Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2070/10.4BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 01/21/2021 |
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Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
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Descritores: | CONCURSO INTERNO DE ACESSO PARA COMISSÁRIO DA PSP; QUOTA FIXA PARA SUBCOMISSÁRIOS NÃO HABILITADOS COM LICENCIATURA. |
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Sumário: | I. A cláusula de salvaguarda prevista no artigo 7.º, n.º 3 do D.L. n.º 511/99, de 24/11, que aprova o Estatuto do pessoal da Polícia de Segurança Pública, constitui um limite de garantia de acesso por parte dos oficiais de polícia não possuidores de licenciatura ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.
II. Trata-se da reserva de uma quota de um terço para a promoção dos oficiais de carreira que não são habilitados com o curso de formação de oficiais de polícia, sendo os restantes dois terços consignados aos oficiais titulares desse curso. III. Essa quota de um terço é fixa e, portanto, não pode ser aumentada, nem reduzida, sob pena de violação da lei. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO
O Ministério da Administração Interna, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 28/09/2019, que no âmbito da ação administrativa instaurada pela ASOP – Associação Sindical de Oficiais de Polícia, julgou a ação procedente, anulando o ato que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do ato de 27/04/2009 e condenou a Entidade Demandada a praticar o ato de afetação de 12 lugares para Subcomissários não habilitados com licenciatura. * Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I) A douta sentença recorrida, ao anular o ato impugnado na ação, incorreu em erro de direito sobre a interpretação da norma do nº 3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 511/99, de 24/11; II) Em síntese – e à defesa, porque lhe falta clareza –, a douta sentença entende que a “reserva de 1/3 das vagas postas a concurso aos Oficiais não titulares de Curso de Licenciatura em Ciências Policiais” constitui “um limite mínimo de garantia”, pelo que, ao restringir as promoções destes Oficiais ao limite de um terço, o ato anulado teria restringido o seu direito à progressão na carreira; III) Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 511/99, de 24 de Novembro, o acesso à carreira de Oficiais de Polícia podia fazer-se por simples progressão na carreira, mediante a frequência de um Curso de Preparação, não equiparável a licenciatura; IV) O Estatuto do Pessoal da Polícia de Segurança Pública de 1999 – aprovado pelo Decreto-Lei nº 511/99 – introduziu, assim, uma novidade ao estipular que “o ingresso no quadro de pessoal com funções policiais faz-se no posto de subcomissário da carreira de oficial de polícia para o pessoal com licenciatura adequada ministrada no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna” (cfr. artigo 22º, nº 3, a); ver também artigos 22º, nº 1, a), e 23º, nº 1). V) Porém, o artigo 7º do Decreto-Lei nº 511/99 estabeleceu uma norma transitória nesta matéria: o nº 1 previa que “durante o período de cinco anos contados a partir da data da entrada em vigor do Estatuto aprovado pelo presente diploma, o recrutamento para o posto de subcomissário é alargado ao pessoal oriundo da carreira de subchefe não detentor de licenciatura conferida pelo Instituto Superior de Ciências Policiais desde que aprovado em curso de formação de acesso ao posto de subcomissário”; e o nº 3 estatuía que “para salvaguarda da normal progressão na carreira dos oficiais de polícia não possuidores de licenciatura ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna é-lhes reservado um terço das vagas existentes no posto de subintendente”; VI) Na interpretação que o Ministério sempre fez destas normas, a norma do nº 3 do artigo 7º significava que um terço das vagas era destinado a Oficiais de carreira e dois terços das vagas eram atribuídos aos Oficiais titulares de licenciatura, isto é, do CFOP – Curso de Formação de Oficiais de Polícia; VII) O Estatuto de Pessoal de 2009, aprovado pelo Decreto-Lei nº 299/2009, continuou a condicionar o acesso à carreira de