Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9/22.3BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:APELAÇÃO AUTÓNOMA
ALÍNEA H) DO N.º 2 DO ART.º 644.º DO CPC
Sumário:A interposição do presente recurso juntamente com o que vier a ser interposto da decisão final ou, não havendo interesse em recorrer desta decisão, a sua apresentação diferida nos termos do n.º 4 do art.º 644.º do CPC, não o torna absolutamente inútil, uma vez que, em caso de o mesmo proceder, é possível vir a declarar a invalidade dos despachos recorridos, podendo a Recorrente aproveitar dos efeitos daí decorrentes.
Não cabe, por isso, a interposição de recurso de apelação autónoma ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na subsecção de contratos públicos do Tribunal Central Administrativo Sul.
A sociedade ……, Unipessoal, Ldª, vem, no âmbito da presente acção administrativa, ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC e do n.º 5 do art.º 142.º do CPTA, interpor recurso de apelação autónoma do despacho proferido a 10/02/2025, que indeferiu a reclamação do despacho saneador e do despacho de 13/02/2015, que manteve o ali decidido e indeferiu o pedido de rectificação da acta da audiência prévia.
Apresentou as seguintes conclusões com as alegações de recurso:
A. O presente Recurso vem interposto do Despacho proferido em 10.02.2025 (a fls. 499 do Sitaf) pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (o "Tribunal a quo”) que decidiu pelo não conhecimento do mérito da nulidade reclamada pela Autora sobre o segmento do despacho saneador que admite a dedução de um pedido genérico em sede reconvencional.
B. Nesta sequência, a Autora (e Recorrente) arguiu a nulidade do sobredito Despacho (de 10.02.2025) por requerimento apresentado em 12.02.2025 (a fls. 505 do Sitaf), tendo o Tribunal a quo indeferido tal arguição e mantido o teor do despacho anterior, pelo que vem também o presente Recurso interposto do Despacho proferido em 13.02.2025 (a fls. 514 do Sitaf) que confirmou o teor do Despacho de 10.02.2025.
C. O presente recurso é interposto com base nos termos do disposto na alínea h) do n.° 2 do artigo 644.° do CPC, ex v/artigos 1° e 142.°, n.° 5, parte final, do CPTA, porquanto a impugnação daquele Despacho que decidiu pelo não conhecimento do mérito da nulidade reclamada pela Autora (sobre o segmento do despacho saneador que admite a dedução de um pedido genérico em sede reconvencional) e a impugnação do Despacho que lhe sucedeu (confirmando o seu teor e remetendo para o despacho anterior) apenas com o recurso da decisão final seriam absolutamente inúteis.
D. O conhecimento (e a eventual procedência) da nulidade arguida tem como consequência primeira a nulidade parcial do despacho saneador, o que acarreta também a nulidade dos termos subsequentes que dele dependam (cfr. o art. 195°, n.° 2 do CPC), o que, no caso concreto, implicará a nulidade parcial do despacho que admite a reconvenção e do despacho que enuncia o objeto do processo e os temas de prova (concretamente, os temas D e E, que versam sobre o pedido reconvencional), ambos proferidos na mesma data; tudo com a consequente absolvição da Autora da instância reconvencional.
E. A Recorrente não se pode conformar com o fundamento preconizado pelo Tribunal a quo (no Despacho recorrido) para não conhecer do mérito da nulidade reclamada pela Autora, que é o da inoportunidade ou extemporaneidade de tal arguição de nulidade (cfr. artigo 199.° n.° 1, 1ª parte, do CPC, ex vi do artigo 1° do CPTA), porquanto tal fundamento está em frontal contradição com o Despacho oralmente proferido pelo mesmíssimo Tribunal a quo em sede de Audiência Prévia, na qual foi concedido à Autora prazo específico para arguição de nulidades por escrito, após a invocação (oral) de nulidade pela Autora naquela sede, dispensando-a da arguição oral no decurso / antes do termo da audiência prévia.

