-fé, da justiça, da proteção da confiança, da paz social, da igualdade, da realização do interesse público, da proporcionalidade.

Verificados estes pressupostos, será, então, possível a atribuição de certos efeitos jurídicos às operações urbanísticas executadas ao abrigo de licenças nulas.

Para além de manter a situação de facto consolidada, a jurisdicização consiste ainda em permitir à autoridade administrativa que praticou o ato que originou a referida situação, praticar outros atos administrativos idóneos a conservar as operações urbanísticas consolidadas, permitindo que as mesmas entrem no comércio jurídico, e tratando-as, para certos efeitos, como licenciamentos válidos.

Daqui decorre que a norma referida não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, uma vez que este não é passível de sanação jurídica, mas antes permite atribuir certos efeitos ao tempo decorrido, o que encontra o seu fundamento na necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais e depende de ter decorrido um período dilatado de temponão podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados (cfr ac do TCAS de 8.5.2014, processo nº 10.124/13).

Na situação em análise, em primeiro lugar, estamos perante atos administrativos nulos, assim declarados pelo título executivo.

A sentença exequenda foi proferida a 28.10.2009, na ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos instaurada no dia 5.3.2007, transitou em julgado a 24.4.2014 e declarou a nulidade da deliberação de 1.6.2004 (que aprovou o projeto de arquitetura para construção do Conjunto Habitacional de sete fogos), da deliberação de 28.9.2004 (que aprovou todo o projeto), do despacho de 6.12.2004 (que deferiu o pedido de licença de construção) e de todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção.

A ação declarativa foi movida pelo Ministério Público contra o Município de Vila Real de Santo António e contra as contrainteressadas ZZZZ, AA & LLLL e TTTT. (por intervenção admitida na ação a 25.3.2008).

Como refere o recorrido, na conclusão M) das contra-alegações do recurso do Município, a partir do momento em que foi proposta a ação administrativa especial de impugnação, a 5.3.2007, deixou de existir uma relação jurídica estável, em relação aos atos administrativos de licenciamento da operação urbanística em causa, que pudesse ser geradora de confiança.

Desde a prática dos atos, de 1.6.2004, de 28.9.2004 e de 6.12.2004, até à propositura da ação de impugnação judicial desses atos, em 5.3.2007, decorreram menos de três anos e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização nº ..., a 21.11.2006.

Se considerarmos o prazo de 10 anos, previsto no artigo 69º, nº 4 do DL nº 555/99, como indício especialmente relevante na aplicação do artigo 134º, nº 3 do CPA ao caso em apreço, de facto os atos de licenciamento da operação urbanística foram questionados em juízo num curto espaço de tempo, inferior a três anos em relação à aprovação do projeto de arquitetura e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização.

Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de três anos é um período insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade de situações de facto merecedoras da tutela jurídica.

Os recorrentes, incluindo o Município, discordam desta contagem do prazo, por entenderem que apenas a partir da citação nesta ação executiva os adquirentes e credores hipotecários das frações tiveram conhecimento da nulidade dos atos, portanto, volvidos mais de dez anos para efeitos de aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA.

Não lhes assiste razão.

A legalidade dos atos praticados pelo Município no procedimento de licenciamento foi questionada em tribunal a 5.3.2007, antes de ter sido vendida qualquer fração aos contrainteressados/ recorrentes e contra os que à data constavam como requerentes do licenciamento e a entidade licenciadora/ Município de Vila Real de Santo António.

Na ação administrativa especial de impugnação dos atos administrativos, de 1.6.2004, de 28.9.2004, de 6.12.2004 e dos posteriores, nem o autor, nem o Município, nem as contrainteressadas naquela ação informaram ou requereram no processo a intervenção dos adquirentes e credores hipotecários dos 7 fogos (a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008; a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data); a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014; a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX).

O Conjunto Habitacional foi construído, a propriedade horizontal foi constituída e as sete frações foram alienadas e algumas objeto de hipoteca.

As frações foram transacionadas depois da entrada em juízo da ação administrativa especial (em 5.3.2007). As frações G, A, D, E foram adquiridas no curso da ação, antes de ser proferida a sentença declarativa (que data de 28.10.2009), as frações B, F e C foram adquiridas antes do trânsito em julgado daquela sentença (ocorrido a 24.4.2014).

Neste contexto, entende-se que cabia, desde logo, a quem alienou as frações promover a intervenção processual dos sucessivos adquirentes das mesmas na ação administrativa especial, sendo que não cabia ao Tribunal promover a habilitação dos sucessivos adquirentes das frações se nada foi requerido nesta matéria.

Ainda assim, a eficácia subjetiva do caso julgado estende-se aos contrainteressados desta ação executiva, pessoas que não foram partes na ação administrativa especial mas que ficaram vinculados às consequências e aos efeitos da decisão declarativa. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC anotado, 4ª edição, vol 1, pág 135, exemplificam a situação precisamente com «o caso do adquirente da coisa ou direito litigioso na pendência da ação declarativa, sem sua subsequente intervenção no processo (art 263º, nº 3 do CPC)». Inexistindo, por isso, in casu, violação do disposto no art 33º, nº 2 do CPC e nos arts 57º e 177º, nº 1 do CPTA. Até porque, nos termos do art 177º, nº 1 do CPTA, os contrainteressados a quem a satisfação da pretensão possa prejudicar é um critério que se baseia numa apreciação casuística da situação.

Pelo exposto, na situação em apreço, entendemos, como vem decidido, não estar preenchido o pressuposto do decurso do tempo para que se aplique a previsão legal do art 134º, nº 3 do CPA.

Este pressuposto do decurso do tempo não se confunde com a qualidade dos contrainteressados, ora recorrentes, como terceiros, alheios a todo o procedimento de licenciamento e à ação administrativa especial onde se deferiu o pedido de declaração de nulidade dos atos de licenciamento. Aliás, a sentença recorrida não questionou que os contrainteressados/ recorrentes são terceiros.

Admitindo que estes terceiros desconheciam a existência do processo judicial declarativo, desconheciam a existência da declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística e que os demandados na ação declarativa não lhes deram conhecimento do litígio e da sentença proferida na ação, estaremos perante terceiros de boa fé. Pois, pelas certidões do registo predial das ditas frações não podiam os adquirentes e credores hipotecários dos imóveis saber da ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento. Como a ação não tem como finalidade o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre cada uma das sete frações autónomas não está sujeita a registo (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial).

No entanto, a boa-fé dos contrainteressados não tem a virtualidade de obstar ao cumprimento do julgado anulatório e à demolição do edificado, porquanto não é o único requisito previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA para o reconhecimento de efeitos dos atos nulos, decorrentes do decurso do tempo (ao contrário do que alegam as instituições bancárias recorrentes, o art 291º do CC, que visa a proteção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não tem aplicação às nulidades dos atos de licenciamento urbanístico de imóveis.

A este respeito, podemos ler no sumário do acórdão do STA de 9.7.2014, no processo nº 1561/13, a seguinte doutrina:

I - A atuação correta, leal e de boa fé dos intervenientes no procedimento, ignorando a violação de qualquer disposição legal, não convalidará ou não fará desaparecer ilegalidade invalidante de que enferme o ato administrativo impugnado.

II - Os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios, não se destinando a preservar ou manter na ordem jurídica um ato administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade, e, assim, impedir que o mesmo seja declarado em processo judicial deduzido com tal objetivo.

O que significa que a boa fé dos adquirentes/ proprietários e credores hipotecários das frações não justifica por si só que os seus direitos de propriedade fiquem salvaguardados pelo reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos.

A decisão recorrida, no caso concreto, num juízo de proporcionalidade, fez prevalecer os interesses de ordem pública, em matéria de urbanismo e de ordenamento do território, sobre a pretensão dos contrainteressados na manutenção e utilização das construções ilegais. O que é bem diferente da interpretação que dela fizeram os recorrentes OO e PP, quando, na conclusão 23, alegam que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido que o tribunal lhe conferiu, de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional. A sentença não diz isto nem afastou a aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA em matéria urbanística. A decisão em crise segue, no fundo, a regra no âmbito do licenciamento urbanístico, de que não há lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos, porque o direito de propriedade e o jus aedificandi, não sendo direitos absolutos, cedem por razões relacionadas com a proteção do ordenamento do território, da integridade ambiental ou paisagística da zona em questão.

Na verdade, o terreno onde foi implantada a construção tem uma faixa a sul, com 1077,06m2 de área que se encontra inserida no regime transitório da REN e, segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve, é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar. E se é certo que a operação urbanística foi implantada sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar, no entanto excedeu o índice de utilização e o valor de superfície de pavimento permitidos pelo ... em vigor para o local.

Ora, como defende o recorrido, um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a atos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível - art 134º do CPA – sendo que, no caso vertente, há ainda que atender ao interesse público na reposição e manutenção da legalidade que não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem um índice de utilização de 0,3726 e uma área de superfície de pavimento de 920,43m2, superior ao permitido pelo RPDM de Vila Real de Santo António, de 0,35 e de 487,53m2. Diminuindo deste modo, com as 7 frações edificadas contra as normas do PDM, designadamente, o terreno que devia ser utilizado para a instalação de equipamentos recreativos e de zonas verdes (cfr art 50º, nº 2, al c) do .../92).

Admitir in casu a legalidade dos atos nulos, a reboque da produção de efeitos putativos, seria admitir uma verdadeira sanação dos atos de licenciamento nulos, em benefício de quem (requerentes do licenciamento e entidade licenciadora) foi responsável pelas ilegalidades geradoras dessa mesma nulidade e omitiu aos contrainteressados, ora recorrentes, a existência da impugnação judicial do licenciamento da construção do Conjunto Habitacional aquando da transmissão da propriedade das frações.

Entende-se, também, de referir que a análise e decisão sobre a presente matéria não põe em causa as garantias hipotecárias que inclusivamente os contrainteressados DDDD e XXXX detêm sobre as frações B, D, E, F e G dos autos, pelo que não têm que ser chamados à colação os efeitos putativos da nulidade dos atos de licenciamento. As garantias hipotecárias não se extinguem com a demolição das construções ilegais, uma vez que subsiste o lote do terreno onde estão erigidas. A eventual diminuição das garantias dos credores, não vem concretizada com factos, mas não é, por si só, razão que obste ao decidido. O mesmo sucede, como bem nota o recorrido, com o eventual prejuízo, não densificado com factos, para os proprietários das frações.

Os artigos 173º e 179º do CPTA têm sempre a ver com a reposição efetiva da legalidade administrativa, mesmo nos casos previstos nos artigos 102º e segs do DL nº 555/99, maxime no artigo 106º. Assim, existia e persiste o dever de a entidade administrativa/ Município de Vila Real de Santo António reconstituir a situação que existiria atualmente sem o ato inválido.

Como já se disse, não ficou demonstrado, por parte dos recorrentes, que esta obra é atualmente legalizável face ao ... em vigor (de 1992), mas resulta provado que quando os contrainteressados/ recorrentes adquiriam as frações e foram constituídas as hipotecas já os atos de licenciamento tinham sido impugnados em juízo com fundamento em violação de norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, vindo a ser declarados nulos ao abrigo do artigo 68º, al a) do DL nº 555/99. Este fundamento de nulidade – violação do disposto no art 50º, nº 1, al a) do ..., atento o «bem» por ele protegido, e que respeita ao correto ordenamento do território nacional, mantém-se enquanto se mantiverem as regras cuja violação o ditou.

O que significa que a declaração de nulidade proferida no título executivo continua atual, sendo de aplicar a lei vigente à data da apreciação urbanística.

A demolição, enquanto ato de execução coerciva da sentença declarativa, deve suportar-se no regime jurídico vigente à data da sua determinação, pois é nessa data que se têm de verificar os requisitos que a habilitam, não fazendo qualquer sentido reportá-la a normas futuras e incertas, que não estão aprovadas nem em vigor.

E, como salienta o Ministério Público (recorrido), o Estado tem a obrigação constitucional de assegurar um correto ordenamento do território e de salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado - cfr. arts 9º, al e) e 66º, nº 1 da CRP.

Tais obrigações e interesses não podem ser afastados pela onerosidade financeira da execução do julgado para o Município, decorrente da demolição do Conjunto Habitacional, nem pelo direito de propriedade e garantias hipotecárias dos contrainteressados adquiridos quando já estava instaurada ação administrativa especial de impugnação dos atos de licenciamento.

Em suma, à luz do princípio da proporcionalidade, não sendo possível a reposição da legalidade urbanística, in casu, por meio da legalização, nem a atribuição de efeitos putativos aos atos nulos, face à inexistência de situações de facto consolidadas por um período de tempo bastante e razoável e face à superioridade do interesse público a tutelar no caso concreto, cumpre dar execução à sentença anulatória dos atos administrativos, consiste na cassação do alvará de licença de construção nº ... e do alvará de utilização nº ... e na demolição do Conjunto Habitacional.

Prazo para cumprir a execução:

O recorrente Município «queixa-se» ainda do prazo manifestamente insuficiente de 90 dias úteis fixado pela sentença recorrida para o restabelecimento da situação existente antes da prática dos atos nulos, quer para a legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, quer para a demolição das frações. De onde conclui que a fixação deste prazo viola o princípio da proporcionalidade e o subprincípio da necessidade, carecendo da razoabilidade imposta no art 179º, nº 1 do CPTA.

A sentença exequenda transitou em julgado a 23.5.2014.

O Município não invocou a ocorrência de causa legítima de inexecução nem cumpriu o dever de executar a sentença declarativa, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, como lhe impunha a norma do art 175º, nº 1 e nº 2 do CPTA.

Por este motivo foi requerida a 11.2.2015 a execução do julgado, nos termos do art 176º do CPTA.

Só com a citação para os termos da ação executiva o Município vem invocar, na contestação (apresentada a 24.3.2015), causas legítimas de inexecução – art 177º do CPTA.

Julgadas improcedentes as causas de inexecução invocadas foi fixado o prazo de 90 dias úteis para o Município cassar o alvará de licença de construção e o alvará de licença de utilização das habitações, demolir todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ..., repor o solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo.

Consideramos neste ponto assistir razão ao recorrente Município.

O reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe, neste momento, uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência.

Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito declarada pela sentença. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido.

No entanto, com referência à situação de facto existente, a consideração da matéria alternativa sustentada pelo recorrente Município, e também pelos contrainteressados recorrentes, de estar em curso uma alteração do ..., para legalizar o Conjunto Habitacional dos 7 fogos, impõe que se aponte que, apesar de se entender que deverá ser ordenada a demolição da construção, nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto se poder vir, mais tarde, a extinguir, por alteração superveniente das circunstâncias, de facto ou de direito, designadamente se entretanto se proceder à legalização do edificado.

Conforme escreve Fernanda Paula Oliveira, em Nulidades Urbanísticas, Casos e Coisas, Almedina, pág. 112 «(…)ainda que um tribunal ordene, sem mais, que a Administração proceda à demolição de operações urbanísticas ao abrigo de ato nulo…nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto vir, mais tarde a extinguir-se, por alteração superveniente das circunstâncias de direito, designadamente pela alteração da norma do plano violado que passe a admitir aquela operação».

Neste contexto, e em face da factualidade apurada nos autos, e procurando dar expressão a tudo quanto ficou exposto, temos para nós que, à luz do que se mostra apurado em termos da matéria de facto, do decidido com trânsito em julgado e do disposto nos arts173º, nº 1 e 2, 176º, 179º, nº 1 do CPTA, os atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que existia à data do ato ilegal reconduz-se à tomada dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal – Conjunto Habitacional, precedida do despejo de cada uma e de todas as frações, operação essa a levar a cabo no prazo máximo de 24 meses (como pretendido pelo recorrente Município).

Considerando que as sete frações autónomas visadas no título executivo têm fim habitacional, têm sobre si constituídas hipotecas (com exceção das frações A e C), alguns dos contrainteressados são estrangeiros e têm morada fora do nosso país, e, ainda, em função da natureza da obra a desenvolver e os procedimentos inerentes à mesma, julgamos adequado o prazo de 24 meses/ 2 anos para concretização dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data.

Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 179º, nº 1 do CPTA e à aplicação do princípio da proporcionalidade, quando fixou em 3 meses (90 dias úteis) o prazo para ser restabelecida a situação existente antes dos atos declarados nulos. No mais alegado improcedem os erros de julgamento de direito imputados à sentença recorrida.

Decisão

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subseção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. negar provimento aos recursos dos contrainteressados;
ii. conceder parcial provimento ao recurso do Município de Vila Real de Santo António,
iii. revogar a sentença recorrida na parte em que fixou o prazo para cumprir a execução em 90 dias úteis,
iv. fixar em 24 meses o prazo para concretização dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data.

Custas nos recursos dos contrainteressados: a cargo dos recorrentes contrainteressados.

Custas do recurso do Município: a cargo do recorrente, na proporção de 2/3, estando o recorrido isento do pagamento das custas devidas na parte em que decaiu.

Notifique.

*

Lisboa, 2025-05-15,

(Alda Nunes)

(Marta Cavaleira)

(Ana Lameira).



1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

O Ministério Público junto do TAF de Loulé propôs execução de sentença de anulação de atos administrativos contra o Município de Vila Real de Santo António e contra os contrainteressados (1) ZZZZ, (2) AA & LLLL, (3) TTTT, (4) CC, (5) DD, (6) EE, (7) XXXX, (8) RRRR, (9) FF, (10) GG, (11) HH, (12) II, (13) JJ e (14) KK, pedindo:
a. a cassação do alvará de licença de construção nº ...;
b. a demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ...;
c. a reposição do solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo pela decisão proferida na ação administrativa especial 131/07.6BELLE.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença de 28.10.2016, julgou procedente a execução e, em consequência, condenou o Executado, no prazo de 90 dias úteis, a:

i. Cassação do alvará de licença de construção n.º ... e do Alvará de utilização das habitações;

ii. Demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção n.º ...;

iii. Na reposição do solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo pela decisão proferida na ação administrativa especial n.º 131/07.6BELLE.

Condenou o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, em sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional, aplicável após o decurso do prazo de 90 dias úteis para execução voluntária do julgado e até à execução integral do mesmo julgado.

O XXXX apresentou reclamação para a conferência da sentença proferida.

A contrainteressada EE veio ao processo requerer a suspensão da execução da sentença até à entrada em vigor da alteração do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António.

