Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1138/18.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/26/2019
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIO
1ª E 2ª VISTORIAS
DEFERIMENTO TÁCITO
REVOGAÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:1. Ao procedimento de autorização de utilização de edifício na sequência de obras de alteração sujeitas a controlo preventivo de licenciamento (artºs 2º c) e 4º nº 2 c) RJUE) é aplicável o regime do artº 62º nº 1 RJUE, na redacção introduzida pelo DL 136/2014, 09.09 (artº 11º DL 136/2014, 09.09).
2. A margem de livre decisão na apreciação das questões do uso proposto para o edifício no projecto de arquitectura, tem o seu lugar próprio na fase de controlo preventivo da operação urbanística, maxime aquando da apreciação do projecto de arquitectura em sede de licenciamento (artº 20º nº 1 RJUE).
3. Em consequência da aprovação do projecto de arquitectura no procedimento de licenciamento, a conformidade da utilização pretendida com as normas legais e regulamentares que regem os usos e utilizações admissíveis e a que se reporta o artº 62º nº 1 RJUE é de verificação indirecta.
4. Dentro dos 10 dias (úteis, artº 87º b) e c) CPA) previstos no artº 64º nº 1 RJUE, prazo a contar da recepção do requerimento do particular, cabe ao presidente da câmara (i) emitir decisão expressa sobre a autorização de utilização requerida (artº 64º nº 1 RJUE), (ii) aperfeiçoar ou rejeitar liminarmente o requerimento (artº 11º RJUE) ou (iii) ordenar a realização de vistoria (artº 64º nº 2 RJUE).
5. Ordenada a vistoria por desconformidades em obra relativamente ao projecto de arquitectura aprovado no licenciamento (artº 64º nº 2 al. c) RJUE) e condicionada a decisão positiva da autorização de utilização à realização de obras de alteração especificadas no auto, a segunda vistoria é de realização obrigatória (artº 65º nº 5 RJUE).
6. As conclusões desta segunda vistoria são vinculativas do sentido jurídico do despacho sobre a autorização da utilização, cuja competência originária é o presidente da câmara, passível de delegação e subdelegação nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços camarários (artºs. 65º nº 4, 5º nº 3 ex vi 4º nº 5 RJUE).
7. Forma-se acto tácito de deferimento por previsão de lei ou regulamento face ao incumprimento do dever de decidir em consequência do silêncio ou da falta de notificação ao interessado da decisão expressa emanada do órgão competente, dentro do prazo legal (artºs 129º e 130º nºs. 1 e 2 CPA).
8. Em caso de silêncio do órgão municipal competente para decidir a pretensão formulada de emissão de autorização de utilização do edifício e decorrido o prazo legal de 10 dias para decidir (artº 64º nº 1 RJUE), temos que nos procedimentos autorizativos de operações urbanísticas o artº 111º c) RJUE atribui efeitos positivos ao silêncio administrativo, determinando a formação de deferimento tácito da pretensão de autorização de uso, habilitando directamente o particular a considerar “tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais”.
9. Realizadas em prazo as duas vistorias referidas no artº 65º RJUE, a Administração permanece constituída no dever legal de decidir, isto é, no dever de responder ao pedido de autorização de utilização do edifício deduzido no requerimento que deu início ao procedimento de autorização de utilização de edifício ou suas fracções.
10. O deferimento tácito da autorização de utilização do edifício tem a natureza de acto constitutivo de direitos na medida em que reconhece e inscreve na esfera jurídica do interessado o direito de utilização do edifício conforme o uso aprovado (artº 167º nº 3 CPA).
11. A revogação de actos válidos estritamente vinculados não está na disponibilidade da Administração, sendo a irrevogabilidade uma consequência do disposto no artº 167º nº 1 CPA/2015 como já decorria do regime do artº 140º nº 1 a) e c) CPA/1991.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Município de Cascais, com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue:

A. A sentença, agora posta em crise, fundamentou-se, essencialmente, em duas ordens de razões: i) a concessão de autorização de utilização, regulada nos artigos 62.° a 65.° do RJUE, constituí um ato vinculado, pelo que o presidente da câmara municipal não pode indeferir o respetivo pedido caso a vistoria, ou vistorias, previstas no artigo 65º do RJUE concluam no sentido da conformidade da obra realizada com o projeto aprovado; ii) deferimento tácito do pedido de autorização de utilização apresentado pela Recorrida em 22/02/2018, uma vez que decorreram 10 dias sobre a da realização da segunda vistoria (realizada em 27/08/2018), sem que o Presidente da Câmara Municipal de Cascais (doravante CMC) tivesse proferido decisão expressa sobre tal pedido.
B. A sentença sob recurso decidiu que seria dispensável a junção do Processo Administrativo e que não haveria necessidade de "proceder a prova por testemunha ou a instrução com outros elementos probatórios'", já que os autos continham '"os elementos necessários à boa decisão da causa ". E deste entendimento resultou uma errada apreciação e julgamento da matéria de facto.
C. Estatui o nº 2 do artigo 107º do CPTA que "concluídas as diligências que se mostrem necessárias" é proferida pelo juiz a decisão final, determinando o artigo 411º do Código de Processo Civil (doravante CPC) que incumbe ao juiz realizar ou ordenar todas as diligencias necessárias ao apuramento da verdade e ajusta composição do litígio, e prevendo os artigos 87.° e seguintes do CPTA a obrigatoriedade da fase de instrução do processo e de produção de prova,
D. No entanto, sentença recorrida não invocou qualquer norma do CPTA ou do CPC que permitisse dispensar, como dispensou, a instrução do processo, a junção do processo administrativo respeitante à matéria dos autos requerida por ambas as partes e a produção de prova testemunhal aliás requerida por ambas as partes.
E. Assim, a sentença recorrida violou os artigos 87.° e seguintes do CPTA, bem como o nº 2 do artigo 107º do mesmo Código e o artigo 411.° CPC.
F. A memória descritiva (n.° 4 dos fatos provados) a que a sentença faz alusão e que a fundamenta, dando-a como provada e dela retirando ilações para a decisão da causa, não se reporta às obras objeto do pedido de autorização de utilização em causa nos presentes autos mas a outras obras, licenciadas em 2012, que nada têm a ver com o objeto do atual litígio, sendo, por isso, evidente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto à matéria de facto, erro esse que, necessariamente), contaminou a parte decisória daquela sentença.
G. Igualmente padece a sentença sindicada de contradicão entre os fundamentos invocados e a decisão proferida, já que faz apelo (pág. 12) ao Acórdão do STA de 10/10/2013, que considera que um eventual ato tácito de deferimento fica eliminado mediante ato expresso de indeferimento, mas no final, e no caso dos autos, decide justamente, o contrário.
H. Assim, a sentença em crise enferma de nulidade (aqui expressamente arguida), nos termos previstos no artigo 615.°, n.° l, alínea c) do CPC.
I. Tendo a sentença recorrida dispensado dispensar a fase de instrução do processo, não promovendo as diligências necessárias ao apuramento da veracidade dos factos articulados, forçoso será reconhecer que a mesma víolou o princípio da tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.° e 268.° da Constituição e na artigo 2.° do CPTA.
J. A sentença recorrida entendeu que o Presidente da Câmara Municipal de Cascais estaria vinculado à emissão de um ato de deferimento da autorização de utilização e emissão do respetivo alvará, uma vez que, na óptica do tribunal a quo, este constituiria um ato vinculado, com base no disposto no no 4 do artigo 65,° do RJUE, segundo o qual [a]s conclusões da vistoria são obrigatoriamente seguidas na decisão soh\e o pedido de autorização.".
K. No entanto, no aresto em crise, não invoca uma única norma, referência doutrinal, ou remissão jurisprudencial que justifique a pretensa natureza vinculada do ato de emissão da autorização
L. Nada permite concluir - antes pelo contrário - pela aplicabilidade do citado n.° 4 do artigo 65,° do RJUE à aludida segunda vistoria, uma vez que a norma apenas se refere à primeira vistoria (a determinada nos termos do n.° 2 do artigo 64,°). facto ao qual não é alheia a inserção sistemática da norma em número anterior ao nº 5 do artigo 65º, norma esta que introduz a designada segunda vistoria.
M. O escopo da vistoria - quer da prevista no nº 2 do artigo 64°, quer, por maioria de razão, da prevista no nº 5 do artigo 65º - estando limitado a aspetos eminentemente técnicos, é, por isso mesmo, consideravelmente mais reduzido do que o âmbito da autorização de utilização, o qual é definido no n.° l do artigo 62º do RJUE.
N. Com efeito, dispõe a supra referida norma que "|a] autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fíxam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas".
O. A lei prevê, assim, que, no processo de tomada de decisão quanto ao (in)deferimento de um pedido de autorização de utilização, deve ser ponderada a conformidade da operação urbanística, quer com o projeto aprovado (aspeto eminentemente técnico, logo, integrante do escopo da vistoria técnica que venha a ser determinada), quer com normas legais e regulamentares, nomeadamente, as que fixam os usos e utilizações admissíveis, sendo que este segundo "parâmetro de apreciação " não pode ser - nem a lei o admite que seja - atendido através da realização de uma vistoria técnica, urna vez que comporta juízos de apreciação de diferente natureza.
P. Não existe, nem no RJUE, nem em qualquer outra sede, alguma norma que determine que, “após a segunda vistoria, [o ato de autorização de utilização e emissão do respetivo alvará] é um ato vinculado".
Q. O entendimento aliás adoptado pela sentença recorrida - caso fosse de acolher - redundaria na total desconsideração do estatuído na parte final do nº 1 do artigo 62.° do RJUE, posto conferir ao ato de autorização de utilização um conteúdo e alcance limitadíssimos, uma vez que o mesmo ficaria circunscrito à mera verificação (técnica) de conformidade (entre a obra realizada e o projeto aprovado) a qual, a confirmar-se, teria, como consequência, direta e imediata, a permissão de utilização do imóvel ainda que a mesma se mostrasse contrária às normas legais e regulamentares aplicáveis.
R. A figura da autorização, prevista no artigo 62,° do RJUE, de utilização visa a prossecução de relevantes interesses públicos que não se bastam com simples análise técnicas de conformidade entre obras e projetos, antes exigindo que as edificações não sejam afetas a usos contrários à lei.
S. Assim, evidente se torna que a sentença recorrida violou, por errada interpretação, o disposto no n.° l do artigo 62.° do RJUE.
T. O aresto em crise parte do pressuposto que o prazo de 10 dias previsto no n.° l do artigo 64º começa a contar do termo da realização da vistoria técnica (quer da primeira vistoria, prevista no nº 2 do artigo 6º, quer da segunda vistoria, a que alude o nº 5 do artigo 65º).
U. O n.° 1 do artigo 64.° do RJUE apenas prevê que o referido prazo de 10 dias conta-se a partir da data de receção do pedido de autorização de utilização para os casos em que não seja determinada a realização da vistoria prevista no nº 2 do aludido artigo, sendo, por isso, improcedente a interpretação adoptada pela sentença recorrida.
V. O RJUE não prevê qualquer prazo para a emissão de autorização de utilização na sequência da realização, quer da "primeira" vistoria, realizada nos termos do nº 2 do artigo 64º, quer da '"segunda'' vistoria, prevista no nº 5 do artigo 65.°, pelo que perante tal omissão, jamais se poderá concluir pela formação de acto tácito de autorização de utilização, uma vez decorrido o prazo de 10 dias sobre a data do auto de vistoria e na ausência de decisão expressa,
W. O deferimento tácito apenas será concebível como reaçâo do ordenamento jurídica à inércia da Administração relativamente à prática de um ato no prazo legalmente previsto para o efeito, pelo que inexistindo prazo procedimental previsto na lei para a prática de um ato, um pretenso “deferimento tácito” do mesmo carece de fundamento.
X. Ao contrário do decidido na sentença em crise, não exista qualquer sustentação jurídica para que se considere ter ocorrido o deferimento tácito do pedido de concessão de autorização de utilização apresentado pela A,, ora Recorrida,
Y. Ainda que se entendesse, como entende a decisão em crise, pela formação de um ato tácito de deferimento após o decurso de 10 dias a contar da data da prolação das conclusões da comissão de vistoria (27 de agosto de 2018), a verdade é que tal ato sempre se deveria ter por revogado, em virtude do ato expresso de indeferimento praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de Cascais, em 12 de Novembro de 2018.
Z. Consequentemente, inexiste fundamento para intimação para emissão de alvará de utilização, deduzido no quadro do n° 5 do artigo 113º do RJUE,
AA. De tudo isto resulta que a presente acção de intimação para a emissão de alvará de utilização deveria ter sido julgada improcedente, uma vez que não se formou qualquer ato tácito de deferimento do pedido de autorização de utilização, sendo que, ainda que assim não se entendesse, tal ato sempre teria sido revogado implicitamente pelo ato de indeferimento expresso praticado em 12 de Novembro de 2018, inexistindo, por isso, e à luz de jurisprudência pacifica, o pressuposto do referido meio processual.