Oficial de Polícia aos titulares de formação superior – mestrado ou licenciatura – em Ciências Policiais e continuou a manter a reserva de um terço dos postos de trabalho existentes, nos postos de comissário e subintendente para os não titulares de formação no Instituto Superior de Ciências Policiais (ver artigo 115º); VIII) E o atual Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei nº 243/2015, manteve a reserva, estipulando no artigo 148º, nº 1: “Para salvaguarda do desenvolvimento da carreira dos polícias integrados na carreira de oficial de polícia não habilitado com o CFOP ministrado no ISCPSI, é reservado um terço das vagas colocadas a concurso de promoção, para as categorias de comissário e subintendente”. IX) A adequada interpretação da norma do nº 3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 511/99 – à semelhança do que acontece com as normas do Estatuto de 2009 (artigo 115º) e com o atual Estatuto (artigo 148º) – deve colher-se na lição do Supremo Tribunal Administrativo, que concluiu que “(…) a reserva, aí prevista, de «um terço das vagas» é fixa e sujeita a um claríssimo «ne varietur»” (cfr. Acórdão de “apreciação preliminar”, de 27 de setembro de 2019, Proc. nº 2840/17.2.BELSB); X) O Supremo Tribunal esclareceu que o regime em apreço é o que vigora “após a emergência do Estatuto da PSP de 1999 (DL nº 511/99, de 24/11)”, que tem a especificidade de “a titularidade do CFOP se haver tornado um requisito de acesso à carreira de oficial de polícia”; XI) E, para que não restassem dúvidas, o Supremo Tribunal ainda acrescentou: “E, como tal reserva já fora preenchida no concurso agora em questão, não podia o autor do ato nomear os recorrentes, sob pena de agir «contra legem»”.”. Pede que seja revogada a sentença recorrida, por incorrer nos erros de direito descritos. * Notificada a Recorrida, a mesma contra-alegou o recurso, assim tendo concluído: “A) O Recorrente alega nas suas conclusões que a sentença recorrida ao anular o acto impugnado, incorreu em erro de direito sobre a interpretação da norma do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 511/99, de 24 de Novembro; B) Naquela norma preceitua-se que “Para salvaguarda da normal progressão da carreira dos oficiais de polícia não possuidores de licenciatura ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna é-lhes reservado um terço das vagas existentes no posto de Subintendente”; C) Atento o conteúdo da norma, o seu enquadramento histórico, entendemos que esta norma deve ser interpretada no sentido considerado pela sentença ora recorrida; D) De que a reserva de um terço das vagas postas a concurso aos Oficiais não titulares do curso de licenciatura em Ciências Policiais, tem de ter no mínimo aquela garantia, podendo, contudo, ser superior; E) Os lugares postos a concurso para os Oficiais não possuidores de licenciatura não têm obrigatoriamente de se reportar aos lugares de quadro de pessoal; F) Mas, aos lugares postos a concurso. G) O legislador pretendeu proteger a tutela subjectiva dos Oficiais titulares de não licenciatura, permitindo-lhes igualmente o direito de progressão na carreira ao garantir um terço das vagas colocadas a concurso. H) Pretendeu-se acautelar a posição de todos os profissionais da PSP que, não sendo titulares de curso superior já estavam integrados na carreira de oficial de polícia e conhecidos como Oficiais de carreira. I) A norma do n.º 3 do artigo 7.º vincula o Ministério da Administração Interna a cumpri-la, não lhe sendo possível utilizar qualquer critério de oportunidade, ou outro, na distribuição dos lugares postos a concurso para Subcomissários não detentores do referido curso. J) O Recorrente entendeu que em vez de 12 postos de trabalho, deveria colocar apenas 10 a concurso, para os Oficiais não titulares da licenciatura, tendo obtido este número por aplicação da quota de um terço ao número total de lugares de mapa de pessoal para o posto de Comissário. K) A expressão “terço das vagas” deve ser entendida como uma garantia do direito à promoção na carreira dos Subcomissários não habilitados com o CFOP e não como uma restrição; o que o legislador pretendeu fixar foi uma quota mínima de acesso à categoria superior, mas não o limite máximo. L) Pelo que deverá o Recorrente ser condenado à prática do acto devido, afectando doze lugares para Subcomissários não habilitados com o CFOP no procedimento concursal em causa; M) Devendo manter-se a decisão recorrida, pois ao contrário do que alega o Recorrente fez uma correcta interpretação jurídica da norma do n.