O executado Município de Vila Real de Santo António interpôs recurso jurisdicional da sentença executiva. Nas alegações do recurso, o executado, ora recorrente, formulou as seguintes conclusões:
A. O recurso jurisdicional agora interposto, incide sobre a sentença executiva proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 28.10.2016, nos termos da qual se decidiu condenar a Recorrente a, no prazo de 90 dias úteis, (i) cassar o alvará de licença de construção n.º 115/2015 e o alvará de utilização das habitações, (ii) demolir todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento da construção n.º ...; e (iii) repor o solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo. Mais se condenou o Sr. Presidente da Câmara em sanção pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo nacional, aplicável após o decurso do prazo de 90 dias úteis para execução voluntária do julgado e até à execução integral do mesmo julgado.
B. A sentença em apreço visou a execução do julgado no âmbito da ação administrativa especial que correu termos sob o Processo n.º 131/07.6BELLE, nos termos da qual se decidiu declarar a nulidade dos atos administrativos praticados no âmbito do Processo de Licenciamento de Construção n.º ... – respeitantes à construção de um Conjunto Habitacional de sete fogos –, os quais se considerou terem violado o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 50.º do Regulamento do PDM, especificamente, o índice de utilização bruto daí constante. Tal situação decorreu da circunstância de se ter aplicado aquele índice de utilização bruto à área total do prédio, a qual está integrada (em 70%) em Zona Turística de Expansão e (em 30%) em Reserva Ecológica/Zona de Proteção de Grau I; considerou o Tribunal que a aplicação do índice deveria ter ocorrido por referência unicamente à área que integrada em Zona Turística de Expansão e não à área integrada em REN.
C. A sentença recorrida padece de nulidade por diversas omissões de pronúncia [nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do art. 140.º do CPTA], uma vez que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado e que não se encontram prejudicadas pela apreciação de outras.
D. A sentença recorrida não se pronunciou – como devia – sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto, mormente pelo facto de ser possível a legalização da quase totalidade do Conjunto Habitacional, o qual não se localiza em REN (todo ele está em Zona Turística de Expansão). Foi a própria sentença que assumiu ser necessário apurar “se o princípio da proporcionalidade impede o Executado de proceder à demolição do Conjunto Habitacional”. Porém, não o fez, nada dizendo sobre o mesmo (de facto e/ou de direito).
a. O tema da proporcionalidade foi alegado pelo Recorrente, em especial, nos arts. 79.º a 98.º da sua Contestação, onde se defendeu que este princípio constitucional (ainda mais se cruzado com o princípio da propriedade privada e com o princípio da segurança e da confiança jurídica) impedia o Recorrente de proceder à demolição de todo o Conjunto Habitacional erigido ao abrigo dos atos administrativos declarados nulos e à reposição do solo no estado em que o mesmo se encontrava antes de tais construções, atentas as particularidades do caso concreto.
b. Tendo em consideração a existência concreta de terceiros de boa fé e o facto de o Conjunto Habitacional não se encontrar implantado em REN (o Conjunto Habitacional está, todo ele, em Zona Turística de Expansão), encontrava-se em curso o processo de revisão do PDM, no âmbito do qual o Recorrente ponderava a inserção de uma norma que fundamentasse a legalização de situações como a do caso concreto.
c. Tendo em consideração os índices urbanísticos constantes do PDM em vigor, pelo menos a legalização de parte – a maioria – do Conjunto Habitacional era suscetível de imediata legalização.
d. A aplicação dos índices urbanísticos em vigor apenas obrigava à demolição de 1,83 frações autónomas; inexistem critérios subjetivos e/ou objetivos que permitissem ao Recorrente (ou ao Tribunal) definir quais das sete frações autónomas deveriam ser demolidas, as quais se encontram na mesma situação de facto e de direito.
e. Na sentença, o princípio da proporcionalidade não é ponderado em nenhuma das suas dimensões: seja quando se aborda o tema da existência de terceiros de boa fé, seja quando se menciona o tema da eventual legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, seja quando se calcula um prazo de execução.
f. Ao não se pronunciar sobre a aplicação concreta do princípio da proporcionalidade, a sentença recorrida padece de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º do CPTA, se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria, objeto do presente recurso).
g. Caso não se entenda ser este um caso de nulidade por omissão de pronúncia, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se pondera, a inaplicabilidade ao caso concreto do princípio da proporcionalidade – em especial, nos cenários da consideração da existência de terceiros de boa-fé, da ponderação do binómio legalização / demolição (total ou parcial) e, bem assim, do apuramento de um prazo de execução – consubstanciará um erro de julgamento que, em sede do presente recurso, se requer que seja corrigido.
E. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de a propriedade horizontal ter sido constituída sobre o Conjunto Habitacional (alegado nos artigos 14.º e 15.º da Contestação).
a. Este facto ficou provado através do documento 2 junto à Contestação do Recorrente, o qual corresponde à certidão emitida pelo Recorrente em 14.01.2005, que atesta que “o prédio reúne os requisitos legais previstos no artigo 1415.º do Código Civil para ser constituído em Regime de Propriedade Horizontal, sendo composto por cave mais dois pisos e sete frações individualizadas com as letras A a G, destinadas a habitação, as quais constituem unidades independentes distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública (…)”. Resulta igualmente demonstrado através dos documentos 3 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam certidões do registo predial das frações autónomas constituídas e respetivas cadernetas prediais dessas mesmas frações.
b. A constituição da propriedade horizontal, em 2006, de onde resultaram sete frações autónomas destinadas a habitação será de primacial importância para que se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
c. Ao não considerar os aludidos factos, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria.
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Sobre o Conjunto Habitacional, o Município de Vila Real de Santo António, emitiu certidão para efeitos de constituição de propriedade horizontal, da qual resultariam sete frações autónomas individualizadas com as letras A a G, destinadas a habitação, com estacionamento comum em cave, a qual foi constituída e averbada na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António através da ... do prédio registado sob o número ..., da freguesia de [LOCAL]”.
F. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de todas as frações autónomas terem sido transmitidas a terceiros e de sobre algumas terem sido constituídas hipotecas (factos alegados nos artigos 16.º e 17.º da Contestação).
a. O alegado é provado através dos documentos 4 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam as certidões de registo predial das frações autónomas e respetivas cadernetas prediais.
b. O facto de as frações autónomas terem sido vendidas a terceiros e objeto de constituição de hipotecas é essencial para que se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
c. Ao não considerar os aludidos factos, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Todas as frações autónomas constituídas foram objeto de venda a terceiros e, nalguns casos, objeto de hipoteca; a Fração A pertence a CC e DD (por aquisição registada em 28.01.2008); a Fração B pertence a EE (por aquisição registada em 05.11.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data); a Fração C pertence ao RRRR (por execução de LL registada em 21.05.2014); a Fração D pertence a FF (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E pertence a GG (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F pertence a HH e II (por aquisição ao RRRR, registada em 06.02.2014) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); e a [FRAÇÃO] pertence a JJ e KK (por compra a MM, registada em 16.03.2007) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data).”
G. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de ter sido emitida autorização de utilização para o Conjunto Habitacional [facto alegado no artigo 27.º, alínea (iv) da Contestação].
a. Este facto foi provado através do documento 11 junto com a Contestação, o qual corresponde ao Alvará de Licença de Utilização n.º ..., datado de 21.11.2006, emitido no âmbito do Processo n.º ..., no seguimento do despacho de 16.11.2006, em nome da sociedade TTTT, respeitante a sete fogos com a tipologia T3, destinados a habitação.
b. O facto de ter sido emitida, em 2006, licença de utilização para fins habitacionais sobre as sete frações autónomas e em nome da sociedade TTTT
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Por despacho de 16.11.2006, foi emitida em nome da sociedade TTTT, autorização de utilização para habitação, para o Conjunto Habitacional”.
H. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de existirem no caso concreto terceiros alheios ao processo de licenciamento de construção, ao processo de licenciamento de utilização e à ação administrativa que declarou a nulidade do licenciamento da construção [facto alegado no artigo 27.º, alíneas (v) a (viii) da Contestação).
a. Na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo é feita referência aos contrainteressados, como tendo sido quem requereu o licenciamento do conjunto habitacional de 7 fogos [Facto A)] e quem requereu a emissão do alvará de licença de construção a que respeita o Processo de Obras n.º ... [Facto I)]. Tais factos não podem ser imputados a todos os contrainteressados tal como assim considerados em sede executiva.
b. Conforme resulta dos documentos 1 a 4 juntos aos autos na petição inicial apresentada pelo Ministério Público no âmbito da ação administrativa declarativa e do Processo Administrativo – e como se retira de modo indireto do Facto K) da Matéria Assente –, o processo de licenciamento foi tramitado em nome da sociedade ZZZZ, a qual cedeu, em 15.02.2005, à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL], tendo sido em nome desta última sociedade e de NN que, em 31.05.2005 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º ... – o qual foi junto aos autos pelo Ministério Público como documento 9 daquela petição inicial.
c. Foi em nome da sociedade TTTT que foi emitido o Alvará de Licença de Utilização do Conjunto Habitacional.
d. Conforme aceite pelas Partes e pelo Tribunal a quo no âmbito do processo executivo, de cuja sentença se recorre, no âmbito da ação declarativa, apenas foram notificadas, como sociedades contrainteressadas, a ZZZZ, AA & NN, Lda. e TTTT
e. Os novos contrainteressados da ação executiva de cuja sentença se recorre – ou seja, os terceiros adquirentes das frações autónomas constituídas e as entidades bancárias que constituíram hipotecas sobre as mesmas – não participaram/intervieram (i) no processo de licenciamento da construção do Conjunto Habitacional, (ii) no processo de licenciamento da utilização do Conjunto Habitacional e (iii) na ação administrativa que julgou nulos os atos administrativos que licenciaram este Conjunto Habitacional.
f. Estes factos são primordiais para que se possa compreender e ponderar devidamente a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
g. Ao não considerar estes factos, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
h. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Os terceiros a quem foram vendidas as frações autónomas e que constituíram hipotecas sobre as mesmas não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção, no processo de licenciamento da utilização e na ação administrativa especial que declarou a nulidade do licenciamento da construção”.
I. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de a ação administrativa não se encontrar registada na Conservatória do Registo Predial [alegado no artigo 27.º, alínea (ix) da Contestação].
a. Este facto resulta provado do documento 3 junto com a Contestação do Recorrente, o qual consubstancia certidões do registo predial genérica e das sete frações autónomas constituídas, donde não consta qualquer referência ao registo da ação administrativa.
b. Para efeitos de consideração e ponderação da existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença, era essencial dar como provado que a ação administrativa especial não foi objeto de registo na Conservatória do Registo Predial.
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria.
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Nunca foi registado ou averbado na descrição do registo predial do prédio a que corresponde o Conjunto Habitacional o facto do Ministério Público ter intentado uma ação administrativa especial tendo por objeto a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da construção do Conjunto Habitacional.”
J. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de a demolição do Conjunto Habitacional colocar em causa a estabilidade do locado [alegado nos artigos 28.º, alínea (iii), 100.º a 103.º da Contestação].
a. Este facto foi provado através do documento n.º 13 junto com a Contestação do Recorrente, o qual corresponde a uma Informação datada de 24.03.2015, donde consta um Parecer sobre a eventual demolição parcial do Conjunto Habitacional.
b. Para efeitos de consideração da existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional, era essencial que o Tribunal tivesse abordado o facto de a demolição parcial do Conjunto Habitacional ter um impacto na estabilidade do restante Conjunto Habitacional.
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “Por questões que se prendem com a estabilidade do edificado, a demolição parcial do Conjunto edificado não é possível e/ou segura, sendo que, a demolição da quase totalidade de uma (0,83) inviabiliza de facto a fração habitacional enquanto tal”.
K. A sentença recorrida não se pronunciou sobre o facto de o Conjunto Habitacional estar implantado em Zona Turística de Expansão e não em REN [alegado nos artigos 28.º, alínea (iv), 43.º, 93.º e 105.º da Contestação].
a. O alegado resulta provado do documento n.º 6 junto com a Petição Inicial apresentada pelo Recorrido na ação administrativa especial – citado no Facto D) da Matéria de Facto Assente –, nunca tendo sido contestado por este. Encontra-se também do documento n.º 1 junto com a sua Contestação – o qual corresponde a um extrato da Planta de Síntese de Uso do Solo n.º 2.5 e 2.7 do PDM de Vila Real de Santo António e, bem assim, dos documentos que integram o Processo Administrativo.
b. Para efeitos de consideração da existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional e adequada ponderação e aplicação do princípio da proporcionalidade do caso concreto, era essencial que o Tribunal tivesse abordado o facto de o Conjunto Habitacional não se encontrar implantado em REN.
c. Ao não considerar este facto, a sentença recorrida padece, neste ponto, de uma nulidade por omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte do Código de Processo Civil], nulidade essa que, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil se requer que seja reconhecida e suprida por este Tribunal (através do conhecimento desta matéria).
d. Caso assim não se entenda, a ausência de decisão sobre esta factualidade consubstanciará um erro de julgamento cuja correção se requer dando-se, em qualquer caso, por provado que “O Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN, estando, todo ele, em Zona Turística de Expansão”.
L. Em qualquer caso, a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento – desde logo e em geral por ter considerado inexistirem, em concreto, causas legítimas de inexecução – que, pelo presente recurso jurisdicional, urge sanar.
M. A sentença padece de erro de julgamento porquanto não considerou existirem impedimentos legais e de facto à execução mediante a demolição do Conjunto Habitacional.
N. O Tribunal errou ao considerar que não é garantida nem exequível a legalização das construções por força da revisão do PDM em curso, pois o quadro normativo vigente não permitia a legalização do Conjunto Habitacional referido. Errou igualmente quando considerou que o Município de Vila Real de Santo António não demonstrou que procedeu a um qualquer juízo de suscetibilidade de legalização das construções em causa (concluindo que “face à insusceptibilidade de legalização das construções, a demolição atingirá todas as construções que tiveram por base os atos declarados judicialmente nulos, e, por isso, não caberá ao Executado optar por quais as construções a demolir, conforme alegou”).
O. No caso concreto, contrariamente ao concluído pela sentença recorrida, é possível proceder à legalização do edificado.
P. Releva considerar um facto superveniente relevante e com influência no conteúdo da situação controvertida: o facto de a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, na sua reunião de 30.08.2016, ter deliberado aprovar a realização da alteração ao PDM, “no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos, situado na [LOCAL] (processo ...), e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé – Serviços do Ministério Público. (…) prevendo-se um prazo indicativo de 14 meses para a conclusão deste procedimento.” – cfr. Aviso n.º ..., publicado no Diário da República, 2.ª Série – N.º ... -, de 9 de Setembro de 2016 – documento que se juntou.
Q. O Recorrente optou por um processo de alteração do PDM devido à morosidade que está associada ao processo de revisão do PDM – e que impedia a legalização da totalidade do Conjunto Habitacional – e à urgência de proceder, de facto, à legalização total (e não meramente parcial) do Conjunto Habitacional.
R. Tendo decorrido o período de participação preventiva publicitado, o Recorrente, em 21.10.2016, remeteu à CCDR Algarve – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve ofício a solicitar o agendamento de uma reunião de acompanhamento – documento que se juntou.
S. O Recorrente está a tramitar de modo célere o processo de alteração, no sentido de poder cumprir a sentença proferida em primeira instância através da reposição da legalidade jurídica violada, o que ocorrerá mediante a emissão de novos atos administrativos de licenciamento das edificações (ou da reforma dos atos praticados) e não pela demolição de edificações localizadas em Zona Turística de Expansão.
T. Dos autos já constavam dados/factos suficientes para que o Tribunal a quo tivesse admitido que, ainda que todo o Conjunto Habitacional não fosse imediatamente legalizável, pelo menos a sua maioria era.
U. A jurisprudência dos tribunais tem vindo a evidenciar uma tendência para se considerar que a execução de uma demolição – e muito menos a demolição total – não constitui uma atuação necessária/obrigatória em sede de reconstituição da situação que existiria se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado, antes se impondo ao julgador, no plano da execução, que preste atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada por esse ato nulo. A demolição é “a última das últimas” das medidas de tutela urbanística.
V. A Administração – e não os Tribunais, que apenas podem aferir dessa possibilidade em sede executiva e quando se verifique um hipotético grau zero de discricionariedade (o que não é o que sucede no caso concreto) – tem o dever jurídico de, em momento prévio à determinação de uma demolição, aferir da possibilidade de legalização do edificado, só podendo acionar tal operação faticamente destrutiva quando for possível concluir, com total segurança, que tal legalização não é possível. É isso que tem feito o Recorrente.
W. No caso concreto, o Recorrente ponderou a possibilidade de (i) legalizar, de imediato, a quase totalidade do Conjunto Habitacional, tendo concluído que tal é possível [aplicando-se o índice de utilização bruto atualmente constante do Regulamento do PDM, à área do prédio que se integra em Zona Turística de Expansão (excluindo, portanto, a área deste que se insere em REN), conclui-se que somente cerca de 240 m2 (dos 920,43 m2 aprovados) não são suscetíveis de ser construídos; isto significa que, das sete frações autónomas edificadas e adquiridas por terceiros, apenas 1,83 frações (ou seja, menos de duas) não são suscetíveis de legalização imediata] e (ii) legalizar, no seguimento de uma alteração ao PDM que se estima demorar 14 meses a contar de Agosto de 2016, a totalidade do Conjunto Habitacional, tendo concluído que tal é possível, porquanto todas as edificações não estão em REN e não se anteveem motivos que impeçam o acolhimento de uma norma que viabilize a legalização das moradias.
X. Porque se pretende a salvaguarda de diversos terceiros de boa-fé que não tiveram intervenção nos processos de licenciamento em que foram emitidos os atos cuja nulidade foi declarada (e que igualmente não intervieram ou conheceram a ação administrativa que concluiu com tal declaração) e também por consideração do princípio da proporcionalidade que foi manifestamente esquecido pelo Tribunal a quo, o Recorrente concluiu não ter base legal para proceder à demolição total ou parcial das frações autónomas.
Y. Mal andou a decisão do Tribunal a quo quando ordenou que se procedesse à demolição da totalidade do Conjunto Habitacional (ainda mais sem uma articulação com uma solução menos drástica, como seja, por exemplo, a fixação de um prazo razoável para a efetivação da legalização, sob pena de concretização da dita demolição). Foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da justiça. Verifica-se assim que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por manifesta violação do artigo 106.º, n.º 2 (primeira parte) do RJUE, dos artigos 179.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2, ambos do CPTA, assim como dos artigos 2.º e 111.º da CRP.
Z. O Tribunal a quo desconsiderou a existência de um outro impedimento legal / de facto (o qual consubstancia igualmente uma causa legítima de inexecução): a impossibilidade de se optar pela demolição de umas frações em detrimento de outras.
AA. As frações autónomas em apreço estão implantadas sobre uma estrutura comum que é uma garagem em cave. Do ponto de vista das engenharias, a demolição de (quase) duas frações autónomas significaria um impacto muito relevante ao nível da estabilidade das demais frações autónomas, o qual poderia pôr em risco a segurança das pessoas que habitam essas outras frações autónomas. Tendo em consideração que a área suscetível de legalização imediata apenas poderia justificar a demolição de quase duas frações autónomas (na verdade, 1,83!), não é objetivamente viável demolir a quase totalidade da segunda edificação (que, ficando com apenas cerca de 20 m2, deixaria de servir os fins para que foi erigida e, principalmente, os fins para que foi adquirida por terceiros de boa fé).
AB. Os impedimentos apontados são densificados pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão e todas resultando do mesmo ato de licenciamento (entretanto declarado nulo).
AC. Sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade, não pode o Recorrente (ou o Tribunal) optar pela demolição de uma fração autónoma em detrimento de outra, sendo que esta conclusão não pode legitimar uma decisão que mande demolir a totalidade do Conjunto Habitacional. As situações de facto são iguais, não justificando um qualquer tratamento diferenciado. Estando-se perante frações autónomas que não se encontram implantadas em REN e que, na quase sua totalidade (excecionando-se 1,83), poderiam ser legalizadas ao abrigo do PDM em vigor, não se poderia optar por “cortar o mal pela raiz”, eliminando da ordem jurídica sete frações autónomas, das quais, amanhã, 5,17 poderiam voltar a ser construídas.
AD. A sentença recorrida padece igualmente de erro de julgamento na medida em que não considerou existirem efeitos putativos a reconhecer e adquirentes de boa fé (beneficiários dos mesmos).
AE. Os terceiros adquirentes das frações autónomas constituídas no Conjunto Habitacional não foram parte nos processos de licenciamento da construção e da utilização, assim como não foram partes na ação administrativa especial que declarou a nulidade dos atos administrativos, a qual, por sua vez, não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial. Estes os terceiros adquirentes de frações autónomas beneficiaram de uma situação de facto que davam como legal e estável durante muito mais de três anos.
AF. Para efeitos de verificação, em concreto, dos efeitos putativos, e tendo em conta as especificidades dos atos de gestão urbanística, importa fazer uma análise detida do(s) ato(s) em causa, de modo a que seja possível aferir o grau efetivo de gravidade em presença, vislumbrando-se amiúde nulidades contingentes ou acidentais que, por razões elementares de justiça e de segurança jurídica, não deverão levar à demolição, pura e simples, da operação urbanística em causa (e à consequente reposição do terreno no estado em que o mesmo se encontrava previamente). Em causa está um autêntico poder-dever atribuído ao juiz, cujo exercício, aquando da declaração de nulidade de atos administrativos, depende da verificação de certos pressupostos. No caso concreto, este poder-dever não foi exercido.
AG. Em primeiro lugar, é necessário que se esteja perante um ato administrativo ferido de vício de nulidade. Tal sucede no caso concreto. Em segundo lugar, é necessário ter ocorrido o decurso do tempo para que a situação de facto se consolide na ordem jurídica.
AH. Contrariamente ao julgado pelo Tribunal a quo, também isto se verificou no caso em análise. Por fim, deve ocorrer uma relação de perfeita compatibilidade com os princípios gerais de direito, não podendo o particular beneficiar da consolidação da situação de facto quando a sua conduta revele má-fé ou dolo. Também isto sucedeu.