*
A Recorrida E...... G......, SA contra-alegou, concluindo como segue:

1.É irrepreensível a decisão do Tribunal a quo, na sua forma e no seu conteúdo, quer no julgamento da matéria de facto - suportado na prova documental apresentada -, quer na aplicação criteriosa do direito que foi feita, não se reconhecendo ao presente recurso outro intento que não seja o de protelar o trânsito em julgado da decisão e a situação de facto.
2.A Recorrente invoca omissão da fase de instrução do processo mas esquece-se que ao processo de intimação regulado no artigo nt 112º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 136/201 RJUE de 9 de setembro, adiante RJUE, são aplicáveis as disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes
3. Não há qualquer violação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva com a dispensa da fase de instrução do processo, antes pelo contrário, uma vez que o referido princípio determina que a decisão seja proferida em tempo adequado, atenta a situação em causa.
4. Na verdade, sendo o ónus da prova no presente processo da Autora, aqui Recorrida, e tendo esta junto os documentos considerados pertinentes com a Petição, permitindo que a Recorrente fizesse a contraprova que considerasse pertinente, não se entende que prova testemunha pretendia a Recorrente fazer.
5. Em face do exposto, são aplicáveis ao presente processo as normas ao CPTA que regulam processos urgentes, podendo haver lugar a produção de prova, quando o tribunal a considere necessária, sendo que, no caso, atenta a prova documental, é patente a desnecessidade de produção de prova testemunhal adicional, bem como inútil e até vedada a contraprova testemunhal.
6. Invoca a Recorrente que "foi determinante para a sentença proferida pelo Tribunal "a quo" a memória descritiva junta como Doe. nº 3 à petição inicial (factos assentes nº 4), referindo, posteriormente, que tal documento se reporta a um projeto de licenciamento apresentado em 2012 e juntando ao recurso a memória descritiva do projeto apresentado em 2017,
7. Ora, salvo o devido respeito, a apresentação de tal documento em sede de recurso configura urna expediente contrário à lei, designadamente o disposto no artigo 651º do CPC aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, pelo que deverá tal documento ser desentranhado dos autos e devolvido ao seu apresentante.
8. Acresce que se compulsarmos a matéria de facto dada como provada facilmente se percebe que o Tribunal fez uma correta interpretação dos factos e da sua sequência cronológica, tendo considerado provado que:
"Em 2012, a autora requereu ao Réu, Município, através da sua Câmara, o licenciamento de obras de aliteração para o referido prédio, o que deu origem ao Proc° 1623/2012, no qual foram aprovadas as obras, e em 06/11/2013 foi emitido o Alvará de Obras de Alteração 16…/2013, de fls 18, DOC 2 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduz/do, do qual consta, entre o mais, «Uso a que se destina: Estabelecimento de restauração e bebidas» - ponto 3 da matéria de facto provada.
As referidas obras tinham como propósito adequar o edifício ao uso de estabelecimento de restauração e bebidas, prevendo-se a instalação de um restaurante de serviço rápido [em inglês "fast food"] e um Sushi Bar, de cuja memória descritiva e justificativa das obras, de fls 19, DOC 3 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca o seguinte:
«2..(...) O edifício é composto por 3 pisos, cave, piso térreo (dois níveis) e terraço. As escadas são o elemento agregador destes três níveis. O edifício foi outrora utilizado para estação telefónica e habitação (do chefe da estação), a proposta que agora se apresenta, pretende convertê-lo para estabelecimento de restauração e bebidas.
Pela central localização e forte fluxo de pessoas diariamente, o requerente entende que este edifico com esta nova utilização poderá contribuir fortemente para a valorização deste local, podendo mesmo, vir a tornar-se um espaço agregador de grande relevância para as pessoas que transitam diariamente por ali, já que se propõe dois conceitos diferentes de restauração;
a)-Um com carácter muito urbano e serviço rápido, onde todo o tipo de pessoas se insere com facilidade;
b)-Outro, direcionado para público mais exigente e a funcionar sobretudo a partir do fim do dia. (...),
(...) Os dois espaços de restauração existentes neste piso terão funcionamento autónomo e, portanto, apesar de manterem ligação ao nível interior, terão acesso ao exterior distinto. Os dois conceitos convivem bem no mesmo edifício pela devida "separação” que o promotor lhe quer conferir, ou seja, pelo tratamento dos espaços ao nível do interior, pelo serviço e até mesmo pela diferenciação do produto que se pretende ter num lado e no outro, estes dois espaços têm a pretensão de se complementarem em termos de oferta a um público tão diverso e diferenciado que ali podemos encontrar, A proximidade da estação, da praia, de escolas, do casino, são alguns dos elementos que justificam tal abordagem (...)».ponto 4 da matéria de facto provada.
Em 2017, posteriormente a esse projeto, a autora requereu ao R, Município, através da sua Câmara, o licenciamento de obras de alteração no prédio em causa, tendo o pedido dado origem ao Processo SPO 320/2017, ponto 5 da matéria de facto provada.
9. Resulta, pois, evidente que a decisão é irrepreensível e teve em consideração os factos de forma correta. Aliás, também do documento agora junto e cujo desentranhamento se requer, resulta que a natureza do estabelecimento de restauração e o tipo de restaurante - não obstante tal não ser obrigatório - constando do programa da intervenção "a zona destinada aos clientes, com três níveis diferenciados compreende a zona de mesas e balcões de refeições divididas por pequenas divisórias, a zona das instalações sanitárias para clientes e de mobilidade condicionada, e a zona de atendimento que se desenvolve ao longo de um balcão com vista exposto para a zona de confeção da cozinha e a utilização de espaços exteriores para o uso de esplanada."
10. 10, A referência na sentença a esse excerto da memória descritiva não foi determinante para o sentido da decisão proferida, devendo antes ser entendida como uma linha argumentativa que o tribunal usou para responder à argumentação da Recorrente, sempre no contexto do (licenciamento do uso de um estabelecimento de restauração e bebidas, irrelevando o género em concreto desse estabelecimento de restauração e bebidas.
11. Efetivamente, a sentença não enferma de qualquer erro de julgamento, nem quanto à matéria de facto, nem quanto ao direito aplicável.
12. De acordo com o artigo 62,° do RJUE, no procedimento de autorização de utilização cabe à Administração confrontar o projeto executado com o projeto objeto de controlo prévio e aferir da sua conformidade, bem como atestar que, em, face das normas legais e regulamentares que fixam os usos, a utilização é conforme.
13. Contudo, estes dois níveis da validação, não conferem à Administração qualquer margem de discricionariedade na decisão sobre o pedido de autorização da utilização, porquanto, existindo um procedimento de controlo prévio das operações urbanísticas, é nesse momento que a aferição e ponderação do enquadramento legal e regulamentar é realizado e não posteriorrnente.
14. Resulta, assim, evidente que a emissão da autorização de utilização é um ato vinculado, podendo apenas ser indeferida quando o projeto executado não corresponda ao projecto aprovado. Trata-se, pois, de uma validação eminentemente técnica que fundamenta a importância e a vinculatividade das conclusões das vistorias efetuadas.
15. Em face do exposto, haverá que concluir que andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a autorização de utilização visa a validação técnica da execução do projeto, nos termos do artigo 62º/1 do RJBE.
16. Entende a Recorrente que consubstancia um erro de julgamento o entendimento segundo o qual o Presidente da Camara Municipal de Cascais estaria vinculado à emissão de um ato de deferimento da autorização de utilização e emissão do respectivo alvará residiria no disposto no nº 4 do artigo 65º do RJUE, segundo o qual "as conclusões da vistoria são obrigatoriamente seguidas na decisão sobre o pedido de autorização.", por duas razões distintas:
i. Por o artigo 65º/4 do RJUE não ser aplicável à segunda vistoria;
ii. Por a apreciação a fazer dessa autorização de utilização extravasar o parâmetro de apreciação técnico da vistoria, pressupondo uma aferição e validação das normas legais e regulamentares aplicáveis.
17. É, evidente que a interpretação do artigo 65º do RJUE de forma sistemática só permite concluir que as conclusões da vistoria (primeira, segunda, quarta ou décima) são obrigatoriamente seguidas na decisão sobre o pedido de autorização, em razão da natureza estritamente técnica da apreciação realizada em sede de procedimento de autorização de utilização.
18. Assim, resulta evidente que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o disposto no artigo 65º/4 também é aplicável à segunda vistoria, pelo que não assiste qualquer razão à Recorrente.
19. Nem se diga, como faz a Recorrente, que tal raciocínio constitui um claro obstáculo à prossecução das atribuições cometidas aos municípios no domínio da promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, porquanto o momento em que tais atribuições podem e devem ser concretizadas é o referente ao do licenciamento da operação e não posteriormente quando se criou o direito a realizar a operação e a utiliza-la nos termos do projeto aprovado, no caso corno restaurante.