º 3 do artigo 7.º do DL n.º 511/99, de 24 de Novembro.”. * Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer que pugna pela improcedência do recurso, tendo procedido a uma correta apreciação dos factos e à sua subsunção do direito. * O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação do artigo 7.º, n.º 3 do D.L. n.º 511/99, de 24/11, por a reserva aí prevista de um terço das vagas é fixa.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “A) Em 23.04.2009, os serviços da Entidade demandada elaboraram a Informação n.º 18/DADGC/2009, com o seguinte teor: “Assunto: Concurso interno de acesso para o posto de comissário do quadro de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (…) Nos termos do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 511/99, de 24 de Novembro, o recrutamento para o posto de Comissário é feito, mediante concurso de avaliação curricular, de entre Subcomissários com um mínimo de quatro anos de efectividade de serviço no posto. Como tal, importa analisar a situação de modo a obter o número de lugares que poderão ser propostos para abertura do referido concurso de avaliação curricular. Para tomar mais explícito o resultado da análise, elaborámos o seguinte quadro síntese, que passamos a explicar. (…) No mapa de Pessoal da PSP encontram-se aprovados 182 lugares a serem preenchidos por oficiais do posto de Comissário. Destes 182 lugares de Comissário, dois terços correspondem a 121 lugares que só podem ser ocupados por Subcomissários com a licenciatura em Ciências Policiais e um terço, corresponde a 61 lugares destinados a Subcomissários não licenciados em Ciências Policiais (artigo 7.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 511/99 de 24 de Novembro). No momento presente encontram-se vagos 38 lugares de Comissário para Subcomissários licenciados em Ciências Policiais e apenas 4 lugares vagos para Subcomissários sem aquela licenciatura. Contudo, verifica-se que na presente data apenas 27 Subcomissários licenciados em Ciências Policiais reúnem condições de promoção, enquanto que o actual potencial de Subcomissários não licenciados, que reúnem as condições de ocuparem as 4 vagas que lhe são destinadas, é de 285 Subcomissários. Acontece porém que já se encontra aberto concurso de acesso ao posto de Subintendente, sendo 6 lugares a serem preenchidos por Comissários não licenciados pelo ISCPSI, razões pelas quais nos parece que a abertura do presente concurso deva ser feita para os lugares vagos existentes e os que vierem a vagar após a promoção a Subintendente e até ao limite máximo de 10 lugares para oficiais não possuidores de licenciatura do ISCPSI. Face ao exposto, tendo a honra de propor a V. Ex.ª: 1. Que nos termos do artigo 4.º, n.º 1 e artigo 3.º, alínea c) do Regulamento de Concursos de Pessoal com Funções Policiais, aprovado pela Portaria n.º 1522-A/2002, de 20 de Dezembro, seja autorizada a abertura do Concurso Interno de Acesso para o preenchimento até ao limite máximo de 37 lugares de Comissária, 27 destinados a Subcomissários licenciados em Ciências Policiais e 10 destinados a Subcomissários não possuidores daquela licenciatura. 2. Que os critérios de ponderação dos factores de avaliação curricular, previstos no n.º 3 do artigo 11.º do citado Regulamento, sejam os densificados e aprovados pelo Despacho Ministerial n.º 45/MEAI/2007, de 2 de Maio, não obstante as deliberações que o júri vier a decidir na sua Acta n.º 1; 3.Que o prazo de abertura do concurso seja fixado em dez (10) dias úteis e o da sua validade de um ano, a contar da data da publicação da lista de classificação final, caducando igualmente o seu prazo com o preenchimento dos lugares para que é aberto; 4. Que seja aprovado o Aviso de Abertura do Concurso, ao qual será atribuído o número 03/2009, bem com a utilização do requerimento tipo; 5. Que o júri do concurso tenha a seguinte composição (…).” (dado como provado com base em fls. 127 a 130 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); B) Em 27.04.2009, o Director Nacional da PSP exarou despacho de concordância na informação referida na alínea antecedente (dado como provado com base em fls. 127 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); C) Em 29.04.2009 foi elaborado, pelos serviços da Entidade demandada, o Aviso do Concurso n.