Tendo em conta que no caso sob sindicância os terceiros adquirentes de frações autónomas não foram partes dos processos de licenciamento da construção e/ou da utilização, não foram partes na ação declarativa que antecedeu a execução de cuja sentença se recorre e não tinham como saber, através dos documentos oficiais do imóvel, da ação em curso, não se vê como não concluir pela boa fé dos mesmos. Atendendo aos princípios constitucionais da justiça, da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP), deveria o Tribunal a quo ter reconhecido a existência destes terceiros de boa fé (titulares legítimos de direitos adquiridos). Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé, constitucionalmente consagrado no art. 62.º da CRP e o qual constitui um direito fundamental, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, em face do estatuído no art. 17.º da CRP. Esta situação agrava-se pelo facto de, após o licenciamento da construção, ter sido licenciada a utilização do edificado através de ato administrativo não sindicado judicialmente, e, bem assim, a execução de uma putativa ordem de demolição das frações autónomas adquiridas ser sinónimo, a final, de uma real ablação do direito de propriedade desses terceiros. A isto acresce o facto de a não demolição do Conjunto Habitacional edificado não acarretaria qualquer prejuízo relevante para o interesse público (o Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN).
AI. A adequada tutela dos interesses jurídicos em presença deverá levar a que sejam reconhecidos os efeitos putativos produzidos pelos atos em causa, no sentido de salvaguarda do existente, já que, entre a data da prática dos atos em causa (01.06.2004, 28.09.2004 e 06.12.2004, no que diz respeito ao licenciamento da construção do Conjunto Habitacional) e o momento em que os contrainteressados conheceram a situação (ou seja, da citação da ação executiva - data em que se “pretende retirar consequências da nulidade”), decorreram mais de dez anos (e não três anos, conforme quer fazer crer o Tribunal a quo). Os lapsos de tempo ocorridos são suficientes para efeitos de reconhecimento de efeitos putativos, devendo tal requisito, de cariz temporal, ser dado como preenchido.
AJ. Verifica-se uma adequada compatibilização com os princípios da prossecução do interesse público, da boa fé dos particulares envolvidos, em conjugação com os princípios da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade, a qual impede que sejam adotadas medidas que (i) não sejam idóneas à consecução do fim público proclamado – precisamente porque este não resulta potenciado ou prejudicado pela adoção da medida – (princípio da adequação); (ii) não sejam necessárias à satisfação do interesse público a elas subjacente, podendo ser substituídas por medidas menos restritivas da esfera jurídica dos particulares (princípio da necessidade); e (iii) mesmo que necessárias à satisfação daquela finalidade pública, impliquem um agravamento excessivo da posição jurídica dos particulares afetados (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
AK. Qualquer que seja o nível de análise em que nos situemos – portanto, qualquer que seja o teste de aplicação do princípio da proporcionalidade –, conclui-se pela desproporcionalidade de uma declaração de nulidade dos atos impugnados sem reconhecimento de efeitos putativos em prol dos diversos terceiros de boa fé (que despenderam montantes para proceder à aquisição das frações autónomas em causa e, bem assim, para pagarem os impostos devidos, nas quais, inclusivamente, habitam; tanto mais quando estamos perante habitações que se localizam, não em REN, mas em Zona Turística de Expansão).
AL. Mal andou o Tribunal a quo quando optou por aplicar calcular como prazo relevante para apuramento dos efeitos putativos a considerar no caso concreto o prazo de três anos e, bem assim, a desconsiderar, de todo, os requisitos de aplicação ao caso dos efeitos putativos, testando a sua aplicação em concreto – mormente, no que respeita ao princípio da proporcionalidade que olvidou por completo. Também por aqui a sentença recorrida padece de vício de erro de julgamento decorrente da violação da previsão de inexecução lícita, constante do artigo 163.º, n.º 1 do CPTA, devendo ser revogada e substituída por outra que reconheça a existência de causa legítima de inexecução para os devidos efeitos legais.
AM. O mesmo sucede por não ter considerado os prejuízos financeiros para o interesse público, decorrentes da demolição do Conjunto Habitacional. Tendo em consideração o valor total a despender pelo Recorrente no âmbito da ação executiva, associado ao facto do conhecimento público de que o mesmo se encontra numa muito débil situação financeira, o Recorrente não antevê como poderia fazer face às despesas, mormente as da putativa demolição, que, a ocorrerem, sempre colocariam em risco o cumprimento de outras responsabilidades já assumidas. Assim e tendo em conta o que vem dito sobre a não existência de um prejuízo maior decorrente da não demolição de construções que se encontram implantadas na sua totalidade em zona ambientalmente não sensível e apta a construção, deveria o Tribunal a quo ter considerado estar-se perante uma situação que legitima a não execução da sentença, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 163.º do CPTA. Ao não o fazer, incorreu, mais uma vez, em erro de julgamento.
AN. Por fim, a sentença recorrida padece de erro de julgamento decorrente de determinação de um prazo ilegal para a execução. O prazo de 90 dias fixado pela sentença recorrida é manifestamente insuficiente quer para a legalização do Conjunto Habitacional, seja na sua totalidade, seja parcialmente – sendo que, neste caso, imperaria que o Tribunal indicasse quais os critérios a aplicar para apuramento de quais as frações autónomas a demolir -, quer até – e aqui sem conceder – para a demolição de frações autónomas habitacionais presentemente ocupadas. A fixação deste prazo viola o princípio da proporcionalidade, mais particularmente do seu subprincípio da necessidade, que proíbe a imposição de medidas que não sejam necessárias à satisfação do interesse público a elas subjacente, podendo ser substituídas por medidas menos restritivas da esfera jurídica dos particulares. Princípio da proporcionalidade que vincula o Tribunal em sede de execução de sentenças, devendo segundo critérios de razoabilidade (artigo 179.º, n.º 1 do CPTA), proceder à fixação do prazo em que os atos e operações devem ser praticados.
AO. Não podia, pois, o Tribunal a quo, fazer uma aplicação analógica e “cega” do prazo constante do artigo 175.º, n.º 1 do CPTA - previsto, para efeitos de execução espontânea -, mas antes, impunha-se-lhe uma avaliação concreta da situação subjacente e do conteúdo dos atos e operações a adotar tendo em vista uma determinação fundamentada do prazo, segundo critérios de razoabilidade. O exposto é agravado pelo facto de não se ter considerado qualquer possibilidade de articulação com medidas menos drásticas (tais como as decididas nos arrestos citados).

Devem as presentes alegações ser consideradas procedentes por provadas e, deve a sentença recorrida, em consequência, ser considerada nula e revogada.

Os contrainteressados KK e JJ interpuseram recurso da sentença e nas alegações de recurso formularam as seguintes conclusões:
1. Os contra interessados, JJ e KK, ora recorrentes, em sede de contestação, deduzida nos presentes autos, invocaram a sua condição de “terceiros de boa fé”, reclamando, nessa qualidade, a aplicação do regime de proteção especial de efeitos putativos dos atos nulos, no âmbito do art.º 134.º n.º 3 do CPA aplicável, justificando o motivo pelo qual devem ser considerados como “terceiros de boa fé” e juntando prova para demonstrar o que alegaram;
2. Em face desta alegação, esta (serem os recorrentes terceiros de boa fé) deveria ser a questão primeira e principal a discutir pelo Tribunal a quo;
3. Acontece que, a douta sentença proferida omite a análise desta questão, proferindo decisão sem permitir a produção de prova e sem se referir, concretamente, à posição dos recorrentes como terceiros de boa fé, nem se refere a eles em concreto, nem menciona expressamente se os contrainteressados são ou não terceiros de boa fé;
4. Tal decisão impede o pleno exercício do contraditório, por não ter permitido aos contrainteressados a produção da prova para demonstrarem essa questão fundamental;
5. Ao não abordar essa questão, a douta sentença incorre em omissão de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º n.º 1 d) do CPC;
6. Mesmo que se entenda que, afinal, o Tribunal a quo se pronunciou sobre a posição dos contrainteressados enquanto terceiros de boa fé, nomeadamente na afirmação, “não significa que sejam terceiros de boa fé”, a decisão proferida carece da necessária fundamentação, incorrendo, então, na nulidade de falta da fundamentação devida, nos termos do art.º 615.º n.º 1 b) do CPC;
7. Por uma ou outra questão a sentença proferida é nula;
8. Caso o Tribunal não considere a sentença nula, a mesma terá de ser revogada, na medida em que os recorrentes, na qualidade de contra interessados, são terceiros de boa fé e titulares de efeitos putativos a tutelar;
9. Em primeiro lugar, os recorrentes são terceiros, sendo alheios a todo o processo de licenciamento, que se terá desenrolado entre o construtor autor do projeto e promotor do mesmo e o município de Vila Real de Santo António, não tendo qualquer envolvimento nesta relação, tendo, inclusive, adquirido o imóvel de que são proprietários e cuja ordem de demolição o tribunal ordenou a execução, a pessoa que, por sua vez, também o adquiriu ao construtor que o licenciou.
10. Estando de boa fé, por não saber, nem ter como aceder a essa informação, que estava em curso a presente ação destinada à declaração de nulidade da licença de construção, sendo certo que a ação não foi registada;
11. A condição de terceiro de boa fé dos recorrentes não é afetada pelo facto de o Tribunal ser alheio ao não registo da ação, nem por o Ministério Público ter solicitado certidões para efetuar o registo e não o ter efetuado;
12. Afigura-se que dúvidas não existem que os recorrentes são terceiros de boa fé e, se dúvidas existirem, então os contrainteressados/recorrentes não podem ficar privados do direito de dissipar tais dúvidas, com a produção da prova apresentada;
13. O Tribunal a quo negou o reconhecimento de efeitos putativos da posição de adquirentes de boa fé aos recorrentes, decisão com a qual estes não se conformam;
14. Alega o Tribunal a quo, em primeiro lugar, que não decorreu tempo suficiente para se constituírem efeitos putativos, dizendo que decorreram menos de três anos até à propositura da ação, referindo-se, genericamente a todos os contra interessados;
15. Partindo do princípio que a propositura da ação consubstancia o momento da decisão da nulidade, o que não é verdade;
16. Os recorrentes adquiriram a sua fração em 11 de Abril de 2007 e foram notificados da decisão que ordenou a execução da sentença que determinou a demolição, e para contestar a mesma, em 26 de Janeiro de 2016, ou seja, 8 anos e 9 meses depois, o que configura tempo suficiente para reconhecimento de efeitos putativos;
17. Sendo certo que, a lei não determina qual o tempo considerado adequado para a concretização destes efeitos, mas que, segundo doutrina e jurisprudência, o tempo decorrido, em relação aos recorrentes, e as circunstâncias em que o mesmo decorreu, se afigura mais do que suficiente para a atribuição da tutela jurídica da sua posição;
18. O Tribunal a quo negou ainda o reconhecimento de efeitos putativos aos recorrentes, a que se reporta o art.º 134.º n.º 3 do CPA (versão aplicável) por considerar que, estando em causa interesses urbanísticos, os mesmos prevalecem sempre sobre interesses particulares, assumindo este como um princípio absoluto;
19. Partindo, portanto, de uma interpretação restritiva da referida norma, que restringe e afeta direitos fundamentais dos contrainteressados, sem estar sustentado em qualquer critério jurídico;
20. Tal supremacia de um princípio sobre o outro não poderia deixar de ser efetuada sem ser baseada e ponderada à luz do princípio da proporcionalidade e da confiança, mas, ao invés, o Tribunal a quo limitou-se a afirmar que os princípios do urbanismo se sobrepõem aos interesses particulares;
21. Por outro lado, o Tribunal a quo partiu do princípio que os interesses dos recorrentes, enquanto adquirentes de boa fé, se reportam a interesses particulares, o que não corresponde à verdade, a posição dos contrainteressados, ora recorrentes, integra-se no âmbito do disposto no art.º 134.º n.º 3 aplicável, e o n.º 3 do art.º 134.º do CPA acolhe e protege os direitos dos adquirentes de boa fé, proteção essa que se traduz na inoponibilidade dos efeitos da nulidade do ato e tal tutela ao conferir a proteção jurídica dos contrainteressados, é um princípio de natureza pública, traduzido na proteção da boa fé e do princípio da confiança, sendo esses valores que devem ser ponderados, pois, são precisamente esses direitos que conferem a possibilidade de o ato nulo ainda produzir efeitos;
22. Tudo ponderado, a decisão proferida tem de ser revogada e substituída por outra que considere que os contrainteressados recorrentes beneficiam da tutela prevista no art.º 134.º n.º 3 do CPA aplicável, não lhes sendo oponível os efeitos da nulidade da decisão, ou seja, não estando o seu imóvel sujeito à demolição, tudo sob a égide dos princípios supra enunciados;
23. Para além de tudo, a norma do art.º 134.º n.º 3 do CPA, no sentido interpretativo que o Tribunal a quo lhe conferiu, no sentido de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito urbanístico, afigura-se inconstitucional, colide contra os princípios fundamentais consagrados no art.º 266.º n.º 1 e 2 da CRP, na medida em que, a norma atenta contra interesses legalmente protegidos dos cidadãos, bem como o princípio da proporcionalidade;
24. Para que a norma possa estar em conformidade com o texto constitucional tem de o seu conteúdo determinar que, em qualquer situação de anulação de ato administrativo, independentemente da sua natureza, se acautelam os efeitos aos terceiros de boa fé.
25. Em jeito de conclusão final: Ou a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que determinou a demolição da casa dos contrainteressados, ora recorrentes, por execução de sentença proferida em autos nos quais estes não intervieram, deve ser declarada nula, ou, caso não se reconheça a existência de motivos para a nulidade, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que declare que os recorrentes são terceiro de boa fé, titulares de efeitos putativos e que beneficiam da proteção jurídica, que determina a inoponibilidade da sentença.

Termos em que, …, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em

consequência: 1. Ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo declarada nula, com as demais consequências legais e processuais, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) ou, caso assim não se entenda, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, b) ambos do CPC; Caso assim não seja entendido por esse venerando Tribunal, 2. Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que considere: Que os recorrentes são terceiros de boa fé e que os efeitos da nulidade não lhes são oponíveis, nos termos do art.º 134.º, n.º 3 do CPA (versão aplicável), não estando abrangidos pela execução da sentença que ordenou a demolição das habitações licenciadas com base no ato nulo. Por último, se nenhum dos pedidos supra for julgado procedente, o que se admite sem conceder, que 3. A norma do art.º 134.º n.º 3 do CAP seja considerada inconstitucional no sentido interpretativo que lhe foi conferido pelo Tribunal a quo.

HH e esposa II interpuseram recurso da sentença e nas alegações, no final, formularam as seguintes conclusões:
1. Na sua oposição à presente execução, os ora recorrentes, HH e esposa, invocaram a sua qualidade de terceiros de boa-fé;

e,
2. A inoponibilidade da sentença executória, no que diz respeito à demolição da fração “F” do edifício cuja licença de construção foi declarada nula, face, quer à falta de registo por parte do Ministério Público Autor na ação declarativa de impugnação do ato administrativo de licenciamento, quer à falta de citação de todos os contrainteressados para a referida ação;
3. Nos termos do artigo 615º nº 1 al d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ...”, o que se verificou no caso dos presentes autos;
4. Com efeito, a douta sentença ora recorrida, omitiu qualquer pronúncia sobre a questão da falta de registo da ação de declaração de nulidade da licença de construção das moradias, apesar desta questão ter sido invocada quer pelos ora recorrentes quer na resposta pelo M. P. na réplica apresentada no processo;
5. Aliás, quanto a questões a decidir refere-se na douta sentença que uma delas será “se prevalecem os direitos de propriedade e existência de hipotecas de terceiros adquirentes de boa-fé, uma vez que a ação principal não foi registada no Registo Predial, e por impossibilidade do exercício do contraditório, de alguns dos contrainteressados, uma vez que não foram chamados na ação principal”;
6. Nas várias alíneas dos factos nada se refere nem quanto aos invocados registos e datas, nem quanto à prova que nos autos se efetuou, através de certidões de registo predial;
7. E na fundamentação esta questão a decidir afinal foi uma não questão, atendendo a que sobre ela a sentença nada decidiu ou sequer referiu, sendo portanto nula face ao disposto no artigo 615º nº 1 al d) do Código de Processo Civil aplicável aos autos por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

Por outro lado,
8. Os ora recorrentes são terceiros de boa-fé, atendendo a que não tiveram conhecimento que qualquer situação de nulidade do licenciamento da construção, nem tinham obrigação de conhecer;
9. Nem os ora recorrentes nem os anteriores proprietários da fração “F” foram citados para os termos da ação principal, tendo a mesma transitado em julgado sem que a eles tal sentença lhes seja oponível;
10. Por outro lado, e conforme se refere no artigo 134º nº 3 do CPA em vigor à data dos factos “apesar de o ato nulo não produzir quaisquer efeitos jurídicos, tal facto não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito;
11. Tal princípio de atribuição de certos efeitos jurídicos foi mantida no novo CPA no seu artigo 162º nº 3, o qual determina que poderão ser atribuídos de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo;
12. Quanto a esta questão “se se verificaram existir efeitos putativos dos atos declarados nulos”, a douta sentença ora recorrida refere que: “perante a violação dos instrumentos de ordenamento territorial, como é o caso dos autos, não há reconhecimento da relevância jurídica das situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos.

De realçar que desde que a apresentação da PI do processo principal até à prolação da sentença exequenda, e desde a data da prática dos atos nulos até à propositura da ação decorreram menos de três anos, em ambos os casos”.
13. Ora não é isso que resulta dos documentos de prova entregues nos autos, pois, desde a apresentação da PI do processo principal, o que ocorreu em (05/03/2007) até ao trânsito em julgado da sentença exequenda (21/05/2014), (apesar da mesma ter sido proferida em (28/09/2009)), são decorridos mais de oito anos;
14. Além de que já decorreram mais de 10 anos desde a emissão da licença de construção, o que ocorreu em 6/12/2014;
15. Por outro lado, a ressalva de que “em urbanismo, os interesses públicos sobrepõem-se sobre as expectativas particulares”, não será de aplicar ao caso dos autos, face à alteração do RPDM que se informou ter tido início por parte da entidade administrativa e que atualmente se encontra a decorrer;
16. A demolição não será a única e exclusiva consequência do ato nulo, atendendo à possibilidade de alteração normativa e nem sequer a sentença poderia ter decidido pela demolição de todo o edificado atendendo à possibilidade de legalização ou mesmo de reforma e reconversão do ato nulo, admitidas agora face ao Novo CPA artigo 164º nº 2 em conjugação com o artigo 106º nº 2 do Decreto-Lei 555/99 de 16 de Dezembro;
17. Face aos princípios da confiança e da proporcionalidade, os direitos dos recorrentes devem ser reconhecidos atendendo à sua situação de terceiros de boa-fé.

Nestes termos … requerem … que seja concedido provimento ao presente recurso e em consequência seja revogada a sentença recorrida.

