Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:66/15.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
GERENTE DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
MOMENTO TEMPORAL
Sumário:I - O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização tributária subsidiária a administração efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gestão e administração, não se satisfazendo com a mera administração nominal ou de direito.
II - O momento temporal relevante para determinar o regime da responsabilidade tributária subsidiária que é ao caso aplicável é o da data efetiva e em concreto até à qual deveria ter sido feito o pagamento voluntário, ainda que o tributo em cobrança coerciva se reporte a exercício anterior.
III - Exceto no caso de gestão pelo insolvente, determinada na sentença que declara a insolvência, nos termos dos art.ºs 223.º e 224.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a sentença de declaração de insolvência, atentos os poderes/deveres do administrador e as apreensões e entrega, a este, de todos os documentos contabilísticos e bens da insolvente, cessa não só a administração de direito como a possibilidade prática de uma administração de facto.
IV - Uma vez que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda pela devedora originária terminou após a prolação da sentença que declarou a sua insolvência, o Recorrido não é responsável subsidiário ao abrigo do que dispõe a alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, como pretendido pelo órgão de execução fiscal.
Votação:Voto de vencido
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 04/10/2018 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por J…, melhor identificado nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3247201401239945, contra si revertido, depois de originariamente instaurado contra a sociedade «A… – A… S.A. - Em Liquidação», para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC»), do exercício de 2012, no valor de 8.862,64 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pelo ora recorrido contra execução fiscal com o processo n.º 3247201401239945, instaurados por dívida de IRC relativas ao ano de 2012, contra a sociedade comercial “A… – A… , S.A.”, divida esta posteriormente revertida na ora oponente, no montante total de 8.862,64 €
4.2. Como fundamentos da oposição invocou o oponente no seu petitório inicial, em suma, a
sua ilegitimidade para a execução fiscal em causa, por não ter exercido de facto a administração da sociedade executada originária à data do vencimento da dívida tributária em
questão, uma vez que em 05/06/2014 encontrava-se impossibilitado de administrar, da facto, a executada originária, por força da insolvência desta, declarada em 20/05/2013, alegando não
se encontrar, por isso, verificado o pressuposto constante da al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da
LGT.
4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição, considerando não se ter verificado na reversão em questão o pressuposto da administração do ora recorrido na executada originária à data do vencimento da obrigação tributária em questão, por força da declaração de insolvência ocorrida anteriormente aquela data.
No entanto,
4.4. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor
entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.
Senão vejamos:
4.5. Considerou o Ilustre Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, e em suma, que não ficou demonstrado nos autos a administração da sociedade executada por parte do oponente, ora recorrido, à data do terminus prazo legal de pagamento do IRC em questão, uma vez que, em
data anterior a esta, a executada originária havia sido declarada insolvente, ficando o oponente, por isso, privado dos poderes de administração daquela, por força do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do CIRE.
4.6. Para fundamentar a sua decisão considerou o Ilustre Tribunal recorrido, no respeitante ao
factos provados, que “b) A dívida exequenda reportava-se a IRC, sendo o período de tributação 2012 e ao ano da dívida 2014, cujo prazo de pagamento voluntário havia terminado em 05/06/2014 - certidão da dívida, junta a fls. 21 e 22 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos”; que
4.7. “c) A sociedade A… - A… S.A. – Em Liquidação, foi declarada insolvente por sentença, proferida em 20/05/2013, que transitou em julgado em14/06/2013 - certidão de registo comercial, junta a fls. 31 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.”, e que
4.8. “e) O ora oponente tornou-se sócio da sociedade A… – A… Ld.ª em 25/06/1996, posteriormente transformada em sociedade anónima 30/12/2009,
tendo assumido, na data de constituição da sociedade, as funções de gerente daquela sociedade, que manteve sem interrupção, até 20/05/2013, data em que a sociedade foi declarada judicialmente insolvente - certidão de registo comercial junta aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.” – Cfr. ponto 4.1., FACTOS PROVADOS, do decisório ora em apreciação;”.
4.9. Quanto á matéria factual tida por não provada, considerou o Ilustre Tribunal que não se provou que “… no período em que se verificou o prazo de pagamento voluntário do crédito tributário em apreço (05/06/2014), o ora oponente ainda fosse gerente da sociedade.”, pois que “… resultou a convicção do Tribunal de a sociedade se encontrar declarada insolvente desde 20/05/2013, pelo que, desde aquela declaração judicial (artigo 81.º do CIRE), os gerentes/administradores da sociedade encontram-se privados dos poderes de administração e
de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador judicial.”, concluindo que “… o Oponente foi gerente no período de constituição do crédito, ora cobrado coercivamente (ano de 2012), mas já não era gerente no período legal do seu pagamento (05/06/2014).”.
No entanto,
4.10. é entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que não poderia o Ilustre Tribunal recorrido considerar como facto assente reportar-se a dívida
tributária em questão ao ano de 2014, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 05-06-
2014.
Isto porque,