º 3/2009 – Concurso interno de acesso para o posto de comissário do quadro do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (dado como provado com base em fls. 114 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); D) Em 05.05.2009, o Director Nacional da PSP exarou a Declaração de rectificação com o seguinte teor: “Concurso n.º 3/2009 – Concurso interno de acesso para os postos de comissário do Quadro do Pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (…) Onde se lê: (…) 1. (…) preenchimento até ao limite máximo de 37 lugares de Comissário (…)” 1.1. (…) até ao limite máximo de 37, dentro do prazo de validade do concurso, sendo 27 destinados a Subcomissários habilitados com a licenciatura em Ciências Policiais ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (…) Deve ler-se: (…) 1. (…) preenchimento até ao limite máximo de 38 lugares de comissário (…)” 1.1. (…) até ao limite máximo de 38, dentro do prazo de validade do concurso, sendo 28 destinados a Subcomissários habilitados com a licenciatura em Ciências Policiais ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (…)”. (dado como provado com base em fls. 103 e 104 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel); E) O aqui Autor apresentou nos serviços da Entidade demandada o recurso hierárquico do despacho do Director Nacional da PSP de 27.04.2009, com o seguinte teor: “(…) Termos em que deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente por provado e, em consequência, seja proferido despacho por V. Ex.ª que: a) Revogue o despacho proferido pelo Sr. Director Nacional da PSP, proferido em 27 de Abril de 2009, que ordenou a abertura do concurso interno de acesso limitado n.º 3/2009 para o posto de Comissário, através do qual se limitou ao número de 10 o acesso dos representados do recorrente, b) Profira despacho que anule o concurso ou altere e defina o número de 12 os lugares de lei destinados a subcomissários não detentores de licenciatura no acesso à categoria de Comissários no presente concurso. (…).” (dado como provado com base em fls. 97 a 102 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); F) Em 24.05.2010, os serviços da Entidade demandada elaboraram o Parecer n.º 379/FR/2010, com o seguinte teor: “(…) III 4. A questão essencial decidenda é a seguinte: Como interpretar a expressão “(…) vagas existentes no posto (…)”, empregue na redacção dos normativos constantes do n.º 3 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 511/99, de 24 de Novembro, por remissão do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 173/2000, de 9 de Agosto. Quid iuris? IV 5. No que tange à questão supra, entende a Entidade recorrida que, a proporção de 1/3 das vagas existentes, deve ser feita em função da distribuição dos lugares no quadro já ocupados consoante a origem dos oficiais, com ou sem licenciatura do ISCPSI, ou seja: a) A PSP tem no seu mapa de pessoal 182 vagas para o Posto de Comissário, logo, 1/3 de 182 são 61 vagas para os oficiais sem licenciatura do ISCPSI; e 2/3 de 182 são 121 vagas para os oficiais com licenciatura do ISCPSI; b) Ao quantum acima referido, foram deduzidos os postos de trabalho já preenchidos (oficiais com licenciatura do ISCPSI 83 e oficiais sem licenciatura do ISCPSI 57), adicionados os lugares no posto de comissário a vagar por promoção ao posto superior (oficiais com licenciatura do ISCPSI 14 e oficiais sem licenciatura do ISCPSI 6), sendo que, poderiam ir a concurso as seguintes vagas (oficiais com licenciatura do ISCPSI 52 e oficiais sem licenciatura do ISCPSI 10), todavia, os subcomissários que preenchiam os requisitos para o concurso eram (oficiais com licenciatura do ISCPSI 28 e oficiais sem licenciatura do ISCPSI 285). c) Porquanto, da leitura dos pontos supra referidos vislumbra-se que, as 10 vagas a preencher para os oficiais não titulares de licenciatura de ISCPSI foram obtidas não por referência às 38 vagas a concurso, mas atenta a aplicação da quota de 1/3 ao número total de lugares do mapa de pessoal para o posto de comissário. 