20. Em face de todo o exposto, haverá que concluir que tendo as conclusões da segunda vistoria atestado que a obra se encontra realizada de acordo com o projeto aprovado, as suas conclusões tinham que ser obrigatoriamente seguidas na decisão sobre o pedido de autorização, estando o Senhor Presidente vinculado a decidir de acordo com as conclusões da vistoria, tanto mais que a apreciação a realizar nesta sede se resume a essa aferição técnica, não havendo qualquer outra ponderação a fazer.
21. Efetivamente, andou o tribunal ao considerar que "para que fique claro, importa referir que tanto as conclusões da primeira como da segunda vistoria, no âmbito do procedimento de autorização de utilização, e não apenas as da primeira vistoria, "são obrigatoriamente seguida na decisão no pedido de autorização'''.
22. Ora, tendo a comissão de vistoria concluído um com um parecer favorável, por unanimidade, - que, por ter de ser obrigatoriamente seguido, na decisão, constitui um parecer vinculativo -, portanto, certificando que “foram eliminados as desconformidades identificadas na vistoria anterior 20/04/2018" como era o seu objecto, e, consequentemente, deixou de haver razões para obstar ao deferimento do pedido de autorização de utilização, órgão decisor não seguiu essa conclusão da Vistoria, em violação do disposto no artigo 65º-4, do RJUE."
23. Salvo o devido respeito, o entendimento segundo o qual no procedimento de autorização de utilização em que seja realizada vistoria não existe prazo legal de decisão é totalmente absurdo, em especial quando referido a propósito de um procedimento definido de forma exaustiva num regime legal que apenas define procedimentos e prazos.
24. A lei define que a autorização de utilização é concedida no prazo de 10 dias, sendo que o momento em que este prazo se inicia varia, consoante estejamos perante um procedimento em que é determinada a realização de vistoria, ou não.
25. Ante o exposto, andou bem o Tribunal ao considerar que se formou ato tácito de deferimento 10 dias úteis após a realização da segunda vistoria, que atestou que a obra se encontrava em conformidade com o projeto aprovado.
26. Na verdade, ao contrário do alegado pela Recorrente não se trata aqui de fazer uma interpretação por analogia, urna vez que a lacuna não existe. O prazo para a emissão do ato está claramente definido na lei, a forma da sua contagem é que difere, havendo ou não recurso à vistoria.
27. Aliás, ainda que assim não fosse, no que não se crê e apenas se admite por razões de raciocínio, não seria possível defender o que defende a Recorrente de que não existe prazo para este procedimento, porquanto a lei define um prazo supletivo quando outro não decorrer da lei, na norma inscrita no artigo 128º do CPA.
28. É, pois, manifesto que andou bem o Tribunal ao considerar o deferimento tácito do pedido de autorização de utilização quanto à alegada revogação do ato tácito de deferimento, resulta do artigo 165º do CPA que a revogação consiste no ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.
29. Logo daqui resulta que nunca o ato tácito de deferimento da autorização de utilização poderia ser objeto de revogação, porquanto não estamos perante um campo em que possa existir revogação, inexistindo qualquer margem de livre apreciação ou discricionariedade que admita essa ponderação de mérito.
30. No procedimento de autorização e utilização a solução administrativa só pode ser uma: a obra está conforme com o projecto e haverá deferimento do pedido; a obra não está conforme com o projecto e não são realizados trabalhos necessários para obter essa conformidade e haverá indeferimento do pedido. É pois um ato vinculado e não um ato que admita uma liberdade de escolha à Administração.
31. Ora, sando assim e tratando-se o campo da revogação dos atos administrativos do campo do mérito, só é possível defender que não é possível haver revogação de atos vinculados, como, aliás, resulta do artigo 167º/1 do CPA.
32. Em face do exposto, resulta pois claro que as situações tratadas nos acórdãos citados não têm paralelo com a presente situação, não podendo aqui ser aplicada tal jurisprudência. A Recorrente não invoca qualquer vício que pudesse afetar a validade do ato tácito, pelo que é manifesto que tais decisões jurisprudenciais não se reportam a situações similares à do presente recurso.
33. Em qualquer caso, importa ter presente que não era também possível à Administração vir invocar vícios do ato tácito de deferimento, porquanto tais vícios não se reportariam a esse ato mas ao ato de aprovação do projecto de arquitectura que se consolidou na ordem jurídica, não podendo mais ser atacado.
34. Efetivamente, qualquer ponderação sobre a legalidade da operação devia ter sido realizada em sede de apreciação do projeto de arquitetura, pois foi nesse momento que se constituiu o direito na esfera jurídica da Recorrida. De todo o modo, não invoca a Recorrente qualquer invalidade ao ato tácito, tal como no despacho de 12 de novembro se invocam apenas razões de mérito.
35. Efetivamente, verificando-se como se verificou apos a segunda vistoria que a obra executada esteva conforme com o projeto aprovado, o Presidente da Câmara Municipal de Cascais estava vinculado a deferir o pedido de autorização de utilização, não podendo por qualquer questão de mérito vir a indeferi-lo. Se é assim relativamente ao ato de primeiro grau também será - necessariamente- para os atos de segundo grau, como são qualificados os atos revogatórios.
36.Em face do exposto, é imperioso concluir que andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o ato de 12 de novembro não era apto a revogar o deferimento tácito, vinculado, que se formara, porque tal é vedado pelo disposto nos artigo 167º/1/2 a) e 3, do CPA, irrepreensível, quer do ponto de vista dos factos quer do direito, a decisão aqui em crise.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A Autora [A], sociedade E...... G......, SA, com matrícula e NIPC 508.317…., tem sede na Rua do O….., nº 11.., Moradia …, na P……, Cascais.
2. A Autora é proprietária de um prédio, sito na Avenida M…… 74…, União das Freguesias de Cascais e Estoril, com a área de 397,00m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sobre o nº 12…, da freguesia do E…., e inscrito na matriz urbana com o artigo 127…, que confronta, a Norte com a Avª M….; a Sul com a Estação do E…. dos Caminhos de Ferro; a Nascente com a Avª M…..; e a Poente com a Av. M…..-DOC 1 da PI, fls 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Em 2012, a autora requereu ao Réu, Município, através da sua Câmara, o licenciamento de obras de alteração para o referido prédio, o que deu origem ao Procº 1623/2012, no qual foram aprovadas as obras, e em 06/11/2013 foi emitido o Alvará de Obras de Alteração 16…/2013, de fls 18, DOC 2 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, entre o mais, «Uso a que se destina: Estabelecimento de restauração e bebidas».
4. As referidas obras tinham como propósito adequar o edifício ao uso de estabelecimento de restauração e bebidas, prevendo-se a instalação de um restaurante de serviço rápido [em inglês "fast food"] e um Sushi Bar, de cuja memória, descritiva e justificativa das obras, de fls 19, DOC 3 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca o seguinte:
“2.(-) O edifício é composto por 3 pisos, cave, piso térreo (dois níveis) e terraço. As escadas são o elemento agregador destes três níveis. O edifício foi outrora utilizado para estação telefónica e habitação (do chefe da estação), a proposta que agora se apresenta, pretende convertê-lo para estabelecimento de restauração e bebidas.
Pela central localização e forte fluxo de pessoas diariamente, o requerente entende que este ediifico com esta nova utilização poderá contribuir fortemente para a valorização deste local, podendo mesmo, vir a tornar-se um espaço agregador de grande relevância para as pessoas que transitam diariamente por ali, já que se propõe dois conceitos diferentes de restauração:
a) -Um com carácter muito urbano e serviço rápido, onde todo o tipo de pessoas se insere com facilidade;
b) -Outro, direcionado para público mais exigente e a funcionar sobretudo a partir do fim do dia. (...).
(...) Os dois espaços de restauração existentes neste piso terão funcionamento autônomo e, portanto, apesar de manterem ligação ao nível inferior, terão acesso ao exterior distinto. Os dois conceitos convivem bem no mesmo edifício pela devida "separação" que o promotor lhe quer conferir, ou seja, pelo tratamento dos espaços ao nível do interior, pelo serviço e até mesmo pela diferenciação do produto que se pretende ter num lado e no outro, estes dois espaços têm a pretensão de se complementarem em termos de oferta ao um público tão diverso e diferenciado que ali podemos encontrar. A proximidade da estação da praia, de escolas, do casino, são alguns dos elementos que justificam tal abordagem (...)».
5. Em 2017, posteriormente a esse projeto, a autora requereu ao R, Município, através da sua Câmara, o licenciamento de obras de alteração no prédio em causa, tendo o pedido dado origem ao Processo SPO 320/2017.
6. Em 21/04/2017, os Serviços do Réu emitiram a Informação de fls 26 e 27, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com parecer/proposta favorável.
7. Em 24/04/2017, os Serviços do Réu emitiram a Informação e Declaração de conformidade e licenciamento de fls 23 e vº, e também de fls 28, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Em 18/05/2017, os Serviços do Réu emitiram o parecer de concordância de fls 24 e 25, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 22/05/2017, os Serviços do Réu emitiram a Informação de fls 22 e vº, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com parecer/proposta favorável de deferimento do projeto de arquitetura.