F. A mandatária da Autora (aqui Recorrente) referiu oralmente, na sede da audiência prévia realizada, que pretendia a arguição de nulidades, já naquela sede, na sequência da "cadeia" de despachos proferidos naquela diligência [o que se extrai dos minutos 00:02:43 a 00:02:56, bem como a partir dos minutos 00:05:54 da gravação da audiência prévia].

G. A mandatária da Autora (aqui Recorrente) não concretizou oralmente a sua pretensão de arguição de nulidades porquanto o Tribunal a quo logo concedeu prazo para tal arguição de nulidades ser efetuada por escrito.
H. A concessão deste prazo pelo Tribunal a quo extrai-se dos minutos 00:02:43 a 00:02:56, bem como a partir dos minutos 00:05:54 da gravação da audiência prévia disponível na plataforma dos autos no Sitaf, de onde cumpre sublinhar que o Tribunal a quo concedeu oralmente prazo para a arguição pretendida pela Autora (aqui Recorrente), havendo ficado assente que o mesmo ficaria consignado em ata - o que se extrai do proferido entre os minutos 00:07:09 aos 00:07:50:
(Mandatário da Entidade Demandada): Para fazer por escrito?
(Tribunal a quo): Sim, para arguir.
(Mandatária da Autora): É só porque eu aqui não tenho naturalmente tempo para fazer pesquisas doutrinárias nem jurisprudenciais ... a contraparte poderá ter e eu vou ter que fazer agora a alegação, em termos de igualdade das partes ...
(Tribunal a quo): Não se opõe?
(Mandatário da Entidade Demandada): Não.
(Tribunal a quo): Muito bem. Então as partes têm 10 dias cada uma para apresentar essa arguição.
(Mandatário da Entidade Demandada): Mas em dias sucessivos?
(Tribunal a quo): Sucessivos sim.
(Mandatária da Autora): isso fica consignado em ata não é?
(Tribunal a quo): Sim.