6. Entendimento este, porque como é sabido no domínio da interpretação das leis, cabe ao intérprete descer da letra e desvendar o pensamento do legislador que, ao elaborar as normas em apreço neste parecer, teve em vista garantir a possibilidade aos oficiais não titulares de licenciatura de ISCPSI de progredirem na carreira, reservando-lhes 1/3 dos lugares do quadro, com o fito de não lhes ser coarctado o acesso à promoção, todavia naquela proporção (1/3) atento o legislador pretender dotar os quadros maioritariamente (2/3) com ofício de polícia licenciados em ciências policiais, que não de outras áreas do saber. 7. Porquanto, entenda-se que, s.m.o., o fito do legislador nunca foi o de reservar 1/3 das vagas, no momento em que existam lugares vagos, sem atentar à distribuição dos lugares no quadro já ocupados por oficiais detentores e não detentores de licenciatura ministrada pelo ISCPSI. 8. Pois, neste conspecto, e salvo o devido respeito – que é muito – o entendimento da Recorrente poderia originar o que o legislador não quis, ou seja, que num futuro muito próximo, os oficiais habilitados com licenciatura específica em ciências policiais, ministrada pelo ISCPSI, terem dificuldade em almejar ascender à categoria imediatamente superior (lugares então ocupados por outras áreas do saber). 9. E, não foi isto que o legislador pretendeu, tendo em consideração: a) Os custos que o Estado teve em formar o oficial de polícia com a licenciatura em ciências policiais (designadamente, atente-se à duração do curso, aos custos da formação e às acções de qualificação e actualização); b) E o facto de se tratar de uma licenciatura específica, vocacionada para o exercício de funções policiais. 10. Da enunciada doutrina e quadro normativo que lhe subjaz inteiramente transponível para a situação em apreço, ressalta a bondade da conduta corporizada na actuação administrativa em causa. Termos em que: Caso Vossa Excelência se digne concordar com o que antecede poderá: - negar provimento ao recurso interposto por A.S.O.P. Associação Sindical de Oficiais de Polícia, mantendo inalterado o Despacho recorrido. - Comunicar ao Senhor Director Nacional da PSP, que notificará o presente despacho à Recorrente e à sua Ilustre advogada. (…)”. (dado como provado com base em fls. 43 a 48 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); G) Em 30.08.2010, o Ministro da Administração Interna exarou o seguinte despacho: “Concordo com o Parecer n.º 379/FR/2010 (Processo n.º E-6845/2009-SG-DSGAJ), da Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso do Ministério da Administração Interna, que se junta em anexo, referente ao recurso hierárquico interposto pela Associação Sindical de Oficiais de Polícia do despacho do Senhor Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 27 de Abril de 2009, que ordenou a abertura do Concurso Interno de acesso limitado n.º 3/2009 para o posto de Comissário. De acordo, com as razões expendidas no referido Parecer nego provimento ao recurso interposto, mantendo inalterado o Despacho recorrido. Notifique-se do presente Despacho o Senhor Director Nacional da Polícia de Segurança Pública e os seus ilustres mandatários.” (dado como provado com base em fls. 42 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel); H) Em 12.10.2010, a PI da presente acção deu entrada no Tribunal (dado como provado com base em fls. 14 do processo administrativo junto aos autos em suporte de papel); I) Em 31.10.2011 foi proferida sentença no Processo n.º 1193/09.7BELSB, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - acção administrativa especial de impugnação do despacho do Director Nacional da PSP, de 27.04.2009 -, na qual foi decidido: “Nestes termos, e com fundamento no supra exposto, julga-se procedente a presente acção, por provada e dotada de fundamento, e em consequência, condena-se o R. a praticar acto devido, afectando 12 lugares para Subcomissários não habilitados com licenciatura.” (dado como provado com base na certidão judicial, documento junto aos autos em 22.05.2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); * Os factos provados resultam da convicção do Tribunal fundada nos documentos juntos aos autos. * Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados.”.