10. Em 26/05/2017, o Senhor Vereador proferiu o despacho de fls 21vº, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual deferiu o projeto de arquitetura.
11. Em 30/05/2017, os Serviços do Réu dirigiram à ora A o ofício de fls 21, DOC 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe a decisão acabada de referir.
12. Em 11/09/2017, o Réu emitiu o Alvará 19…/2017, de licenciamento de obras de alteração de fls 29, DOC 5 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dele constando, entre o mais:
«Uso a que se destina: Restauração e bebidas
(...) O Alvará de autorização de utilização só será emitido após:
1- Reposição do equipamento existente e sinalética (...).
2- Obter das entidades competentes e juntar ao pedido de autorização todos os certificados inerentes à utilização em vista / termos de responsabilidade dos técnicos (...)».
13. Por despacho de 11/01/2018, foi prorrogado o prazo de execução das obras por 2 meses, conforme o averbamento 1, de fls 30, DOC 6 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ao citado Alvará 19…/2017, e as obras foram concluídas no início de fevereiro de 2018.
14. Em 22/02/2018, a Autora requereu a emissão da autorização de utilização, no referido Processo SPO 320/2017, conforme fls 31, DOC 7 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Em 03/04/2018, os Serviços do Réu dirigiram, entre o mais, à Autora o "mail" de fls 32, DOC 8 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca:
« (...) No âmbito do processo (...) serve o presente para informar da realização de vistoria a efetuar nos termos dos artºs. 64º e 65º do RJUE, no dia 20 de Abril de 2018, entre as 10h e as 13h (...). Aproveito para informar que não é necessária a sua presença no dia da vistoria, mas somente alguém que permita o acesso à propriedade. (...)».
16. Em 20/04/2018, os Serviços do R procederam à vistoria, conforme o Auto de vistoria de fls 33 e 34, contendo 4 quesitos a vistoriar, concluindo com parecer desfavorável, descrevendo no seu Anexo A que descreve diversas desconformidades de fls 34vº a 37 vº, a corrigir, e o Anexo B, de fls 38, do qual consta a notificação do interessado, em 24/04/2018, para audição prévia, tudo DOC 9 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. A Autora procedeu às correções identificadas no auto de vistoria acabado de referir.
18. Em 03/08/2018, a A juntou ao processo as telas finais em conformidade com as alterações realizadas e descritas na memória descritiva, bem como o plano de acessibilidades atualizado em função das correções introduzidas, e requereu o agendamento de nova vistoria, conforme fls 39 e requerimento de fls 39v, DOC 10 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. Em 27/08/2018, os Serviços do R procederam à nova vistoria, conforme o Auto de vistoria de fls 41 e 42, DOC 11 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte e único quesito a vistoriar «verificar se foram eliminadas as desconformidades identificadas na vistoria anterior 20/04/2018», concluindo com parecer favorável, tudo DOC 9 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Em 01/10/2018, decorridos mais de 10 dias úteis sem que a A fosse notificada da decisão sobre o pedido de emissão de autorização de utilização, a A requereu aos serviços de Atendimento (Loja Cascais) a liquidação das taxas administrativas, o que foi recusado pelos serviços, conforme fls 43vº/44, DOC 12 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21. Em 01/10/2018, a A procedeu à autoliquidação das taxas administrativas devidas, e requereu, novamente, e, pelo requerimento de fls 43vº e 44, DOC 12 dai PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a emissão da autorização de utilização.
22. Em 09/10/2018, mediante o requerimento de fls 45/ss, e seus documentas de fls 47 a 55, DOC 13 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, «para efeitos do artigo 113º/5 RJUE», a Autora informou o Réu, pelo Presidente da Câmara, do pagamento das taxas devidas e que iria dar início à utilização do edifício, bem como iria requerer ao tribunal a intimação do mesmo a emitir o Alvará de autorização de utilização.
23. Todavia, o Réu não emitiu o alvará de autorização de utilização.
24. Em 09/10/2018, o Presidente da Câmara do ora Réu, em resposta à comunicação acabada de referir, proferiu o despacho de indeferimento ["projeto"] de fls 56vº a 57vº, DOC 14 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca:
«(...) Considerando que:
(...)b)Em nenhuma das peças escritas ou desenhadas é mencionado que pretende afetar o referido estabelecimento a um restaurante fast-food;
e) Na sequência dessa informação foram por mim solicitados diversos pareceres (...);
g) 0 estabelecimento confina com a Avenida Marginal, que é uma via inserida no 2º Nível - Rede de Distribuição Principal, com um volume de tráfego muito intenso;
h) A avaliar pelo que sucede noutros estabelecimentos congéneres, especialmente os localizados nas proximidades de transportes públicos (mormente estações ferroviárias), o padrão típico de comportamento dos clientes jovens destes estabelecimentos leva a que a respetiva presença não se confina aos limites internos do edifício, extravasando para as suas imediações com ocupação da via pública, onde se formam habitualmente ajustamentos;
i) Estes estabelecimentos caracterizam-se por grande rotatividade de clientes, pelo que se devem situar em áreas de boa acessibilidade e capacidade de estacionamento compatível com o potencial de clientela;
j) No caso em apreço, (...) embora podendo fazer-se por túnel ou passadeira (...)
m) A localização, nas proximidades de um estabelecimento de ensino (com 2000 alunos), irá afetar o trânsito na Avenida Marginal, pois com o acréscimo de atravessamentos previstos, inevitavelmente, os tempos dos semáforos terão de ser ajustados causando o congestionamento da via, devido aos tempos de vermelho mais prolongados;
n) Está em causa o proteção de pessoas, e assim, desde logo, o exercício de uma inalienável função administrativa, como sejam, a da tutela eficiente de bens jurídicos constitucionalmente considerados;
o) 0 modo de atuar da Administração deverá ser norteada no sentido de intervir no exercício das atividades suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.
Determino:
Por não se encontrarem reunidas as condições para a emissão do alvará requerido (...) indefiro os requerimentos SPO 1541/2018 e SPO 7040/2018 onde é requerida a Autorização de Utilização (...) para (...) restaurante com as características usualmente designadas de fast food, avocando, nos termos do artigo 49, [do CPA], a competência que se encontra subdelegada na Sra Vereadora (...)».
25. Em 10/10/2018, os Serviços do Réu dirigiram à Autora o ofício de fls 56, DOC 14 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, notificando-a da decisão acabada de referir, nos termos do artigo 121/ss, CPA, para exercer o direito de audiência prévia.
26. Ao referido despacho foram juntos pareceres do Departamento da Polícia Municipal e Fiscalização, da Divisão de Trânsito e Mobilidade, da Polícia de Segurança Pública e das Infraestruturas de Portugal, nenhum dos quais é desfavorável à emissão do alvará de autorização de utilização em causa - Conforme referido no DOC 15 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
27. O parecer das Infraestruturas de Portugal reporta-se ao parecer emitido, a pedido da Autora, no âmbito do procedimento de licenciamento, acima referido, referente ao alvará de construção e vistorias.
28. Os restantes pareceres referidos indicam a conveniência na elaboração de um estudo de mobilidade e de tráfego [que não consta exigido no referido processo de licenciamento].
29. Em data que não indica, mas seguramente posterior a 10/10/2018, como resulta de fls 58v, o Sr Presidente da CMC proferiu o despacho de fls 58vº e 59, DOC 15 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no sentido de que não se formou um ato tácito nos termos do artigo 64º/4 do RJUE, por ter feito o projeto de indeferimento e notificado para audição prévia, nos termos do artigo 100-5, do CPA, não podendo a A pedir ao tribunal a intimação a imitir o Alvará de utilização, e, consequentemente, também não estão reunidas as condições para que a A possa utilizar o edifício, e que adotará as medidas do artigo 102-1-b) do RJUE, para o impedir.
30. O atravessamento entre os dois lados da Avª Marginal faz-se através de passadeira com semáforos ou por túnel de passagem sob a Marginal -facto público, notório e cio conhecimento geral.
31. Existem vários restaurantes do lado sul da Marginal, vizinhos do espaço em causa --facto público, notório e do conhecimento geral.
32. A entrada do restaurante em causa situa-se, aproximadamente, a 10 metros da entrada do túnel sob a Marginal que liga os dois lados da Marginal - facto público, notório e do conhecimento geral.
33. Em 18/10/2018, a Autora deu entrada em juízo à presente acção -fls 2 e 3.
34. Em 09/11/2018, os Serviços do Réu elaboraram a Informação de fls 70 a 74vº, DOC 1 da Conts. cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no sentido da decisão de indeferimento / projeto de 09/10/2018, acima referido, do Presidente da CMC, propondo o indeferimento do pedido de emissão de Alvará autorização de utilização.
35. Em 12/11/2018, o Sr Presidente da CMC apôs sobre a Informação acabada de referir a sua decisão de concordância «Concordo. Proceda-se como proposto. Indefira-se» de fls 70, citado DOC 1 da Conts. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
36. Em 12/11/2018, os Serviços do Réu dirigiram à A o ofício de fls 75, DOC 2 da Conts. cujo teor se dá por integralmente reproduzido, notificando a mesma da decisão de indeferimento acabada de referir.