(Mandatária da Autora): E eu fui notificada agora.
(Tribunal a quo): Sim.
I. A revogação / alteração do sentido decisório oralmente proferido em sede de Audiência Prévia (por via dos Despachos recorridos) é também profundamente atentatória dos princípios basilares da cooperação e da confiança processual.
J. Conforme resulta da gravação da audiência prévia, a Autora tinha consciência do ónus de arguir a nulidade no decurso dessa diligência, assinalou devidamente a intenção de o fazer e apenas não o concretizou porquanto lhe foi concedido prazo para o efeito.
K. Deste modo, o não conhecimento da nulidade arguida com fundamento na sua extemporaneidade representa uma inadmissível ofensa ao princípio da confiança, dado o carácter inequívoco da expressa concessão de prazo para arguição de nulidade.
L. Com efeito, - em sede de apreciação da reclamação apresentada pela Autora daquele Despacho de 10.02.2025 - o Tribunal a quo limitou-se a manter o despacho anterior e a remeter para o mesmo, em razão de inexistirem considerações que exijam a modificação do seu teor, concluindo pelo indeferimento da requerida retificação da ata de audiência prévia e pelo indeferimento da revogação do despacho anterior, incorrendo em manifesto erro e violação do princípio da confiança.
M. Por sua vez, o Despacho proferido em 13.02.2025 padece do vício de omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre o fundamento da reclamação apresentada no dia 12.02.2025.
N. Com efeito, o pedido efetuado na reclamação apresentada no dia 12.02.2025, foi o de que seja “revogado o douto Despacho proferido em 10.02.2025 (a f/s. 499 do Sitaf), e a sua substituição por despacho que admita a arguição daquela nulidade invocada peia Autora (em sede de Audiência Prévia e aduzida por escrito dentro do prazo concedido peio Tribuna!) e, consequentemente. aprecie o seu mérito; com as devidas e lesais consequências!'.
O. A reclamação apresentada teve como propósito a impugnação do Despacho de 10.02.2025, no qual o Tribunal julgou extemporânea a arguição de nulidade feita sobre o Despacho Saneador.
P. Para esse efeito, a ora Recorrente cuidou de demonstrar por via da transcrição da gravação da audiência prévia o momento em que o Tribunal concedeu prazo específico para a arguição de nulidade, por escrito.
Q. É por esse motivo que o Despacho de 10.02.2025 é nulo - por ofender um anterior Despacho emitido por este Tribunal, padecendo o mesmo de erro de julgamento porquanto a arguição da nulidade foi apresentada em tempo.
R. Por sua vez, no Despacho de 13.02.2025 o Tribunal não conheceu do pedido que lhe foi apresentado, tendo antes considerado - em erro - que na reclamação de 12.02.2025, a ora Recorrente havia arguido (novamente) a nulidade do Despacho Saneador - o que claramente não foi o caso.
S. Nesta medida, porque o Despacho de 13.02.2025 não se pronunciou sobre a questão colocada relativa à oportunidade da arguição da nulidade em virtude do prazo especificamente concedido para o efeito em sede de audiência prévia, conclui-se que o Despacho de 13.02.2025 é nulo por omissão de pronúncia, nos termos prescritos no artigo 615.°, n.° 1, al d) do CPC, ex vi do artigo 1° do CPTA.
T. O Despacho de 13.02.2025 é igualmente nulo por falta de fundamentação, porquanto não fundamenta as razões de facto que suportam a conclusão de que a ata da audiência prévia "reflete, de forma fiel, as vicissitudes ocorridas".
U. Tendo presente que, na sua reclamação, a ora Recorrente apresentou detalhadamente os fundamentos pelos quais a ata não se mostra fiel ao ocorrido, e inclusivamente transcrito os excertos que demonstram esta observação, cabia ao Tribunal a quo analisar os concretos erros imputados à ata e, especificamente, enunciar as razões pelas quais considera que a reclamação é infundada.
V. Fica-se assim sem entender por que razão o Tribunal indeferiu o pedido de correção da ata, o que se subsume ao vício de falta de fundamentação, e o que, nos termos estabelecidos no artigo 615.°, n.° 1, al. b) do CPC, ex vi do artigo 1.° do CPTA, é causa de nulidade do Despacho recorrido.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., devem os Despachos recorridos (proferido em 10.02.2025, a fls. 499 do Sitaf, e em 13.02.2025, a fls. 514 do Sitaf), serem declarados nulos com a consequente determinação da sua revogação e a sua substituição por despacho que admita a arguição daquela nulidade invocada (em sede de Audiência Prévia e aduzida por escrito dentro do prazo concedido pelo Tribunal) e, consequentemente, aprecie o seu mérito, em consonância com o todo exposto nas presentes alegações, sendo concedido provimento ao presente recurso.

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O Município de Odivelas apresentou contra-alegações, que concluiu dizendo:
I. O presente recurso não pode ser apreciado com base na disciplina prevista na alínea h) do nº 2 do artigo 644º do CPC, porquanto caso o pedido reconvencional venha a ser julgado provado e procedente, poderá a A, se inconformada, recorrer desse segmento da sentença.
II. O que invalida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, a presente arguição da inutilidade desse recurso.
III. O pedido reconvencional deduzido pelo R Município de Odivelas foi corrigido de acordo com o determinado pelo Tribunal “a quo” e acha-se conforme a disciplina prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 556º do CPC.
IV. Por este motivo, o Despacho que o admitiu não pode merecer censura alguma.
V. Sobre o recurso interposto contra o Despacho de fls 499 do Sitaf, importa trazer à colação que a A e ora Recorrente aproveitou o prazo que lhe foi concedido não para arguir a nulidade do Despacho que indeferiu a I. segunda das Reclamações, para repetir uma Reclamação contra a admissibilidade do pedido reconvencional.