RRRR interpôs recurso da sentença e concluiu as alegações do seguinte modo:
1. É manifesta a procedência do presente recurso porquanto a sentença recorrida padece de manifesto erro de julgamento e violação das disposições relativas ao caso julgado constantes dos artigos nº 2 do artigo 33º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA), 57º do CPTA e dos artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP bem como das normas e princípios que disciplinam a ordem de demolição no ordenamento jurídico português, em especial dos artigos 106º, nº 2 do RJUE, 134º, nº 3, 173º, nº 3 do CPTA, 291º, nº 2 do Código Civil e dos artigos 18º, 20º da Constituição da República Portuguesa.
2. Com efeito, o ora Recorrente detém quer a qualidade de proprietário quer a qualidade de credor hipotecário de algumas das frações cuja demolição foi ordenado pelo Tribunal recorrido.
3. No entanto, e apesar dos direitos constituídos a favor do ora Recorrente sobre as frações acima identificadas, o mesmo não foi parte na ação administrativa especial na qual foi proferida a sentença exequenda, não tendo sido citado na mesma ou sequer chamado a nela intervir em incidente de intervenção de terceiros, isto apesar de os negócios jurídicos celebrados com o Contrainteressado serem muito anteriores, à data de prolação da sentença exequenda.
4. Ora, ao contrário do que de forma absolutamente ilegal e injusta resulta da sentença recorrida, não tendo a ação corrido também contra o ora Recorrente não pode a sentença nela proferida e o caso julgado da mesma ser oponível àquele.
5. Com efeito, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artigo 33º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. Este litisconsórcio necessário é forçoso por imperativo legal, como preceitua o artigo 57º do CPTA.
6. O que significa que, em via da garantia conferida pela Constituição ao direito de acesso à justiça e consequente tutela jurisdicional efetiva - v.g. artigos 20º e 268º, nº 4 CRP a decisão judicial que anule um ato administrativo nunca produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todos os contrainteressados que não foram identificados ou mandados citar pelo Autor na ação administrativa ou chamados a intervir na sua pendência.
7. Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, não pode ser imputado um qualquer ónus ao ora Recorrente de demonstrar que já era contrainteressado à data da propositura da ação, sendo certo que, em qualquer caso, resulta inequivocamente do documento n.2 2 junto com a contestação do ora Recorrente, que os negócios jurídicos celebrados sobre as frações "C", "D" e "E", e respetivas hipotecas, foram celebrados uns antes da propositura da ação (fração "C", em 20014) e outros durante a pendência da mesma, mas antes da prolação da sentença (frações D e E em Abril de 2009).
8. Também ao contrário do que estranhamente parece decorrer da sentença recorrida, não é imputável ao ora Recorrente nem o mesmo pode, por isso, ser prejudicado, da forma gravíssima que decorre da sentença sob recurso, por não ter sido parte numa ação judicial da qual não tomou nem poderia ter tomado conhecimento.
9. Nem pode, sob pena de total denegação de justiça, dizer-se, como fez o tribunal recorrido na sentença sob recurso, que "(...) se à data da transmissão do direito real das contrainteressadas no processo principal, estas não informaram os adquirentes da situação processual existente (ação principal com vista à declaração de nulidade dos atos praticados referentes à construção das frações em causa), tal escapa ao controlo Jurisdicional deste tribunal" — cfr. p. 21 da sentença recorrida.
10. Pelo que, em suma, a sentença sob recurso padece de manifesta e grosseira ilegalidade por violação das disposições constantes dos artigos nº 2 do artigo 33º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA) e 57º do CPTA e de manifesta violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4 da CR".
11. Em qualquer caso e ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela e em mera hipótese se pondera, sempre se dirá que a sentença recorrida é manifestamente ilegal e injusta porquanto sobre as frações construídas ao abrigo dos atos de licenciamento declarados nulos pela sentença exequenda foram celebrados negócios jurídicos com terceiros de boa-fé, que sobre as mesmas detém atualmente direitos validamente constituídos e que não podem deixar de ser salvaguardados, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido.
12. Na verdade, os efeitos da declaração judicial de nulidade dos atos de licenciamento em causa nos autos estão condicionados pelos limites estabelecidos em sede de regime da nulidade dos atos administrativos, subordinado igualmente aos princípios basilares do Estado de Direito da confiança e da segurança jurídicas.
13. A sentença recorrida ignorou por completo o artigo 134º, nº 3 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que determina expressamente que a nulidade dos atos administrativos não prejudica a atribuição de certos efeitos jurídicos às situações de facto constituídas ao abrigo de atos nulos por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.
14. Nos quais, obviamente, se inserem os princípios da proteção da confiança e de terceiros de boa-fé bem como princípio constitucional de que as restrições aos direitos fundamentais, nomeadamente ao direito de propriedade, devem respeitar o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 182º da Constituição.
15. Por outro lado, dispõe o nº 3 do artigo 173º do CPTA que os beneficiários de atos consequentes dos atos anulados não podem ver a sua situação posta em causa se os danos resultantes da reposição da legalidade forem de difícil reparação ou se for manifesta a desproporção existente entre os seus danos e o interesse na execução da sentença anulatória.
16. Não são identificados na sentença sob recurso quais os específicos interesses público afetados com a construção e que a ordem de demolição visa a tutelar e que são objeto de comparação, para efeitos de avaliação da proporcionalidade da medida, com os interesses particulares em presença, sendo que, para tal avaliação da proporcionalidade da ordem de demolição não basta invocar a ilegalidade da licença.
17. Por outro lado, a tutela dos direitos de terceiros de boa-fé não está dependente do prazo de duração de tais direitos, sendo que, em qualquer caso, e ao contrário do que resulta da sentença recorrida, a duração dos direitos do ora Recorrente não pode deixar de contar-se desde a sua constituição - 2004 - até à decisão, não da ação de anulação, mas da presente ação, o que significa que, tal direito esteve constituído de facto, em favor do ora Recorrente, durante cerca de 12 anos.
18. Acresce que, a demolição é uma medida de reposição da legalidade e não uma medida de natureza sancionatória como se defende na sentença recorrida.
19. No caso concreto é manifesta a dificuldade de reparação e a desproporcionalidade entre a medida tomada pelo tribunal recorrido e os danos que ora Recorrente virá a sofrer como sua consequência, pois, sendo demolido todo o edificado desparecem as frações autónomas sobre as quais foram constituídos direitos de terceiros de boa-fé, extinguindo-se, por conseguinte, por inexistência do seu objeto, tais direitos.
20. A execução da sentença aqui em causa não pode por em causa os direitos objeto dos registos efetuados a favor de terceiros de boa-fé, assim como não pode invalidar os próprios negócios jurídicos de transmissão e de constituição de hipotecas a favor do Contrainteressado, ora Recorrente, nos presentes autos.
21. Com efeito, à invalidade dos negócios jurídicos em causa obsta a norma constante do nº 1 do artigo 291º do Código Civil (CC), segundo a qual "a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio".
22. Da norma citada — que mais não é que a tradução no direito dos contratos do referido princípio da tutela da confiança jurídica e da proteção de terceiros de boa-fé resulta que a declaração de nulidade não determina a nulidade do negócios jurídicos celebrados por terceiros de boa-fé relativamente aos lotes e frações nele construídas.
23. Tem sido entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência o de que a demolição é a ultima ratio na tutela da legalidade urbanística e apenas pode ser levada a cabo se não sacrificar desproporcionadamente o direito de propriedade e apenas quando for possível concluir, com toda a segurança, que não é possível a legalização do edificado.
24. Tanto bastaria para que não pudesse a sentença recorrida ter concluído, como concluiu, que não ficou demonstrada a possibilidade de legalização, quando tal possibilidade foi expressamente assumida e alegada pelo Município Réu nos artigos 91º a 98º da contestação, por se encontrar em análise um possível alteração do PDM de Vila Real de Santo António.
25. Acresce que, ao que o ora Recorrente tomou conhecimento hoje, através de notificação de requerimento de outros Contrainteressados nos autos, que terá entretanto - e como, aliás, era expectável e foi oportunamente alegado nos presentes autos - foi aprovada alteração ao PDM de Vila Real de Santo António no sentido de legalizar a obra a que se refere a licença declarada nula - cfr. documento n? 1 adiante junto e que aqui se da por integralmente reproduzido.
26. Tal alteração ao PDM, que é anterior à sentença recorrida, vem assim confirmar que a legalização da edificação cuja demolição foi determinada pela sentença recorrida é possível e legalmente admissível.
27. Pelo que, não pode este tribunal de recurso deixar de concluir que a sentença recorrida padece de erro de julgamento nesta parte e de violação flagrante do princípio da proporcionalidade e concluir pela possibilidade da legalização e consequente desproporcionalidade da ordem de demolição decretada pelo tribunal recorrido.

NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a presente execução com fundamento na existência de causa legítima de inexecução.

Por despacho de 11.1.2017 a reclamação para a conferência apresentada pelo XXXX foi convolada em recurso, não foram conhecidos os pedidos de suspensão de execução da sentença proferida, foram admitidos os recursos interpostos pelo Município e pelos contrainteressados, com exceção do RRRR que foi notificado para pagar a multa do art 139º, nº 6 do CPC.

O Ministério Público contra-alegou os recursos.

Quanto ao recurso interposto pelo contrainteressado XXXX, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
I. Tal como decidido na sentença recorrida, as garantias hipotecárias não se extinguem com a demolição das construções, uma vez que não existe perda total, subsistindo o valor do lote de terreno como garantia – cfr. art.º 730º do CC.
II. A eventual diminuição das garantias dos credores ou o prejuízo patrimonial para os proprietários dos imóveis não são, por si só, razões jurídicas que obstem ao decidido.
III. O regime do art.º 291º do CC não é, sequer em abstrato, aplicável às nulidades urbanísticas dos atos administrativos de licenciamento de imóveis.
IV. Por regra, em matéria urbanística não devem ser reconhecidos efeitos putativos dos atos nulos, sob pena de, pela via do facto consumado, se proceder à sanação generalizada de irregularidades graves, o que não é legalmente admissível – cfr. art.º 162º do CPA.
V. Acresce que, no caso dos autos, o prazo inferior a três anos que mediou entre a prática dos atos nulos e a interposição da ação para a respetiva impugnação é manifestamente insuficiente para se criarem relações jurídico-sociais estáveis a tutelar.
VI. Quanto à boa-fé dos adquirentes e dos credores hipotecários, o desconhecimento da ação de impugnação apenas é imputável aos contrainteressados intervenientes na ação e não afasta, por si só, a obrigação de cumprimento do julgado.
VII. O recorrente não foi citado para intervir como contrainteressado na ação administrativa especial, nem devia ter sido, porquanto, à data da sua interposição - 5 de março de 2007 – não era proprietário ou credor hipotecário de qualquer fração – cfr. art.º 57º do CPTA.
VIII. Ao contrário do alegado, a Mma. Juiz, na sentença recorrida, ponderou a suscetibilidade de legalização do edificado para concluir, bem, que não existia. A suscetibilidade de legalização é aferida face ao quadro legal atualmente em vigor e este não a permite.
IX. O processo de revisão do PDM está em curso e as meras expectativas de alterações normativas não exoneram a Administração do dever de executar as sentenças judiciais, nos termos do art.º 173º do CPTA.
X. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA, arts. 173º, 176º do CPTA e art.º 20º da CRP, não existindo quaisquer razões jurídicas que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença.

Quanto ao recurso interposto pelo Município, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
A. Nos termos do art.º 615º/1, d) do CPC, a nulidade por omissão de pronúncia pressupõe: existência de uma questão fundamental que obrigue a pronúncia e a sua efetiva omissão, ou seja, que o tribunal nada decida ou mencione a propósito da questão fundamental suscitada. O tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre cada um dos argumentos aduzidos pelas partes.
B. No caso dos autos, a questão colocada ao tribunal era a do cumprimento ou não, pelo executado, do julgado anulatório e a necessidade de o compelir a cumprir e o Tribunal apreciou-a e decidiu-a, aplicando as normas legais pertinentes.
C. A sentença recorrida apreciou, ainda, individualizadamente e enquanto eventuais causas que obstassem ao cumprimento do julgado, os vários obstáculos suscitados pelas partes, incluindo o recorrente: a suscetibilidade de legalização do edificado; a existência de terceiros de boa-fé – credores hipotecários e adquirentes das frações - e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos; a produção de efeitos putativos dos atos nulos; a situação financeira do recorrente e os custos da execução; o prazo para a execução do julgado.
D. O princípio da proporcionalidade – não obstante não ter sido nomeado – foi equacionado pela sentença recorrida no âmbito da análise à suscetibilidade de legalização do edificado, tal como resultava do ponto iv. das questões a decidir.
E. Quanto aos factos que o recorrente pretende sejam aditados ao probatório, nenhum deles o deve ser, ou porque já consta ou porque são irrelevantes e/ou inócuos para a decisão a proferir ou porque deles não se extraem as consequências pretendidas, designadamente a alteração do sentido da decisão.

Nomeadamente:

- Ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, não seria a adição ao probatório da referência à constituição da propriedade horizontal e às sete frações que levaria à ponderação da existência de terceiros de boa-fé e de efeitos putativos, pela simples razão que estes fatores foram especificamente ponderados pela sentença recorrida. A adição nada alteraria o decidido, pelo que é um facto irrelevante.

- A adição da referência à venda das frações e constituição de hipotecas também é inócua, porquanto ambas foram efetivamente tidas em conta na decisão proferida, que se reportou aos vários adquirentes e aos credores hipotecários, analisou as consequências da execução na respetiva esfera e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos, através da produção de efeitos putativos.

- É também irrelevante a menção no probatório à emissão de licença de utilização, através da qual o recorrente pretende levar à ponderação da existência de terceiros de boa-fé. Como já mencionado, a existência de terceiros adquirentes e dos credores hipotecários foi largamente admitida, discutida e ponderada na sentença recorrida, tal como foram ponderados os efeitos na sua esfera jurídica e a admissibilidade da salvaguarda das respetivas posições subjetivas. Trata-se, por isso, de mais um facto irrelevante e que não deve ser aditado.

- A menção a que os adquirentes das frações e os credores hipotecários não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção nem na ação administrativa especial é inútil, porquanto é do conhecimento do tribunal e em momento algum a sentença demonstra confundir os dois processos e respetivos intervenientes. Como resulta claramente da leitura do preâmbulo do probatório, é feita a transcrição de factos da sentença administrativa especial, pelo que os contrainteressados mencionados nos factos A) e I) são os que intervieram nesta.

- Não cabe levar ao probatório a falta de registo da ação administrativa especial, porquanto a ação não foi registada por não estar sujeita a registo predial. Levar um facto negativo que resulta da lei ao probatório é absolutamente irrelevante.

- O risco para a estabilidade do conjunto habitacional em caso de demolição parcial não deve ser aditado porque não resultou provado e porque o que está em causa é a demolição total do edificado, não a demolição parcial.

Foi o licenciamento da totalidade que foi declarado nulo e o tribunal apenas teria que ponderar as consequências de uma demolição parcial se existissem, no conjunto habitacional, frações autónomas suscetíveis de licenciamento, o que não acontece.

- A implantação do conjunto habitacional fora da REN consta do ponto D) do probatório, com maior especificação do que o pretendido, pelo que não deve ser aditado.
F. Pelo exposto, a sentença não é nula por omissão de pronúncia, uma vez que apreciou todas as questões essenciais que lhe foram colocadas e a factualidade que considerou provada corresponde à essencial para a decisão a proferir.
G. A invocação de causas legítimas de inexecução da sentença, por parte do recorrente Município, feita em sede de oposição à execução, foi intempestiva e não obedeceu aos formalismos impostos pelo CPTA – cfr. arts. 175º, nº 2, 162º, nº 1, e 163º do CPTA.
H. O alegado empenho do recorrente na legalização do edificado peca por tardio e não o exime ao cumprimento do julgado.
I. Resulta das alegações do recorrente que a revisão do PDM ainda está em curso e longe de estar concluída, pelo que a possibilidade de legalização do edificado invocada é meramente hipotética, como decidido na sentença recorrida.
J. A suscetibilidade de legalização tem que ser aferida face ao quadro normativo em vigor no momento da apreciação e, face ao PDM vigente, tal legalização não é possível.
K. Quanto ao ter ponderado a possibilidade de legalizar parte do edificado, a verdade é que não legalizou, três anos volvidos sobre o trânsito em julgado da sentença que obrigava a repor a legalidade urbanística.

Não o fez porque a legalização parcial não é possível. Estamos perante um conjunto habitacional em propriedade horizontal, com as inerentes partes comuns, pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade do edificado a legalizar, o conjunto, não podendo o Município decidir quais as frações a manter e as partes comuns e estruturas a preservar e em que termos.
L. No caso dos autos, como decidido, o período inferior a três anos que mediou entre a prática dos atos nulos e a sua impugnação judicial é, manifestamente, insuficiente para gerar uma situação de facto merecedora de tutela jurídica e para que se possam extrair efeitos putativos.
M. A partir do momento em que foi proposta a ação administrativa especial de impugnação, deixou de existir uma relação jurídica estável que pudesse ser geradora de confiança. Consequentemente, porque quando os atuais proprietários adquiriram as frações e foram constituídas as hipotecas já os atos de licenciamento tinham sido impugnados, na sua esfera nunca existiu estabilidade nas relações jurídicas, para efeitos do disposto no art.º 134º/3 do CPA.
N. Ainda que assim não se entendesse, a boa-fé não é suficiente para a produção de efeitos putativos e no âmbito do licenciamento urbanístico não há, por regra, lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos.
O. Um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a atos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível – cfr. art.º 162º do CPA.
P. No caso dos autos, há que ponderar o interesse público de manutenção da legalidade, a obrigação do Estado de “assegurar um correto ordenamento do território”, que consubstancia uma das suas tarefas fundamentais, a salvaguarda e garantia do direito dos cidadãos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, tudo interesses coletivos que têm, necessariamente, que se sobrepor aos direitos individuais à propriedade privada.
Q. Do invocado art.º 266º da CRP resulta, em primeira linha, a obrigação da Administração salvaguardar o interesse público, não a de defender os interesses privados, pelo que nem por esta via há efeitos a salvaguardar.
R. A onerosidade da execução do julgado, sem mais, não afasta a obrigação do Município de “assegurar um correto ordenamento do território”, caso contrário estava aberta a porta para, a coberto da “política do facto consumado”, se perpetuarem e legitimarem situações de manifesta e grave violação das regras urbanísticas, como é o caso, bastando aos Municípios ou a outras entidades públicas invocar a onerosidade da correção dos seus próprios erros/ilegalidades.
S. Tendo em conta que a decisão que declarou o licenciamento nulo transitou em julgado há quase três anos e que desde então o recorrente pouco ou nada fez para cumprir a sua obrigação, a fixação do prazo que corresponde ao previsto no art.º 175º do CPTA é adequada, não padecendo de qualquer erro.
T. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA, arts. 163º, 71º, 173º, 176º e 179º do CPTA, arts. 106º e 69º do RJUE e art.º 266º da CRP, não existindo quaisquer razões jurídicas ou de facto que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.
U. A sentença cumpre todos os requisitos de forma e não padece das alegadas nulidades – cfr. art.º 615º/1, d) do CPC.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se a sentença recorrida.

Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados KK e JJ, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. Na presente ação, as questões fundamentais colocadas ao tribunal, para decisão, foram a do cumprimento ou não, pelo executado, do julgado anulatório e a da necessidade de o compelir a cumprir; não a de saber se os recorrentes são ou não terceiros de boa-fé.
2. Aquelas questões, que consubstanciam o pedido, foram apreciadas e decididas na sentença recorrida, com ponderação e aplicação das normas jurídicas pertinentes.
3. A questão da existência de terceiros de boa-fé, não sendo essencial, foi abordada pela sentença recorrida enquanto eventual circunstância que justificasse o não cumprimento do julgado anulatório pelo Executado Município, tendo-se concluído, e bem, que a respetiva existência não dispensava a Administração do cumprimento do julgado.
4. O tribunal não tem que se pronunciar sobre cada um dos aspetos da argumentação aduzida pelas partes, mas apenas sobre as questões fundamentais colocadas à sua apreciação, o que foi feito, pelo que não existe a invocada nulidade por omissão de pronúncia – cfr. art.º 615º,d) do CPC.
5. Também não existe nulidade por falta de fundamentação, uma vez que a sentença explicita os fundamentos de facto e de direito que a sustentam e tratou todas as questões jurídicas suscitadas pelas partes, com a diferenciação de profundidade de acordo com a respetiva relevância para a decisão da causa – cfr. art.º 615º, b) do CPC.
6. A falta de individualização do nome dos recorrentes na fundamentação de direito da sentença não equivale à pretendida nulidade por falta de fundamentação. O juiz deve apreciar conjuntamente as questões comuns suscitadas pelas partes e que não apresentam especificidades. Foi o que foi feito.
7. A ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento de construção não está sujeita a registo predial porque não tem como finalidade ou efeito o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção dos direitos de propriedade sobre os imóveis objeto do licenciamento – cfr. art.º 3º do CRP.
8. Por ser este o entendimento unânime das Conservatórias de Registo Predial, o registo da ação nº 131/07.6 BELLE foi recusado, não obstante o Ministério Público, por mera cautela, ter diligenciado pelo mesmo, conforme resulta das anotações ao registo nº .../19951017, da freguesia de [LOCAL], Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António.
9. Ao contrário do alegado, a sentença recorrida não questionou que os recorrentes são terceiros e admitiu que possam ser considerados de boa-fé, embora com reservas.
10. Acontece que, como consta da sentença recorrida, os recorrentes serem ou não terceiros de boa-fé é, nesta sede, irrelevante, porque não estão reunidas as demais condições necessárias para que os seus direitos possam ser salvaguardados pela via do reconhecimento de efeitos putativos.
11. A possibilidade de reconhecimento de efeitos dos atos nulos, decorrentes do decurso do tempo, prevista no invocado art.º 134º/3 do CPA, não tem como requisito único a boa-fé, como os recorrentes pretendem fazer crer. Esta não basta.
12. Os atos administrativos declarados nulos datam de 2004 e a ação administrativa especial que peticionou a sua nulidade foi intentada, pelo Ministério Público, em 05/03/2007 - menos de três anos volvidos desde o licenciamento da construção e escassos meses depois da conclusão das moradias e emissão da licença de utilização.
13. A partir da propositura da ação administrativa especial de impugnação, deixou de existir uma relação jurídica estabilizada, que pudesse ser geradora de confiança.
14. Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de 3 anos é um período manifestamente insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade das relações jurídico-sociais. Não podem, por isso, ser extraídos efeitos putativos dos atos de licenciamento declarados nulos.
15. Nestas circunstâncias, os princípios da tutela da confiança e da proporcionalidade não afastam o cumprimento do julgado e a necessidade de reposição da legalidade urbanística, violada com os atos nulos praticados.
16. Ao contrário do alegado, o princípio da proporcionalidade não corresponde, de acordo com a doutrina e jurisprudência, à ponderação entre o interesse público e os interesses particulares. A ponderação a fazer é a da suscetibilidade de reposição da legalidade urbanística através da legalização do edificado, o que, no caso, não é possível.
17. A jurisprudência não tende, em matéria urbanística, a tutelar os interesses particulares em detrimento do interesse público, de molde a perpetuar situações de ilegalidade.
18. No caso dos autos, estamos, não só perante o interesse público, coletivo de manutenção da legalidade, como também ante as obrigações do Estado de “assegurar um correto ordenamento do território” e garantir os direitos da comunidade a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, os quais se sobrepõem aos interesses dos particulares – cfr. arts. 9º, e) e 66º/1 da CRP.
19. A sentença recorrida não afastou, em absoluto, a possibilidade de aplicação do art.º 134º/3 do CPA em matéria urbanística, apenas realçou que tal terá que ser feito com cautelas e que, no caso concreto, não é possível o reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos, por não estarem preenchidos os requisitos.
20. Este entendimento, que segue a linha jurisprudencial dominante, é conforme ao disposto no art.º 266º da CRP e à obrigação que dele decorre para a Administração de, em primeira linha, salvaguardar o interesse público, garantindo-se aos particulares o direito de que as suas posições subjetivas não sejam violadas por atos contrários à lei.
21. A interpretação preconizada pelos recorrentes redundaria numa sanação generalizada de nulidades com a inerente relativização de toda a ordem jurídica.
22. Acresce que o que justificou a decisão de não reconhecer efeitos putativos aos atos de licenciamento nulos não foi a natureza das normas violadas mas a circunstância de não ter decorrido um período de tempo bastante e razoável para que tais efeitos putativos pudessem produzir-se.
23. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA, arts. 173º, 176º do CPTA e art.º 266º da CRP, não existindo quaisquer razões jurídicas que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.
24. A sentença cumpre todos os requisitos de forma e não padece das alegadas nulidades – cfr. art.º 615º/1, b) e d) do CPC.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida.