DO DIREITO

1. intimação para emissão de alvará; nulidade de sentença;

Sustenta a Recorrente nos itens A a E das conclusões que a sentença padece de falta de factos suficientes em ordem a aplicar a consequência legal ao caso concreto, ao não ter prosseguido na instância para produção da prova testemunhal arrolada à matéria de facto por si alegada, o que se traduz em erro de julgamento por insubsistência probatória de natureza substantiva.
Todavia o processo de intimação para emissão de alvará de autorização de utilização, em caso de omissão administrativa e deferimento tácito da pretensão de autorização, prescrito no artº 113º nº 7 RJUE e expressamente ressalvado no artº 157º nº 3 CPTA, configura um meio processual especial e autónomo a que lhe são aplicáveis as normas relativas à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagens de certidões previstas no artº 104º e ss do CPTA (1)
No caso presente o Tribunal a quo considerou expressamente que o estado dos autos permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, sendo que as questões suscitadas são essencialmente de direito, sendo bastante e elenco de elementos documentais trazido aos autos.
De modo que a alegada insubsistência probatória há-de revelar-se na economia do caso concreto pela incapacidade jurídica decorrente das fontes probatórias, por exemplo, no caso, apenas a prova documental, de se mostrar suficiente para formar e sustentar de modo juridicamente válido a convicção expressa pelo julgador em 1ª Instância no específico sentido consignado.
Pelo que vem dito, a alegada indevida dispensa de diligências instrutórias, v.g. mediante prova testemunhal, há-de resultar do confronto entre os factos levados ao probatório e o meio de prova documental que serviu de fundamento, daí resultando a incorrecção do julgado, ou seja, confluindo na alteração do julgado, o que, necessariamente pressupõe avançar na apreciação do objecto do recurso.
Do mesmo modo improcede a imputada nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (artº 615º nº 1 c) CPC) fundada no acórdão do STA de 10.10.2013, tirado no procº nº 1472/13 na medida em que o Recorrente descontextualiza a doutrina do citado aresto dos exactos termos em que a mesma é enquadrada no decurso da fundamentação de direito pelo Tribunal a quo.
Pelo exposto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens A a E, G e H das conclusões.


2. autorização de utilização de edifício precedida de obras de alteração mediante licenciamento;

Ao procedimento de autorização de utilização de edifício na sequência de obras de alteração sujeitas a controlo preventivo de licenciamento (artºs 2º c) e 4º nº 2 c) RJUE) - como é o caso das obras de alteração do projecto 320/2017 levado ao item 5 do probatório - é aplicável o regime do artº 62º nº 1 RJUE, na redacção introduzida pelo DL 136/2014, 09.09 (artº 11º DL 136/2014, 09.09).
No âmbito de aplicação deste normativo cabem também as operações urbanísticas de obras de alteração sujeitas a comunicação prévia, embora esta, desde as alterações ao RJUE decorrentes do DL 136/2014, não configure um procedimento de controlo preventivo dado que por disposição expressa do artº 35º nº 8 RJUE o controlo passou a ser efectuado a posteriori (controlo sucessivo) embora prévio ao procedimento de autorização de utilização.
Decorre do probatório que, aprovado o projecto de arquitectura em 26.05.2017 e proferido o acto final de licenciamento das obras de alteração (artºs. 20º, 23º e 26º RJUE), em 11.09.2017 foi emitido o respectivo alvará nº 19…/2017, titulo e factor de eficácia da licença, sendo nele objecto de aditamento a prorrogação do prazo de conclusão das obras (artºs 74º nº 1 e 77º nº 4 al. i) RJUE) e dadas estas por concluídas “no início de Fevereiro de 2018” - vd. itens 5, 10, 12 e 13 do probatório.
De modo que não suscita dúvidas que o caso trazido a recurso é subsumível no âmbito do artº 62º nº 1 RJUE, em que estão presentes duas operações urbanísticas distintas, ambas sujeitas a controlo preventivo:
o obras de alteração do prédio em causa sujeitas a licenciamento (alteração relativamente ao licenciamento de obras titulado pelo alvará nº 1…/2013) - vd. itens 3 e 4 do probatório;
o utilização do edifício sujeita a autorização - vd. itens 14 a 23 do probatório.


3. manutenção do uso aprovado;

Decorre do probatório que o alvará nº 1…/2013 titula o licenciamento de obras de alteração com projecto de arquitectura aprovado 06.11.2013, alterações reportadas ao espaço interior e à alteração do uso inicial do edifício de estação telefónica e habitação do chefe da estação para estabelecimento de restauração e bebidas.
Neste alvará 1…/2013 as especificações são as seguintes:
“Tipo de obra – alteração
Área de construção: 216,72 m2
Área de implantação: sem alteração
Muros confinantes com a via pública: não aplicável
Número de pisos acima da cota da soleira: sem alteração
Número de pisos abaixo da cota da soleira: sem alteração
Cércea: sem alteração
Número de fogos: não aplicável
Uso a que se destina: Estabelecimento de restauração e bebidas
Construção integrada na UOPG: 15” - vd. item 3 do probatório, fls. 18 dos autos.

*
Por seu turno o alvará nº 19…/2017 titula o licenciamento com projecto de arquitectura aprovado em 26.05.2017, consistindo as alterações de obra no espaço interior com manutenção do uso de estabelecimento de restauração e bebidas antecedentemente aprovado no projecto de arquitectura em 06.11.2013 e constante do alvará nº 16…/2013.
Neste alvará 198/2017 as especificações são as seguintes
“Tipo de obra – alteração
Área de construção: sem alteração
Área de implantação: sem alteração
Muros confinantes com a via pública: sem alteração
Número de pisos acima da cota da soleira: sem alteração
Número de pisos abaixo da cota da soleira: sem alteração
Cércea: sem alteração
Número de fogos: não aplicável
Uso a que se destina: Restauração e bebidas”- vd. item 12 do probatório, fls. 29 dos autos.
De modo que nas operações urbanísticas licenciadas e tituladas pelos alvarás 161/2013 e 198/2017 verifica-se que as obras de alteração se confinaram ao interior do edifício, não introduzindo alterações de parâmetros urbanísticos no edificado existente e licenciado.
No que respeita às obras de alteração tituladas pelo alvará nº 19…/2017 verifica-se, também, a manutenção do uso aprovado proposto no projecto de arquitectura do licenciamento antecedente de 06.11.2013 (estabelecimento de restauração e bebidas) e a cuja licença se reporta o alvará nº 16…/2013.

*
Aliás, que o uso a dar ao edifício é o de “estabelecimento de restauração e bebidas” constitui também uma evidência se lermos o conteúdo das memórias descritivas que as Partes juntaram aos autos.
A Recorrida entregou com a petição inicial o doc. nº 3 junto a fls. 19/20 dos autos e levado ao probatório no item 4, relativo à memória descritiva instrutória do procedimento em que foi emitido o primeiro alvará nº 16…/2013 em que, para instalação no piso térreo e piso – 1, se apresentam dois conceitos diferentes de restauração a instalar no edifício, um “com carácter muito urbano e serviço rápido” e “outro direccionado para público mais exigente e a funcionar sobretudo a partir do fim do dia”.
Naturalmente que o dito “serviço rápido” se refere ao corrente fast-food anglo-saxónico, cujo exemplo de escola são os 20 minutos para almoço com uma sandes e uma bebida e a pessoa sentada na relva, banco ou murete qualquer; quanto ao serviço “mais exigente ao fim do dia” reporta-se ao costume lusitano de comer sentado à mesa e em sossego.
O Município Recorrente juntou aos autos na fase das alegações de recurso a memória descritiva referente ao procedimento cuja licença é titulada pelo alvará nº 19…/2017, a fls. 131 a134 dos autos, em que para o piso térreo e piso – 1 se apresenta outra intervenção de interiores, concretamente uma “zona destinada aos clientes” compreendendo a “zona de mesas e balcões de refeições divididas por pequenas divisórias” e “a zona de atendimento que se desenvolve ao longo de um balcão com vista exposta para a zona de confecção da cozinha e a utilização de espaços exteriores para o uso da esplanada”.
A conclusão que se retira do conteúdo das duas memórias descritivas parece-nos unívoca, ou seja, em ambos os procedimentos de licenciamento de obras de alteração o uso proposto e aprovado para o edifício é o mesmo, o de nele instalar um “estabelecimento de restauração e bebidas”, irrelevando do ponto de vista jurídico o género ou tipologia concreta de restauração oferecido ao cliente, se haute cuisine, fast-food ou cozinha tradicional portuguesa.
Efectivamente, em sede de especificações do alvará quer da licença quer da autorização de utilização, o artº 77º nº 4 h) e nº 5 c) RJUE exige, sim, a menção do “uso a que se destinam as edificações” e “o uso a que se destina o edifício ou fracções autónomas”, mas não exige a especificação da tipologia ou género dentro do ramo comercial de actividade a exercer no edificado, salvo, obviamente, em caso de previsão legal ou regulamentar vinculativa nesse sentido que, na hipótese dos autos, não foi alegada nem existe.