DE DIREITO Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 7.º, n.º 3 do D.L. n.º 511/99, de 24/11, por a reserva aí prevista de um terço das vagas ser fixa Vem o Recorrente a juízo interpor recurso da sentença recorrida que julgou a ação procedente, no âmbito da qual é impugnado o ato administrativo proferido no âmbito do recurso hierárquico interposto, que negou provimento ao recurso interposto do ato administrativo proferido em 27/04/2009, que determinou que no concurso em causa, 10 vagas iriam ser afetas aos concorrentes Subcomissários não habilitados com licenciatura e não 12 vagas. Coloca-se como questão decidenda no presente recurso decidir do acerto da sentença recorrida ao julgar procedente a ação, por violação do artigo 7.º, n.º 3 do D.L. n.º 511/99, de 24/11, ao decidir-se que a reserva aí prevista de um terço das vagas ser um limite mínimo de garantia, podendo ser em número superior, condenando a Entidade Demandada a afetar 12 lugares para Subcomissários não habilitados com licenciatura. Vejamos. Procedendo ao enquadramento de facto do litígio em presença resulta do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida que em 29/04/2009 foi aberto concurso interno de acesso para o posto de comissário do quadro de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, cujo aviso foi posteriormente retificado, prevendo o preenchimento até ao limite máximo de 38 lugares de Comissário, dos quais, 28 lugares são destinados a Subcomissários habilitados com a licenciatura em Ciências Policiais ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna e que prevê que seja de 10 os lugares destinados a Subcomissários não possuidores daquela licenciatura, nos termos do despacho datado de 27/04/2009 do Diretor Nacional da PSP, de concordância com a Informação dos serviços, datada de 23/04/2009 (vide alíneas A), B), C) e D) do probatório). Contra esse despacho datado de 27/04/2009 do Diretor Nacional da PSP, na parte em que fixou ser o número de 10 os lugares a preencher, interpôs a Autora recurso hierárquico, sobre o qual recaiu o despacho de 30/08/2010 do Ministro da Administração Interna, de concordância com o parecer dos serviços, negando provimento ao recurso, decisão que foi impugnada na presente ação. Tal como refere a sentença recorrida a questão de direito decidenda não é nova, tendo já antes sido colocada nos tribunais administrativos, incluindo nos tribunais superiores. Conforme decidido pelo STA, no Acórdão de admissão da revista datado de 27/09/2019, Processo n.º 02840/17.2BELSB: “Os recorrentes, que eram subcomissários da PSP não habilitados com o Curso de Formação de Oficiais de Polícia (CFOP), impugnaram «in judicio» o acto – culminante de um concurso interno para o preenchimento de 179 lugares da categoria de comissário – que os não nomeou porque já antes fora preenchida a quota de 60 lugares (1/3 dos postos a concurso) reservada para subcomissários carecidos daquele curso. O TAC julgou a acção procedente porque a dita reserva de «um terço das vagas colocadas a concurso de promoção» para a categoria de comissário – reserva essa prevista no art. 148º, n.º 1, do DL n.º 243/2015, de 19/10 – constituiria um mero «limite mínimo», que não vedava a nomeação de outros subcomissários desprovidos do CFOP. Mas o TCA entendeu que os candidatos, a concursos do género, carecidos do CFOP só podiam ser providos num terço das respectivas vagas – como precisamente dizia aquele art. 148º, n.º 1. E o acórdão «sub specie» entreviu a «ratio» dessa solução legal no preâmbulo do DL n.º 243/2015 e, sobretudo, no facto de, após a emergência do Estatuto da PSP de 1999 (DL n.º 511/99, de 24/11), a titularidade do CFOP se haver tornado um requisito de acesso à carreira de oficial de polícia. Na presente revista, os recorrentes centram a sua argumentação na ideia de que a mencionada reserva de um terço das vagas constituía um mero limite mínimo – ainda possibilitador da nomeação de outros candidatos desprovidos do CFOP. Mas essa tese não é convincente. Em geral, só pode falar-se de limites mínimos (ou máximos) em domínios quantitativos (seja a quantidade contínua ou discreta) susceptíveis de mais e de menos. Ora, o art. 148º, n.