Quanto ao recurso interposto pelos contrainteressados HH e II, o MP alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. As questões fundamentais colocadas ao tribunal, para decisão, foram a do cumprimento ou não, pelo executado, do julgado anulatório e a da necessidade de o compelir a cumprir; não foi a da necessidade de registo predial da ação impugnação.
2. Aquelas questões foram apreciadas e decididas na sentença recorrida, com ponderação e aplicação das normas jurídicas pertinentes, tendo sido também apreciados os efeitos do cumprimento do julgado na esfera de terceiros e a possibilidade de salvaguarda dos direitos destes.
3. O tribunal não tem que se pronunciar sobre cada um dos aspetos da argumentação aduzida pelas partes, apenas sobre as questões fundamentais colocadas à sua apreciação, o que foi feito, pelo que não existe a invocada nulidade por omissão de pronúncia – cfr. art.º 615º,d) do CPC.
4. Não existe nulidade do processado, porquanto foram citados para a presente ação executiva, além do Executado, todos os atuais proprietários e credores hipotecários das frações/imóveis, na qualidade de contrainteressados – cfr. art.º 177º/1 e 57º do CPTA.
5. Quanto àqueles que um dia foram mas já não são proprietários, porque não podem ser diretamente prejudicados com a decisão proferida, ao contrário do alegado, não foram nem deviam ter sido citados, pelo que não existe qualquer nulidade.
6. A ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento de construção não está sujeita a registo predial porque não tem como finalidade ou efeito o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção dos direitos de propriedade sobre os imóveis objeto do licenciamento – cfr. art.º 2º/1 e 3º do CRP.
7. Por ser este o entendimento unânime das Conservatórias de Registo Predial e do IRN, o registo da ação nº 131/07.6 BELLE foi recusado, não obstante o Ministério Público, por mera cautela, ter diligenciado pelo mesmo – cfr. anotações ao registo nº .../19951017, da freguesia de [LOCAL], Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António. A recusa do registo não ficou, por isso, a dever-se à existência de outros registos, como alegado.
8. A eventual boa-fé dos adquirentes/proprietários dos imóveis não basta para que os seus direitos de propriedade fiquem salvaguardados pela via do reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos – art.º 134º/3 do CPA.
9. Os atos administrativos declarados nulos datam de 2004 e a ação administrativa especial que peticionou a sua nulidade foi intentada, pelo Ministério Público, em 05/03/2007 - menos de três anos volvidos desde o licenciamento da construção e escassos meses depois da conclusão das moradias e emissão da licença de utilização.
10. A partir da propositura da ação administrativa especial de impugnação, deixou de existir uma relação jurídica estabilizada, que pudesse ser geradora de confiança.
11. Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de 3 anos é um período manifestamente insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade das relações jurídico-sociais. Não podem, por isso, ser extraídos efeitos putativos dos atos de licenciamento declarados nulos.
12. A hipotética revisão do PDM de VRSA também não é um meio de obstar ao cumprimento do julgado anulatório, porquanto ainda não foi feita. Face ao quadro legal em vigor, as edificações, tal como estão, não são legalizáveis, pelo que esta não é uma forma de reposição da legalidade urbanística.
13. Pelo exposto, a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto no art.º 134º/3 (atual art.º 162º) do CPA e arts. 57º, 173º, 176º e 177º do CPTA, não existindo quaisquer razões jurídicas que obstem ao cumprimento do julgado anulatório nem que eximam a Administração Pública de, por aquela via, repor a legalidade urbanística que os seus atos nulos violaram.
14. A sentença cumpre todos os requisitos de forma e não padece das alegadas nulidades – cfr. art.º 615º/1 do CPC.

Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se na íntegra a sentença recorrida.

A 18.5.2017 o tribunal não admitiu o recurso interposto pelo RRRR e pronunciou-se pela improcedência das nulidades imputadas à sentença recorrida.

O RRRR arguiu a nulidade do despacho de 18.5.2017.

O tribunal a quo, por despacho de 22.11.2017, indeferiu a pretensão do RRRR e condenou-o em multa.

Deste despacho foi interposto recurso de apelação que subiu em separado e, conhecido, ditou a revogação do despacho recorrido e a admissão do recurso interposto pelo RRRR da sentença recorrida.

O RRRR foi incorporado, por fusão, no DDDD, a 27.12.2017.

O MP do TAF de Loulé foi então notificado para contra-alegar o recurso do RRRR. Juntas as contra-alegações nelas foram formuladas as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a presente execução da sentença proferida na ação administrativa especial nº 131/07.6BELLE e que condenou o Município de Vila Real de Santo António a (a) proceder à cassação do alvará de licença de construção nº ... e do alvará de licença de habitação; (b) proceder à demolição de tudo o que foi edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ...; e (c) reposição da situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo na sentença em execução.
II. Considera o recorrente que a sentença padece de vícios porque: (1) é proprietário e credor hipotecário em relação a diversas frações cuja demolição foi ordenada, sem que tivesse intervindo na ação declarativa; (2) o MP deveria ter procedido ao registo da ação em que impugnou os atos de licenciamento; (3) os seus direitos, como terceiro de boa fé, deverão ser salvaguardados, conforme determina o art 162º, nº 3 do CPA; (4) o seu interesse como terceiro de boa fé imporia decisão diversa, conforme resulta do art 173º, nº 3 do CPTA; e (5) a obra em causa é passível de ser legalizada, atenta a alteração a ser operada no PDM de Vila Real de Santo António.
III. O doc nº 5 apresentado na ação principal – certidão de registo – contém as pessoas com direitos reais sobre os imóveis, sendo, por isso, só esses os demandados, cumprindo-se assim o art 57º do CPTA.
IV. O art 260º do CPC, que consagra o princípio da estabilidade da instância, interpretado de acordo com os arts 7º e 8º do CPC (princípio da cooperação e dever da boa-fé processual) imporiam que qualquer alteração subjetiva devesse ser comunicada por quem dela teve conhecimento, o que não sucedeu.
V. Não há lugar ao registo da ação, conforme decidido em inúmeros pareceres do IRN (disponíveis na respetiva página on line), porque se entende que o licenciamento de construção e ampliação não constitui título de quaisquer factos com eficácia real, por não alterar a estrutura dos direitos constituídos sobre o prédio, não estando entre os factos que o art 2º do CRP considera sujeitos a registo, nem direta nem indiretamente (vd parecer proferido no processo nº RP.27/2008DSJ-CT).
VI. O art 173º, nº 3 do CPTA não tem aplicabilidade neste caso, porquanto se reporta a atos consequentes, os quais devem ser entendidos como «os atos que foram produzidos ou dotados de certo conteúdo, por se suporem válidos atos anteriores que lhes servem de causa, base ou pressuposto (…): são, diríamos, aqueles atos cuja prática ou sentido foram determinados pelo ato agora anulado ou revogado e cuja manutenção é incompatível com a execução da decisão anulatória ou revogatória (M Esteves de Oliveira e outros, in CPA anotado, pág 650) – não sendo esse o caso de aquisições ou registo de hipotecas, que são atos referidos pelo recorrente.
VII. Relativamente à possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, temos que este instituto deve ser encarado com extrema cautela, nomeadamente quando estejam em causa questões ligadas ao urbanismo, porquanto o regime da nulidade visa precisamente tentar acabar com situações de facto consumado, situações criadas ao arrepio das regras existentes e que, por se reportarem em imóveis, acabam por perdurar.
VIII. No caso dos autos os atos declarados nulos datam de 2004 e a ação foi interposta em 2007, pelo que não se pode concluir que havia decorrido já tempo suficiente para que a situação se tivesse estabilizado a ponto de serem atribuídos efeitos aos atos declarados nulos.
IX. Acresce que nunca a boa-fé, sem mais, seria suficiente para a produção de efeitos putativos, conforme tem sido decidido, veja-se, a este propósito, o acórdão do STA de 9.7.2014.
X. Finalmente, a possibilidade de legalização não impede que, de facto, exista uma situação material ilegal (construção não titulada), sendo que até à concreta legalização (a qual nem sabemos se poderá ocorrer) ela se mantém e tem que ser expurgada.
XI. Diferente é considerar-se que a possibilidade de legalização, e porque se deverá sempre privilegiar a manutenção do edificado, legitima a suspensão da instância. Mas tal suspensão em nada contende com a legalidade da sentença proferida que, assim, se deve manter na integra.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto dos recursos:

Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, as questões decidendas, tal como as identificam os recorrentes, passam por determinar se a sentença recorrida incorreu em:

Recurso do Município:
a. nulidades por omissões de pronúncia – art 615º, nº 1, al d) do CPC;
b. erro de julgamento da matéria de facto;
c. erros de julgamento da matéria de direito sobre a (in) verificação de causas legítimas de inexecução, o prazo concedido para concretizar os atos/ operações de execução;

Recurso dos contrainteressados OO e PP:
d. nulidade por omissão de pronúncia sobre a posição dos contrainteressados como terceiros de boa fé – art 615º, nº 1, al d) do CPC;
e. nulidade por falta da necessária fundamentação – art 615º, nº 1, al b) do CPC;
f. erros de julgamento de direito ao não reconhecer os recorrentes como terceiros de boa fé e ao negar os efeitos putativos;
g. inconstitucionalidade do art 134º, nº 3 do CPA na interpretação feita pela sentença recorrida;

Recurso de QQ e RR:
h. nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de registo da ação – art 615º, nº 1, al d) do CPC;
i. erros de julgamento de direito ao não reconhecer os recorrentes como terceiros de boa fé, ao negar os efeitos putativos, ao não considerar que pode haver legalização;

Recurso do XXXX:
j. erros de julgamento de direito;

Recurso do DDDD:
k. violação do disposto no art 33º, nº 2 do CPC e no art 57º do CPTA;
l. violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva;
m. erros de julgamento de direito por considerar a demolição como uma medida sancionatória, não atender que à demolição obsta o disposto no art 291º do CC e no art 134º, nº 3 do CPA e que o Município assumiu a legalização das construções.

Fundamentação de Facto:

A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

A. «Com data de entrada na Entidade Demandada de 2004.03.09, as Contrainteressadas, requereram o licenciamento de um conjunto habitacional de 7 fogos, que pretendiam construir em terreno de sua propriedade, situado na [LOCAL], freguesia de [LOCAL], juntando a respetiva Memória Descritiva e Justificativa, processo de obras a que foi atribuído na Câmara o n° ... (cfr docs nºs 4 e 5 da pi);
B. Na Memória Descritiva e Justificativa do projeto descrito em A) constava como área de superfície de pavimento 920,43 m2 (cfr doc nº 4 da pi);
C. Na descrição do prédio na Certidão do Registo Predial de Vila Real de Santo António consta, designadamente, que o mesmo confronta a sul com [LOCAL] (cfr doc nº 5 da pi);
D. O Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, esclarece sobre o Processo de Licenciamento nº ..., designadamente o seguinte: “De salientar que, a área de construção possível para o terreno em causa, corresponde ao somatório da superfície de pavimento com a área de construção da cave para estacionamento (artigo 8°, do Regulamento do PDM).

3. O terreno em questão, segundo os dados fornecidos pelo requerente, tem uma faixa a sul com 1077,06 m2 de área que se encontra inserido no regime transitório da REN, e que segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção.

Assim a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções, tem 1392,94 m2, pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50° do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de:

1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2

Ou

- 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais)

Para efeitos de índices, no projeto foi considerada a totalidade do terreno, contudo a implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar.

4. De acordo com a planta de zonamento do PDM, o terreno encontra-se inserido na Zona Turística de Expansão e tem 2470 m2 de área.

Contudo, tal como foi referido no n° 2, parte do terreno (a sul) faz parte do regime transitório da REN.

5. A área de superfície de pavimento aprovado em reunião de Câmara datada de 01 /06/2004 foi de 920,43 m2, qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726.

O índice autorizado e superior a 0,35 e menor que 0,4 o que também já ocorreu em situações semelhantes, nomeadamente no processo de loteamento n° 1/97.

A área de construção aprovada foi de 1363,13 m2, tal como consta no Alvará de licença de construção.

6. O regulamento do PDM não especifica os casos especiais, em que o índice de utilização poderá ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4” (cfr doc nº 6 da pi);
E. Em 2004.05.26, a Proposta da Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, face ao Processo nº ..., foi de deferimento do projeto de arquitetura (cfr doc nº 1 da pi);
F. Em 2004.06.01, face ao Processo nº ..., em reunião ordinária da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, foi aprovado o projeto de arquitetura (cfr doc nº 1 da pi);
G. Em 2004.09.21, a Proposta da Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, face ao Processo nº ..., com base no parecer técnico de 2004.09.20 da Divisão de Gestão Urbanística foi o do “deferimento do processo completo (…)” (cfr doc nº 2 da pi);
H. Por deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, no que toca ao Processo nº ..., foi deferida a licença administrativa e os projetos de especialidades (cfr doc nº 2 da pi);
I. As Contrainteressadas solicitam à Entidade Demandada, a emissão do alvará de licença de construção a que respeita o Processo de Obras n° ... (cfr fls 656 a 706 do pa);
J. Por despacho da Diretora do Departamento de Planeamento e Urbanismo, de 2004.12.06, no que respeita ao Processo nº ..., foi deferido o pedido de licença de construção (cfr doc nº 3 da pi);
K. Em 2005.02.15, a ZZZZ, cedeu à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL] (cfr fls 713 a 716 do pa);
L. Em 2006.06.01 foi emitido o Alvará de Licença de construção n° ..., que titula o licenciamento sob o nº ... (cfr doc nº 9 da pi).
M. Em 28 de Outubro de 2009 foi proferida sentença no processo n.º 131/07.6BELLE, intentado em 05.03.2007 (Cf. Documento n.º 1 junto com a pi e autos principais);
N. Da sentença referida na alínea antecedente foi interposto recurso jurisdicional que não foi admitido pelo TCA Sul (Cf. Fls. do processo principal).
O. Em 11.02.2015 o Exequente veio intentar a presente ação (Cf. Fls. dos autos).

Nos termos do disposto no art 662º do CPC e do art 149º do CPTA, por resultarem dos autos e se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas, aditam-se os seguintes factos à seleção dos factos provados:
P. A 21.11.2006 foi emitido, em nome da sociedade TTTT, alvará de licença de utilização nº ... para o Conjunto Habitacional – doc nº 11 junto com a contestação do Município.
Q. A sentença exequenda, referida no facto provado na al M), que aqui se dá por reproduzida, decidiu declarar a nulidade:
i. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 1.6.2004 que aprovou o projeto de arquitetura para construção de um conjunto habitacional de sete fogos, situado na [LOCAL],
ii. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 28.9.2004, que aprovou todo o projeto,
iii. do despacho da Diretora do Departamento de Planeamento e Urbanismo, de 6.12.2004, que deferiu o pedido de licença de construção,
iv. de todos os atos posteriores ao da aprovação do projeto de arquitetura, incluindo o Alvará de Licença de construção n° ....
R. A decisão sumária do TCAS que não admitiu o recurso foi proferida a 9.4.2014, foi notificada a 10.4.2014 e, por nada ter sido requerido, transitou em julgado no dia 24.4.2014 – consulta do processo principal no sitaf.
S. O conjunto habitacional construído foi constituído em propriedade horizontal, com 7 frações autónomas:

- a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008;

a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data);

a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014;

a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data);

a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data);

a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data);

e a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX – docs 4 a 10 juntos com a contestação do Município.
T. Por aviso nº ..., publicado no DRE, nº ..., 2ª série, de 9.9.2016, foi aberto o procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António, «Manta Rota/ [LOCAL]», no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos na [LOCAL] (processo nº ...) e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo nº ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo TAF de Loulé – Serviços do Ministério Público - doc A junto aos autos a 22.11.2016.

Fundamentação de Direito

Nulidade – omissões de pronúncia – art 615º, nº 1, al d) do CPC;

O recorrente Município alega que a sentença recorrida padece de nulidade porque:
1. não se pronunciou – como devia – sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto, seja quando se aborda o tema da existência de terceiros de boa fé, seja quando se menciona o tema da eventual legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, seja quando se calcula um prazo de execução.
2. não se pronunciou sobre o facto de a propriedade horizontal ter sido constituída sobre o Conjunto Habitacional (alegado nos artigos 14.º e 15.º da Contestação).
3. não se pronunciou sobre o facto de todas as frações autónomas terem sido transmitidas a terceiros e de sobre algumas terem sido constituídas hipotecas (factos alegados nos artigos 16.º e 17.º da Contestação).
4. não se pronunciou sobre o facto de ter sido emitida autorização de utilização para o Conjunto Habitacional [facto alegado no artigo 27.º, alínea (iv) da Contestação].
5. não se pronunciou sobre o facto de existirem no caso concreto terceiros alheios ao processo de licenciamento de construção, ao processo de licenciamento de utilização e à ação administrativa que declarou a nulidade do licenciamento da construção [facto alegado no artigo 27.º, alíneas (v) a (viii) da Contestação).
6. não se pronunciou sobre o facto de a ação administrativa não se encontrar registada na Conservatória do Registo Predial [alegado no artigo 27.º, alínea (ix) da Contestação].
7. não se pronunciou sobre o facto de a demolição do Conjunto Habitacional colocar em causa a estabilidade do locado [alegado nos artigos 28.º, alínea (iii), 100.º a 103.º da Contestação].
8. não se pronunciou sobre o facto de o Conjunto Habitacional estar implantado em Zona Turística de Expansão e não em REN [alegado nos artigos 28.º, alínea (iv), 43.º, 93.º e 105.º da Contestação].

Nos termos do disposto no art 615º, nº 1, al d), 1ª parte, do CPC, é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», o que está em consonância com o disposto no art 608º, nº 2 do CPC onde se estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág.143).

Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, obra cit., pág. 54).

Logo, as questões a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões, não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.

Vejamos agora a situação concreta.

O que está em causa na presente execução de sentença de anulação de atos administrativos de licenciamento urbanístico é o cumprimento do decidido no processo declarativo, repondo a ordem jurídica violada, e a forma como tal deve ser feito, e, sendo assim, se houver desacordo entre as partes ou inércia, cabe ao tribunal indicar a forma correta de dar cumprimento à decisão jurisdicional transitada em julgado.

Lendo a sentença recorrida, o tribunal a quo apreciou e decidiu a questão posta, da reconstituição da situação ex ante, ou seja, a que existiria se os atos declarados nulos não tivessem sido praticados – cfr art 173º, nº 1 do CPTA, na redação anterior ao DL nº 214-G/2015, de 2.10 – identificando a consequência da reposição natural que emerge da execução da sentença com a demolição das construções por ter sido infringida a lei, mais precisamente o disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992.