*
A manutenção do uso de estabelecimento de restauração e bebidas - uso aprovado no âmbito do procedimento de obras de alteração a que se reporta o alvará nº 19…/2017, tal como no procedimento anterior de obras de alteração tituladas pelo alvará nº 16…/2013, ambos com projectos de arquitectura aprovados - significa que essa manutenção do uso aprovado surte efeitos jurídicos no procedimento de autorização de utilização do edifício em causa, conferindo natureza indirecta, e não natureza autónoma, à apreciação das questões de uso.
Como nos diz a doutrina, havendo obras sujeitas a controlo preventivo realizadas e licenciadas em momento anterior à autorização de utilização, significa que,
“(..) é no âmbito do controlo preventivo destas que se aprecia se o projecto (da obra) está adequado ao fim (uso) pretendido (cfr. parte final do nº 1 do artigo 20º RJUE), tornando desnecessário proceder a essa avaliação autónoma em momento posterior: basta, no momento em que se pretende utilizar o edifício, verificar se a obra foi executada de acordo com o projecto de arquitectura aprovado pois, se o tiver sido, o edifício está adequado ao uso (..)
(..) [no procedimento de] autorização de utilização (que só tem de ser emanada quando se pretenda utilizar o edifício ou fracção) o presidente da câmara apenas tem de averiguar, no momento da emanação da autorização de utilização, se a obra foi concluída de acordo com o projecto aprovado – aplicando-se a este as regras que estavam em vigor no momento da sua aprovação, nas quais se integram as atinentes ao uso (..)
(..) normas [que] já foram mobilizadas no procedimento de licenciamento das obras, no âmbito e para o efeito da apreciação e aprovação do projecto de arquitectura, tendo essa apreciação ficado estabilizada nesse momento. (..)”(2 )

*
Sintetizando, a margem de livre decisão na apreciação das questões do uso proposto para o edifício no projecto de arquitectura, tanto na vertente formal da conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis ao caso concreto, como na vertente funcional da idoneidade do edifício ao fim da utilização prevista, têm o seu lugar próprio na fase de controlo preventivo da operação urbanística, maxime aquando da apreciação do projecto de arquitectura em sede de licenciamento (artº 20º nº 1 RJUE), “(..) tornando desnecessário proceder a essa avaliação autónoma em momento posterior (no da emissão da autorização de utilização): basta, no momento em que se pretende utilizar o edifício, verificar se a obra foi executada de acordo com o projecto de arquitectura aprovado pois, se o tiver sido, o edifício está, inevitavelmente, adequado ao uso. (..)”(3)
A conformidade da utilização pretendida com as normas legais e regulamentares que regem os usos e utilizações admissíveis e a que se reporta o artº 62º nº 1 RJUE é, assim, de verificação indirecta.

*
Tudo visto, não se verifica que a sentença proferida pelo Tribunal a quo incorra em erro de julgamento por desconformidade do probatório com o enquadramento jurídico dado à memória descritiva levada ao item 4 da matéria de facto provada, improcedendo a questão trazida recurso na alínea F das conclusões.

4. primeira e segunda vistorias – artºs 64º e 65º RJUE;

Emitido em 11.09.2017 o alvará nº 19…/2017 da licença de obras de alteração (itens 5, 10, 12 e 13 do probatório) veio a Recorrida requerer em 22.02.2018 a autorização de utilização do edifício que, como referido, também configura uma operação urbanística sujeita a controlo prévio destinada à verificação da conformidade da obra concluída com o projecto de arquitectura aprovado em 26.05.2017 e com as condições do licenciamento (cfr. artºs. 2º al. j), 20º, 23º, 26º e 62º nº 1 RJUE).
Dentro dos 10 dias (úteis, artº 87º b) e c) CPA/2015) previstos no artº 64º nº 1 RJUE, prazo a contar da recepção do requerimento - requerimento de 22.02.2018 - cabe ao Presidente da Câmara (i) emitir decisão expressa sobre a autorização de utilização requerida (artº 64º nº 1 RJUE), (ii) aperfeiçoar ou rejeitar liminarmente o requerimento (artº 11º RJUE) ou (iii) ordenar a realização de vistoria (artº 64º nº 2 RJUE).
No caso, mediante despacho cuja data se desconhece por não ter sido trazido aos autos, foi ordenada a realização da vistoria a que se refere o artº 64º nº 2 RJUE, comunicada à Recorrida em 03.04.2018 e efectivada em 20.04.2018 – vd. item 15 do probatório.
No tocante a esta vistoria pelo doc. junto aos autos a fls. 33/verso, verifica-se que os respectivos quesitos são a cópia do texto do artº 62º nº 1 RJUE (conclusão da obra, conformidade da obra executada com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados no licenciamento, conformidade com as normas legais e regulamentares relativas ao uso no projecto aprovado), em vez de os quesitos se referirem aos “indícios sérios a concretizar no despacho que determina a vistoria”, como disposto no artº 64º nº 2 RJUE.
Todavia, resulta claro que a vistoria foi ordenada no âmbito da hipótese descrita no artº 64º nº 2 al. c) RJUE, ou seja, por “indícios sérios de que a obra se encontra em desconformidade com o respectivo projecto ou condições estabelecidas”, tendo por referência o projecto de arquitectura aprovado em 26.05.2017 no âmbito do procedimento de licenciamento de obras de alteração titulado pelo alvará 198/2017 – vd. itens 12 e 13 do probatório.
Por referência aos quesitos da vistoria de 20.04.2018 foram especificadas desconformidades em obra relativamente ao projecto de arquitectura aprovado em 26.05.2017, sendo a decisão positiva da autorização de utilização condicionada à realização de obras de alteração devidamente especificadas, obras de alteração que a Recorrida concretizou – vd. fls. 34 a 38 dos autos, itens 16 e 17 do probatório.

*
Em 03.08.2018 a Recorrida requereu nova vistoria no âmbito do artº 65º nº 5 RJUE – vd. item 18 do probatório.
Esta segunda vistoria é de realização obrigatória já que tem por função verificar se o particular deu execução às obras de alteração impostas na 1ª vistoria de 20.04.2018 e tem de ser ordenada no prazo de 15 dias contados do requerimento de 03.08.2018 do interessado (artº 65º nº 5 RJUE).
No auto da segunda vistoria de 27.08.2018 as alterações executadas foram consideradas conformes com o ordenado na 1ª vistoria de 20.04.2018 e emitido parecer favorável ao pedido da Recorrida de emissão de autorização de utilização do imóvel em causa – vd. fls.39 e 41/42 dos autos, itens 18 e 19 do probatório.
As conclusões desta segunda vistoria de 27.08.2018 são vinculativas do sentido jurídico do despacho sobre a autorização da utilização, cuja competência originária é o presidente da câmara, passível de delegação e subdelegação nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços camarários (artºs. 65º nº 4, 5º nº 3 ex vi 4º nº 5 RJUE).(4)


5. acto tácito positivo (11.09.2018) – pagamento de taxas – utilização do edifício – intimação para a passagem do alvará;

Conforme CPA/revisão de 2015 (07.04.2015) introduzida pela Lei 4/2015 de 01.01, o regime geral do deferimento tácito foi redefinido nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 129º (incumprimento do dever legal de decidir) e 130º nºs. 1 e 2 (fonte legal ou regulamentar da valoração positiva do silêncio; falta de notificação da decisão expressa até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão).
Na parte que interessa ao caso, segundo o novo regime forma-se acto tácito de deferimento por previsão de lei ou regulamento face ao incumprimento do dever de decidir em consequência do silêncio ou da falta de notificação ao interessado da decisão expressa emanada do órgão competente, dentro do prazo legal, notificação pela forma adequada nos termos dos artºs. 112º e 113º CPA.
Portando, em caso de silêncio administrativo, o acto tácito do deferimento forma-se uma vez atingido o termo ad quem do prazo legal para decidir.
Na hipótese de acto expresso, rege a ausência, dentro do prazo devido para a notificação do interessado, de transmissão do que foi decidido, pelo que na formação do acto tácito positivo conta-se o prazo para decidir adicionado do prazo para a notificação com termo ad quem é determinado pela expressão contida na norma “até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão” (130º/2 CPA), ou seja, vale a data da expedição desta e, na ausência de prazo fixado na lei ou regulamento, rege o prazo geral de 8 (oito) dias úteis [artº 87º/1b)] prescrito no artº 114º nº 5 CPA. (5)
No que respeita à valoração do silêncio do órgão municipal competente para decidir a pretensão formulada de emissão de autorização de utilização do edifício e uma vez decorrido o prazo legal de 10 dias para decidir (artº 64º nº 1 RJUE), temos que nos procedimentos autorizativos de operações urbanísticas o artº 111º c) RJUE atribui efeitos positivos ao silêncio administrativo, determinando a formação de deferimento tácito da pretensão de autorização de uso, isto é, atribui ao silêncio da Administração o valor de deferimento da pretensão deduzida, habilitando directamente o particular a considerar “tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais”.