4.11. entende a Fazenda Pública que o prazo legal de pagamento do IRC em questão verificou-se a 31-05-2013. Ou seja, considera a Representação da Fazenda que o termo do prazo legal de pagamento da dívida em questão é não aquele que consta na certidão de dívida (ou seja, 05-06-2014), conforme entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, mas antes o termo do prazo legal para o pagamento voluntário do IRC em questão (ou seja, in casu, 31-05-2013).
4.12. Postula o artigo 84.º do CPPT que “Constitui pagamento voluntário de dívidas de impostos e demais prestações tributárias o efectuado dentro do prazo estabelecido nas leis tributárias”. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 85.º do CPPT refere que “os prazos de pagamento
voluntário dos tributos são regulados segundo as leis tributárias.”
Ora,
4.13. dizendo a dívida tributária em questão respeito a IRC de 2012, postula a lei tributável do imposto em questão (o CIRC), no n.º 1 do artigo do artigo 108.º do CIR, que “o imposto devido pelas entidades não referidas no n.º 1 do artigo 104.º e que sejam obrigadas a enviar a
declaração periódica de rendimentos é pago até ao último dia do prazo estabelecido para o envio daquela ou, em caso de declaração de substituição, arte ao dia do seu envio.”, mais referindo o n.º 1 do artigo 120.º do CIRC que “a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º deve ser enviada, anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de maio, independentemente desse dia ser útil
ou não.”.
4.14. De acordo com os normativos acima citados, fácil é de se concluir que o pagamento voluntário do IRC deve ser efectuado até ao último dia do 31 de maio do ano seguinte ao que
respeita o imposto devido, pelo que, in caso, a data limite para o pagamento voluntário do IRC
em questão seria 31-05-2013, uma vez que o mesmo referia-se ao exercício de 2012, sendo esta a data relevante – ou seja, a data limite para o pagamento voluntário do imposto em questão – à qual se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, e não, conforme entendeu o
Ilustre Tribunal recorrido na decisão ora em apreciação, a data de 05-06-2014, referindo-se esta última data ao termo do prazo que a sociedade executada dispunha para efectuar o pagamento que, no entanto, já se encontrava em cobrança coerciva, momento em que já se tinha verificado o incumprimento da obrigação de pagamento do imposto por ela devido.
Razão pela qual, 4.15. se conclui que o prazo referido na al. b) do n.º 1 do artigo 24.ºda LGT, a fim de estabelecer-se a responsabilidade subsidiária, só pode ser o prazo de pagamento voluntário e não o prazo para pagamento em execução fiscal, conforme entendeu o Ilustre Tribunal a quo.
4.16. De acordo com o exposto, colhe-se que em 31-05-2013 o oponente, ora recorrido, encontrava-se, ainda, à frente dos destinos da sociedade executada originária, sendo ainda seu administrador, pois apesar desta ter sido judicialmente declarada insolvente em 20-05-2013, a sentença declaratória apenas transitou em julgado em 14-06-2013.
4.17. Ao assim não o considerar na sentença ora em crise, o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de direito no julgamento da matéria de facto, violando, assim, o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, 84.º e 85.º, n.º 1, do CPPT, e 108.º, n.º 1, 117.º, n.º 1, al. b) e 120.º, n.º 1, do CIRC..
Razão pela qual,
4.18. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão
ora recorrida, no que concerne à procedência da oposição em questão, com as legais consequências daí decorrentes.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada
JUSTIÇA!»
*
A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A douta sentença recorida fez uma correcta e legal apreciação dos factos e do direito aplicável, não padecendo dos vícios que a recorrente lhe atribui. Nenhuma das conclusões da alegação da recorrente tem fundamento. Pede-se pois a V Exas que o recurso seja julgado improcedente consequentemente, que seja confirmada inteiramente a douta sentença recorrida, Assim fazendo V Exas Justiça».
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que o Recorrido exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária na data em que ocorreu o fim do respetivo prazo legal de pagamento.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«a) Em 04/12/2014, o serviço de finanças de Lisboa-2 instaurou o processo de execução fiscal n.º 3247201401239945, à sociedade A… – A… S.A. - Em Liquidação, para cobrança coerciva de um crédito de IIRC, relativo ao ano de 2012, no valor global de € 8.862,64 (oito mil, oitocentos e sessenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) - autuação do PEF junto a fls. 20 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) A dívida exequenda reportava-se a IRC, sendo o período de tributação 2012 e ao ano da dívida 2014, cujo prazo de pagamento voluntário havia terminado em 05/06/2014 - certidão da dívida, junta a fls. 21 e 22 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
c) A sociedade A… - A… S.A. – Em Liquidação, foi declarada insolvente por sentença, proferida em 20/05/2013, que transitou em julgado em 14/06/2013 - certidão de registo comercial, junta a fls. 31 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
d) Em 23/07/2014, foi expedido ofício de citação, contendo simultaneamente o despacho de reversão, contra o ora oponente, relativamente à dívida exequenda, identificada em a) e b) - ofício de citação, junto a fls. 9 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
e) Com relevância para os autos, transcreve-se a fundamentação dos citados despacho de reversão e citação:
“(…) Insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23.º/1 a 3 e 7 da LGT e 153/1/2b do CPPT), decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência de direito (artigo 24.º, /1b) da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da AT.
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária, no período em questão (…)”- citados despacho de reversão e de citação.
e) O ora oponente tornou-se sócio da sociedade A… – A… Ld.ª em 25/06/1996, posteriormente transformada em sociedade anónima 30/12/2009, tendo assumido, na data de constituição da sociedade, as funções de gerente daquela sociedade, que manteve sem interrupção, até 20/05/2013, data em que a sociedade foi declarada judicialmente
insolvente - certidão de registo comercial junta aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.».