A sentença recorrida apreciou, ainda, as causas invocadas de impedimento do cumprimento do julgado. No entanto, estas não são a questão a resolver, mas argumentos esgrimidos pelos recorrentes para alegadamente afastar a demolição e a reposição do terreno na situação anterior à realização das obras de construção do Conjunto Habitacional. Logo, nunca poderia aqui haver uma omissão de pronúncia. A sentença abordou a suscetibilidade de legalização das construções (concluindo pela insusceptibilidade de legalização das construções, a demolição atingirá todas as construções que estiveram por base os atos declarados judicialmente nulos), a existência de terceiros de boa-fé – credores hipotecários e adquirentes das frações - e a possibilidade de salvaguarda dos seus direitos (os contrainteressados na ação principal foram os identificados na petição inicial de 5.3.2007 … os contrainteressados que não foram parte na ação principal não demostram que o seriam à data da propositura da ação principal … mesmo admitindo a circunstância que alguns contrainteressados venderam as suas frações a outrem não significa que se deve ter em conta que estes são terceiros adquirentes de boa fé, nos termos em que é alegado); a produção de efeitos putativos dos atos nulos (concluindo que, perante a violação dos instrumentos de ordenamento territorial, não há reconhecimento da relevância jurídica das situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos, tanto mais que não decorreu um longo período de tempo para criar uma situação de facto merecedora de tutela jurídica e a hipoteca sobre um imóvel não se extingue com a demolição da construção, dado que dela não resultará uma perda total); a situação financeira do Município de Vila Real de Santo António e os custos da execução (não constitui causa legítima de inexecução, nos termos do art 175º, nº 3 e 163º do CPTA); o prazo para a execução do julgado (de 3 meses (90 dias úteis … o prazo de dois anos para cumprimento entretanto já decorreu). Também, o princípio da proporcionalidade entre o interesse público tutelado pelas normas do ordenamento do território e do urbanismo e o direito de propriedade e da edificação foi tido em conta na sentença recorrida que decidiu pela prevalência dos interesses públicos no caso concreto. De todo o modo, a proporcionalidade ou desproporção da demolição e reposição não era nem é uma questão a resolver. Era e é um argumento e um critério a considerar na determinação da demolição e reposição do terreno, esta sim uma questão a resolver nos termos do artigo 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA e do artigo 134º do CPA, que o tribunal decidiu ser totalmente exigível, mediante o restabelecimento da situação existente anteriormente aos atos declarados nulos.

Não há, portanto, nulidade por omissão de pronúncia como pretende o recorrente Município de Vila Real de Santo António.

No mesmo sentido terá de ser a nossa decisão sobre a nulidade por omissão de pronúncia sobre a posição dos contrainteressados como terceiros de boa fé – art 615º, nº 1, al d) do CPC – invocada pelos recorrentes Município, OO e PP. Precisamente porque não sendo a questão do processo ainda assim foi analisada pela sentença em crise, no sentido de não justificar o incumprimento da sentença declarativa. Refere a sentença, se à data da transmissão do direito real das contrainteressadas no processo principal, estas não informaram os adquirentes da situação processual existente (ação principal com vista à declaração de nulidades de atos praticados referentes à construção das frações em causa), tal escapa ao controlo jurisdicional deste Tribunal.

Os recorrentes Município, QQ e RR imputam à sentença nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de registo da ação – art 615º, nº 1, al d) do CPC. Mas sem razão. Primeiro, a alegada necessidade de registo predial da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo não é a questão do processo executivo, que apele ao cumprimento do julgado anulatório. Depois, a declaração de nulidade de atos de licenciamento urbanístico não está sujeita a registo predial, porque não briga com a constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre o prédio objeto do licenciamento (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial). Tanto basta para o juízo de improcedência da nulidade por omissão de pronúncia.

Por tudo o exposto, a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia.

Nulidade por falta da necessária fundamentação – art 615º, nº 1, al b) do CPC

Os recorrentes OO e PP imputam nulidade por falta de fundamentação à sentença recorrida quando nela consta (apenas) que não significa que os adquirentes sejam terceiros de boa fé.

A nulidade da sentença por violação do artigo 615º, nº 1, al b) do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.

Ora, a sentença exequenda não foi indiferente à posição dos contrainteressados na ação executiva, apenas julgou o interesse público como prevalecente sobre as situações de facto que foram geradas no âmbito dos atos nulos.

Assim sendo, sem necessidade de mais longas considerações, não ocorre nulidade por falta absoluta de fundamentação.

Erro de julgamento da matéria de facto

O recorrente Município defende o aditamento à matéria de facto provada dos factos seguintes:
a. “Sobre o Conjunto Habitacional, o Município de Vila Real de Santo António, emitiu certidão para efeitos de constituição de propriedade horizontal, da qual resultariam sete frações autónomas individualizadas com as letras A a G, destinadas a habitação, com estacionamento comum em cave, a qual foi constituída e averbada na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António através da ... do prédio registado sob o número ..., da freguesia de [LOCAL]”.

Este facto ficou provado através do documento 2 junto à Contestação do Recorrente, o qual corresponde à certidão emitida pelo Recorrente em 14.01.2005. Resulta igualmente demonstrado através dos documentos 3 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam certidões do registo predial das frações autónomas constituídas e respetivas cadernetas prediais dessas mesmas frações.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
b. “Todas as frações autónomas constituídas foram objeto de venda a terceiros e, nalguns casos, objeto de hipoteca; a Fração A pertence a CC e DD (por aquisição registada em 28.01.2008); a Fração B pertence a EE (por aquisição registada em 05.11.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data); a Fração C pertence ao RRRR (por execução de LL registada em 21.05.2014); a Fração D pertence a FF (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E pertence a GG (por aquisição a MMMM, registada em 28.04.2009) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F pertence a HH e II (por aquisição ao RRRR, registada em 06.02.2014) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); e a [FRAÇÃO] pertence a JJ e KK (por compra a MM, registada em 16.03.2007) e tem sobre si uma hipoteca constituída pelo (então designado) XXXX (registada na mesma data).”

Este facto ficou provado através dos documentos 4 a 10 juntos com a Contestação, os quais consubstanciam as certidões de registo predial das frações autónomas e respetivas cadernetas prediais.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
c. “Por despacho de 16.11.2006, foi emitida em nome da sociedade TTTT, autorização de utilização para habitação, para o Conjunto Habitacional”.

Este facto ficou provado através do documento 11 junto com a Contestação, o qual corresponde ao Alvará de Licença de Utilização n.º ..., datado de 21.11.2006, emitido no âmbito do Processo n.º ..., no seguimento do despacho de 16.11.2006, em nome da sociedade TTTT, respeitante a sete fogos com a tipologia T3, destinados a habitação.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
d. “Os terceiros a quem foram vendidas as frações autónomas e que constituíram hipotecas sobre as mesmas não tiveram intervenção no processo de licenciamento da construção, no processo de licenciamento da utilização e na ação administrativa especial que declarou a nulidade do licenciamento da construção”.

Resulta dos documentos 1 a 4 juntos aos autos na petição inicial apresentada pelo Ministério Público no âmbito da ação administrativa declarativa e do Processo Administrativo que o processo de licenciamento foi tramitado em nome da sociedade ZZZZ, a qual cedeu, em 15.02.2005, à sociedade TTTT, a metade indivisa que lhe pertencia do prédio localizado na [LOCAL], tendo sido em nome desta última sociedade e de NN que, em 31.05.2005 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º ... – o qual foi junto aos autos pelo Ministério Público como documento 9 daquela petição inicial.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
e. “Nunca foi registado ou averbado na descrição do registo predial do prédio a que corresponde o Conjunto Habitacional o facto do Ministério Público ter intentado uma ação administrativa especial tendo por objeto a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da construção do Conjunto Habitacional.”

Este facto resulta provado do documento 3 junto com a Contestação do Recorrente, o qual consubstancia certidões do registo predial genérica e das sete frações autónomas constituídas, donde não consta qualquer referência ao registo da ação administrativa.

Com este facto o Município pretende se possa compreender e ponderar a existência de terceiros de boa-fé, relativamente aos quais não é possível descurar a existência de efeitos putativos, e bem assim, para se definir um prazo adequado para a execução da sentença.
f. “Por questões que se prendem com a estabilidade do edificado, a demolição parcial do Conjunto edificado não é possível e/ou segura, sendo que, a demolição da quase totalidade de uma (0,83) inviabiliza de facto a fração habitacional enquanto tal”.

Este facto foi provado através do documento n.º 13 junto com a Contestação do Recorrente, o qual corresponde a uma Informação datada de 24.03.2015, donde consta um Parecer sobre a eventual demolição parcial do Conjunto Habitacional.

Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração que a demolição parcial do Conjunto Habitacional tem um impacto na estabilidade do restante Conjunto Habitacional.
g. “O Conjunto Habitacional não se encontra implantado em REN, estando, todo ele, em Zona Turística de Expansão”.

Este facto resulta provado pelo documento n.º 6 junto com a Petição Inicial apresentada pelo Recorrido na ação administrativa especial – citado no Facto D) da Matéria de Facto Assente –, nunca tendo sido contestado por este. Encontra-se também do documento n.º 1 junto com a sua Contestação – o qual corresponde a um extrato da Planta de Síntese de Uso do Solo n.º 2.5 e 2.7 do PDM de Vila Real de Santo António e, bem assim, dos documentos que integram o Processo Administrativo.

Com este facto o Município pretende que seja tido em consideração a existência de impedimentos legais e de facto à execução da demolição do Conjunto Habitacional e adequada ponderação e aplicação do princípio da proporcionalidade do caso concreto.

Analisemos.

Nos termos dos artigos 636º, nº 2 e 640º do CPC, aplicáveis ex vi dos arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA, podem as partes, nas respetivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.

Para o efeito, o art 640º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os diversos pontos da matéria de facto impugnados. Estes ónus encontram-se devidamente cumpridos.

O recorrente Município de Vila Real de Santo António alega que a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto, para o caso de se entender que os factos omitidos não determinam a nulidade da sentença.

Só parcialmente lhe assiste razão, porque a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelas partes. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.

Da alegação do recorrente entendemos ser de aditar ao probatório os factos inscritos nas alíneas b) e c), que antes deixámos escritos nos factos provados nas als S) e P).

A demais factualidade invocada pelo recorrente – constituição da propriedade horizontal com sete frações e falta de registo predial da ação – é irrelevante para a decisão – não intervenção dos ora contrainteressados na ação administrativa especial – resulta provada nas als A), I), K), S) – risco para a estabilidade do conjunto habitacional de demolição parcial – não resulta provado este facto e o mesmo é irrelevante, porque o título executivo declarou a nulidade do licenciamento do Conjunto Habitacional (não de determinada fração ou frações) – e implantação do conjunto habitacional fora da REN – este facto resulta provado na al D) da matéria de facto provada.

A pretensão do recorrente Município, de aditamento de factos provados, procede parcialmente.

Erros de julgamento da matéria de direito

O recorrente Município refere que a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento, desde logo e em geral por ter considerado inexistirem, em concreto, causas legítimas de inexecução, impedimentos legais e de facto à execução mediante a demolição do Conjunto Habitacional.

Advoga o recorrente que o tribunal errou ao considerar que não é garantida nem exequível a legalização das construções por força da revisão do PDM em curso, pois o quadro normativo vigente não permitia a legalização do Conjunto Habitacional referido.

Errou a sentença ao não aplicar ao caso concreto o princípio da proporcionalidade – em especial, nos cenários da consideração da existência de terceiros de boa-fé, da ponderação do binómio legalização / demolição (total ou parcial) e, bem assim, do apuramento de um prazo de execução.

Mal andou a decisão do Tribunal a quo quando ordenou que se procedesse à demolição da totalidade do Conjunto Habitacional (ainda mais sem uma articulação com uma solução menos drástica, como seja, por exemplo, a fixação de um prazo razoável para a efetivação da legalização, sob pena de concretização da dita demolição). Foram violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da justiça. Verifica-se assim que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por manifesta violação do artigo 106º, nº 2 (primeira parte) do RJUE, dos artigos 179º, nº 1 e 71º, nº 2, ambos do CPTA, assim como dos artigos 2º e 111º da CRP.

Alega o recorrente que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão.

A sentença recorrida não considerou existirem efeitos putativos a reconhecer adquirentes de boa fé, por não terem sido partes nos procedimentos de licenciamento da construção e da utilização, nem na ação de impugnação desses atos, a qual por sua vez não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial. Não o tendo feito, ocorreu violação do direito de propriedade privada desses terceiros de boa fé e também violação da previsão de inexecução lícita, decorrente do art 163º, nº 1 do CPTA, por da demolição resultarem prejuízos financeiros para o interesse público.

Por fim, o recorrente Município imputa ainda erro de julgamento decorrente da determinação de um prazo ilegal para a execução, de 90 dias, por manifestamente insuficiente quer para a legalização quer para a demolição.

Os contrainteressados (adquirentes das frações e credores hipotecários) não se conformam com a sentença, a que imputam erros de julgamento de direito por não terem sido reconhecidos como terceiros de boa fé e titulares de efeitos putativos.

Os recorrentes OO e PP, para além de tudo, alegam ainda que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido interpretativo que o tribunal a quo lhe conferiu, no sentido de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional, colide contra os princípios fundamentais consagrados no art 266º, nº 1 e 2 da CRP, na medida em que atenta contra interesses legalmente protegidos dos cidadãos bem como com o princípio da proporcionalidade.

O recorrente DDDD imputa à sentença recorrida também violação do artigo 33º, nº 2 do CPC, do artigo 57º do CPTA, dos arts 20º e 268º, nº 4 da CRP, do art 291º, nº 2 do Código Civil e por considerar a demolição como uma medida sancionatória.

O recorrente XXXX entende padecer a sentença de violação do disposto no art 291º do CC, no art 134º, nº 3 do CPA, do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do art 106º, nº 2 do DL nº 555/99 e a demolição das construções condiciona e muito a garantia real do recorrente.

Vejamos.

Na ação principal, por sentença de 28.10.2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé declarou a nulidade:
i. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 1.6.2004 que aprovou o projeto de arquitetura para construção de um conjunto habitacional de sete fogos, situado na [LOCAL],
ii. da deliberação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de 28.9.2004, que aprovou todo o projeto,
iii. do despacho da Diretora do Departamento de Planeamento e Urbanismo, de 6.12.2004, que deferiu o pedido de licença de construção,
iv. de todos os atos posteriores ao da aprovação do projeto de arquitetura, incluindo o Alvará de Licença de construção n° ....

O fundamento da nulidade dos atos administrativos impugnados reside na violação do disposto no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, ratificado pela Portaria nº 347/92, de 16.4, publicado no DRE, 2ª série, nº 160, de 14.7.1992 (RPDM/92).

De acordo com o preceito legal, nas Zonas Turísticas de Expansão, ressalvado o disposto no n.º 3 do presente artigo, nos empreendimentos turísticos bem com, nos planos de pormenor que a Câmara Municipal venha a elaborar, têm que se observar, obrigatoriamente, as seguintes regras:

a) Índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano.

Em casos especiais, este índice poderá atingir 0,4.

O terreno objeto da operação urbanística tem 2470m2 de área e encontra-se inserido em Zona Turística de Expansão, mas 1077,06m2 fazem parte do regime transitório da REN, por se tratar de uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar, na qual não é permitida a implantação de qualquer construção. Assim, a área de terreno fora do regime transitório da REN e onde é possível implantar construções tem 1392,94m2.

Pelo que, se aplicarmos os índices previstos no artigo 50º, nº 1, al a) do Regulamento do PDM, obtém-se um valor de superfície de pavimento de:

- 1392,94 m2 * 0,35 = 487,53 m2

ou

- 1392,94 m2 * 0,40 = 557,18 m2 (para casos especiais)

A área de construção aprovada foi de 1363,13m2.

A implantação e impermeabilização do terreno (segundo as peças desenhadas) recaiu somente sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar.

No entanto, para efeitos de índices, no projeto aprovado foi considerada a área total do terreno, ou seja, os 2470m2 e a área de superfície de pavimento foi de 920m2, a qual corresponde a um índice de utilização de 0,3726, isto é, uma área de superfície de pavimento aprovado de 432,47m2 acima do permitido por lei, que é de 487,53 m2 (487,53 m2 + 432,47m2 = 920m2).

Portanto, o índice de utilização bruto aprovado é superior a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano.

O referido índice de utilização é menor que 0,4, mas o RPDM não especifica os casos especiais em que o índice de utilização pode ser superior a 0,35 e menor ou igual a 0,4.

A sentença exequenda julgou o índice de utilização aprovado (de 0,3726) para a operação urbanística superior ao permitido por norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António (de 0,35). Consequentemente, julgou o ato de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção nº ..., nulos, à luz do estabelecido no artigo 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, na redação do DL nº 177/2001, de 4.6.

A sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014.

É este o título executivo da presente ação de execução de sentença de anulação dos atos administrativos de licenciamento urbanístico proferidos no procedimento camarário nº ....

O caso julgado firmado pela sentença exequenda delimita os poderes de pronúncia do juiz de execução, vinculando o tribunal (e as partes) a acatar o que aí ficou definido. A eficácia subjetiva do caso julgado pode estender-se aos contrainteressados da ação executiva (como mais à frente veremos).

Nos termos do disposto no art 205º, nº 2 da CRP, art 158º, nº 1 e nº 2 do CPTA e art 619º, nº 1 do CPC, transitada em julgado a decisão judicial que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou decisão, designadamente, de autoridade administrativa.

Ora, seguindo o entendimento de Ana Celeste Carvalho, em «Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa», Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, págs 250 e segs, «embora seja aplicável ao processo administrativo o regime da vinculação, obrigatoriedade e prevalência da sentença, assim como o instituto do caso julgado do direito processual civil, existem especificidades próprias do direito processual administrativo que se impõe ter em consideração.

A eficácia do caso julgado no processo civil aponta, por isso, que ele se limite às situações positivamente verificadas pelo tribunal através de julgamento, pelo que, abrange apenas a parte decisória da sentença, não se estendendo aos fundamentos ou ao raciocínio lógico que a sentença percorreu.

Neste sentido, a jurisprudência tem decidido que o caso julgado, mesmo formal, não se forma sobre os fundamentos da decisão, mas somente sobre esta e que o caso julgado apenas excecionalmente se forma sobre os motivos que sejam antecedente imediato ou indispensável à emissão do dispositivo da sentença.

Sem prejuízo, a jurisprudência tem admitido que sendo a eficácia do caso julgado limitada, em princípio, à simples conclusão ou dispositivo da sentença, deve tornar-se extensiva à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, assim como, que os fundamentos ou motivos da sentença sejam tidos em conta sempre que tal se mostre necessário para interpretar e determinar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exato conteúdo.

Por isso, se tem decidido que embora o caso julgado se forme sobre a decisão e não sobre os motivos, estes devem ser considerados na fixação do sentido e alcance da decisão e que o caso julgado abrange a decisão necessariamente implícita.

(…) No direito processual administrativo fruto da atual conceção do objeto do litígio dirigido à ilegalidade administrativa e não a cada um dos vícios ou causas de ilegalidade concretamente invocadas, estão os fundamentos abrangidos no caso julgado da sentença anulatória.

(…) A vantagem de considerar a autoridade do caso julgado extensiva aos fundamentos da decisão encontra-se na maior certeza a que a mesma conduz, pois sendo maior o âmbito da imodificabilidade das decisões, menores serão os litígios resultantes de decisões contraditórias.

Deste modo, acolhe o direito processual administrativo um regime mais amplo dos limites objetivos do caso julgado, admitindo para além do dispositivo da sentença, também os seus concretos fundamentos de facto e de direito».

O que significa que in casu, o tribunal, na ação principal, declarou a nulidade do licenciamento da operação urbanística Conjunto Habitacional de 7 fogos, situado na [LOCAL], freguesia de [LOCAL], ao abrigo do disposto no art 50º, nº 1, al a) do RPDM de Vila Real de Santo António e no art 68º, al a) do DL nº 555/99, de 16.12, por não respeitar o índice de utilização bruto: menor ou igual a 0,35, em relação à área do prédio incluída no perímetro urbano.

É no artigo 173º do CPTA que se encontra concretizado o dever de executar do Município, sempre que lhe cumpra retirar consequências da declaração de invalidade – nulidade ou anulação – dos seus atos administrativos. Com efeito, nomeadamente, pode ter de alterar situações de facto criadas ao abrigo do ato ilegal e assim reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação (cfr art 173º, nº 1 do CPTA).

A execução duma decisão judicial anulatória de ato ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da prática do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado, com a eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.

Na verdade, e como resulta do art 173º, nº 1 do CPTA, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo podem situar-se em três planos, ou seja, (1) o da reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, (2) o do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava e (3) da eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida.

E na observância e cumprimento destes deveres, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de atuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (art 173º, nº 1 do CPTA).