*
Portanto, esgotado o prazo legal para decidir e verificada a inércia do órgão municipal competente para o efeito, cumpre saber se, por aplicação do regime do artº 111º c) RJUE, se formou acto tácito de deferimento da pretensão da Recorrida, manifestada em requerimento próprio, de emissão da autorização de utilização.
Seguindo a Autora que vimos citando, por via das alterações introduzidas pelo DL 136/2018, importa enquadrar os meios que a lei põe à disposição do particular em face da inércia administrativa em sede de procedimentos urbanísticos, de modo a considerar como “(..) valendo agora no caso das autorizações o deferimento tácito com as consequências gerais, isto é, com as consequências previstas no CPA para os deferimentos tácitos (..) [sendo que] a leitura mais consentânea do disposto no nº 3 do artº 74º foi a de intencionalmente não atribuir ao alvará de utilização a sua tradicional função integrativa de eficácia (..) tendo em conta o disposto no artº 113º, uma vez que se lhes aplica o nº 5 e ss. deste mesmo artigo, por as taxas terem ser pagas para que a utilização do edifício possa ser feita legitimamente (..)”.
O que significa que o interessado,
“(..) ou solicita o alvará e paga as taxas ao município, ou, quando este não emita o alvará ou se recuse a receber as taxas, as deva pagar por autoliquidação, estando sujeito, caso contrário, ao pagamento de uma contraordenação (artº 98º nº 1 al. d) RJUE) (..)
(..) Mesmo nos casos de autorização de utilização em que o alvará não configura uma condição de eficácia do acto, não deixa, como vimos, o particular de ter de pagar as taxas devidas [artºs 113º nº 2 e 116º nº 1 RJUE], sendo que o município apenas as liquida com o pedido de emissão do alvará e as arrecada com a emissão deste.
Contudo, sabendo que o município pode não facultar os meios necessários para que o particular possa executar aquele ónus que sobre ele impende [de pagamento das taxas] (..) como pode, mesmo mostrando-se pagas as taxas, … continuar a recusar-se a passar o alvará, estabelece o nº 5 do presente artigo [artº 113º RJUE] um mecanismo de obtenção do alvará por via substitutiva. (..)
(..) Ao contrário do disposto no regime legal anterior … permite o nº 5 do presente artigo do RJUE (artº 113º) que … a utilização se inicie imediatamente, ainda que seja necessário dar desse facto conhecimento à câmara municipal … e iniciar o procedimento judicial de intimação para a passagem do alvará. (..) meio processual especial e autónomo … ao qual serão aplicáveis as normas … atinentes à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagens de certidões previstas no artº 104º e ss do CPTA (..)” (6)

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Sendo este o novo quadro normativo no tocante ao deferimento tácito, utilização imediata do edifício e intimação a passagem do alvará, voltemos ao caso em apreço.
Conforme disposições conjugadas dos artºs 64ºs nº 1 e 111º al. c) RJUE na ausência de decisão expressa por parte do presidente da câmara ultrapassado que seja o termo ad quem do prazo dos 10 dias, nem no sentido da autorização de utilização requerida (artº 64º nº 1) nem ordenadora da realização de vistoria (artº 64º nºs 2 e 3), além de precludir que a mesma possa ser posteriormente ordenada sob pena de violação de lei, forma-se deferimento tácito da autorização de utilização do edifício ou fracção.
Na medida em que o acto tácito positivo contém directivas de juridicidade, constituindo, assim, um verdadeiro acto administrativo, tal permite a inscrição na esfera jurídica do particular do direito de imediata utilização do imóvel segundo o uso constante do projecto de arquitectura aprovado, tal como na hipótese dos autos, posto que se trata de um licenciamento de obras de alteração com projecto aprovado em 26.05.2017.
Como já referido, para concretizar a utilização do imóvel ou fracção o particular terá de pagar as taxas devidas (artºs 113º nº 2 e 116º nº 1 RJUE) solicitando a passagem das respectivas guias de liquidação ou, em caso de recusa municipal, procedendo à autoliquidação e depósito do valor em causa – cfr. artº 113º nºs 2 e 3 RJUE.

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Vem questionada pelo Recorrente nas alíneas J a X das conclusões de recurso, especificamente na alínea V, a formação de deferimento tácito do pedido de emissão de autorização de utilização do edifício, pedido em 22.02.2018 (vd. item 14 do probatório) na sequência do silêncio administrativo decorrido o prazo do dever legal de decidir sobre a requerida autorização de utilização na sequência das conclusões favoráveis da 2ª vistoria de 27.08.2018 à pretensão da Recorrida (artº 65º nºs 4 e 5 RJUE), vd. item18 do probatório.
Em sede de sentença o Tribunal a quo sustentou a aplicabilidade do prazo de 10 dias determinado no artº 64º nº 1 RJUE para a formação do acto silente.
Na hipótese sob recurso a formação do acto tácito de deferimento da requerida utilização do edifício expressamente prevista no artº 111º al. c) RJUE, não decorre do silêncio administrativo no quadro do artº 64º nº 1 RJUE contado do esgotamento do prazo legal de decidir (10 dias úteis, artº 87º/1/b) c)CPA/2015) iniciado com o requerimento de 22.02.2018 da Recorrida que desencadeou o procedimento de autorização de utilização, porque o procedimento tramitou com a realização das duas vistorias (artºs 64º nº 2 e 65º nº 5 RJUE), nos termos e prazos referidos supra.
De modo que a aplicabilidade do regime de valoração positiva do silêncio da Administração constante do artº 111º al. c) RJUE continua presente, uma vez verificados os restantes pressupostos, a saber, a existência de um dever legal de decidir no prazo previsto, o que é uma realidade posto que a Recorrida deu início ao procedimento autorizativo por requerimento de 22.02.2018 e, como nos diz a doutrina, o prazo de 10 dias para a decisão do pedido de autorização constitui “(..) um prazo que apenas se alarga quando … ocorra indício de violação do projecto ou suas condições … uma vez que neste caso terá de ser desencadeada uma vistoria (..)” (7)
E alarga-se porque, face ao requerimento do particular, a ora Recorrida, ordenada a vistoria pelo Presidente da Câmara (em competência originária ou mediante delegação) evidentemente que o procedimento de autorização tem de prosseguir os respectivos trâmites na sequência dos actos procedimentais concernente às duas vistorias previstas no artº 65º nºs.1, 2 e 3 (1ª vistoria) e 5 (2ª vistoria).

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O que significa que realizadas em prazo as vistorias referidas no artº 65º RJUE, a Administração permanece constituída no dever legal de decidir, isto é, no dever de responder ao pedido de autorização de utilização do edifício deduzido em 22.02.2018 pela Recorrida, que consubstancia uma operação urbanística sujeita a controlo prévio da Administração destinada à verificação da conformidade da obra concluída com o projecto de arquitectura aprovado em 26.05.2017 e com as condições do licenciamento (cfr. artºs. 2º al. j), 20º, 23º, 26º e 62º nº 1 RJUE).
Ou seja, o Presidente da Câmara continua constituído no dever legal de decidir o requerimento do particular, no sentido de deferir, ou não, conforme as circunstâncias concretas decorrentes da 2ª vistoria, cuja pretensão deduzida deu início ao procedimento de autorização de utilização do edifício, decisão a emitir no prazo de 10 dias consignado no artº 64º nº 1, sob a cominação, uma vez esgotado, da valorização positiva do silêncio administrativo prevista no artº 111º al. c) RJUE, salvo conclusões negativas da vistoria (artº 65º nº 4 RJUE).
Tal significa que, haja ou não haja despacho expresso por parte da entidade administrativa, o regime de tramitação subsequente a estas duas vistorias mostra-se legalmente previsto na sua completude, inclusivamente, na hipótese “(..) de não ser levada a cabo a vistoria prevista no nº 3 do presente artigo ou de não ter sido concretizada a segunda vistoria para que remete o nº 5 (..)” em que será solicitada a emissão do título de autorização de utilização, a emitir no prazo de 5 (cinco) dias e sem a prévia realização da vistoria, cfr. artº 65º nº 6 RJUE. (8)

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Dá-se a circunstância de a segunda vistoria de 27.08.2018 evidenciar conclusões favoráveis à pretensão da Recorrida, cfr. item 19 do probatório.
O que significa, como já referido, que por determinação expressa de lei tais conclusões positivas são de observância vinculada no tocante ao efeito jurídico positivo do despacho do Presidente da Câmara, cfr. artº 65º nº 5 RJUE, isto é, quanto à vinculação de deferimento da autorização de utilização deduzida pela Recorrida em 22.02.2018 com a instauração do procedimento autorizativo.
Não se perfilam dúvidas de que estamos perante um acto administrativo vinculado quanto ao conteúdo de sentido positivo da pretensão do particular, cabendo salientar que, tivessem sido as conclusões da vistoria de sentido desfavorável, o despacho final do procedimento estaria vinculado ao indeferimento do pedido deduzido de autorização de utilização.
De modo que, conjugando (i) a existência de um dever legal de decidir vinculativo quanto ao sentido positivo da decisão final do procedimento autorizativo face às conclusões da segunda vistoria (artº 65º/4) e (ii) a previsão normativa do deferimento tácito [artº 111º al. c)], conclui-se que o prazo para a formação do acto tácito positivo é,
· primeiro, o prazo de 10 dias constante do artº 64º nº 1RJUE e,
· segundo, contado do silêncio administrativo firmado no termo do prazo legal para decidir, na exacta medida em que não houve decisão final expressa no prazo legal (artº 130º nºs. 1 e 2 CPA/2015)
Como nos diz a doutrina no âmbito do novo regime do acto tácito em sede de CPA/2015, “(..) o facto jurídico que conta para efeitos de contagem do prazo para a formação do acto tácito é a ausência de notificação da decisão final sobre a pretensão. Mas, note-se, a ultrapassagem deste prazo cobre não apenas a falta de notificação de uma decisão expressa mas também o silêncio puro e simples pois que, se a Administração nada decidiu de nada pode notificar o interessado no prazo legal. (..)
(..) o legislador colocou-se do lado do interessado que requereu. (..) Tanto lhe faz que a falta da notificação resulte do silêncio como da ultrapassagem do prazo para notificar uma decisão expressa, seja ela qual for. (..)” (9)

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Voltando ao elenco da matéria de facto, temos que a 2ª vistoria com parecer favorável à pretensão da Recorrida tem auto levado ao procedimento com data de 27.08.2018, pelo que o prazo de 10 dias para efeitos de dever legal de decidir começou a 28.08.2018 (3ª feira) e terminou a 10.09.2018 (2ª feira) e, nos termos conjugados dos artºs 111º c) RJUE e 130º nºs 1 e 2 CPA/2015, em face do silênciono primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo de decisão” formou-se deferimento tácito do pedido de autorização de utilização do edifício pela Recorrida, ou seja, no dia 11.09.2018 (3ª feira).
Por outro lado, a existência de deferimento tácito do pedido de autorização de utilização do edifício constitui pressuposto do pedido de intimação para a emissão do alvará junto dos tribunais administrativos, nos termos do artº 113º nºs 5 e 7 RJUE. (10)
Em síntese, no âmbito da acção de intimação para emissão do alvará de autorização de utilização a que se refere o artº 113º nº 5 in fine RJUE cumpre conjugar duas especialidades do seu regime legal, a saber,
o a autorização de utilização está sujeita ao regime geral do deferimento tácito, com as consequências previstas no CPA, cfr. artºs 111º alínea c) RJUE e 129º, 130º nºs. 1 e 2 CPA/2015,
o o alvará de autorização de utilização (ao contrário do alvará do licenciamento) não é condição de eficácia da autorização de utilização, cfr. artº 74º nº 3 RJUE,
especialidades que, pelas razões supra, se verificam no caso concreto.