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«1 - Que, no período em que se verificou o prazo de pagamento voluntário do crédito tributário em apreço (05/06/2014), o ora oponente ainda fosse gerente da sociedade.
2 - Que o oponente tenha tido culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para proceder ao pagamento da dívida exequenda.».
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
Quanto ao facto não provado, identificado em 4.2.1., resultou a convicção do Tribunal de a sociedade se encontrar declarada insolvente desde 20/05/2013, pelo que, desde aquela declaração judicial (artigo 81.º do CIRE), os gerentes/administradores da sociedade encontram-se privados dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador judicial.
Conclui-se assim que, o Oponente foi gerente no período de constituição do crédito, ora cobrado coercivamente (ano de 2012), mas já não era gerente no período legal do seu pagamento (05/06/2014).
Pelo que, a reversão só poderia ter sido efectuada ao abrigo da alínea a), do n.º1, do artigo 24.º da LGT, dispositivo que, faz impender sobre a Fazenda Pública, o ónus probatório da culpa do gerente na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, que, nada alegou nem provou nesse sentido.
E, sendo certo que, era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental, prova que, de acordo com a jurisprudência pacífica existente nesta matéria, terá que ser contemporânea do despacho de reversão (neste sentido o acórdão do ATA de 02/04/2009, no processo 1130/08), se concluiu que o a Fazenda Pública nada alegou nem provou nesse sentido, motivo pelo qual o Tribunal considerou o facto, elencado em 4.2.2., como não provado.».
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Ao abrigo do artigo 662º do CPC, por se mostrar relevante para a decisão da causa, adita-se o seguinte facto ao probatório:

f) Em 20/05/2013, foi nomeada pelo Tribunal de Comércio de Lisboa – 4.º Juízo, no âmbito do processo de insolvência n.º 545/2TYLSB, Filipa Soares como administradora de insolvência da sociedade devedora originária – cf. fls. 36 dos autos.
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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração do exercício da administração de facto da sociedade devedora originária por parte do Recorrido. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3247201401239945, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que o Recorrido exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária.


Sustenta o Recorrido, assim como o EMMP junto deste Tribunal, que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Vejamos, então.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual:

«1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária:

(i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

(ii) A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (cf. ponto e) da factualidade assente).

Como referimos acima, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» -, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT).

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º. 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal».

Como tal, continua o referido acórdão do Pleno:

«Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso).
Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).
O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).
Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».
Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto.

Sobre o momento temporal relevante para determinar o regime de responsabilidade tributária subsidiária que é aplicável, veja-se o sumário do acórdão do STA de 23/06/2010, proc. n.º 0304/10, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:
«I - Atento ao disposto nos artigos 84.º e 85.º números 1 e 2 do CPPT, deve entender-se que a expressão legal utilizada no n.º 1 do artigo 24.º da LGT – “prazo legal de pagamento” -, se refere ao prazo de pagamento voluntário da dívida tributária, sendo estes os fixados nas leis tributárias e, na sua ausência, o de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes.
(…)
V - Consequentemente, tendo o recorrido já cessado funções na data em que terminou o prazo legal de pagamento do IRC de 2001, o regime no qual se poderia fundar a sua responsabilidade pela dívida social é o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, que, para ser efectivado, pressupunha que a Administração fiscal demonstrasse, e não o fez, a sua culpa na insuficiência do património social para a satisfação da dívida exequenda.»


Também neste sentido, veja-se, ainda, o consignado no sumário do aresto deste Tribunal de 16/02/2023, proferido no proc. n.º 2659/19.6BELRS, consultável em www.dgsi.pt:
«II - O momento temporal relevante é o da data efectiva e em concreto até à qual deveria ter sido feito o pagamento voluntário.».

Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos.

Ficou provado que no caso que agora nos ocupa a dívida exequenda respeita a IRC do exercício de 2012 (cf. ponto b) dos factos assentes), tendo em 2014 sido instaurado o PEF n.º 3247201401239945 para proceder à sua cobrança coerciva (cf. pontos a) e b) do probatório).

Ora, respeitando a dívida exequenda a IRC do exercício de 2012, dúvidas não restam que o termo do prazo legal de pagamento deste tributo terminou em 31/05/2013, nos termos dos art.ºs 108.º, n.º1 e 120.º, n.º1, ambos do Código do IRC. Na verdade, o «prazo legal de pagamento» a que se refere o n.º1 do art.º 24.º da LGT é, como visto, aquele que é determinado pelas leis tributárias que ao caso sejam aplicáveis (cf. art.ºs 84.º, n.º1 e 85.º, n.º1 do CPPT). Findo o prazo de pagamento estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor (cf. art.º 88.º, n.º1 do CPPT), para efeitos de autuação da execução fiscal visando a cobrança do tributo que não tenha sido pago no decurso do correspondente prazo de pagamento voluntário.

Verificamos, assim, que a data relevante pata aquilatar do regime de responsabilidade tributária que ao caso é aplicável é 31/05/2013, e não 05/06/2014, como foi entendido pelo Tribunal a quo.



Contudo, não obstante esta conclusão, a verdade é que, ainda assim, mantém-se inalterada a conclusão retirada na sentença proferida pelo Tribunal a quo no sentido que o Recorrido já não detinha quaisquer poderes de administração e gestão da sociedade devedora originária na data limite de pagamento voluntário do crédito exequendo de IRC.

Senão vejamos.

Resulta dos factos provados que em 20/05/2013 a sociedade devedora originária foi declarada insolvente, tendo a respetiva decisão judicial transitado em julgado em 14/06/2013 (cf. ponto c) da factualidade assente).

Mais ficou provado que nessa mesma data F… foi nomeada administradora de insolvência da sociedade devedora originária pelo Tribunal de Comércio de Lisboa – 4.º Juízo (cf. ponto f) dos factos provados).

Ora, preceitua o art.º 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») o seguinte:
«1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência».

Por seu turno, estabelece o art.º 54.º do mesmo diploma legal que:
«O administrador da insolvência, uma vez notificado da nomeação, assume imediatamente a sua função.»