º 1, do DL n.º 243/2015 não se inscreve nesse tipo de hipóteses; pois a reserva, aí prevista, de «um terço das vagas» é fixa e sujeita a um claríssimo «ne varietur». E, como tal reserva já fora preenchida no concurso agora em questão, não podia o autor do acto nomear os recorrentes, sob pena de agir «contra legem». É o que resulta da letra do art. 148º, n.º 1; e é o que advém ainda da «ratio essendi» da norma (…)” (sublinhados nossos). O precedente aresto foi tirado perante um outro quadro normativo do Estatuto do Pessoal da Polícia de Segurança Pública, que não é aquele ao abrigo do qual foi aberto o concurso a que se refere os presentes autos. Assim, enquanto ao caso do citado aresto tem por base a aplicação do D.L. n.º 243/2015, de 19/10, alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, o caso a que respeita o presente litígio ocorre tendo por base a aplicação do D.L. n.º 511/99, de 24/11, por remissão do D.L. n.º 173/2000, de 09/08. No entanto, no que releva para a decisão a proferir sobre a questão decidenda não existe diferença entre os citados regimes. Estabelece a norma legal pertinente, o artigo 7.º, n.º 3 do D.L. n.º 511/99, de 24/11 que aprova o Estatuto da Polícia de Segurança Pública de 1999, o seguinte: “3 – Para salvaguarda da normal progressão na carreira dos oficiais de polícia não possuidores de licenciatura ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, é lhes reservado um terço das vagas existentes no posto de subintendente.”. No caso do citado aresto do STA, estava em causa a norma do artigo 148.º, n.º 1, do D.L. n.º 243/2015, de 19/10, sob epígrafe, “Salvaguarda de regimes”, que prevê: “1 - Para salvaguarda do desenvolvimento da carreira dos polícias integrados na carreira de oficial de polícia não habilitado com o CFOP ministrado no ISCPSI, é reservado um terço das vagas colocadas a concurso de promoção para as categorias de comissário e subintendente.”. Como se percebe da leitura dos dois citados preceitos legais, o seu respetivo conteúdo material é o mesmo, estando em causa regimes de valorização da carreira dos polícias e de salvaguarda das suas especificidades, acautelando a sua compatibilização com o atual contexto legal relativo às exigências de ingresso na carreira de oficial de polícia, permitindo que os oficiais não habilitados com o curso de formação de oficiais de polícia, que constituem um grupo perfeitamente delimitado, possam progredir na carreira. Em ambos os casos, trata-se de manter a salvaguarda de regimes que já vinham de trás e que se traduzem em reservar um terço das vagas aos oficiais de carreira que não são habilitados com o curso de formação de oficiais de polícia. Isto porque a titularidade do CFOP (Curso de Licenciatura ou Mestrado em Ciências Policiais) passou a ser, a partir do D.L. n.º 511/99, de 24/11, requisito de acesso à carreira. O que significa que segundo vontade expressa do legislador, fica reservada uma quota de um terço para a promoção dos oficiais de carreira que não são habilitados com o curso de formação de oficiais de polícia. Como decidido no citado acórdão do STA, de 27/09/2019, Processo n.º 02840/17.2BELSB, trata-se de uma quota fixa e que, portanto, não pode ser aumentada, nem reduzida, sob pena de violação da lei. Aqui chegados, impõe-se então analisar o que concretamente foi decidido na sentença sob recurso. Compulsada a sentença sob recurso dela resulta o seguinte que ora se extrai: “(…) o Tribunal ad quem discordou do Tribunal a quo quanto à questão da reserva de 1/3 das vagas postas a concurso aos Oficiais não titulares de Curso de Licenciatura em Ciências Policias ser um limite mínimo de garantia, podendo ser em número superior. Ora, não existe discordância entre o Tribunal ad quem e o Tribunal a quo, relativamente à reserva de 1/3 se reportar aos lugares postos a concurso consignados aos Oficiais não titulares de Curso de Licenciatura em Ciências Policias (não se reportando, assim, aos lugares do quadro de pessoal como defende a Entidade demandada nos presentes autos). Termos em que se conclui que a Entidade demandada ao negar provimento ao recurso hierárquico violou o disposto do artigo 7.