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Pelo que vem de ser exposto, improcedem as questões trazidas recurso nas alíneas J a X das conclusões.


6. acto tácito constitutivo de direitos – revogação – artº 167º nºs. 1 e 2 CPA/2015;

Nos itens Y a AA das conclusões o Recorrente suscita a questão da revogação do deferimento tácito do pedido de autorização de utilização mediante o despacho do Presidente da Câmara de 12.11.2018, matéria levada aos itens 34 e 35 do probatório.
Como nos diz a doutrina “(..) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas… salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (..)”.(11)
Em síntese, assume a natureza de questão nova insusceptível de ser conhecida em sede de recurso, toda a matéria que extravase o elenco de fundamentos que suportam a parte decisória da sentença recorrida, delimitada esta pelo objecto do processo, com ressalva das de conhecimento oficioso.

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Voltando ao caso em apreço, analisando os 44 artigos do articulado de contestação verifica-se que a referência ao despacho de 22.11.2018 é feita pelo Recorrente no artigo 43 como segue: “(..) o Presidente da CMC indeferiu expressamente o pedido de autorização de utilização apresentado pela A, conforme despacho que se junta como doc. nº 1 (..)” e, no artigo 44, que “a A foi notificada daquele despacho conforme ofício que se junta como doc. nº 2.”.
Em tudo o mais o Recorrente impugnou sempre a formação de acto de deferimento tácito, não tendo produzido quaisquer alegações em matéria da ora suscitada revogação do acto de deferimento tácito.
De modo que a questão trazida a recurso nos itens Y a AA das conclusões - “tal ato sempre se deveria ter por revogado, em virtude do ato expresso de indeferimento praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de Cascais, em 12 de Novembro de 2018.” - em termos de objecto do processo constitui uma questão nova, pelo que, em princípio, dela não cumpriria conhecer na medida em que não foi submetida a apreciação do Tribunal a quo mas, é trazida a juízo tão só no domínio do presente recurso sendo certo que não é matéria de conhecimento oficioso.
Todavia, uma vez que é trazida ao processo no segmento fundamentador a págs. 25 de sentença proferida pelo Tribunal a quo, no sentido de que “(..) o acto de indeferimento expresso não era apto a revogar, no caso tacitamente – já que expressamente não o faz – o acto de deferimento tácito, vinculado, que se formara, porque tal está vedado pelo artigo 167º nºs 1 e 2 a) e 3 do CPA (..)”, apenas cabe analisar a questão suscitada no estrito plano do discurso jurídico fundamentador.

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O deferimento tácito da autorização de utilização do edifício formado no dia 11.09.2018 tem a natureza de acto constitutivo de direitos na medida em que reconhece e inscreve na esfera jurídica do interessado, a ora Recorrida, um efeito jurídico material favorável, que vai além de uma mera situação jurídica de vantagem, na medida em que constitui um direito, o direito de utilização do edifício conforme o uso aprovado, cfr. artº 167º nº 3 CPA/2015.
Cabe, pois, distinguir entre os fundamentos da revogação e da anulação administrativa, como decorre do artº 165º CPA/2015.
No caso, o acto tácito positivo e constitutivo de direitos (direito a utilizar o edifício) formado no âmbito do procedimento de autorização legalmente previsto – cfr. artºs. 62º e ss. e 111º c) RJUE – goza de “(..) uma especial força jurídica (obrigatória e executiva, auto-vinculativa e hetero-vinculativa) e de uma reforçada estabilidade (assegurada pelos limites à revogação e à anulação administrativa, bem como pelo ónus de impugnação com prazo, a cargo dos lesados, e, na falta de impugnação no prazo legal, pela consequente força de caso decidido). (..)
(..) há uma diferença entre os fundamentos da revogação propriamente dita, que é tipicamente a inconveniência actual para o interesse público, tal como é configurado pelo agente, da manutenção dos efeitos do acto que é revogado, e o fundamento ou a causa do acto na anulação, que é a ilegalidade do acto (..) [e] diferenças quanto ao respectivo objecto (mediato): enquanto são susceptíveis de anulação administrativa quaisquer actos, à revogação propriamente dita estão sujeitos apenas alguns tipos de actos, os que produzem efeitos actuais ou potenciais (não caducados nem esgotados), designadamente, os actos com eficácia duradoura (os actos de eficácia instantânea, mas ainda não executados) (..)” (12)
Sucede que a revogação de actos válidos estritamente vinculados não está na disponibilidade da Administração, sendo a irrevogabilidade uma consequência do disposto no artº 167º nº 1 CPA/2015 como já decorria do regime do artº 140º nº 1 a) e c) CPA/1991. (13)
É neste quadro normativo que se integra o caso trazido a recurso.

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Como já referido, o acto tácito positivo forma-se “no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo de decisão” ou seja, no dia 11.09.2018, na sequência e por causa da segunda vistoria de 27.08.2018 evidenciar conclusões favoráveis à pretensão da Recorrida - cfr. item 19 do probatório - e atendendo à previsão de valoração positiva do silêncio constante do artº 111º c) RJUE.
Por determinação expressa de lei tais conclusões positivas são de observância vinculada no tocante ao efeito jurídico positivo do despacho do Presidente da Câmara, cfr. artº 65º nº 5 RJUE, isto é, vinculam o órgão administrativo competente para a decisão a emitir um acto de deferimento da autorização de utilização em via do interesse pretensivo manifestado pela Recorrida em 22.02.2018 com a instauração do procedimento autorizativo.
E quanto à flexibilidade revogatória de actos constitutivos de direitos introduzida pelo CPA/2015, cfr. artº 167º nº 2 a) e b) (desfavorabilidade e concordância) e nº 2 c) e d) (alteração objectiva de circunstâncias e cláusula de reserva de revogação) nenhuma das hipóteses legais se aplica.

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Nesta matéria da revogação de actos constitutivos de direitos, expressos ou tácitos, cabe salientar, como já se deixou explícito, que é no âmbito do licenciamento da obra, maxime na fase procedimental de apreciação do projecto de arquitectura, que se avalia a adequação do edifício ao uso a que se destina (cfr. artº 20º nº 1 in fine RJUE).
O que significa, como já referido, que se o projecto de arquitectura foi aprovado a conclusão que compete é que o edifício está adequado ao uso proposto.
E significa também que no procedimento de autorização de utilização decorrente de obras de alteração licenciadas “(..) existe um desvio à regra do tempus regit actuam. [por] haver um desfasamento temporal entre a licença das obras (necessária para a realização destas e onde se avalia a adequação das mesmas ao uso pretendido) e a autorização de utilização (..) tendo o presidente da câmara apenas de averiguar, no momento da emanação da autorização de utilização, se a obra foi concluída de acordo com o projecto aprovado – aplicando-se as regras que estavam em vigor no momento dessa aprovação, nas quais se integram as atinentes ao uso – o que torna irrelevantes alterações legislativas posteriores no que a este diz respeito. (..)”(14)


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Pelo que vem de ser dito, conclui-se pela improcedência da suscitada revogação do deferimento tácito da pretensão de autorização de uso, formado em 11.09.2018, por via do despacho expresso de 12.11.2018 do Presidente da Câmara, questão trazida a recurso nas alíneas Y a AA das conclusões.



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Tudo visto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 26.SET.2019


(Cristina dos Santos) ………………………………………………

(Sofia David) ………………………………………………………

(Dora Lucas Neto) …………………………………………………





(1) Fernanda Paula Oliveira, et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Almedina/2011 pág. 699; Carlos Alberto Cadilha, Dicionário de contencioso administrativo, 2ª ed. Almedina/2018, págs. 313/314.
(2) Fernanda Paula Oliveira, Mais uma alteração ao RJUE, Almedina/2014, págs. 20, 30/31; As alterações ao RJUE em perguntas e respostas, Almedina/2016, págs. 17-perg.4, 41-perg.1, 50/51-perg.9 e 72/74-perg.3.
(3) Fernanda Paula Oliveira, Mais uma alteração ao RJUE, pág. 31; As alterações ao RJUE em perguntas e respostas, pág. 75-perg. 4.
(4) Fernanda Paula Oliveira, et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Almedina/2011 págs. 489 e 492.
(5) Luís Cabral de Moncada, Código de Procedimento Administrativo – anotado, Coimbra Editora/2015, págs.451/454.
(6) Fernanda Paula Oliveira, et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Almedina/2011 págs. 487, 493, 555, 689 e 699; Carlos Alberto Cadilha, Dicionário de contencioso administraivo, 2ª ed. Almedina/2018, págs. 313/314.
(7) Fernanda Paula Oliveira, et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação … pág.485.
(8) Fernanda Paula Oliveira, et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação … pág.493.
(9) Luís Cabral de Moncada, Código de Procedimento Administrativo – anotado, … pág.453.
(10) Fernanda Paula Oliveira, A intimação para a emissão de alvará: preclusivo dos poderes de anulação administrativa ?, CJA/60, pág. 46
(11) Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de processo civil, Almedina/2013, pág.87.
(12) Vieira de Andrade, Lições de direito administrativo, Coimbra Jurídica/2017, págs. 164-165 e 234.
(13) Mário Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/Pacheco de Amorim, CPA – comentado, Almedina/2010, pág. 676-678; Luís Cabral de Moncada, CPA – anotado … págs. 597-599; Sérvulo Correia, Comentários à revisão do CPA, Almedina/2016, págs. 342-343.
(14) Fernanda Paula Oliveira, As alterações ao RJUE em perguntas e respostas, Almedina/2016, pág.73, perg. 3.