A par do que vimos de dizer, acompanhando a jurisprudência vertida, por exemplo, nos acórdãos do TCAN de 27.5.2011, processo nº 516-A/03, e de 14.12.2012, processo nº 608-A/99, quer a atuação da Administração, mediante a prática de todos os atos jurídicos e operações materiais que se tornem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, quer a atividade de controlo exercido pelo tribunal quanto à atuação/omissão daquela está condicionada pelo caso julgado decorrente da decisão judicial exequenda e respetivos limites [cfr. Acs. STA de 02.07.2008 (Pleno) - Proc. n.º 01328A/03, e de 18.11.2009 - Proc. n.º 0581/09].

É que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão que se executa, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório encontra-se circunscrita à(s) ilegalidade(s) que ditou(aram) o fundamento de invalidade do ato (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821ª e Ac. STA/Pleno de 29.01.1997 - Proc. n.º 27517), pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita às ilegalidades que ditaram a anulação contenciosa do ato nada obstando, desta feita, a que a Administração emita novo ato com idêntico núcleo decisório mas liberto daquelas mesmas ilegalidades (cfr. Ac. do STA/Pleno de 08.05.2003 - Proc. n.º 40821A, de 02.07.2008 - Proc. n.º 01328A/03, Ac. STA/Secção de 30.09.2010 - Proc. n.º 01388A/03).

Quer isto dizer que o critério pelo qual havemos de aferir se a decisão judicial anulatória foi ou não devidamente executada é o do âmbito das ilegalidades que conduziram à invalidação do ato.

No caso, o ato administrativo de aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este foram julgados nulos, nos termos do art 50º, nº 1, al a) do ... e art 68º, al a) do DL nº 555/99, não estando a obra de construção do Conjunto Habitacional, com 7 fogos, licenciada.

Assim, importa saber em que termos se terá de processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e todos os atos posteriores a este, e quais os limites, poderes envolvidos, modo de exercício e fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade.

A este propósito refere Mário Aroso Almeida, em «Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes», Teses, 2002, págs 510, 512 a 514, que se afigura «de admitir que a circunstância objetiva de ter havido um ato ilegal e de ter sido judicialmente decretada a sua anulação - em termos que automaticamente tornaram evidente e indiscutível que a situação criada ao abrigo daquele ato é hoje uma situação de mero facto, destituída de fundamento jurídico, e que a sua manutenção, no presente e para o futuro, é lesiva de quem recorreu e obteve a anulação - é suficiente para restringir, no caso concreto, o componente de apreciação valorativa quanto à oportunidade de agir que a previsão normativa abstrata da competência da Administração para intervir sobre construções ilegais porventura comporte.

A circunstância de a Administração ser corresponsável pela situação ilegal, por ter contribuído para a lesão do interessado, constitui um evidente fator delimitador dessa eventual discricionariedade. Por conseguinte, se, à partida, o poder de intervenção sobre construções clandestinas envolvia um espaço de apreciação discricionária quanto ao an, a circunstância da anulação do ato no qual se baseava a situação
 constitui a Administração numa verdadeira obrigação de agir para com o recorrente que obteve a anulação daquele ato.

Isto deve-se ao facto
, …, de não estar, aqui, em causa o normal exercício, por parte da Administração, dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais, mas o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação. … Justifica-se, por isso, que, neste contexto, se acentue o dever de a Administração atuar relativamente às situações que ela própria criou através da adoção de um ato administrativo ilegal. Sobre ela recai, nesses casos, um dever qualificado de intervenção, uma vez que já não se trata de cumprir uma obrigação pública genérica de pôr cobro aos ilícitos que outros cometem, mas de eliminar um ilícito público, imputável a si própria.

… o fundamento do estrito dever que à Administração se impõe de agir em relação à construção ilegalmente edificada ao abrigo da licença que foi anulada, com eliminação da discricionariedade quanto à oportunidade da atuação, reside, portanto, na circunstância de essa intervenção se inscrever na execução do efeito repristinatório da anulação.

No que, entretanto, se refere à determinação do concreto conteúdo das medidas a adotar, 
a execução do efeito repristinatório da anulação apenas exige a demolição na medida em que outra definição não a venha legitimamente afastar. Ao lado da demolição - ou seja, ao lado da execução do efeito repristinatório, que a sentença anulatória, à partida, reclama - permanecem, assim, intactos os poderes de valoração de que a Administração disporia mesmo que a construção tivesse sido, ab initio, clandestina e não tivesse sido, pois, edificada ao abrigo de uma licença inválida. Com o que se transita para o plano da redefinição da situação, no (re)exercício de poderes autónomos de definição jurídica, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado da sentença de anulação.

Por conseguinte, se o ato puder e dever ser renovado, é isso, naturalmente, que a Administração deve fazer. Dependendo do caso concreto, pode ser que a simples realização de obras de adaptação baste para assegurar, entretanto, a legalidade da construção.

… Na sequência da anulação, a Administração deverá, assim, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do recorrente que obteve a anulação pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da construção edificada e, porventura, para o próprio interesse público, do que seria a pura e simples demolição. Tudo depende do conteúdo das normas materiais cuja violação esteve na base da anulação da licença. A demolição só deve ser, desde logo, imposta nas situações em que, dadas as circunstâncias concretas, a legalização não seja possível.

Por via de regra, 
a Administração deve, assim, na sequência da anulação, mandar notificar de imediato o proprietário do prédio para que proceda à demolição ou, sendo isso possível, requeira a sua legalização. Na primeira das hipóteses, a imposição à Administração do dever de proceder, ela própria, à demolição poderá ser pedida pelo recorrente no processo impugnatório ou, se necessário, no processo de execução da sentença de anulação. Neste último caso, o recorrente terá a oportunidade de acompanhar os ulteriores desenvolvimentos do eventual procedimento de legalização. Se, no entanto, ele não vier a ser desencadeado ou não tiver seguimento, ele poderá exigir, no processo de execução de sentença, que o tribunal fixe o prazo razoável dentro do qual a Administração deve proceder à demolição, sem prejuízo ainda, dentro do mesmo prazo, da eventual legalização do edificado. Se a Administração nada fizer dentro do prazo fixado, o recorrente será indemnizado pelo facto de a construção não ter sido demolida, sem que, para esse efeito, possa já relevar a possibilidade da sua legalização.

Deste modo se parece conseguir a mais adequada conciliação dos valores que, neste domínio, se defrontam: 
o da segurança jurídica e da proteção da confiança do proprietário, e o da tutela da legalidade material e dos direitos e interesses do recorrente que obteve a anulação. No pressuposto, desde o início assumido, de que, nos casos em que deva ter lugar, a demolição ainda se inscreve na execução do efeito repristinatório da anulação, mediante a qual cumpre remover a situação de perturbação criada pelo ato que foi anulado, na medida em que ele não venha a ser renovado nem objeto de medidas alternativas.

Também a jurisprudência se tem pronunciado sobre os termos em que se deve processar a execução da decisão anulatória que declarou a nulidade de ato de licenciamento e quais os limites na fixação dos atos/operações tendentes a assegurar a reposição da legalidade, no sentido de a demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só dever ser ordenada como última medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade.

A título de exemplo, citamos o acórdão proferido pelo TCAN, a 5.6.2008, no processo nº 232-A/2003, onde se pode ler que as  consequências executivas da declaração judicial de nulidade de uma licença de construção, dado não serem explicitamente ditas na lei, deverão ser procuradas, desde logo, no âmbito do regime jurídico da própria nulidade.

Este regime jurídico consagra a regra básica de que o ato nulo não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade [artigo 134.º n.º 1 do CPA], mas ressalva que esta ausência de efeitos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito [artigo 134.º, nº 3 do CPA].

Constata-se, assim, que o legislador, apesar de fixar a completa esterilidade jurídica do ato nulo [n.º 1], não esquece simplesmente a situação de facto que esse ato poderá ter gerado, abrindo, até, a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito.

Não é nosso intento escalpelizar, nesta sede, os pressupostos necessários ao funcionamento dessa possível relevância, mas apenas sublinhar, para o que aqui importa, a atenção que a lei acaba por dar às situações de facto decorrentes dos atos nulos.

Também é interessante verificar, agora no plano mais concreto do regime jurídico da urbanização e edificação, como a lei atende a situações de facto surgidas à sua margem, permitindo [nomeadamente] que a demolição de edificações clandestinas possa vir a ser evitada no caso de se mostrar possível o seu licenciamento, nomeadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração - ver o então artigo 167.º do RGEU, e o atual artigo 106.º n.º 2 do RJUE.

Em face disto, cremos que se impõe ao julgador, no plano da execução coerciva de uma sentença que declarou nula a licença de construção de um prédio, construído e habitado, que preste a devida atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada por esse ato nulo, e que pondere a possibilidade executiva de ser extirpada a causa dessa declaração de nulidade, revertendo a situação de facto ilegal numa situação jurídica de legalidade, e evitando, desta forma, a total demolição do edificado.

Efetivamente, esta solução radical [demolição total] pode não ser imposta pela concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade, e pode surgir, até, como claramente desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real.

Como solução drástica que é, sobretudo quando, como no presente caso, há terceiros de boa fé, a demolição total do edificado deve ser encarada pelo julgador como a última solução. A execução coerciva de sentença que declarou nula a licença de construção de um edifício, já construído e habitado, não passa, pois, necessariamente, pela demolição total do edificado, mas não poderá deixar de consistir no conjunto de atos e operações materiais que se mostrem necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade.

Na situação em apreço, a sentença exequenda declarou a nulidade dos atos impugnados.

O Município visado na ação principal nada fez após o trânsito em julgado da decisão exequenda.

Trata-se aqui da omissão de um dever qualificado de intervenção do Município.

Por um lado, porque ao Município se exige o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação, não estando em crise atuação no âmbito do normal exercício dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais.

Por outro lado, cumpre ao Município eliminar situações que ele próprio criou através da adoção de um ato administrativo ilegal, por violar as normas do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António.

Com efeito, nas circunstâncias de facto apuradas no título executivo, a declaração de nulidade da aprovação do projeto de arquitetura e dos atos posteriores a este, incluindo o alvará de licença de construção, impõe ao Município, em execução da sentença exequenda, o dever de atuar, reduzindo-se a zero a sua discricionariedade para o fazer.

Com efeito, cumpre à Administração, perante a existência de obras ilegais, proceder nos termos previstos nas normas urbanísticas dos arts 106º, 107º, 108º do DL nº 555/99. Estes preceitos legais determinam que, em caso de incumprimento voluntário da ordem de demolição pelo administrado, prevista no artigo 106º, nº 1 do DL nº 555/99, deve o Município proceder, ele próprio, à demolição, por força do disposto no art 106º, nº 4 do DL nº 555/99, seguindo a tramitação dos arts 107º e 108º do mesmo regime legal.

Na situação em apreço, em execução do julgado anulatório, o Município não determinou a legalização da obra, não determinou a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos.

O incumprimento da obrigação de agir do Município para com o autor, que obteve a sentença de declaração de nulidade dos atos impugnados, levou o Ministério Público a pedir a execução em juízo.

O que cabe no âmbito da presente ação executiva é dar plena e integral execução à sentença de 28.10.2009 e, em nosso juízo, tendo em conta o exposto até este momento, a sentença recorrida interpretou corretamente o título executivo, por isso, identificou os atos e operações a cumprir pelo Município – cassar os alvarás de licença de construção e de utilização – efetivar a demolição de todo o edificado – repor o solo na situação anterior à realização das obras – e fixou-lhe um prazo dentro do qual deve proceder à demolição da obra.

A sentença refutou todas as causas invocadas pelos recorrentes que obstariam a que se desse execução à demolição de todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ....

A sentença analisou as vias preferenciais à demolição, a saber: a legalização da operação urbanística realizada com base nos atos declarados nulos (art 106º, nº 2 do RJUE) e a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos (art 134º, nº 3 do CPA de 1991, art 162º, nº 3 do CPA de 2015), mas decidiu pela respetiva improcedência.

Vejamos se errou na aplicação do direito.

Quanto à possibilidade de legalização da obra ilegal:

Uma das alternativas que se colocam à ponderação da Administração nas situações em que tenha havido uma declaração da nulidade do ato administrativo de gestão urbanística é a da legalização das operações que com base no mesmo foram concretizadas, situação que passa pela prática de novos atos de licenciamento das operações consolidadas, desta vez sem o vício gerador da nulidade, sendo que neste caso é evidente que a legalização da operação urbanística só será possível mediante a alteração da situação de facto ou a alteração do direito aplicável.

A legalização da operação urbanística em causa implica a prática de atos de licenciamento das obras feitas ao abrigo dos atos declarados nulos, sem o vício que determinou a nulidade. O ato a praticar pode depender da alteração da situação de facto (demolição parcial) ou de alteração do direito aplicável (cfr Fernanda Paula Oliveira e Pedro Gonçalves, «Regime da Nulidade dos atos Administrativos de Gestão Urbanística que investem o Particular do Poder de Realizar Operações Urbanísticas», CEDOUA, ano 2, 1999, págs 21 e 22).

Sabemos que a sentença exequenda transitou em julgado no dia 24.4.2014.

A ação executiva entrou em juízo a 11.2.2015.

A 30.8.2016 a CM de Vila Real de Santo António deliberou aprovar a realização de alteração ao PDM, no sentido de legalizar os processos de licenciamento urbanístico de um conjunto habitacional de sete fogos na [LOCAL] (processo nº ...) e de um condomínio privado localizado no [LOCAL] (processo nº ...), os quais obtiveram declarações de nulidade proferidas pelo TAF de Loulé – Serviços do Ministério Público.

O procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António está em curso, pois encontra-se publicitada a abertura de um período de discussão pública [de 30 dias úteis, com início no quinto dia útil posterior à respetiva publicação no Diário da República] da proposta de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António - artigo 89º, através de aviso nº ..., publicado no DRE, nº 52, série II, de 2025-03-14.

Em função desta realidade fáctica apurada, o curso do procedimento de alteração do RPDM, os recorrentes defendem ser de afastar a demolição do Conjunto Habitacional com vista ao restabelecimento da situação de ilegalidade com referência à execução da decisão proferida no processo principal.

Neste domínio, não assiste razão aos recorrentes, pois que o facto de estar em curso uma alteração do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António nada vem trazer de relevante para a sorte destes autos.

Porque o quadro legal aplicável ao caso, inclusive neste momento, continua a ser o que consta do Regulamento do PDM que justificou a declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística, ou seja, o disposto no art 50º, nº 1, al a) do .../ 1992.

De facto, a mera possibilidade ou hipótese de legalização futura, com a efetiva alteração do PDM, não é fundamento bastante para o juiz aplicar, ao abrigo do art 173º, nº 1 e nº 2 do CPTA, o regime previsto no art 106º, nº 2 do DL nº 555/99, nos termos do qual: a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.

Como decidiu o TCAS, a 9.11.2017, processo nº 846/09.4BELLE-A (acórdão confirmado pelo STA a 4.4.2019), em situação similar à dos presentes autos, «
a legalização e a tese da “ultima ratio” não podem ignorar o texto do nº 2 do art 106º do RJUE, nem ser ancoradas numa mera possibilidade ou hipótese futura, até porque há aqui um verdadeiro ónus dos interessados. (…) (i) a legalização tem de ser uma possibilidade real e presente ou iminente, o que aqui não se verifica; e (ii) ao interessado aplica-se o art. 342º do CC, pelo que, com base nos factos provados, não há aqui obstáculo principiológico ao cumprimento do art. 173º/1/2 do CPTA.».

Além do bloco de legalidade urbanística atual ser o que existia à data da emissão dos atos nulos, mesmo a existência de novas disposições regulamentares impõe fazer a devida correspondência entre a nova ordem e a realidade em apreço, situação que passa por eventual novo ato de licenciamento, a requerimento dos interessados (aqui contrainteressados) ou por iniciativa do requerido, no sentido de se averiguar a conformidade da operação urbanística denominada Conjunto Habitacional com sete fogos com as novas regras urbanísticas em vigor, substituindo validamente os atos declarados nulos.

Dito de outro modo, aprovadas e entradas em vigor novas normas regulamentares é necessário a Administração, o Município de Vila Real de Santo António, levar a cabo uma nova apreciação urbanística do Conjunto Habitacional, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data.

Porém, até ao momento, e apesar do tempo decorrido, não existe notícia de novo regime urbanístico que tutele alteração ao Regulamento do PDM/1992, no sentido de legalizar o Conjunto Habitacional de sete fogos na [LOCAL], nem novos atos de licenciamento por parte do Município de legalização da construção.

Os recorrentes Município e contrainteressados não demonstram a legalização total da obra ilegal, ou dito de outro modo, não provam que a edificação ilegal é hoje legalizável. O que avançam, todos os recorrentes, é estar em curso o procedimento de alteração ao Plano Diretor Municipal de Vila Real de Santo António, pelo que a possibilidade de legalização da construção ilegal poderá vir a ocorrer no futuro. Neste momento, face ao PDM em vigor, que é o da data da prática dos atos nulos, a legalização não é possível. Mais, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade da legalização é que poderá fazer-se a ponderação inerente à proporcionalidade implicada na aplicação do art 106º, nº 2 do RJUE (cfr Fernanda Paula Oliveira e outras, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 3ª edição, pág 663).

A partir daqui, resulta claro que, nesta altura, o reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência.

Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito constituída ou declarada pela sentença exequenda. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido.

Acresce que, nem o Município nem os contrainteressados demonstram a legalização de parte da obra ilegal, por não estar implantada na zona de ocorrência dunar a salvaguardar e cumprir o índice de utilização de 0,35 e a área de superfície de pavimento de 487,53m2.

Alega o recorrente Município (conclusões Z e AA) que foi desconsiderada a impossibilidade de se optar pela demolição de uma das frações em detrimento de outras, pelo facto de nenhuma das frações autónomas se encontrar construída em área REN, todas estando em Zona Turística de Expansão. As referidas frações estão implantadas sobre uma estrutura comum e do ponto de vista das engenharias a demolição de quase duas frações autónomas significaria um impacto muito relevante ao nível da estabilidade das demais frações.

Nota o recorrido Ministério Público que estamos, in casu, perante um conjunto habitacional com 7 frações autónomas e partes comuns (garagem em cave), pelo que o licenciamento das frações implica a apresentação de um novo projeto de arquitetura que contemple a totalidade das construções a legalizar.

Apesar do recorrente Município ter instruído a contestação com um parecer dos seus serviços, para sustentar a impossibilidade de se optar por uma demolição parcial, documento nº 13, sem ser apresentado requerimento dirigido à legalização parcial da operação urbanística, portanto, sem prévia apresentação de novo projeto de arquitetura que contemple as construções a legalizar, ónus a cargos dos (contra)interessados, não se concebe como se pode concluir pela impossibilidade ou possibilidade (total ou parcial) de legalização da obra ilegal.

Neste sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, em Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 2012, 3ª edição, anotação 3 ao artigo 106º do RJUE, pág 663, a legalização das operações urbanísticas, nos casos em que depende de apreciação do projeto concreto de legalização da construção, não exime que o interessado na legalização o apresente, já que a Administração não se lhe pode, em princípio, substituir.

Em boa verdade, o que os recorrentes alegam e pretendem é uma mera e hipotética legalização futura da construção do Conjunto Habitacional, na decorrência de alterações do Plano Diretor Municipal, e não adaptações do ilegal ao exigido pelo direito em vigor.

Assim sendo, de acordo com o disposto no art 173º, nº 1 do CPTA, decidiu bem a sentença recorrida, ao concluir que, por a alteração do RPDM estar em curso, o quadro normativo atualmente vigente não permite a legalização das construções ilegais, pelo que impende sobre o Município de Vila Real de Santo António a obrigação de executar o título executivo, isto é, proceder à demolição de toda a construção erigida com sustento nos atos de licenciamento declarados nulos.

Quanto aos efeitos putativos:

Com efeito, por regra, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (art 134º, nº 1 do CPA/91). A não ser que os princípios gerais da boa fé, da proteção da confiança, da proporcionalidade, associados ao decurso do tempo entre a prática dos atos declarados nulos e a impugnação judicial dos mesmos, imponham ao juiz a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes do ato nulo (art 134º, nº 3 do CPA e art 69º, nº 4 do DL nº 555/99, de 16.12 (nº 4 introduzido na redação dada ao diploma pela Lei nº 60/2007, de 4.9).

Não sendo possível legalizar a obra feita, outra via que evita a demolição é a que passa pela aplicação do regime previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA de 1991 e, hoje, no art 162º, nº 3 do CPA/2015.

Dispunha o art 134º, nº 3 do CPA de 1991:

3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulospor força do simples decurso do tempode harmonia com os princípios gerais de direito.