º, n.º 3 do DL 511/99, de 24.11 e por isso o acto impugnado deverá ser anulado e deverá condenar-se a Entidade demandada a praticar acto devido, afectando 12 lugares para Subcomissários não habilitados com licenciatura.”. Este julgamento apresenta-se correto, pelo que é de manter. Vem o Recorrido a recurso com uma alegação que é manifestamente improcedente, pois a sentença recorrida não defendeu a tese que havia sido sufragada em anterior decisão proferida em 1.ª instância, referida na sentença sob recurso como a posição do Tribunal a quo, de o referido limite de um terço do número total de vagas ser um limite mínimo de garantia, que poderá ser superior. Pelo contrário, a sentença recorrida tomou posição de que a reserva legal dos lugares postos a concurso consignados aos oficiais da PSP não titulares do curso de licenciatura em ciências policiais é de um terço. É o que resulta da lei e está em linha com o entendimento do STA. Verifica-se, porém, que essa reserva não foi respeitada pela Entidade Demandada ora recorrida, incorrendo o ato impugnado em violação de lei, pois resultando da matéria de facto assente que o número dos lugares postos a concurso é de 38 (alínea D) do probatório), a quota de reserva de um terço corresponde a 12 lugares e não a 10, tal como assumido no ato impugnado. Mostra-se mesmo assumido no parecer que se dá como provado na alínea F) do julgamento da matéria de facto, em que se baseia o ato impugnado, proferido pelo Ministro da Administração Interna, que “as 10 vagas a preencher para os oficiais não titulares de licenciatura de ISCPSI foram obtidas não por referência às 38 vagas a concurso, mas atenta a aplicação da quota de 1/3 ao número total de lugares do mapa de pessoal para o posto de comissário.”. Este entendimento não tem qualquer apoio na letra e no espírito da lei, desvirtuando mesmo a finalidade que lhe está subjacente, pois se, por um lado, o legislador não deixou transparecer que os oficiais de carreira tivessem uma posição de privilégio face aos oficiais titulares do CFOP, na ocupação de lugares no posto de Comissário, por outro lado, previu uma norma de salvaguarda, reservando a quota de um terço dos lugares postos a concurso para aqueles profissionais da polícia. Tendo o artigo 34.º, n.º 1 do D.L. n.º 511/99, de 24/11 passado a prever a regra de o acesso à carreira de oficial de polícia exigir a titularidade de curso superior em Ciências Policiais, ministrado pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, mas ciente de que os oficiais não habilitados com o curso de formação de oficiais de polícia detêm igualmente o direito a progredir na carreira, o legislador, de modo precisamente a garantir esse direito, assegurou mediante a previsão de um contingente de um terço das vagas colocadas a concurso, ficando os outros dois terços consignados aos Oficiais titulares do CFOP (Curso de Licenciatura ou Mestrado em Ciências Policiais). Termos em que, em face de todo o exposto, considerando o decidido na sentença recorrida, improcede totalmente o presente recurso, sendo manifesta a falta de razão que assiste ao Recorrente na sua interposição. * Em suma, será de negar provimento ao recurso, por não provado o seu fundamento, mantendo-se a sentença recorrida. * Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. A cláusula de salvaguarda prevista no artigo 7.º, n.º 3 do D.L. n.º 511/99, de 24/11, que aprova o Estatuto do pessoal da Polícia de Segurança Pública, constitui um limite de garantia de acesso por parte dos oficiais de polícia não possuidores de licenciatura ministrada pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna. II. Trata-se da reserva de uma quota de um terço para a promoção dos oficiais de carreira que não são habilitados com o curso de formação de oficiais de polícia, sendo os restantes dois terços consignados aos oficiais titulares desse curso. III. Essa quota de um terço é fixa e, portanto, não pode ser aumentada, nem reduzida, sob pena de violação da lei. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique. A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes. (Ana Celeste Carvalho - Relatora) |