VI. Confrontado com semelhante conduta processual, o Tribunal, não podia senão decidir no sentido que melhor consta a fls 499 do Sitaf.
VII. O que significa que p presente recurso não tem cabimento processual
VIII. Sobre o recurso contra o primeiro segmento do Despacho de fls 514 cabe dizer que o mesmo só pode ser julgado improcedente, na medida em que a Acta da Audiência Prévia, por idónea, não merece censura alguma.
IX. Quanto ao segundo segmento do mesmo Despacho, em virtude de, em momento posterior, o Tribunal “a quo” ter dado sem efeito o agendamento da diligência destinada à produção de prova testemunhal, significa que ficou, o recurso, prejudicado.

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Foi cumprido o disposto no art.º 146.º do CPTA.

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Objecto do recurso.
Importa, assim, decidir, em face das conclusões das alegações apresentadas, se o presente recurso pode ser admitido e, a título subsidiário, se os despachos recorridos são nulos por terem incorrido nos erros de direito que lhe são apontados.
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Da admissibilidade do recurso.
Estatui o n.º 5 do art.º 142.º do CPTA que “As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil”.
As situações em que é admissível a interposição de recursos de apelação autónoma encontram-se previstas no art.º 644.º do CPC.

A Recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC, que estatui que “2 – Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: (…) h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”.
Tem-se entendido que apenas se verifica a situação de absoluta inutilidade a que se refere a referida norma quando a não interposição imediata do recurso produz um efeito irreversível para os interesses do Recorrente. Trata-se de situações em que a impugnação da decisão interlocutória conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão final já não traz qualquer vantagem para o recorrente, por não poder produzir quaisquer efeitos práticos na sua esfera jurídica – cfr., entre outros, o acórdão do STA datado de 02/04/2020, processo n.º 0422/18.0BELLE-R, ou o acórdão do STJ datado de 16/12/2021, proferido no âmbito do processo n.º 7436/12.2TBVNG-D.P1.S1, in www.dgsi.pt.
No caso, a Recorrente recorre do despacho proferido a 10/02/2025, que indeferiu a reclamação do despacho saneador e ainda do despacho de 13/02/2015, que indeferiu a reclamação que foi apresentada daquele despacho, bem assim como o pedido de rectificação da acta da audiência prévia.
A Recorrente defende que o primeiro de tais despachos é nulo por não ter conhecido da nulidade parcial que imputou ao despacho saneador.
Entende que o despacho saneador é parcialmente nulo por o Tribunal a quo ter admitido o pedido indemnizatório deduzido a título reconvencional pelo Recorrido, sem que este tenha substituído o pedido genérico que formulou por um pedido líquido, o que, diz a Recorrente, contraria o decidido pelo Tribunal em anterior despacho datado de 23/01/2023 e importa a sua absolvição da instância quanto a esse pedido.
Quanto ao despacho de 13/02/2015, alega que o mesmo não se encontra fundamentado e é nulo por não ter conhecido da nulidade que imputou ao despacho de 10/02/2025.
A interposição do presente recurso juntamente com o que vier a ser interposto da decisão final ou, não havendo interesse em recorrer desta decisão, a sua apresentação diferida nos termos do n.º 4 do art.º 644.º do CPC, não o torna absolutamente inútil, uma vez que, em caso de o mesmo proceder, é possível vir a declarar a invalidade dos despachos recorridos, podendo a Recorrente aproveitar dos efeitos daí decorrentes.
Isto é, a proceder a tese que a Recorrente defende, abre-se a possibilidade de o Tribunal vir a rejeitar o pedido reconvencional e proceder à sua absolvição da instância quanto a esse pedido.
Não estamos, por isso, perante uma situação em que se imponha a admissão imediata do presente recurso de apelação, interposto ao abrigo da al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC.
Pelo que há que proceder ao seu indeferimento - art. 641.º, n.º 5, do CPC, ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA.
Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes da subsecção de contratos públicos do TCAS, em revogar o despacho que admitiu o presente recurso e indeferir o requerimento em que é requerida a sua admissão.
Custas pela Recorrente – art.º 537.º, n.º 1 do CPC.

Lisboa, 20 de Novembro de 2025
Jorge Martins Pelicano
Helena Maria Telo Afonso
Ana Carla Duarte Palma