Dispõe o art 162º do CPA de 2015:

3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.

A possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, nos termos do artigo 134º, n º 3 do CPA/1991, tem em vista os chamados efeitos putativos dos atos nulos, bem como tem em consideração que a insusceptibilidade de produção de efeitos jurídicos pode não ter (e no direito do urbanismo, muitas vezes não tem) correspondência com a realidade a nível factual, ou seja, o ato embora nulo produziu alterações na realidade existente (por exemplo no caso de a obra estar concluída, como aqui sucede).

Contudo, a possibilidade conferida pelo artigo 134º, nº 3 do CPA/1991, de proteção de algumas situações de facto consolidadas no tempo, em homenagem aos princípios da boa-fé, da confiança e da proporcionalidade, deve ser interpretada como uma exceção ao regime regra, pelo que apenas em casos absolutamente excecionais e desde que tenha decorrido um longo período deve ser admitida a atribuição de efeitos aos atos nulos, sob pena de se tornar a exceção em regra.

Da leitura da norma do nº 3 do preceito citado resulta que a atribuição de efeitos jurídicos a situação de facto consolidada depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
i. a existência de um ato administrativo nulo;
ii. o decurso de um determinado período de tempo entre a prática do ato de licenciamento nulo e o momento em que se pretende retirar consequências do facto de ser nulo o ato que licenciou a obra;
iii. compatibilidade com os princípios gerais de direito, como sejam os princípios da boa-fé, da justiça, da proteção da confiança, da paz social, da igualdade, da realização do interesse público, da proporcionalidade.

Verificados estes pressupostos, será, então, possível a atribuição de certos efeitos jurídicos às operações urbanísticas executadas ao abrigo de licenças nulas.

Para além de manter a situação de facto consolidada, a jurisdicização consiste ainda em permitir à autoridade administrativa que praticou o ato que originou a referida situação, praticar outros atos administrativos idóneos a conservar as operações urbanísticas consolidadas, permitindo que as mesmas entrem no comércio jurídico, e tratando-as, para certos efeitos, como licenciamentos válidos.

Daqui decorre que a norma referida não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, uma vez que este não é passível de sanação jurídica, mas antes permite atribuir certos efeitos ao tempo decorrido, o que encontra o seu fundamento na necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais e depende de ter decorrido um período dilatado de temponão podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados (cfr ac do TCAS de 8.5.2014, processo nº 10.124/13).

Na situação em análise, em primeiro lugar, estamos perante atos administrativos nulos, assim declarados pelo título executivo.

A sentença exequenda foi proferida a 28.10.2009, na ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos instaurada no dia 5.3.2007, transitou em julgado a 24.4.2014 e declarou a nulidade da deliberação de 1.6.2004 (que aprovou o projeto de arquitetura para construção do Conjunto Habitacional de sete fogos), da deliberação de 28.9.2004 (que aprovou todo o projeto), do despacho de 6.12.2004 (que deferiu o pedido de licença de construção) e de todos os atos posteriores, incluindo o alvará de licença de construção.

A ação declarativa foi movida pelo Ministério Público contra o Município de Vila Real de Santo António e contra as contrainteressadas ZZZZ, AA & LLLL e TTTT. (por intervenção admitida na ação a 25.3.2008).

Como refere o recorrido, na conclusão M) das contra-alegações do recurso do Município, a partir do momento em que foi proposta a ação administrativa especial de impugnação, a 5.3.2007, deixou de existir uma relação jurídica estável, em relação aos atos administrativos de licenciamento da operação urbanística em causa, que pudesse ser geradora de confiança.

Desde a prática dos atos, de 1.6.2004, de 28.9.2004 e de 6.12.2004, até à propositura da ação de impugnação judicial desses atos, em 5.3.2007, decorreram menos de três anos e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização nº ..., a 21.11.2006.

Se considerarmos o prazo de 10 anos, previsto no artigo 69º, nº 4 do DL nº 555/99, como indício especialmente relevante na aplicação do artigo 134º, nº 3 do CPA ao caso em apreço, de facto os atos de licenciamento da operação urbanística foram questionados em juízo num curto espaço de tempo, inferior a três anos em relação à aprovação do projeto de arquitetura e pouco mais de três meses em relação à emissão do alvará de licença de utilização.

Assim, como decidido na sentença recorrida, menos de três anos é um período insuficiente para que se considere ter existido a necessária e relevante estabilidade de situações de facto merecedoras da tutela jurídica.

Os recorrentes, incluindo o Município, discordam desta contagem do prazo, por entenderem que apenas a partir da citação nesta ação executiva os adquirentes e credores hipotecários das frações tiveram conhecimento da nulidade dos atos, portanto, volvidos mais de dez anos para efeitos de aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA.

Não lhes assiste razão.

A legalidade dos atos praticados pelo Município no procedimento de licenciamento foi questionada em tribunal a 5.3.2007, antes de ter sido vendida qualquer fração aos contrainteressados/ recorrentes e contra os que à data constavam como requerentes do licenciamento e a entidade licenciadora/ Município de Vila Real de Santo António.

Na ação administrativa especial de impugnação dos atos administrativos, de 1.6.2004, de 28.9.2004, de 6.12.2004 e dos posteriores, nem o autor, nem o Município, nem as contrainteressadas naquela ação informaram ou requereram no processo a intervenção dos adquirentes e credores hipotecários dos 7 fogos (a Fração A foi adquirida por CC e DD e registada em 28.01.2008; a Fração B foi adquirida por EE e registada em 05.11.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX (registada na mesma data); a Fração C foi adquirida pelo RRRR, por execução de LL registada em 21.05.2014; a Fração D foi adquirida por FF e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração E foi adquirida por GG e registada em 28.04.2009, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a Fração F foi adquirida por HH e II e registada em 06.02.2014, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo RRRR (registada na mesma data); a [FRAÇÃO] foi adquirida por JJ e KK e registada em 16.03.2007, tem sobre si uma hipoteca constituída pelo XXXX).

O Conjunto Habitacional foi construído, a propriedade horizontal foi constituída e as sete frações foram alienadas e algumas objeto de hipoteca.

As frações foram transacionadas depois da entrada em juízo da ação administrativa especial (em 5.3.2007). As frações G, A, D, E foram adquiridas no curso da ação, antes de ser proferida a sentença declarativa (que data de 28.10.2009), as frações B, F e C foram adquiridas antes do trânsito em julgado daquela sentença (ocorrido a 24.4.2014).

Neste contexto, entende-se que cabia, desde logo, a quem alienou as frações promover a intervenção processual dos sucessivos adquirentes das mesmas na ação administrativa especial, sendo que não cabia ao Tribunal promover a habilitação dos sucessivos adquirentes das frações se nada foi requerido nesta matéria.

Ainda assim, a eficácia subjetiva do caso julgado estende-se aos contrainteressados desta ação executiva, pessoas que não foram partes na ação administrativa especial mas que ficaram vinculados às consequências e aos efeitos da decisão declarativa. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC anotado, 4ª edição, vol 1, pág 135, exemplificam a situação precisamente com «o caso do adquirente da coisa ou direito litigioso na pendência da ação declarativa, sem sua subsequente intervenção no processo (art 263º, nº 3 do CPC)». Inexistindo, por isso, in casu, violação do disposto no art 33º, nº 2 do CPC e nos arts 57º e 177º, nº 1 do CPTA. Até porque, nos termos do art 177º, nº 1 do CPTA, os contrainteressados a quem a satisfação da pretensão possa prejudicar é um critério que se baseia numa apreciação casuística da situação.

Pelo exposto, na situação em apreço, entendemos, como vem decidido, não estar preenchido o pressuposto do decurso do tempo para que se aplique a previsão legal do art 134º, nº 3 do CPA.

Este pressuposto do decurso do tempo não se confunde com a qualidade dos contrainteressados, ora recorrentes, como terceiros, alheios a todo o procedimento de licenciamento e à ação administrativa especial onde se deferiu o pedido de declaração de nulidade dos atos de licenciamento. Aliás, a sentença recorrida não questionou que os contrainteressados/ recorrentes são terceiros.

Admitindo que estes terceiros desconheciam a existência do processo judicial declarativo, desconheciam a existência da declaração de nulidade dos atos de licenciamento da operação urbanística e que os demandados na ação declarativa não lhes deram conhecimento do litígio e da sentença proferida na ação, estaremos perante terceiros de boa fé. Pois, pelas certidões do registo predial das ditas frações não podiam os adquirentes e credores hipotecários dos imóveis saber da ação de impugnação de atos administrativos de licenciamento. Como a ação não tem como finalidade o reconhecimento, constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade sobre cada uma das sete frações autónomas não está sujeita a registo (cfr arts 2º, nº 1 e 3º do Código do Registo Predial).

No entanto, a boa-fé dos contrainteressados não tem a virtualidade de obstar ao cumprimento do julgado anulatório e à demolição do edificado, porquanto não é o único requisito previsto no artigo 134º, nº 3 do CPA para o reconhecimento de efeitos dos atos nulos, decorrentes do decurso do tempo (ao contrário do que alegam as instituições bancárias recorrentes, o art 291º do CC, que visa a proteção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não tem aplicação às nulidades dos atos de licenciamento urbanístico de imóveis.

A este respeito, podemos ler no sumário do acórdão do STA de 9.7.2014, no processo nº 1561/13, a seguinte doutrina:

I - A atuação correta, leal e de boa fé dos intervenientes no procedimento, ignorando a violação de qualquer disposição legal, não convalidará ou não fará desaparecer ilegalidade invalidante de que enferme o ato administrativo impugnado.

II - Os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios, não se destinando a preservar ou manter na ordem jurídica um ato administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade, e, assim, impedir que o mesmo seja declarado em processo judicial deduzido com tal objetivo.

O que significa que a boa fé dos adquirentes/ proprietários e credores hipotecários das frações não justifica por si só que os seus direitos de propriedade fiquem salvaguardados pelo reconhecimento de efeitos putativos dos atos nulos.

A decisão recorrida, no caso concreto, num juízo de proporcionalidade, fez prevalecer os interesses de ordem pública, em matéria de urbanismo e de ordenamento do território, sobre a pretensão dos contrainteressados na manutenção e utilização das construções ilegais. O que é bem diferente da interpretação que dela fizeram os recorrentes OO e PP, quando, na conclusão 23, alegam que a norma do art 134º, nº 3 do CPA, no sentido que o tribunal lhe conferiu, de não tutelar os terceiros de boa fé quando a norma que for declarada nula se enquadre no âmbito do direito do urbanismo, afigura-se inconstitucional. A sentença não diz isto nem afastou a aplicação do disposto no art 134º, nº 3 do CPA em matéria urbanística. A decisão em crise segue, no fundo, a regra no âmbito do licenciamento urbanístico, de que não há lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos, porque o direito de propriedade e o jus aedificandi, não sendo direitos absolutos, cedem por razões relacionadas com a proteção do ordenamento do território, da integridade ambiental ou paisagística da zona em questão.

Na verdade, o terreno onde foi implantada a construção tem uma faixa a sul, com 1077,06m2 de área que se encontra inserida no regime transitório da REN e, segundo o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Algarve, é uma zona de ocorrência dunar a salvaguardar. E se é certo que a operação urbanística foi implantada sobre o terreno que se encontra fora da zona de ocorrência dunar a salvaguardar, no entanto excedeu o índice de utilização e o valor de superfície de pavimento permitidos pelo ... em vigor para o local.

Ora, como defende o recorrido, um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a atos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível - art 134º do CPA – sendo que, no caso vertente, há ainda que atender ao interesse público na reposição e manutenção da legalidade que não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem um índice de utilização de 0,3726 e uma área de superfície de pavimento de 920,43m2, superior ao permitido pelo RPDM de Vila Real de Santo António, de 0,35 e de 487,53m2. Diminuindo deste modo, com as 7 frações edificadas contra as normas do PDM, designadamente, o terreno que devia ser utilizado para a instalação de equipamentos recreativos e de zonas verdes (cfr art 50º, nº 2, al c) do .../92).

Admitir in casu a legalidade dos atos nulos, a reboque da produção de efeitos putativos, seria admitir uma verdadeira sanação dos atos de licenciamento nulos, em benefício de quem (requerentes do licenciamento e entidade licenciadora) foi responsável pelas ilegalidades geradoras dessa mesma nulidade e omitiu aos contrainteressados, ora recorrentes, a existência da impugnação judicial do licenciamento da construção do Conjunto Habitacional aquando da transmissão da propriedade das frações.

Entende-se, também, de referir que a análise e decisão sobre a presente matéria não põe em causa as garantias hipotecárias que inclusivamente os contrainteressados DDDD e XXXX detêm sobre as frações B, D, E, F e G dos autos, pelo que não têm que ser chamados à colação os efeitos putativos da nulidade dos atos de licenciamento. As garantias hipotecárias não se extinguem com a demolição das construções ilegais, uma vez que subsiste o lote do terreno onde estão erigidas. A eventual diminuição das garantias dos credores, não vem concretizada com factos, mas não é, por si só, razão que obste ao decidido. O mesmo sucede, como bem nota o recorrido, com o eventual prejuízo, não densificado com factos, para os proprietários das frações.

Os artigos 173º e 179º do CPTA têm sempre a ver com a reposição efetiva da legalidade administrativa, mesmo nos casos previstos nos artigos 102º e segs do DL nº 555/99, maxime no artigo 106º. Assim, existia e persiste o dever de a entidade administrativa/ Município de Vila Real de Santo António reconstituir a situação que existiria atualmente sem o ato inválido.

Como já se disse, não ficou demonstrado, por parte dos recorrentes, que esta obra é atualmente legalizável face ao ... em vigor (de 1992), mas resulta provado que quando os contrainteressados/ recorrentes adquiriam as frações e foram constituídas as hipotecas já os atos de licenciamento tinham sido impugnados em juízo com fundamento em violação de norma do Regulamento do PDM de Vila Real de Santo António, vindo a ser declarados nulos ao abrigo do artigo 68º, al a) do DL nº 555/99. Este fundamento de nulidade – violação do disposto no art 50º, nº 1, al a) do ..., atento o «bem» por ele protegido, e que respeita ao correto ordenamento do território nacional, mantém-se enquanto se mantiverem as regras cuja violação o ditou.

O que significa que a declaração de nulidade proferida no título executivo continua atual, sendo de aplicar a lei vigente à data da apreciação urbanística.

A demolição, enquanto ato de execução coerciva da sentença declarativa, deve suportar-se no regime jurídico vigente à data da sua determinação, pois é nessa data que se têm de verificar os requisitos que a habilitam, não fazendo qualquer sentido reportá-la a normas futuras e incertas, que não estão aprovadas nem em vigor.

E, como salienta o Ministério Público (recorrido), o Estado tem a obrigação constitucional de assegurar um correto ordenamento do território e de salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado - cfr. arts 9º, al e) e 66º, nº 1 da CRP.

Tais obrigações e interesses não podem ser afastados pela onerosidade financeira da execução do julgado para o Município, decorrente da demolição do Conjunto Habitacional, nem pelo direito de propriedade e garantias hipotecárias dos contrainteressados adquiridos quando já estava instaurada ação administrativa especial de impugnação dos atos de licenciamento.

Em suma, à luz do princípio da proporcionalidade, não sendo possível a reposição da legalidade urbanística, in casu, por meio da legalização, nem a atribuição de efeitos putativos aos atos nulos, face à inexistência de situações de facto consolidadas por um período de tempo bastante e razoável e face à superioridade do interesse público a tutelar no caso concreto, cumpre dar execução à sentença anulatória dos atos administrativos, consiste na cassação do alvará de licença de construção nº ... e do alvará de utilização nº ... e na demolição do Conjunto Habitacional.

Prazo para cumprir a execução:

O recorrente Município «queixa-se» ainda do prazo manifestamente insuficiente de 90 dias úteis fixado pela sentença recorrida para o restabelecimento da situação existente antes da prática dos atos nulos, quer para a legalização total ou parcial do Conjunto Habitacional, quer para a demolição das frações. De onde conclui que a fixação deste prazo viola o princípio da proporcionalidade e o subprincípio da necessidade, carecendo da razoabilidade imposta no art 179º, nº 1 do CPTA.

A sentença exequenda transitou em julgado a 23.5.2014.

O Município não invocou a ocorrência de causa legítima de inexecução nem cumpriu o dever de executar a sentença declarativa, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, como lhe impunha a norma do art 175º, nº 1 e nº 2 do CPTA.

Por este motivo foi requerida a 11.2.2015 a execução do julgado, nos termos do art 176º do CPTA.

Só com a citação para os termos da ação executiva o Município vem invocar, na contestação (apresentada a 24.3.2015), causas legítimas de inexecução – art 177º do CPTA.

Julgadas improcedentes as causas de inexecução invocadas foi fixado o prazo de 90 dias úteis para o Município cassar o alvará de licença de construção e o alvará de licença de utilização das habitações, demolir todo o edificado ao abrigo do processo de licenciamento de construção nº ..., repor o solo na situação anterior à realização das obras cujo licenciamento foi declarado nulo.

Consideramos neste ponto assistir razão ao recorrente Município.

O reconhecimento judicial da ilegalidade do ato ao abrigo do qual a construção em apreço foi edificada exige a demolição dessa construção na medida em que não existe, neste momento, uma nova definição jurídica que venha legitimamente afastar essa consequência.

Assim sendo, é evidente que a demolição é a medida que faz corresponder a situação de facto à situação de direito declarada pela sentença. O único modo de consubstanciar, no plano dos factos, a declaração de nulidade do ato que licenciou a construção é, na verdade, colocar a situação de facto no estado em que ela estaria se esse ato nunca tivesse existido.

No entanto, com referência à situação de facto existente, a consideração da matéria alternativa sustentada pelo recorrente Município, e também pelos contrainteressados recorrentes, de estar em curso uma alteração do ..., para legalizar o Conjunto Habitacional dos 7 fogos, impõe que se aponte que, apesar de se entender que deverá ser ordenada a demolição da construção, nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto se poder vir, mais tarde, a extinguir, por alteração superveniente das circunstâncias, de facto ou de direito, designadamente se entretanto se proceder à legalização do edificado.

Conforme escreve Fernanda Paula Oliveira, em Nulidades Urbanísticas, Casos e Coisas, Almedina, pág. 112 «(…)ainda que um tribunal ordene, sem mais, que a Administração proceda à demolição de operações urbanísticas ao abrigo de ato nulo…nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto vir, mais tarde a extinguir-se, por alteração superveniente das circunstâncias de direito, designadamente pela alteração da norma do plano violado que passe a admitir aquela operação».

Neste contexto, e em face da factualidade apurada nos autos, e procurando dar expressão a tudo quanto ficou exposto, temos para nós que, à luz do que se mostra apurado em termos da matéria de facto, do decidido com trânsito em julgado e do disposto nos arts173º, nº 1 e 2, 176º, 179º, nº 1 do CPTA, os atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que existia à data do ato ilegal reconduz-se à tomada dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal – Conjunto Habitacional, precedida do despejo de cada uma e de todas as frações, operação essa a levar a cabo no prazo máximo de 24 meses (como pretendido pelo recorrente Município).

Considerando que as sete frações autónomas visadas no título executivo têm fim habitacional, têm sobre si constituídas hipotecas (com exceção das frações A e C), alguns dos contrainteressados são estrangeiros e têm morada fora do nosso país, e, ainda, em função da natureza da obra a desenvolver e os procedimentos inerentes à mesma, julgamos adequado o prazo de 24 meses/ 2 anos para concretização dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data.

Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 179º, nº 1 do CPTA e à aplicação do princípio da proporcionalidade, quando fixou em 3 meses (90 dias úteis) o prazo para ser restabelecida a situação existente antes dos atos declarados nulos. No mais alegado improcedem os erros de julgamento de direito imputados à sentença recorrida.

Decisão

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subseção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. negar provimento aos recursos dos contrainteressados;
ii. conceder parcial provimento ao recurso do Município de Vila Real de Santo António,
iii. revogar a sentença recorrida na parte em que fixou o prazo para cumprir a execução em 90 dias úteis,
iv. fixar em 24 meses o prazo para concretização dos procedimentos conducentes à demolição da construção ilegal, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento, nos termos do regime jurídico de urbanização e edificação em vigor nessa data.

Custas nos recursos dos contrainteressados: a cargo dos recorrentes contrainteressados.

Custas do recurso do Município: a cargo do recorrente, na proporção de 2/3, estando o recorrido isento do pagamento das custas devidas na parte em que decaiu.

Notifique.

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Lisboa, 2025-05-15,

(Alda Nunes)

(Marta Cavaleira)

(Ana Lameira).