Mais dispõe o art.º 55.º, n.º1 do CIRE, quanto às funções e ao exercício da administração de insolvência que:
«1 - Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir:
a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram;
b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.».

Verificamos, pois, sem esforço, que a data relevante para o administrador de insolvência passar a exercer os seus poderes de gestão dos bens integrantes da massa insolvente é a que corresponde à da prolação da sentença declaratória da insolvência, e não a data do seu trânsito em julgado (que pode, eventualmente, ser relevante nos casos de existência de litígio quanto à mesma, o que, in casu, todavia, não sucedeu).

Assim, provada a declaração judicial da insolvência da executada originária em 20/05/2013, bem como a nomeação de administrador judicial, e a respetiva inscrição na conservatória do registo comercial, e considerando o quadro normativo que dimana do preceituado nos art.ºs 54.º, 55.º e 81.º do CIRE, a verdade é que, por um lado, é inequívoco que a partir dessa data a administração do património da sociedade executada passou a ser levada a cabo pela administradora de insolvência nomeada pelo Tribunal de Comércio, pelo que a reversão deveria ter sido concretizada ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art.º 24.º da LGT; por outro, fica por demonstrar que o Recorrido detinha a administração de facto da executada originária.


De outra perspetiva, mas ainda no que respeita ao onus probandi quanto ao funcionamento do instituto da reversão, podemos afirmar que se a declaração de insolvência constitui para o Recorrido a cessação da administração de facto, fazendo cessar a sua responsabilização subsidiária nos termos do n.º1 do art.º 24.º da LGT, então a manutenção da gestão era um facto que deveria ter sido alegado e comprovado em sede do procedimento de reversão, para evidenciar o exercício da administração de facto, o que o órgão de execução fiscal não fez, porquanto nada consta nesse conspecto no despacho de reversão.

De resto, para fundamentar o exercício da administração de facto o órgão de execução fiscal apenas alegou o recebimento pelo Recorrido de remunerações da categoria A e a sua nomeação como administrador da executada originária, o que é manifestamente insuficiente para sustentar o exercício de facto da gestão da executada originária.

Com efeito, não resulta esclarecido se o recebimento pelo Recorrido de remunerações ao serviço da devedora originária o foi pelo exercício do cargo diretivo ou se pelo exercício de funções eventualmente técnicas, ou de outra natureza, não associadas ao cargo diretivo para que estava inscrito no registo. É que, como bem se compreenderá, se alguém desempenha funções diretivas numa empresa e as acumula com funções predominantemente técnicas, administrativas ou de supervisão, não se vê que tenha de cessar estas últimas por virtude da declaração de insolvência e designação de um administrador da insolvência, pois apenas se mostrará incompatível com a situação de insolvência o exercício efetivo de funções diretivas e são estas a fonte da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º da LGT (cf. neste sentido, para além de muitos outros, o acórdão deste Tribunal de 21/06/2018, proc. n.º 1649/14.0BESNT, consultável em www.dgsi.pt).



Por outro lado, em sede de procedimento de reversão e no âmbito dos presentes autos, não ficou provada qualquer factualidade da qual se possa extrair, com a necessária certeza, que o Recorrido exerceu a administração de facto da executada originária no exercício a que respeita a dívida exequenda e naquele em que ocorreu o términus do respetivo prazo legal de pagamento.

Assim, não resultando demonstrado o exercício efetivo de funções diretivas do Recorrido na devedora originária na data limite de pagamento voluntário da liquidação exequenda de IRC, sendo que o ónus dessa prova recaia sobre a Fazenda Pública, o Recorrido é parte ilegítima na execução, como foi decidido na sentença recorrida, que, assim, merece ser confirmada, negando-se provimento ao recurso, embora com a presente fundamentação.

Sentido em que adiante se decidirá.

*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de março de 2025


(Filipe Carvalho das Neves)

(Susana Barreto)

(Luísa Soares, conforme declaração de voto que segue:
«Concordo com o entendimento vertido no presente Acórdão, revendo entendimento por mim defendido anteriormente, no sentido de apenas atender à data limite de pagamento constante da certidão de dívida como data relevante para a aplicação do regime de responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º da LGT»).